Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
51/09.0TBALB-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FREITAS NETO
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
ENTREGA JUDICIAL DE BENS
VEÍCULO AUTOMÓVEL
LOCAÇÃO
Data do Acordão: 06/30/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: ALBERGARIA-A-VELHA - 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART.º 21 Nº 7 DO DL 149/95 DE 24/06 (NA REDACÇÃO DADA PELO DL 30/2008 DE 25/02)
Sumário: 1. Na redacção dada pelo DL 30/2008 de 25/02 ao nº 7 do art.º 21 do DL 149/95, com a decisão da providência cautelar de entrega do bem locado fica definitivamente resolvida a questão da restituição do bem com base na resolução, dispensando-se o locador de propor a acção principal destinada à declaração do direito de entrega do bem locado, meramente acautelado.

2. Verdadeiramente aquele procedimento deixou de ter a natureza de uma providência cautelar. Passou a constituir um procedimento abreviado ou simplificado de condenação definitiva do locatário a entregar a coisa locada ao respectivo locador.

3. Por conseguinte, a acção que o legislador de 2008 procurou eliminar foi apenas aquela que visa o reconhecimento do direito do locador à entrega do bem locado (com a correspondente condenação do locatário), seja quando esse direito se funda em resolução já comunicada, ou no mero decurso do prazo do contrato (sem que, entretanto, o locatário tenha exercido a opção de compra). Não foi, pois, seguramente, outra qualquer acção, nomeadamente a relativa à condenação do locatário na satisfação das quantias devidas por força do contrato, ou do seu eventual incumprimento.

Decisão Texto Integral: Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

O BANCO A..., requereu no 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Albergaria-A-Velha uma providência cautelar para entrega judicial de veículo, ao abrigo do art.º 21 do DL 149/95 de 24/06, contra B... e marido C... , alegando a resolução de um contrato de locação financeira relativo a determinado veículo automóvel, celebrado com a Requerida mulher em proveito de ambos os Requeridos, veículo que estes, não obstante aquela resolução, não restituíram. Rematou, pedindo a entrega imediata da viatura locada, autorizando-se o Requerente a dispor imediatamente da mesma e ainda, como antecipação do juízo sobre a causa principal, a condenação solidária dos Requeridos a pagarem ao Requerente a quantia de € 4.256,10, a que acrescem € 131,74 de juros vencidos até 12/01/2009; os juros que à taxa de 4,5% se vencerem desde 13/01/2009 sobre € 3.180,17 até integral pagamento; os juros que, à taxa legal de 4%, se vencerem desde a citação até integral pagamento sobre o montante de € 1.085; e ainda das custas, procuradoria e mais  de lei.

 

Citados ambos os Requeridos, apenas o Requerido C... deduziu oposição, dizendo estar divorciado da Requerida B....desde 2005, não fazendo com ela vida em comum desde 2002, nunca tendo tirado qualquer vantagem da locação do veículo em causa.

Após a produção das provas oferecidas, foi proferida decisão do seguinte teor:

"(...) julgo a presente providência cautelar parcialmente procedente e, consequentemente:
1. Condeno a Requerida mulher a entregar definitivamente à Requerente o veículo de marca Mercedes, modelo Furgão Compacto, chassis VYDF 63S601 13 0601S6, com a matrícula 00-00-ZE.
2. Absolvo o Requerido do pedido de entregar à requerente o referido veículo.
3. Absolvo os Requeridos do pagamento à requerente da quantia de € 4.266,10, acrescida de £ 131,74 de juros vencidos até 19/01/2009 e dos juros que à taxa de 4,5% se vencerem desde 13/01/2009 sobre € 3.180,17 até integral pagamento e dos juros que, à taxa legal de 4%, se vencerem desde a citação até integral pagamento sobre o montante de € 1,085."    

Irresignada, com semelhante veredicto, dele interpôs o Requerente o vertente recurso, admitido como apelação, a subir em separado e com efeito meramente devolutivo.

Proferida decisão sumária que julgou improcedente a apelação, reclamou o apelante para a conferência, cabendo a esta proferir o competente acórdão.

                                                                           *

Nos termos aplicáveis do art.º 713, nº 6 do CPC remete-se para a matéria que foi dada como provada na 1ª instância, cuja decisão, nesse âmbito não mereceu qualquer impugnação.

Decidindo.

                                                                            *

           

A apelação.

As conclusões da alegação do apelante – que, como se sabe, delimitam o objecto do recurso - centram-se na questão única de saber se, por força da antecipação do juízo sobre a causa principal imposta pela nova redacção do nº 7 do art.º 21 do DL 149/95 de 24/06, o tribunal a quo também deveria ter condenado a Requerida no pagamento dos montantes peticionados pelo não cumprimento do contrato, nomeadamente das rendas vencidas e não liquidadas, dos juros, bem como da indemnização convencionada.

O Requerido contra-alegou, pugnando pela manutenção do decidido.

Apreciando.

O tema do presente recurso prende-se, pois, com o problema de saber se a decisão nele impugnada teria que conhecer, não só da entrega do bem locado por virtude da resolução ocorrida, como da questão da condenação da Requerida no pagamento das quantias que ficaram em dívida em virtude do não cumprimento do contrato de locação financeira celebrado com o Requerente Banco A...

Vejamos.

Dispõe-se no nº 1 do art.º 21 do Decreto-Lei nº 149/95 de 24/06, após as alterações introduzidas pelo DL 30/08 de 25/02:

""Se, findo o contrato por resolução ou pelo decurso do prazo sem ter sido exercido o direito de compra, o locatário não proceder à restituição do bem ao locador, pode este, após o pedido de cancelamento de registo de locação financeira, a efectuar por via electrónica sempre que as condições técnicas o permitam, requerer ao tribunal providência cautelar consistente na sua entrega imediata ao requerente".

Nos termos do art.º 7º daquele diploma, restituída a coisa ao locador, este pode dispor da mesma, "nomeadamente vendendo-o ou dando-o em locação ou em locação financeira ao anterior locatário ou a terceiro ".

O objectivo da providência cautelar é, assim, na expressão literal da lei, a entrega do bem ao locador, para que este, findo o contrato, possa renegociá-lo com rapidez, na prossecução da sua actividade comercial. O que facilmente se compreende porquanto a manutenção do bem em poder do locatário relapso, além de impedir a relocação ou a venda pelo locador, acentuaria consideravelmente a depreciação do mesmo.

Porque tal não deflui dos requisitos legalmente exigidos para o decretamento da providência, não está subjacente à sua génese a finalidade de assegurar também a garantia patrimonial dos créditos, que o locador possa deter – e, normalmente deterá - sobre o locatário, com fundamento no incumprimento deste.

Na redacção dada pelo DL 30/2008 de 25/02 ao nº 7 do art.º 21 do DL 149/95 preceitua-se que "o tribunal ouve as partes e antecipa o juízo sobre a causa principal".

Este normativo veio concretizar a intenção do legislador, manifestada no preâmbulo do diploma de 2008, de, através da decisão da providência, ficar definitivamente arrumada a questão da restituição do bem com base na resolução, dispensando-se o locador de propor a acção destinada à declaração do direito meramente acautelado.

Com efeito outra coisa não se pode retirar destas palavras da exposição ali contida:

" (...) permite-se ao juiz decidir a causa principal após decretar a providência cautelar de entrega do bem locado, extinguindo-se a obrigatoriedade de intentar uma acção declarativa apenas para prevenir a caducidade de uma providencia cautelar requerida por uma locadora financeira ao abrigo do art.º 21 do DL 149/95 de 24/06, alterado pelos Decretos Leis nº 265/97 de 2 de Outubro e 285/2001 de 3 de Novembro". Esclarecendo-se de seguida que se pretendeu "evitar-se assim a existência de duas acções judiciais – uma providência cautelar e uma acção principal – que materialmente têm o mesmo objecto: a entrega do bem locado".

Isto é, o que se pretendeu foi reunir num só procedimento duas decisões: a de o locador recuperar imediatamente o bem locado (e a sua disponibilidade) e, do mesmo passo, a de declarar definitivamente o seu direito à restituição desse bem.

Verdadeiramente aquele procedimento deixou de ter a natureza de uma providência cautelar. Passou a constituir um procedimento abreviado ou simplificado de condenação definitiva do locatário a entregar a coisa locada ao respectivo locador.

Na verdade, de acordo com o nº 1 do art.º 383 do CPC, "O procedimento cautelar é sempre dependência da causa que tenha por fundamento o direito acautelado (...)".

Não fora a alteração introduzida, o locador, uma vez conseguido deferimento da providência, teria ainda de propor a acção de que a providência era dependência, no prazo de 30 dias contados da notificação da decisão que a tivesse ordenado, nos termos do art.º 389, nº 1, al.ª a) do CPC.

Por conseguinte, a acção que o legislador de 2008 procurou eliminar – realizando, porventura, apenas em parte, a economia que, aparentemente, vinha anunciada no preâmbulo do diploma [1] - foi apenas aquela que visa o reconhecimento do direito do locador à entrega do bem locado (com a correspondente condenação do locatário), seja quando esse direito se funda em resolução já comunicada, ou no mero decurso do prazo do contrato (sem que, entretanto, o locatário tenha exercido a opção de compra).

Não foi, pois, seguramente, outra qualquer acção, nomeadamente a relativa à condenação do locatário na satisfação das quantias devidas por força do contrato, ou do seu eventual incumprimento. É que a providência do art.º 21 do DL 149/95 nada tem que ver com estes créditos, pois o seu objecto restringe-se – como se viu - à mera recuperação do bem locado. A acção destinada à declaração e consequente condenação do locatário no pagamento dos aludidos créditos é independente do decretamento da providência. Esta, uma vez deferida, nunca caducaria pelo facto de a acção contra o locatário, visando o cumprimento dessas obrigações, não vir a dar entrada o prazo da alínea a) do nº 1 do art.º 389 do CPC, porquanto – simplesmente – nunca se encontrou na dependência de tal acção.

Sendo certo que o DL 30/2008 teve em vista, com o alargamento do âmbito jurisdicional da providência, a economia de uma certa acção, também não quis conferir a esse novo âmbito mais do que o valor da declaração definitiva da obrigação de restituição do bem pelo locatário - na medida em que continuou a restringir a aplicação do respectivo processo à simples entrega desse bem (resultante do decurso do prazo da locação ou da resolução do contrato), de harmonia com a actual redacção dos nºs 1 e 2 do art.º 21 do DL 149/95.

Donde que sejam de refutar integralmente as conclusões que integram a questão levantada no recurso.

Pelo exposto, na improcedência da apelação, confirma-se a decisão.

Custas pelo apelante.


[1] Onde aludiu ao programa de "descongestionamento do sistema judicial" e ao propósito de acabar com "acções judiciais desnecessárias".