Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
4122/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: DIREITO À GREVE
PROIBIÇÃO DE SUBSTITUIÇÃO DE GREVISTAS
Data do Acordão: 04/20/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE CONTRA-ORDENAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 6º E 8º DA LEI Nº 65/77, DE 26/8 (LEI DA GREVE) .
Sumário: I – O direito à greve é irrenunciável, tem assento constitucional, e é decidido pelas associações sindicais, estando vedado às entidades empregadoras, durante a greve, substituir os grevistas por pessoas que à data do seu anúncio não trabalhavam no respectivo estabelecimento ou serviço, e também não podem, desde aquela data, admitir novos trabalhadores .
II – Tendo a arguida contratado os serviços de uma empresa de transportes para efectuar, como efectuou, todo o serviço que lhe estava cometido fazer em dia de greve, afrontou a determinação do artº 6º da Lei da Greve, pelo que se justifica a aplicação de uma coima .
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I –

1 – O IDICT/I.G.T., Delegação de Coimbra, aplicou à arguida ‘A...’ a coima de € 10.000,00, por infracção ao art. 6.º da Lei n.º 65/77, de 26 de Agosto, vigente à data da sua prática e não obstante mais favorável à infractora face ao regime sucedâneo constante dos arts. 596.º/1, 613.º/1 e 689.º do Código do Trabalho.

2 – Irresignada, impugnou a decisão da Autoridade Administrativa junto do Tribunal do Trabalho de Coimbra, no que foi desatendida, conforme fls. 106-110, mantendo-se a sua condenação.

3 – Ainda inconformada, recorre agora para esta Instância, alegando e concluindo:
· O motivo inerente à contratação da empresa ‘B...’ é válido porque para assegurar os serviços mínimos;

· A interpretação feita nesses termos pressupõe, ao arrepio da letra da Lei, que têm de ser excluídas do âmbito do preceito razões que se prendam com a necessidade e até o dever de assegurar serviços mínimos;

· A arguida não violou nenhuma das normas referidas, pelo que tal conduta não poderá integrar a infracção aí prevista;

· A Lei, embora refira que cabe às associações sindicais e aos trabalhadores assegurar os serviços mínimos, não significa que tal fique inteiramente na sua disponibilidade;

· O legislador não afastou a competência da Entidade Patronal para proceder à designação dos trabalhadores que hão-de prestar os serviços em causa; quando muito estendeu-a também às organizações sindicais e/ou aos próprios trabalhadores;

· Sempre que as associações sindicais ou os trabalhadores não indiquem quem deve assegurar os serviços mínimos, poderá também a Entidade Patronal encontrar formas de assegurar estes serviços e foi o que aconteceu.

Deve assim o presente recurso ser considerado procedente, revogando-se a decisão recorrida.

4 – Respondeu o MºPº, pugnando pela confirmação do julgado.
Respondeu também o assistente, oportunamente constituído – o Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Correios e Telecomunicações – concluindo em síntese e sucessivamente que, por um lado, a recorrente não interpôs recurso da decisão proferida nos Autos, devendo por isso ser proferido despacho de não admissão do recurso; por outra banda, sem prescindir, não indicou nas conclusões as normas jurídicas que considera violadas …e estava obrigada a fazê-lo, devendo o recurso ser rejeitado; por fim – e ainda sem prescindir – sempre se adianta que a sentença recorrida não violou qualquer normativo, devendo ser mantida nos seus precisos termos.

Recebido o recurso e colhidos os vistos legais – com o Exm.º P.G.A. a manifestar inteira adesão ao conteúdo da resposta apresentada junto do Tribunal 'a quo' – cumpre decidir.
___

II –

1 – DE FACTO
Vem assente a seguinte factualidade:
1. O Sindicato Nacional dos Trabalhadores dos Correios e Telecomunicações – SNTCT – procedeu à comunicação do pré-aviso de greve à Direcção da arguida para os dias 18 e 20 de Junho de 2003;
2. Face à greve, nesse dia 20, não compareceram ao serviço seis dos 48 trabalhadores do sector das operações dos transportes postais, entre os quais Manuel dos Santos;
3. Este trabalhador é condutor do transporte de encomendas postais de Coimbra/Sever de Vouga e, no citado dia 20, todo o seu serviço (correio urgente e normal) foi assegurado pela empresa ‘Transportes B...’, contratada pela arguida após o pré-aviso referido em 1., para o efeito e devido à greve daquele;
4. Esta transportadora já por diversas vezes fora contratada pela arguida para efectuar o transporte de encomendas postais;
5. A arguida foi já condenada pela prática das contra-ordenações constantes do registo de fls. 26 e cujo conteúdo aqui se tem por reproduzido.
___

Não se provaram quaisquer outros factos com interesse para a decisão da causa, nomeadamente não se provou o constante do art. 24.º das alegações de recurso (que não era possível efectuar uma selecção do trabalho considerado urgente).
___

2 – O DIREITO
Esta Instância conhece apenas da matéria de Direito, por via de regra, apresentando-se o ‘thema decidendum’ delimitado pelas conclusões da respectiva motivação, como é sabido.

Antes de enfrentar a questão basilar em que se analisa afinal o objecto da impugnação, importa deixar duas breves notas, à laia de questão prévia.
- Ao compulsar o processado, logo constatámos (e disso também se deu conta o Exm.º Mandatário do Assistente, denunciando-o na sua resposta à motivação) que a arguida se aprestaria para reagir a uma decisão que não era a proferida nestes Autos…
Trata-se porém de um claro lapso, que naturalmente se releva, porque de todo inconsequente.
Com efeito, a Recorrente – identificando bem o processo a que dirige o requerimento de interposição do recurso, fls. 116, Proc. n.º 176/05 do Tribunal do Trabalho de Coimbra – refere-se a uma decisão diversa, adiantando reportar-se, como confirma na introdução da motivação, a uma decisão que lhe terá aplicado uma coima de € 1.500 pelo facto de não ter solicitado o parecer da Comissão de Trabalhadores para proceder ao encerramento da Estação de Correios de Alfarelos..
Todavia, logo enceta o desenvolvimento do texto que contém a motivação integral focando a matéria respeitante ao presente processo, concluindo correctamente em conformidade.
Não poderá deixar de aceitar-se que a sua reacção se dirigiu à sentença proferida nestes Autos.

- De acordo com o preceituado no n.º2 do art. 74.º do RGCO, o recurso seguirá a tramitação do recurso em processo penal, tendo em conta as especialidades que resultam deste diploma.
No que tange à motivação do recurso e conclusões – e versando estas matéria de Direito – manda efectivamente o n.º2 do art. 412.º do C.P.P. que as conclusões contenham, sob pena de rejeição, a indicação das normas jurídicas pretensamente violadas.

É certo. …E por isso pertinente, em alguma medida, o reparo do Exm.º Assistente.
Todavia, a ter-se por completamente omitido o dever injuntivo em causa – e não tem, como implicitamente se admitirá e melhor se explicitará a seguir – ainda assim sempre haveria que ser facultada à arguida/Recorrente a oportunidade de suprir tal deficiência, (apesar de estarmos em sede de um direito penal secundário…com as suas conhecidas especificidades), em observância da doutrina constante do Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 320/2002, in D.R., I – Série, de 7.10.2002, a que foi conferida força obrigatória geral, e em cujos termos foi declarada a inconstitucionalidade do referido segmento do n.º2 do art. 412.º do C.P.P. quando interpretado no sentido de que a falta de indicação nas conclusões de uma qualquer das menções contidas nas alíneas da dita norma implicaria a rejeição liminar/automática do recurso.

Embora a recorrente dispense parte significativa da sua motivação a comentar criticamente (…) os fundamentos da proposta de decisão da Autoridade Administrativa e as asserções conclusivas da Sr.ª Inspectora – quando está a insurgir-se, afinal, contra a sentença proferida pela Mm.ª Juíza do Tribunal do Trabalho de Coimbra… – o certo é que o seu inconformismo anda à volta do entendimento prevalecente na sentença sob recurso (que confirmou o sentido da solução daquela decisão administrativa) relativamente ao alcance da(s) norma(s) jurídica(s) identificada(s) como tendo sido por si infringida/s (:o arts. 6.º… com referência ao art. 8.º da então vigente Lei da Greve, a Lei n.º65/77, de 26 de Agosto) …apesar de apenas invocar expressamente esta última no ponto 16. da motivação e de não a(s) referir formalmente no elenco conclusivo.
(Refere apenas na conclusão 3.ª que …não violou nenhuma das normas referidas…).
Isso nos basta, pois, para – considerado o contexto em que se desenvolve a dialéctica tendente a demonstrar o sentido em que deveria ter sido interpretada, na tese da impetrante, a norma tida por violada – dar como minimamente satisfeita a aludida exigência da Lei adjectiva penal.
*
No que tange à questão essencial – e uma vez tudo visto e ponderado – é nossa firme convicção que a Recorrente não tem razão.
A decisão impugnada decidiu com pleno acerto, não sendo susceptível de qualquer censura.
Seremos breves, por isso, na fundamentação da asserção.

(Tenha-se presente que o quadro normativo de subsunção é o constante da então vigente Lei n.º 65/77, de 26 de Agosto, (com as relevantes alterações introduzidas pela Lei n.º 30/92, de 20/10), entretanto revogada pelo art.21.º, n.º1. e) da Lei 99/2003, que aprovou o Código do Trabalho).

O direito à greve tem assento Constitucional – art. 57.º da CRP.
A Lei Ordinária deu-lhe forma, como tal o proclamando desde logo no seu art. 1.º/1.
Tal direito é irrenunciável e o recurso à greve é decido pelas Associações Sindicais.
Citando os Ilustres Anotadores do Texto Fundamental (Gomes Canotilho e Vital Moreira), bem diz o Assistente que ‘a Constituição não se limita a reconhecer o direito à greve: é enfática também em garanti-lo, quando consignou lapidarmente que ‘É garantido o direito à greve’.

Vem factualmente assente que o SNTCT comunicou atempadamente à Direcção da Arguida/recorrente o pré-aviso de greve dos trabalhadores do respectivo sector de actividade, (transportes postais), para os dias 18 e 20 de Junho de 2003, a ela tendo aderido seis dos 48 trabalhadores, que, por via disso, não compareceram ao serviço.
Dentre eles, o condutor do transporte de encomendas postais no itinerário Coimbra/Sever do Vouga, Manuel dos Santos.
No citado dia 20 todo o seu serviço (correio urgente e normal) foi assegurado pela empresa de Transportes ‘B...’, que foi previamente contratada pela arguida após o referido pré-aviso de greve, para o efeito e devido à greve daquele trabalhador.

Prescreve o art. 6.º da Lei da Greve (Lei n.º 65/77), sob a epígrafe ‘Proibição de substituição dos grevistas’ que ‘A entidade empregadora não pode, durante a greve, substituir os grevistas por pessoas que à data do seu anúncio não trabalhavam no respectivo estabelecimento ou serviço, nem pode, desde aquela data, admitir novos trabalhadores’ – sublinhado agora.
A arguida/recorrente, ao contratar os serviços de uma empresa de transportes para efectuar, como efectuou, todo o serviço (transporte de encomendas postais, correio urgente e normal) que estava cometido, nesse dia 20, ao trabalhador em greve, Manuel dos Santos, afrontou claramente a determinação daquela norma, violando inequivocamente o seu comando.
Não o podia fazer impunemente.
O mais invocado não colhe, como é evidente, não demandando grande esforço dialéctico tal demonstração.
É certo que há obrigações durante a greve, que impendem sobre as associações sindicais e os trabalhadores em luta.
Prevê o art. 8.º da LG que …‘Nas empresas ou estabelecimentos, (como os Correios e Telecomunicações), que se destinem à satisfação de necessidades sociais impreteríveis ficam as associações sindicais e os trabalhadores obrigados a assegurar, durante a greve, a prestação dos serviços mínimos indispensáveis para ocorrer à satisfação daquelas necessidades’.
Ficam os mesmos ainda obrigados a prestar, durante a greve, os serviços necessários à segurança e manutenção do equipamento e instalações.
Verificando-se o incumprimento dessas obrigações, poderá o Governo determinar a requisição ou mobilização, nos termos da Lei aplicável.

Ora – salvo o devido respeito – não nos parece que, ante este quadro normativo de previsão, o Empregador estivesse de algum modo legitimado a intervir, seja tomando a iniciativa, sem mais, de assumir o exclusivo papel de estabelecer o que deveria entender-se por ‘serviços mínimos’ para o efeito em causa, (que eram afinal, na sua óptica, a totalidade do serviço corrente, sem qualquer destrinça entre correio urgente e correio normal…), seja substituindo-se às entidades legalmente incumbidas da obrigação de os assegurar, assim determinando, ‘sponte sua’, que a actividade funcional do trabalhador grevista fosse suprida pela empresa de transportes, adrede contratada!

(Veja-se a disciplina do Código do Trabalho sobre a matéria – art. 591.º e seguintes.
Os serviços mínimos indispensáveis são/continuam a ser assegurados, durante a greve, tão-só e obrigatoriamente, pelas associações sindicais e pelos trabalhadores.
Estabelece-se agora, sim, como se definem os serviços mínimos: por via de irct, por acordo, por despacho ministerial conjunto ou por um colégio arbitral – cfr. art. 599.º – devendo presidir sempre a tal definição o respeito pelos princípios da necessidade, da adequação e da proporcionalidade).
__
Isto dito basta para concluir que:
Como se nos afigura irrefutável, a actuação da arguida não se compagina minimamente com o escopo das normas identificadas, que afrontou ostensivamente.
Foi por isso justamente sancionada.
__

III – DECISÃO

Nos termos e com os fundamentos expostos, delibera-se negar provimento ao recurso, confirmando inteiramente a douta sentença impugnada.
Custas pela Recorrente, com taxa de justiça que se fixa em 6 (seis) UC’s.
____
(Processei e revi. Rubrico e assino. – Art. 94.º/2 do C.P.P.)
****


Coimbra,