Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
145/07.6TAAGD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CALVÁRIO ANTUNES
Descritores: CRIME DE EXPLORAÇÃO ILÍCITA DE JOGO
Data do Acordão: 10/28/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VAGOS
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 108º, Nº1, 1º, 3º E 4º, Nº1, ALÍNEA G) DO DL 422/89 DE 02.12, COM A REDACÇÃO DO DL 10/95 DE 19.01,
Sumário: Não estamos perante um crime de exploração ilícita de jogo quando, embora dependendo exclusivamente da sorte (consoante a senha que estivesse no interior da cápsula que viesse a sair - o que o “jogador” apenas tomava conhecimento quando abrisse a cápsula e procedesse à leitura da respectiva senha), o jogador sabe previamente que o prémio que irá receber é necessariamente um daqueles que está exposto no cartaz ,o que torna relativa ou até afasta a contingência do resultado.
Decisão Texto Integral: I. Relatório:
1. No processo supra identificado, foram os arguidos:
- J..., casado, comerciante, com residência na Rua do C…, em Águeda,
- A..., casado, com residência na Rua da E…, em Águeda, e
- C..., solteiro, com residência na F…, em Águeda,
pronunciados pela prática dos factos que integram a co-autoria e em concurso real de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo artigo 108º, nº1, com referência aos artigos 1º, 3º e 4º, nº1, alínea g) do DL 422/89 de 02.12, com a redacção do DL 10/95 de 19.01, um crime de exposição de material de jogo, previsto e punido pelo artigo 115°, do Decreto-Lei nº422/89, de 2 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n° 40/2005, de 17 de Fevereiro (Lei do Jogo); - um crime de jogo fraudulento, previsto e punido pelo artigo 113°, n°1 do Decreto-Lei n°422/89, de 2 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n° 40/2005, de 17 de Fevereiro (Lei do Jogo).
Procedeu-se ao competente julgamento, tendo o tribunal recorrido decidido:
- absolver os arguidos J..., A... e C..., da prática, em co-autoria e concurso real de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo artigo 108º, nº1, com referência aos artigos 1º, 3º e 4º, nº1, alínea g) do DL 422/89 de 02.12, com a redacção do DL 10/95 de 19.01, de um crime de exposição de material de jogo, previsto e punido pelo artigo 115°, do Decreto-Lei nº422/89, de 2 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n° 40/2005, de 17 de Fevereiro (Lei do Jogo) e de um crime de jogo fraudulento, previsto e punido pelo artigo 113°, n°1 do Decreto-Lei n°422/89, de 2 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n° 40/2005, de 17 de Fevereiro (Lei do Jogo).
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2. Inconformado com a decisão final (de fls. 619/529), veio o Ministério Publico, interpor recurso da decisão final, (a fls. 633 e segts), formulando nas respectivas motivações as seguintes (transcritas) conclusões:

I. Nos presentes autos, os arguidos J..., A... e C... foram pronunciados pela prática em co-autoria, em concurso real e na forma consumada, de um crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 1°, 3°, 4°, n. ° 1, alínea g), e 108°, de um crime de exposição de material de jogo, previsto e punido pelo artigo 115° e de um crime de jogo fraudulento, previsto e punido pelo artigo 113°, nº 1, todos do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 40/2005, de 17 de Fevereiro (Lei do Jogo).
2. No caso dos autos, quanto ao funcionamento das máquinas, com relevo, que: - O jogo em causa era composto por um cartaz, no qual se encontravam afixados vários artigos, denominados por prémios, e por uma máquina de extracção.
- Cada uma daquelas máquinas extractoras de cápsulas era constituída por dois corpos.
- O seu conteúdo era constituído por um número indeterminado de pequenas cápsulas ovais em plástico opaco de várias cores, seccionadas ao meio, contendo no seu interior uma pequena senha.
- Na parte frontal inferior, situava-se um dispositivo para introdução de moedas de 1 €, equipado com um manípulo rotativo, desbloqueado por uma só volta após a introdução da moeda.
No cartaz de prémios, cada um deles tinha colada uma pequena etiqueta com a inscrição de um número.
- Qualquer pessoa que estivesse interessada em jogar naquelas máquinas, introduzia uma moeda de 1 € (um euro) na ranhura existente na máquina extractora e rodava de seguida o manípulo rotativo até ao ponto de bloqueamento, fazendo desta forma actuar o mecanismo nela existente.
- Após tal procedimento, a máquina extraía, de forma aleatória, uma pequena cápsula oval de plástico, dentro da qual se encontrava uma senha com inscrição de um número ou, em sua substituição, uma letra do alfabeto, compreendida entre A e
- Depois da senha ser desdobrada e confrontada com o cartaz de prémios, o jogador tinha então direito ao prémio correspondente, de acordo com o número (em menor quantidade, correspondiam a prémios de valor mais elevado) ou a letra (em maior quantidade, correspondiam a prémios de valor diminuto), que constasse na senha.
3. Realizada audiência de julgamento, foi proferida sentença que absolveu os arguidos, concluindo que os factos dados como provados não constituíam crime uma vez que integravam o conceito de modalidade afim de jogos de fortuna e azar.
4. Nos termos do artigo 1° da Lei do Jogo, jogos de fortuna ou azar são aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte.
5. Modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar são as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente da sorte, e que atribuem como prémios coisas com valor económico (artigo 59°, n° 1, do mesmo diploma legal).
6. Pelos argumentos atrás aduzidos, as máquinas em questão nos autos devem ser qualificadas como de fortuna ou azar, já que assentam exclusivamente na sorte e porque de forma aleatória os jogadores obtêm determinada senha, depois convertida em prémio.
7. Pelo que, face à factualidade como provada, se verificam, em concreto, todos os pressupostos típicos objectivos do crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punido pelo artigo 108° da Lei do Jogo.
8. Acresce que, integrando o material de jogo apreendido nos autos a previsão de jogo de fortuna ou azar da g) do n° 1 do artigo 40 da Lei do Jogo, face a toda a factualidade dada como provada, os arguidos cometeram também, dessa forma, um crime de exposição de material de jogo, previsto e punido pelo artigo 115º daquele diploma legal.
9. Na sentença deu-se também como provado que:
- Em todas as máquinas, no interior do cofre da máquina, encontrava-se um saco plástico, que continha três cápsulas que, deste modo, estavam apartadas das restantes e fora do circuito normal do funcionamento do jogo.
- No interior das três cápsulas, estavam as senhas que continham os números 38, 39 e 1, que correspondiam aos três prémios de maior valor.
- Os arguidos, na qualidade de representantes legais da sociedade "D…, Lda.", sabiam ainda que as máquinas se encontravam viciadas e que as senhas que correspondiam aos prémios de maior valor se encontram no interior do cofre de cada uma das máquinas, separadas das restantes e, portanto, fora do circuito normal do funcionamento do jogo.
- Com esta conduta, os arguidos queriam, de forma consciente, iludir o carácter aleatório do jogo e induzir em erro as pessoas que acedessem a tal modalidade de jogo, fazendo-as crer que, por acção da sorte, poderiam ganhar prémios de valor mais elevado, o que de facto nunca poderia acontecer, obtendo dessa forma um beneficio a que sabiam não ter direito.
10. Pese embora esta factualidade provada, o Tribunal a quo considerou não estarmos perante um crime de jogo fraudulento, porquanto o referido tipo legal se refere tão-somente ao jogo fraudulento de jogos qualificados como de fortuna ou azar e não de modalidades afins.
11. Ora, como vimos, integrando o material de jogo apreendido nos autos a previsão de jogo de fortuna ou azar da g) do nº 1 do artigo 4° da Lei do Jogo, face a toda a factualidade dada como provada, os arguidos cometeram também, dessa forma, um crime de jogo fraudulento, previsto e punido pelo artigo 113 ° daquele diploma legal.
12. Mesmo que se defenda que o jogo em causa nos autos é uma modalidade afim dos jogos de fortuna e azar, a interpretação feita pelo Tribunal a quo não encontra qualquer suporte na letra da norma, porquanto o tipo legal se reporta tão sómente ao jogo em sentido lato, sendo que o crime de jogo fraudulento é um tipo legal autónomo que não se refere apenas ao jogo fraudulento de jogos qualificados como de fortuna ou azar.
13. Ao decidir de forma diferente, o Tribunal a quo fez errada interpretação dos normativos constantes dos artigos 108°, 115° e 113° da Lei do Jogo, tendo considerado que os factos dados como provados e imputados aos arguidos não constituíam qualquer tipo de crime, quando na verdade se mostram preenchidos todos os elementos típicos objectivos dos crimes de exploração ilícita de jogo, de exposição de material de jogo e de jogo fraudulento.
14. Logo, a sentença recorrida violou o disposto nos artigos 108º, 115º e 113º da Lei do Jogo.
15.Além do mais, em sede de recurso da matéria de facto, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 412°, nºs 3 e 4, do Código de Processo Penal, entendemos que se mostram incorrectamente julgados os seguintes pontos da matéria de facto dados como não provados:
- A máquina de jogo foi instalada no Café T ..., em Janeiro de 2006, pelo arguido J..., com conhecimento dos restantes arguidos.
- Os arguidos, na qualidade de representantes legais da sociedade "D…, Lda.", em comunhão de esforços e intenções, dedicavam-se à exploração de máquinas de fortuna e azar, que colocavam em diversos estabelecimentos comerciais, e dedicavam-se a expor e a divulgar material e utensílios destinados à prática desse mesmo tipo de jogo, sem que a sociedade ou eles individualmente possuíssem qualquer autorização ou licença de exploração emitida pela Inspecção-Geral de Jogos para esse efeito.
- Sabiam que a destreza ou perícia do jogador não tinham qualquer influência no resultado do jogo e que este dependia exclusivamente da sorte dele, que não era permitida a prática e exploração deste tipo de jogos fora de casinos e de zonas de jogo criadas para o efeito, e que não tinham as respectivas autorizações ou licenças, e, não obstante isso, quiseram actuar da forma descrita.
- Os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal".
16. Face à prova produzida, designadamente, ao depoimento da testemunha M..., impunha-se que o Tribunal a quo desse como provado que "a máquina de jogo foi instalada no Café T ... pelo arguido A..., com conhecimento dos restantes arguidos", ainda que isso importasse uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação.
17. Além do mais, a prova produzida impunha também que se desse como provado que:
- Os arguidos, na qualidade de representantes legais da sociedade "D... _ ..., Lda.", em comunhão de esforços e intenções, dedicavam-se à exploração de máquinas de fortuna e azar, que colocavam em diversos estabelecimentos comerciais, e dedicavam-se a expor e a divulgar material e utensílios destinados à prática desse mesmo tipo de jogo, sem que a sociedade ou eles individualmente possuíssem qualquer autorização ou licença de exploração emitida pela Inspecção-Geral de Jogos para esse efeito;
- Sabiam que a destreza ou perícia do jogador não tinham qualquer influência no resultado do jogo e que este dependia exclusivamente da sorte dele, que não era permitida a prática e exploração deste tipo de jogos fora de casinos e de zonas de jogo criadas para o efeito, e que não tinham as respectivas autorizações ou licenças, e, não obstante isso, quiseram actuar da forma descrita;
- Sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas pela lei penal.
18. Sufragando o entendimento que explanámos de que se verifica o elemento objectivo dos tipos legais de crime de exploração ilícita de jogo, de exposição de material de jogo e de jogo fraudulento, a factualidade dada como provada na sentença não pode comportar uma condenação por terem ficado por provar os elementos subjectivos dos crimes de exploração ilícita de jogo e de exposição de material de jogo bem como a consciência da ilicitude penal da conduta dos arguidos.
19. Efectivamente, na sentença recorrida deu-se simplesmente como não provados os factos que integram o dolo directo mas nada se disse sobre as demais formas de dolo e sempre se impunha ao Tribunal a quo que averiguasse da existência de qualquer uma das restantes formas de dolo.
20. Padece, assim, a sentença recorrida do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada previsto na a) do nº 2 do artigo 410°, o que, no caso de mero recurso da matéria de direito, determinaria o reenvio do processo para novo julgamento, no entanto, interpondo-se recurso da matéria de facto, pode o Tribunal de recurso apreciar desde já tais factos e reapreciar a prova produzida.
21. Não se pode duvidar sequer do dolo dos arguidos que são sócios há muitos anos da sociedade "D...", a qual tem precisamente por objecto o aluguer de máquinas de diversão, sendo que também há largos anos se conhece a problemática do jogo proibido e permitido, pelo que opera indiscutivelmente aqui a experiência comum.
22. É óbvio que os arguidos não desconheciam a ilicitude das suas condutas e agiram com dolo directo, pois conheciam bem as máquinas que exploravam e colocavam nos estabelecimentos comerciais, conheciam o seu funcionamento e disso faziam modo de vida. Mesmo que, por hipótese, tal não se provasse, sempre agiram com dolo eventual, prevendo como possível a ilicitude do jogo e conformaram-se com o resultado.
23. E, de forma alguma, se pode concluir por uma falta do conhecimento necessário a uma correcta orientação da consciência ética de cada um dos arguidos para o desvalor do ilícito ou por uma deficiência da consciência psicológica, imputável a uma falta de informação ou de esclarecimento, pois todos os arguidos são pessoas que trabalham na área dos Jogos e obviamente com conhecimentos na matéria.
24. Como já dissemos, os elementos constantes dos autos permitem revogar a decisão sobre a matéria de facto dada como não provada, sem necessidade de se determinar o reenvio do processo para novo julgamento, nos termos do artigo 426.°, nº1 (a contrario) do Código de Processo Penal, bastando, para tanto, a modificação da matéria de facto, dando-se também como provados os factos em conformidade com o acabado de expor em 16. e 17., nos termos do disposto no artigo 431.°, alíneas a) e b), do Código de Processo Penal.
25. Por todo o exposto, entendemos que, face aos meios probatórios recolhidos nos autos e à totalidade dos factos provados, deverá ser julgada provada e procedente a pronúncia deduzida contra os arguidos e, em consequência, serem os mesmos condenados pela prática, em co-autoria, em concurso real e na forma consumada, de um crime de exploração ilícita de jogo, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 1°, 3°, 4°, n.º 1, g), e 108°, de um crime de exposição de material de jogo, previsto e punido pelo artigo 115°, e de um crime de jogo fraudulento, previsto e punido pelo artigo 113°, nº 1, todos do Decreto-Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, com as alterações introduzi das pelo Decreto-Lei nº 40/2005, de 17 de Fevereiro (Lei do Jogo).
26. Perante aquela condenação dos arguidos, entendemos também que lhes deve ser aplicada uma pena de multa, em montante e taxa a fixar pelo Tribunal superior, tendo em conta os critérios definidos pelos artigos 71 ° e 47°, nº 2, do Código Penal.
Termos em que deve ser julgado procedente o recurso e, em consequência, ser revogada a sentença recorrida e substituída por outra que condene os arguidos nos termos expostos assim se fazendo Justiça. ”
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2.1 Em resposta, vieram os arguidos oferecer a resposta, de fls. 693/704, onde doutamente sustentam que o recurso deverá improceder e ser confirmada a decisão recorrida.
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3. Admitido o recuso, subiram os autos a este Tribunal da Relação, onde o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, se limitou a apor o visto (fls. 710).
Foram colhidos os vistos legais.
Procedeu-se a conferência, com observância do formalismo legal, cumprindo, agora, apreciar e decidir.
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II. Fundamentação.
1. Delimitação dos poderes cognitivos do tribunal ad quem e objecto do recurso:
É hoje entendimento pacífico que as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98, sem prejuízo das de conhecimento oficioso.
Por isso, temos, como

Questões a decidir:

- A questão fundamental que se nos coloca é a de saber se os factos descritos na peça acusatória (que aqui se dão por reproduzidos) integram a prática, pelos arguidos, em concurso real de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo artigo 108º, nº1, com referência aos artigos 1º, 3º e 4º, nº1, alínea g) do DL 422/89 de 02.12, com a redacção do DL 10/95 de 19.01, um crime de exposição de material de jogo, previsto e punido pelo artigo 115°, do Decreto-Lei nº422/89, de 2 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n° 40/2005, de 17 de Fevereiro (Lei do Jogo); - um crime de jogo fraudulento, previsto e punido pelo artigo 113°, n°1 do Decreto-Lei n°422/89, de 2 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n° 40/2005, de 17 de Fevereiro (Lei do Jogo).
Outra questão é a de saber se se verifica o vício da decisão por erro de julgamento – contradição insanável entre a fundamentação e a decisão – al. b) do nº2 do artigo 410º do Código de Processo Penal.

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2. Vejamos então.

Na sentença recorrida foi considerado, como factos provados, não provados e como motivação da matéria de facto, o seguinte (por transcrição):

1 – Matéria de facto provada:
De relevante para a discussão da causa, resultou provada a seguinte factualidade:
1. Os arguidos são sócios da sociedade “D... – ..., Lda.”, com sede na…, concelho de Águeda.
2. Trata-se de uma sociedade por quotas cujo objecto é o aluguer de máquinas de diversão.
3. A gerência da referida sociedade incumbia aos arguidos C... e A....
4. No dia 4 de Abril de 2006, pelas 16 horas, na Rua…, em Vagos, no Café “K ...”, encontravam-se expostas duas máquinas de jogo, em cima do balcão, para utilização de qualquer interessado.
5. Nessa data, a exploração e gestão do referido estabelecimento pertencia a R ..., o qual não possuía qualquer autorização ou licença de exploração para o tipo de jogo em causa.
6. O jogo em causa era composto por um cartaz, no qual se encontravam afixados vários artigos, denominados por prémios, e por uma máquina de extracção.
7. Cada uma daquelas máquinas extractoras de cápsulas era constituída por dois corpos, sendo que o corpo superior tinha formato paralelepipédico, uma Estrutura em acrílico, sendo que o de uma máquina era transparente e o da outra estava forrado com papel de cor branca, o que impossibilitava a visualização do seu conteúdo, e o corpo inferior apresentava um formato cúbico e uma estrutura em plástico opaco nas cores amarelo e azul.
8. O seu conteúdo era constituído por um número indeterminado de pequenas cápsulas ovais em plástico opaco de várias cores, seccionadas ao meio, contendo no seu interior uma pequena senha.
9. Na parte frontal inferior, situava-se um dispositivo para introdução de moedas de 1 €, equipado com um manípulo rotativo, desbloqueado por uma só volta após a introdução da moeda.
10. Na parte inferior, havia um pequeno autocolante contendo a inscrição de vários elementos identificativos do seu proprietário – “D... – ..., Lda.
11. Os dois corpos da máquina extractora, superior transparente e a base opaca, eram unidos pelo interior por uma barra de metal, que atravessava todo o corpo na vertical, unindo a fechadura da face do topo com o centro da base em elástico e abrindo esta fechadura era possível carregar a máquina com as cápsulas ovais e aceder ao moedeiro (depósito de moedas).
12. No cartaz de prémios, encontravam-se, numa das máquinas, vários objectos, e na outra, várias navalhas, sendo que cada um deles tinha colada uma pequena etiqueta com a inscrição de um número.
13. Em ambas as máquinas, no interior do cofre da máquina, encontrava-se um saco plástico, que continha três cápsulas que, deste modo, estavam apartadas das restantes e fora do circuito normal do funcionamento do jogo.
14. No interior das três cápsulas, estavam as senhas que continham os números 38, 39 e 40, que correspondiam aos três prémios de maior valor.
15. Qualquer pessoa que estivesse interessada em jogar naquelas máquinas, introduzia uma moeda de 1 € (um euro) na ranhura existente na máquina de bloqueamento, fazendo desta forma armar o mecanismo nela existente.
16. Após tal procedimento, a máquina extraía, de forma aleatória, uma pequena cápsula oval de plástico, dentro da qual se encontrava uma senha com inscrição de um número ou, cm sua substituição, uma letra do alfabeto, compreendida entre A e J.
17. Depois da senha ser desdobrada e confrontada com o cartaz de prémios, o jogador tinha então direito ao prémio correspondente, de acordo com o número (em menor quantidade, correspondiam a prémios de valor mais elevado) ou a letra (em maior quantidade, correspondiam a prémios de valor diminuto), que constasse na senha.
18. No dia 5 de Abril de 2006, pelas 10h45m, na Rua da …, em Vagos, no Café “T ...”, encontrava-se exposta uma máquina de jogo, em cima do balcão, para utilização de qualquer interessado.
19. Nessa data, a exploração e gestão do referido estabelecimento pertencia a M..., a qual não possuía qualquer autorização ou licença de exploração para o tipo de jogo em causa.
20. O jogo em causa era composto por um cartaz, no qual se encontravam afixados vários artigos, denominados por prémios, e por uma máquina de extracção.
21. A máquina extractora de cápsulas era constituída por dois corpos, sendo que o corpo superior tinha formato paralelepipédico, uma estrutura em acrílico e era transparente, e o corpo inferior apresentava um formato cúbico e uma estrutura em plástico opaco nas cores amarelo e azul.
22. O seu conteúdo era constituído por um número indeterminado de pequenas cápsulas ovais em plástico opaco de várias cores, seccionadas ao meio, contendo no seu interior uma pequena senha.
23. Na parte frontal inferior, situava-se um dispositivo para introdução de moedas de 1 €, equipado com um manípulo rotativo, desbloqueado por uma só volta após a introdução da moeda.
24. Na parte inferior, havia um pequeno autocolante contendo a inscrição de vários elementos identificativos do seu proprietário – “D... – ..., Lda.”.
25. Os dois corpos da máquina extractora, superior transparente e a base opaca, eram unidos pelo interior por uma barra de metal, que atravessava todo o corpo na vertical, unindo a fechadura da face do topo com o centro da base em elástico e abrindo esta fechadura era possível carregar a máquina com as cápsulas ovais e aceder ao moedeiro (depósito de moedas).
26. No cartaz de prémios, encontravam-se vários objectos, sendo que cada um deles tinha colada uma pequena etiqueta com a inscrição de um número.
27. Entretanto, no interior do cofre da máquina, encontrava-se um saco plástico, que continha três cápsulas que, deste modo, estavam apartadas das restantes e fora do circuito normal do funcionamento do jogo.
28. No interior das três cápsulas, estavam as senhas que continham os números 38, 39 e 40, que correspondiam aos três prémios de maior valor.
29. Qualquer pessoa que estivesse interessada em jogar naquelas máquinas. Introduzia uma moeda de 1 € (um euro) na ranhura existente na máquina extractora e rodava de seguida o manípulo rotativo até ao ponto de bloqueamento, fazendo desta forma actuar o mecanismo nela existente.
30. Após tal procedimento, a máquina extraía, de forma aleatória, uma pequena cápsula oval de plástico, dentro da qual se encontrava uma senha com inscrição de um número ou, em sua substituição, uma letra do alfabeto, compreendida entre A e J.
31. Depois da senha ser desdobrada e confrontada com o cartaz de prémios, o jogador tinha então direito ao prémio correspondente, de acordo com o número em menor quantidade, correspondiam a prémios de valor mais elevado) ou a letra (em maior quantidade, correspondiam a prémios de valor diminuto), que constasse na senha.
32. A sociedade “D... – ..., Lda.” era a proprietária das referidas máquinas, sendo que eram os arguidos quem cuidavam do seu funcionamento e manutenção, procediam à sua abertura e repartiam os proveitos obtidos, dos quais 80 % eram para a sociedade e 20% cabiam aos exploradores dos estabelecimentos onde as máquinas estavam instaladas.
33. As máquinas foram instaladas em ambos os estabelecimentos pela D....
34. Perante isto, os arguidos, na qualidade de representantes legais da sociedade ‘D... – ..., Lda.”, sabiam ainda que as máquinas se encontravam viciadas e que as senhas que correspondiam aos prémios de maior valor se encontram no interior do cofre de cada uma das máquinas, separadas das restantes e, portanto, fora do circuito normal do funcionamento do jogo.
35. Com esta conduta, os arguidos queriam, de forma consciente, iludir o carácter aleatório do jogo e induzir em erro as pessoas que acedessem a tal modalidade de jogo, fazendo-as crer que, por acção da sorte, poderiam ganhar prémios de valor mais elevado, o que de facto nunca poderia acontecer, obtendo dessa forma um beneficio a que sabiam não ter direito.
36. Mais agiram de forma livre, voluntária e consciente.
37. O arguido A... não tem antecedentes criminais.
38. O arguido J... praticou em Novembro de 2004 um crime de jogo fraudulento, tendo sido condenado na pena de 200 dias de multa por sentença proferida em 06.04.2006 e transitada em julgado em 21.02.2007.
39. O arguido C... praticou em 19.08.2005 um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, tendo sido condenado por sentença datada de 06.02.2008 e transitada em julgado em 21.02.2006, na pena de 60 dias de multa.
40. O arguido A... aufere 700 € mensais.
41. A mulher está desempregada há 4 meses.
42. Tem um filho de 23 anos, que se encontra a acabar o curso.
43. Vive em casa própria, pagando 490 € mensais a título de prestação do empréstimo que contraiu para aquisição da mesma.
44. O arguido J... aufere 700 € mensais.
45. A mulher aufere 500 € mensais.
46. Tem 3 filhos, com 20, 27 e 15 anos, todos a seu cargo.
47. Vive em casa própria pagando 470 € mensais a título de prestação do empréstimo que contraiu para aquisição da mesma.
48. O arguido C... aufere 650 € mensais.
49. Tem 2 filhos, com 12 e 15 anos.
50. A companheira é doméstica.
51. Vive em casa própria pagando 330 € mensais a título de prestação do empréstimo que contraiu para aquisição da mesma.

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2 – Factos não provados:
- As máquinas de jogo foram instaladas no café K ..., em Março de 2006, pelo arguido J..., com conhecimento dos restantes arguidos.
- A máquina de jogo foi instalada no café T ..., em Janeiro de 2006, pelo arguido J..., com conhecimento dos restantes arguidos.
- Os arguidos, na qualidade de representantes legais da sociedade “D... – ..., Lda.”, em comunhão de esforços e intenções, dedicavam-se à exploração de máquinas de fortuna e azar, que colocavam em diversos estabelecimentos comerciais, e dedicavam-se a expor a divulgar material e utensílios destinados à prática desse mesmo tipo de jogo, sem que a sociedade ou eles individualmente possuíssem qualquer autorização ou licença de exploração emitida pela Inspecção-Geral de Jogos para esse efeito.
- Sabiam que a destreza ou perícia do jogador não tinham qualquer influência no resultado do jogo e que este dependia exclusivamente da sorte dele, que não era permitida a prática e exploração deste tipo de jogos fora de casinos e de zonas de jogo criadas para o efeito, e que não tinham as respectivas autorizações ou licenças, e, não obstante isso, quiseram actuar da forma descrita.
- Os arguidos sabiam que a sua conduta era proibida e punida pela lei penal.
Não se provaram outros factos com relevância para a decisão da causa.
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3 – Motivação da decisão:
Factos Provados:
Para fundar a sua convicção, o Tribunal atendeu às declarações dos arguidos, quanto às suas condições sócio-económicas dos mesmos.
Quanto à caracterização dos jogos em causa, o Tribunal levou em consideração o teor dos relatórios 142 a 152 e 272 a 276, aliado ao depoimento da testemunha F ..., Inspectora da Inspecção Geral de Jogos, que descreveu o modo como as máquinas funcionavam.
Mais foi atendido o depoimento das testemunhas V…, B… e E…, que procederam à fiscalização dos estabelecimentos em causa e à apreensão das máquinas, referindo que procederam ao seu arrombamento para fiscalizarem as mesmas. Mais referiram em que circunstâncias se encontravam expostas as máquinas em causa.
Foi ainda considerado o depoimento da testemunha M..., que nos mereceu credibilidade pela forma serena, objectiva e coerente com que o prestou, referindo que não tinha acesso à máquina de jogos, sendo a empresa D... e no caso concreto, o arguido A... que passava pelo estabelecimento para recolher o dinheiro da mesma, sendo que era quem tinha a chave da mesma e quem a colocou no local.
Mais esclareceu a percentagem que cabia a si e a que cabia aos arguidos, como resultado da exploração da referida máquina.
O Tribunal considerou ainda a certidão de matrícula da sociedade D..., constante de fls. 320 a 322.
O Tribunal atendeu ainda aos CRCs constantes dos autos.
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Factos Não Provados:
Nenhuma das testemunhas inquiridas demonstrou conhecimento sobre os factos não provados. ”

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3. APRECIANDO.
3.1. Vêm os arguidos acusados da prática de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo artigo 108º, nº1, com referência aos artigos 1º, 3º e 4º, nº1, alínea g) do DL 422/89 de 02.12, com a redacção do DL 10/95 de 19.01.
O art.1.º do DL n.º 422/89, de 02/12, define os jogos de fortuna ou azar como “aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte.”
No art. 4.º, do mesmo Diploma, mencionam-se tipos de jogos de fortuna ou azar, cuja exploração se reserva aos casinos.
Dentro destes tipos de jogos de fortuna ou azar merecem aqui realce, os que constam do n.º1, alíneas f) – jogos em máquinas pagando directamente prémios em fichas ou moedas – e g) – jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte.
Nos termos do art.108.º, n.º1, do DL n.º 422/89, de 02/12, “Quem por qualquer forma, fizer a exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados será punido com prisão até dois anos e multa até 200 dias.”
O art.159.º, n.º1 do DL n.º 422/89, de 02/12, define “modalidades afins do jogo de fortuna ou azar” como “ as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémios coisas como valor económico.”
Nestas modalidades afins encontram-se “…nomeadamente, rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos.” ( n.º 2).
Importa acentuar que “As modalidades afins do jogo de fortuna ou azar e outras formas de jogo referidas no artigo 159.º não podem desenvolver temas característicos dos jogos de fortuna ou azar, nomeadamente o póker, frutos, campainhas, roleta, dados, bingo, lotaria de número ou instantânea, totobola e totoloto, nem substituir por dinheiro ou fichas os prémios atribuídos.”.
Além deste tipo de jogos a mesma lei prevê no art.159.º “outras formas de jogo”, que são as não se enquadram nem no conceito de modalidade de jogo de fortuna e azar, nem no conceito de modalidade afim de jogo de fortuna e azar.
Antes de mais diremos que entendemos, com a maioria da nossa jurisprudência, poder-se definir um jogo de fortuna e azar como aquele em que o domínio de um evento desencadeado ou induzido pela acção humana escapa à capacidade de controlo e de previsão muito provável de que a uma causa sucede um determinado efeito desde que cumpridos e induzidos factores certos e conjugados. Ou seja, quando a uma causa objectivamente estruturada com factores e elementos pré-determinados, não se segue necessária e inevitavelmente o efeito pretendido e motivado.
A ideia de fortuna e azar no conceito de acaso ou sorte é já muito antiga e ao longo dos tempos o seu conceito foi evoluindo, sendo actualmente aceite o conceito que define o acaso como a insuficiência de probabilidades na previsão da ocorrência do facto.
Numa perspectiva lógico-cientifica o filósofo Karl Popper, in “Pós-escrito à Lógica da Descoberta Cientifica – Vol. I – O Realismo e o Objectivo da Ciência”, depois de enunciar as diversas teorias que têm vindo a tomar assento no debate que dar coerência à ideia de probabilidade, como são os casos das teorias da frequência e da propensão, nas suas vertentes objectiva e subjectiva, acaba por interpretar probabilidade objectiva de um acontecimento individual “como sendo uma medida de uma propensão objectiva – da força da tendência, inerente á situação física especifica, para concretizar o acontecimento – para fazer com que ele aconteça”.
Poderemos então dizer que o acaso (ou a sorte) será uma causa acidental no âmbito das coisas que não acontecem nem de modo absolutamente uniforme nem frequente e que poderiam acontecer com vistas a uma finalidade. Assim, o acaso torna-se um exemplo particular do juízo de probabilidade, mais precisamente, de que a própria probabilidade não tem relevância suficiente para permitir prever um evento.
A conceptualização bipolar utilizada pelo legislador, fortuna ou azar, tem na definição de acaso a sua fundamentação. Afinal tanto para a fortuna como para o azar intervém o factor acaso ou uma probabilidade indeterminada e não controlada da parte de quem introduz o elemento desencadeador, no caso das máquinas utilizados neste tipo de jogos, uma moeda ou peça equivalente.
Constituirão as máquinas em causa nos autos um jogo de fortuna ou azar? Entendemos que não.
Na verdade e retomando o caso que nos ocupa, constatamos que, aquelas máquinas (constituídas por dois corpos, um sobreposto ao outro, sendo no corpo superior que estavam alojadas pequenas cápsulas ovais ocas que guardam no seu interior uma senha numerada, enquanto que no corpo inferior se situava um dispositivo para inserção de moedas de 1 € e um manípulo rotativo que é desbloqueado pela introdução de uma moeda, existindo ainda na parte lateral da máquina um pequeno compartimento que apenas permite visualizar uma cápsula diferente da que está pronta a sair após a introdução de moeda, encontrando-se a cápsula pronta a ser extraída alojada em compartimento não visível), que se encontravam em funcionamento nos dias acima referidos e nos dois citados estabelecimentos comerciais, colocadas no balcão de atendimento, viradas para o público, que seriam exploradas pelos arguidos, desenvolviam “jogo” (jogo iniciado pela introdução de uma moeda de € 1,0 por uma ranhura situada na parte lateral direita com acesso a um pequeno cofre, após o que o jogador roda um manípulo que retira para o exterior a cápsula alojada no compartimento não visível, a qual contem uma senha indicando um número ou letra - que não é do conhecimento prévio do jogador e que nem este consegue visualizar, ficando sem previamente saber qual o concreto prémio que vai receber - que corresponde a um prémio exibido em cartaz exposto ao público, sendo os prémios de variada natureza e valor, sendo uns de valor económico superior a 1,0 € e outros de valor inferior a esse montante) que dava sempre prémio em espécie.
Ou seja: apesar daquele jogo depender exclusivamente da sorte (consoante a senha que estivesse no interior da cápsula que viesse a sair - o que o “jogador” apenas tomava conhecimento quando abrisse a cápsula e procedesse à leitura da respectiva senha), o certo é que também previamente o jogador sabia que o prémio em espécie que iria receber era necessariamente um daqueles que estava exposto no cartaz (o que tornava relativa ou até afastava a contingência do resultado, uma vez que havia sempre prémio em espécie, que era um dos que estava exposto no cartaz.
A única senha que estava no interior da cápsula, que saía aleatoriamente, só tinha um número ou letra, correspondente a um dos prémios em espécie expostos no cartaz dos prémios.
Nem aquele “jogo” se assemelhava ao promovido noutra espécie de máquinas que desenvolvem temas próprios dos jogos de fortuna ou azar (cf. art. 4 nº 1-g) do citado diploma legal), nem o prémio pago era em “fichas ou moedas” (cf. art. 4 nº 1-f) do mesmo diploma legal).
Esse tipo de máquina e cartaz com exposição de prémios em espécie, bem como “jogo” que desenvolvia da forma descrita (uma forma que poderíamos classificar de “básica” e “simples”) - cujo resultado dependia exclusivamente da sorte nos termos acima indicados e não da perícia do jogador - como é claro não se integra em qualquer dos tipos de “jogos de fortuna ou azar” previstos no artigo 4 do cit. DL nº 422/89 (nem a qualquer deles se equipara).
Não ressalta da matéria de facto provada a existência de uma factor contingente ou aleatório, isto é, algo de incontrolável pela verificação de um evento ocasional, imprevisto e fora do controle da vontade do jogador. A máquina não está programada para aleatoriamente, isto é, de forma não prevista e controlada atribuir ao jogador um prémio incerto e imprevisto, antes quando posta em funcionamento confere ao agente um resultado certo, apenas variável em razão qualidade.
Logo, por aí, se percebia que o referido “jogo” desenvolvido naquela máquina não podia ser classificado como “jogo de fortuna ou azar”, razão pela qual a sua exploração não podia integrar o crime imputado ao arguido, nem qualquer outro crime previsto na dita “Lei do Jogo”.
Considerando o seu modo de funcionamento, tipo de jogo e prémios que atribuía é fácil (por ser nítido) concluir que se está perante máquinas que desenvolviam uma “modalidade afim”, tal como definida no art. 163 nº 1, por referência aos arts. 159, 160 nº 1 e 161 do cit. DL nº 422/89, pelo que a sua exploração (tal como estava descrita na acusação e resultou provada) não integra a prática do crime imputado ao arguido.
Existem mais critérios possíveis de diferenciação, designadamente o proposto pela Relação de Évora de 6 de Novembro de 1990, in CJ –V – 276, o critério reside nos “prémios previamente fixados” nas modalidades afins e “prémios não previamente fixados” nos jogos de fortuna ou azar.
Neste mesmo sentido, vidé ainda Acs do TR Porto nº 3940/07.2TAVNG.P1, Relator: MARIA DO CARMO SILVA DIAS, de 20-05-2009 e TRP Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, Processo: 0842841, Relator: ARTUR OLIVEIRA, datado de 02-07-2008; Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, Processo: 24/05.1FANZR.C1, Relator: DR. ORLANDO GONÇALVES, Data do Acórdão: Procº nº 09-04-2008; 3/05.9FACTB.C1, datado de 21-03-2007, Relator: DR. BELMIRO DE ANDRADE, todos in www.dgsi.pt
Assim sendo improcederá o recurso nesta parte.

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3.2. Vêm ainda os arguidos acusados de da prática de um crime de exposição de material de jogo, previsto e punido pelo artigo 115°, do Decreto-Lei nº422/89, de 2 de Dezembro, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n° 40/2005, de 17 de Fevereiro (Lei do Jogo).
Vejamos então.
Quanto ao crime de divulgação de material de jogo de que os arguidos vêm acusados, p. e p. pelo artigo 115º do DL 422/89 de 2 de Dezembro, prescreve tal disposição legal que quem, sem autorização da Inspecção-Geral de Jogos, fabricar, publicitar, importar, transportar, transaccionar, expuser ou divulgar material e utensílios que sejam caracterizadamente destinados à prática de jogos de azar será punido com prisão até 2 anos e multa até 200 dias.
Tal conduta refere-se aos factos a que se refere a acusação de que os arguidos colocaram tal máquina/expositor, cartaz, prémios e senhas nos estabelecimentos comerciais K ... e T ... sem que tivesse autorização da Inspecção-Geral de Jogos para fabricar, transaccionar, expor ou divulgar material destinado à prática do jogo acima descrito.
Atendendo à exposição supra referida, em que concluímos que tais máquinas não configuram um jogo de fortuna ou azar, mas sim uma modalidade afim, não está, mais uma vez, preenchido o tipo objectivo de ilícito, pelo que não se pode imputar a prática de tal crime aos arguidos.
Consequentemente também nesta parte o recurso improcede.
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3.3. Vêm ainda os arguidos acusados da prática do crime de jogo fraudulento.
Nos termos do artigo 113°, n° 1 do DL n°422/89, de 02.12: “Quem explorar ou praticar o jogo ou assegurar a sorte através de erro, engano ou utilização de qualquer equipamento será punido com pena correspondente à do crime de burla agravada. “
Também com este tipo legal se quis tutelar a honestidade, transparência e lisura do jogo, consagradas no artigo 27º da Lei do Jogo.
Considerando a inserção sistemática deste dispositivo legal e a letra do mesmo (jogo), entendemos que o crime de jogo fraudulento se aplica a situações que se verifique erro, engano ou utilização de qualquer equipamento que possam alterar de alguma forma o resultado do jogo, jogo este que terá que ser necessariamente entendido como de fortuna ou azar e não uma modalidade afim, como se verifica no caso dos autos.
Destarte que, considerando a qualificação do jogo supra referenciada (modalidade afim do jogo), não se lhe aplica este dispositivo legal.
Termos em que também nesta parte o recurso não merece provimento.
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3.4. Dos alegados erros de julgamento em sede de matéria de facto.

Perante as conclusões da motivação, no presente recurso impugna-se ainda a decisão proferida sobre a matéria de facto, considerando que se mostram incorrectamente julgados alguns dos pontos da matéria de facto dados como não provados, defendendo que padece a sentença recorrida do vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada previsto na a) do nº 2 do artigo 410°, o que, no caso de mero recurso da matéria de direito, determinaria o reenvio do processo para novo julgamento, no entanto, interpondo-se recurso da matéria de facto, pode o Tribunal de recurso apreciar desde já tais factos e reapreciar a prova produzida.
Pugna, assim, o recorrente pela condenação dos arguidos pela prática dos crimes que lhes eram imputados.
Porém, tendo em conta o decidido acima, por se entender que situações como a dos autos não integram a prática de crime de jogo de fortuna ou azar, torna inútil a tomada de conhecimento da questão enunciada neste ponto, por observância do preceituado no nº 2 do artigo 660.º do Código Processo Civil, aplicável por força do artigo 4.º do Código de Processo Penal.
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Assim, remetendo-se, quanto ao mais, para os respectivos fundamentos, nos termos do art. 425.º, n.º 5, do CPP, é de confirmar aquela decisão, declarando-se improcedente, na sua totalidade, o presente recurso.
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III – Decisão.

Posto o que precede, acordam os Juízes que compõem esta 4ª Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra, relativamente ao recurso interposto pelo Ministério Publico, negar provimento ao mesmo, mantendo-se a decisão recorrida.
Sem custas.

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(Processado e revisto, pelo relator, o primeiro signatário.
Consigna-se que o verso de todas as folhas vai em branco)

Coimbra, 28 de Outubro de 2009.


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(Calvário Antunes)


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(Mouraz Lopes)