Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
192/04.OTATNV-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ATAÍDE DAS NEVES
Descritores: AUDIÊNCIA
ABERTURA APLICAÇÃO LEI MAIS FAVORÁVEL
LEGITIMIDADE PARA REQUERER
Data do Acordão: 11/19/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE TORRES NOVAS – 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 371º.A CPP
Sumário: 1. Não cabe ao Ministério Público promover a aplicação do novo regime estabelecido no artº 371º.A do CPP.
2. Nem tão pouco com base no princípio da defesa da legalidade, porque é precisamente por este mesmo princípio que está vedado ao Ministério Público tal iniciativa.
3. O pedido de reabertura da audiência consiste numa faculdade que está reservada em exclusivo ao arguido condenado, podendo ele optar pela sua dedução ou não, e só ele tem legitimidade para o vir apresentar.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

O Ministério Público inconformado com o despacho de fls. 213 que lhe indeferiu o pedido para ser proferida nova sentença com a redução do período de suspensão da pena de prisão (dois anos) aplicada ao arguido BM..., passando a mesma de 3 anos e 6 meses, para 2 anos, por aplicação directa do artigo 2°, n.4, do Código penal, interpõe recurso.

Formula as seguintes conclusões:
1.- A norma do nº 5 do artigo 50º do Código Penal, na redacção introduzida pela lei n° 59/2007, de 4 de Setembro, é concretamente mais favorável ao condenado se dela resultar um período de suspensão mais curto,
2. - A aplicação retroactiva da lei penal mais favorável ao condenado, mesmo no caso de haver condenação transitada em julgado, decorre actualmente dos artigos 29º, nº 4, in fine da Constituição da República Portuguesa e 2º, n. 4 do Código Penal, na redacção conferida pela lei n. 59/2007, de 4 de Setembro,
3. - O Ministério Público, enquanto garante da legalidade democrática e da igualdade dos cidadãos perante a lei, tem legitimidade para requerer a aplicação do regime penal mais favorável ao condenado, ao abrigo dos artigos 219º, n. 1 da Constituição da República Portuguesa, 1º do EMP e 5º n. 1 da LOFTJ,
4. - O artigo 371º-A do CPP, introduzido pela lei n. 48/2007, de 29 de Agosto não constitui obstáculo quer à apreciação oficiosa, quer à aplicação a requerimento do Ministério Público, do regime mais favorável ao condenado, podendo mesmo a sua aplicabilidade imediata aos processos iniciados anteriormente à Sua vigência ser afastada por recurso ao disposto no artigo 5º maxime n.2, alínea a) do CPP,
5. - Ao negar legitimidade ao Ministério Público para requerer a aplicação ao condenado do regime penal mais favorável, o despacho recorrido violou o disposto nos artigos 50º, n. 5 e 2º, n. 4 do CP, 29º, n, 4 in fine e, 13º, 18º, n, 2, 219º, n, 1 da CRP, 1º do EMP e 5º n, 1 da LOFTJ,
6. - Inexistindo qualquer elemento de facto relevante para a prolação de decisão - em benefício do condenado - no sentido de adequar o período de duração da suspensão de execução da pena de prisão ao vertido no n. 5 do artigo 50º do CP ex v/artigo 2º, n. 4 do mesmo Código, que não conste já da sentença condenatória, reabrir a audiência revelar-se-ia acto inútil em face do teor do artigo 369º, n. 2 ex v/artigo 371,0, ambos do CPP.
7.- Pelo exposto, deverá esse Venerando Tribunal proferir decisão em que determine a redução do prazo de suspensão da execução da pena de prisão de 3 anos e 6 meses para 2 anos, por ser o correspondente à pena de prisão aplicada, de harmonia com o artigo 50º, n. 5 ex v/artigo 2º, n. 4 do CP,
8.- Caso assim não o entendam, deverá esse Venerando Tribunal revogar o despacho recorrido e ordenar a Sua substituição por outro que, dê cumprimento ao preceituado no artigo 50º, n. 5 do CP ex v/ artigo 2.0, n, 4 do mesmo diploma reduzindo oficiosamente o período de suspensão de execução da pena de 3 anos e 6 meses, para 2 anos e, consequentemente, determine a junção aos autos do C.R.C, do arguido e de informação sobre a existência de processos pendentes contra o mesmo em ordem a declarar a eventual extinção da pena.

O recurso foi admitido.

O arguido nada disse.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto reconhecendo que a solução da questão suscitada não se apresenta como inequívoca -originando, aliás, decisões jurisprudenciais não uniformes - propende a defender o entendimento expresso pela recorrente, entendimento esse que tem vindo a ser acolhido em várias decisões desta Relação - cfr. os acórdãos de 30-4-2008, processo n° 55/03.6TAMMV - B.Cl, de 7-5-2008, processo n° 428/05.0FIG-A.Cl, e de 9-7-2008, processo n° 205/03.2TAFIG-A.Cl.

Cumpre apreciar o recurso decidindo se o tribunal recorrido deve reduzir oficiosamente o prazo de suspensão da execução da pena.

É do seguinte teor o despacho recorrido:

Vem o Ministério Público, no requerimento que juntou aos autos, solicitar que seja proferida nova sentença que aplique o regime da suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido BM nos presentes autos, que se encontra previsto no artigo 50°, nº5, do Código Penal, na redacção que lhe foi dada pela Lei n° 59/2007, de 4-9.
Pretende assim o Ministério Público, nessa nova sentença a proferir que seja reduzido o prazo de 3 anos e 6 meses da suspensão da pena de prisão, que foi determinado nos autos, para o de 2 anos, que corresponderá à pena de prisão que foi aqui aplicada ao arguido BM. Sustenta esta pretensão no facto da nova redacção daquele artigo 50°, no5, do Código Penal, introduzida pela Lei n° 59/2007, ser mais favorável ao arguido, que a redacção anterior.
Contudo, determina aquele artigo 371°-A, do Código de Processo Penal, na redacção introduzida por aquela Lei n° 48/2007, que: Se, após o trânsito em julgado da condenação mas antes de ter cessado a execução da pena, entrar em vigor lei penal mais favorável, o condenado pode requerer a reabertura da audiência para que lhe seja aplicado o novo regime.
Resulta assim da redacção desta norma que a possibilidade de solicitar a reabertura da audiência de julgamento para que o Tribunal aplique o regime mais favorável que tenha entrado em vigor depois de ter sido efectuado o julgamento, de ter sido proferida sentença, e desta ter transitado em julgado, encontra-se reservada em exclusivo ao arguido condenado.
Consequentemente, o pedido de reabertura da audiência consiste numa faculdade que lhe está reservada em exclusivo, podendo ele optar pela sua dedução ou não, e só ele tem legitimidade para o vir apresentar.
Verifica-se assim que qualquer outro sujeito processual, designadamente o Ministério Público não tem legitimidade, nem a faculdade de vir pedir a reabertura da audiência de julgamento para efeito de aplicação do regime que se mostre mais favorável, e para a alteração da decisão final proferida nos autos, ainda que transitada em julgado.
Por outro lado, e da análise do disposto na Lei não se vislumbra que o Juiz possa aplicar directamente o novo regime legal que tenha entrado em vigor e que se mostre mais favorável ao arguido. Na verdade, o artigo 2°, n.4, do Código Penal, não pode ser interpretado de forma isolada conforme faz o Ministério Público. Terá sim o mesmo de ser interpretado em conjugação com o artigo 371º-A, do Código de Processo Penal. Consequentemente, se já foi proferida sentença nos autos e a mesma já transitou em julgado, apenas será possível aplicar uma lei que tenha entrado em vigor posteriormente e se mostre mais favorável ao arguido, caso sejam reunidas as condições previstas no artigo 371°-A, do Código de Processo Penal.
Caso não estejam reunidas as condições desta última norma, o Tribunal não poderá aplicar ao arguido essa nova Lei que se mostre mais favorável ao mesmo, nos termos do artigo 2°, nº4, do Código Penal, na medida em que tem de respeitar o caso julgado.
Até porque, seguindo a tese do Ministério Público, o artigo 371°-A, do Código de Processo Penal seria uma norma totalmente inútil. Na verdade, se o Tribunal tivesse que oficiosamente aplicar um regime concreto mais favorável ao condenado, sempre que o mesmo entrasse em vigor, tendo assim que alterar a decisão condenatória que havia proferido, ainda que a mesma tivesse transitado em julgado, não se justificava a reabertura da audiência para o efeito e a necessidade de o condenado formular tal pedido. Na verdade, se o Tribunal já estava obrigado a proceder à prolação de decisão que alterasse a anteriormente proferida, assim que entrasse em vigor um regime jurídico concreto mais favorável ao condenado, não havia necessidade de este recorrer para o efeito ao artigo 371°-A, do Código de Processo Penal. De facto, segundo a tese do Ministério Público, o Tribunal já estava obrigado a proceder à alteração da decisão transitada em julgado, por força do artigo 2°, nº4, do Código Penal. Tornar-se-ia assim inútil o pedido do condenado para que fosse reaberta a audiência, na medida em que o Tribunal teria de alterar a decisão mesmo que tal pedido não fosse apresentado.
Ora, o legislador criou o artigo 371°-A, do Código de Processo Penal com um propósito, não tendo emitido uma norma inútil. E esse propósito consiste em que a decisão condenatória apenas será alterada, ainda que tenha transitado em julgado, quando entrar em vigor uma norma de onde resulte um regime jurídico que em concreto é mais favorável ao condenado, quando este último solicitar a reabertura da audiência da audiência. Só nessa situação será admissível a aplicação do regime concreto mais favorável ao condenado.
Até porque não se vislumbra de que forma poderá o Tribunal aplicar o regime concreto mais favorável sem que, previamente, seja reaberta a audiência, e que os intervenientes processuais tenham a possibilidade de analisar e emitir a sua opinião sobre se os factos em causa nos autos se subsumem nesse regime concreto mais favorável. Só com a reabertura da audiência será possível que seja cumprido o princípio fundamental do processo consistente no exercício do contraditório pelos intervenientes.
Refira-se ainda que o nº4, do artigo 2°, do Código Penal se encontra dividido em duas partes. A primeira parte não sofreu alterações com a reforma do Código Penal introduzida pela Lei n° 59/2007, de 4-9. Esta consiste em que: Quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em Leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente. Esta parte, que não sofreu qualquer alteração, apenas será aplicável em conjugação com o artigo371°-A, do Código de Processo Penal, conforme deixamos expresso supra.
Consequentemente, resulta do disposto nos artigos 371º -A, do Código de Processo Penal, e do artigo 2°, n.4, do Código Penal, que não será reaberta a audiência de julgamento apenas quando houver uma alteração da Lei geral, e que tenha sido instituída uma norma cuja previsão abstracta possa ser mais favorável ao arguido. Aquelas normas apenas serão aplicáveis e apenas se justificará a reabertura da audiência, quando o regime jurídico aplicável à situação seja no seu todo mais favorável ao arguido, e não uma norma em abstracto. Para além disso, haverá necessidade que o regime que regula o enquadramento que o Tribunal utilizou como referência para a definição da medida da pena aplicada ao arguido também ter sido, em concreto, modificado e deverá ser mais favorável ao arguido.
Na verdade, é comummente aceite pela doutrina e jurisprudência que o artigo 2°, n.4, do código Penal não determina, em caso de sucessão de Leis no tempo, a aplicação de uma norma legal que em abstracto se mostre mais favorável ao arguido. Na verdade, os dois regimes que se sucederam no tempo não podem ser confrontados em abstracto, mas sim em concreto. Deste modo, serão aplicados em concreto à situação em causa os dois regimes legais que se sucederam no tempo. Verificar-se-á então qual é o regime que em concreto se mostra mais favorável ao arguido, sendo este o que lhe será aplicável. Contudo, para verificar qual é o regime concretamente mais favorável ao arguido não basta verificar em abstracto se a norma baixou a medida da pena ou o tempo da suspensão da execução da pena de prisão. Ter-se-á que aplicar o regime em concreto para verificar se o mesmo é efectivamente mais favorável ao arguido. E esse regime terá de ser aplicado como um todo e não parcialmente. Ora, essa aplicação em concreto só será possível na sequência da discussão da situação no âmbito de uma audiência de julgamento e na sequência do exercício do contraditório por todos os intervenientes processuais.
Conforme esclarece o Dr. Maia Gonçalves, in Código Penal anotado, 16ª edição, Almedina, pág. 56: A alteração introduzida no nº2 do Projecto - substituição de normas mais favoráveis por regime que concretamente se mostre mais favorável, fórmula que veio a ser perfilhada, visou acentuar que não é o regime em abstracto mais favorável o que necessariamente se aplica, mas sim aquele que, em face das particulares circunstâncias do caso concreto, se mostra m ais favorável ao delinquente. Pode, por exemplo, a pena de prisão pelo novo regime ser mais prolongada. Mas porque perante a nova lei é possível e se impõe até a aplicação de uma pena de substituição, enquanto que perante a antiga a prisão tenha que ser efectivamente cumprida, terá de se aceitar como mais favorável o novo regime, não obstante o tempo de prisão ser maior. Pretendeu-se ainda, com a substituição de normas por regime, acentuar bem haver que optar, em bloco, pelo regime anterior ou pelo novo. É o regime penal em conjunto concretamente mais favorável que se aplica, não sendo por isso, à falta de lei expressa, lícito aplicar normas de um e de outro dos regimes. Em resumo: sucedendo-se várias leis penais no tempo sobre a incriminação do delinquente …o juiz terá de fazer o cômputo da situação perante cada uma dessas leis, optando depois por aplicar, em bloco, a lei que lhe for mais favorável.
A 2ª parte do nº4, do artigo 2°, foi alterada pela Lei n° 59/2007, e passou a ter a seguinte redacção: ...se tiver havido condenação, ainda que transitada em julgado, cessam a execução e os seus efeitos penais logo que a parte da pena que se encontrar cumprida atinja o limite máximo da pena prevista na lei posterior.
Tendo em conta o seu teor conclui-se que esta 2ª parte do preceito em causa aplica-se às situações em que o condenado esteja a cumprir uma determinada pena criminal designadamente de prisão ou de multa. Se entrar posteriormente em vigor uma lei que seja mais favorável ao condenado, o mesmo terá que cumprir a pena em que foi condenado até ao limite máximo da mesma previsto na lei posterior. É óbvio assim que esta última parte do nº4 do artigo 2° apenas se aplica quando o condenado esteja efectivamente a cumprir uma determinada pena criminal e esta esteja em execução. E ainda quando o limite máximo da medida abstracta da pena previsto na lei posterior, for inferior à medida concreta dessa mesma pena que lhe foi aplicada.
Ora, da análise dos autos constata-se que a pena de prisão que foi aplicada ao arguido se encontra suspensa na sua execução, não se encontrando assim o mesmo a cumpri-la. Além disso, não se registou nenhuma situação em que o limite máximo da medida abstracta da pena aplicada ao crime pelo qual ele foi condenado seja inferior à medida concreta da pena que lhe foi aplicada.
Constata-se que essa 2ª parte do nº4, do artigo 2°, do Código Penal, não será aplicável ao caso concreto.
Acresce que a aplicação directa do n.4, do artigo 2°, do Código Penal, com a alteração de uma decisão judicial que já transitou em julgado, não será possível, na medida em que a mesma iria violar manifestamente o caso julgado. Ora, essa violação do caso julgado será inconstitucional, devendo assim ser rejeitada.
Em conformidade, respeitamos a interpretação que o Ministério Público faz da Lei, mas manifestamente não a subscrevemos. Logo consideramos que legalmente o Juiz não pode aplicar directamente uma norma legal que em abstracto se mostre mais favorável ao arguido sem ser ordenada, previamente, a reabertura da audiência, dando-se assim possibilidade os intervenientes processuais de discutirem qual será o regime, dos que se sucederam no tempo, que em concreto se mostra mais favorável ao agente, se a decisão proferida no processo já transitou em julgado, como acontece no caso concreto.
Consequentemente, e por todo o exposto indefere-se o pedido do Ministério Público para ser proferida nova sentença com as alterações por si indicadas, designadamente com a redução do período de suspensão da pena de prisão aplicada ao arguido, passando a mesma de 3 anos e 6 meses, para 2 anos, e com a aplicação directa do artigo 2°, n.4, do Código penal, na medida em que tal é legalmente inadmissível.

Da intervenção do tribunal a requerimento do Ministério Público no art. 371-A do Código Processo Penal

A questão suscitada no recurso interposto pela Exmª Procuradora Adjunta no Tribunal Judicial da Comarca de Torres Novas consiste em saber se o tribunal deve reduzir oficiosamente o prazo de suspensão da execução da pena do arguido BM..., condenado, por sentença de 17-2-2006, transitada em julgado em 7-3-2006, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos e 6 meses, com a condição de o arguido se sujeitar a regime de prova, uma vez que o art. 50° n° 5 do Código Penal, na redacção introduzi da pela Lei n° 59/2007, de 4-9, estabelece agora que o período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano.
A questão como foi oportunamente referido pelo Exmº Procurador-Geral Adjunto não tendo sido pacífica e tem animado alguma discussão sobre a melhor interpretação do novo preceito.
Podemos desde já adiantar que propendemos para argumentação da decisão recorrida, considerando que não cabe ao Ministério Público promover a aplicação do novo regime. Nem tão pouco com base no princípio da defesa da legalidade, porque é precisamente por este mesmo princípio que está vedado ao Ministério Público tal iniciativa.
Nem sempre a aparência do melhor regime resulta da comparação abstracta dos preceitos. Pois se o regime anterior prefigurava suspensão de pena sem regime de prova, o actual faz depender, em regra, a suspensão de deveres e regras de conduta ou de regime de prova ( art. 50 a 53º do Código Penal ) e com estas condicionantes não é liquido que em concreto seja mais favorável.
Por isso faz todo sentido a restrição do art. 371º A do Código Processo Penal ao fazer depender a aplicação retroactiva de lei penal mais favorável, enquanto a pena não tiver cessado, de reabertura de audiência a requerimento do arguido, nunca uma intervenção directa e oficiosa do Juiz. Salvo na situação expressamente consagrada no nº4 do art. 2º do Código Penal.
Como atentou o Profº Pinto de Albuquerque, o novo art. 371- A do Código Processo Penal prevê abertura da audiência para aplicação retroactiva da lei penal mais favorável. Se após o trânsito da condenação mas antes de ter cessado a execução da pena, entrar em vigor lei penal mais favorável, o condenado pode requerer a “ reabertura da audiência” para que lhe seja aplicado o novo regime. Isto é, o arguido seria submetido a um novo julgamento dos factos em função da lei penal nova. Trata-se de um verdadeiro novo julgamento em que o tribunal procede a uma nova valoração dos factos da acusação ou da pronúncia e, sendo caso disso, a uma nova determinação das sanções criminais, para tanto sendo necessário repetir a produção da prova se a composição do tribunal se tiver alterado e, em qualquer caso, renovar a discussão sobre a matéria de direito da audiência reaberta.
Por isso este Professor considera que o legislador processual penal foi muito além do legislador penal ao permitir que o arguido fosse de novo julgado sempre que a lei nova seja mais favorável. Aliás, suscita muitas dúvidas sobre a constitucionalidade do novo art. 371ºA do Código Processo Penal por violar o princípio do caso julgado, tão impressivamente consagrado nos art. 2º, 29º n º5 e nº 6 e artº 282º n.3 da Constituição da República Portuguesa, decorrente do art. 6º n.1 da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Ora, perante a delicadeza da questão, face à protecção do caso julgado, não temos dúvidas que a interpretação do art. 371-A, que implicitamente nos é sugerida, com intervenção à revelia da vontade expressa do arguido, padeceria de flagrante inconstitucionalidade.
A decisão de reabertura não implica, nem sequer indicia, que o tribunal tenha que reduzir a suspensão da pena aplicada ao arguido. Poderá entender que com a diminuição do prazo de suspensão se esvai a prognose favorável ou se agravam as necessidades preventivas. É de facto insondável o destino final que a alteração pode suscitar.
Neste sentido já decidiu este tribunal no recurso em 24-09-2008 no recurso nº256/03.7GBTNV: “A possibilidade que agora é concedida pela lei de, após o trânsito em julgado de decisão condenatória e antes de ter cessado a execução da pena imposta, se poder aplicar ao condenado um regime mais favorável, e que constitui uma autêntica excepção ao princípio do caso julgado, não deve ter carácter oficioso desde logo porque há situações ou casos em que apenas o condenado poderá saber se lhe convém ou não o novo regime ou se efectivamente este o favorece, não tendo, por isso, cabimento que o Ministério Público o substitua nesse juízo de oportunidade ou de conveniência. Assim, à semelhança do que ocorre no campo de aplicação do art.º 371-A do CPP, temos para nós como mais consentâneo com o respeito pela opção do condenado e com o que resta do princípio do caso julgado, a não admissibilidade de aplicação oficiosa do comando do n.º5 do art.º 50º do Código Penal”.
Com argumentos de ordem prática o Acórdão de 16-04-2008 considerou que o regime em apreço apresenta vários pressupostos, a saber, requerimento do condenado, trânsito em julgado da condenação, pendência de execução da pena ou possibilidade de vir a ser executada e, finalmente, entrada em vigor de lei penal, em abstracto, mais favorável. O primeiro pressuposto devolve ao arguido a escolha sobre a possível alteração da medida da pena, podendo preferir conformar-se com aquela já aplicada. Não se trata de infirmar o princípio da aplicação retroactiva da lex mitior mas sim de encontrar solução não transitória que evitasse as fortíssimas repercussões para o sistema judicial na obrigatória reapreciação de todas as decisões proferidas, confiando ao condenado a valoração autónoma do favorecimento com a Lei Nova, com excepção das situações em que o limite máximo da nova moldura penal tenha sido atingida ou ultrapassada.
Pelo exposto, consideramos que nesta matéria não tem sentido, nem suporte legal, o requerimento de reabertura de audiência suscitado pelo Ministério Público.
Termos em que se nega provimento ao recurso.
Sem tributação.