Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
469/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. MONTEIRO CASIMIRO
Descritores: RESTITUIÇÃO PROVISÓRIA DE POSSE
LEGITIMIDADE
Data do Acordão: 05/11/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CONDEIXA A NOVA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE AGRAVO
Legislação Nacional: ART. 1281.º N.º2 DO C. CIVIL
Sumário:

I – A providência da restituição provisória de posse pode ser intentada não só contra o esbulhador ou seus herdeiros, mas ainda contra quem esteja na posse da coisa e tenha conhecimento do esbulho (cfr. art. 1281.º n.º2 do C. Civil), sendo cumulativos os requisitos indicados em último lugar.
II – A decisão sobre a matéria de facto não pode ser proferida com base em requerimentos apresentados no decurso do processo, uma vez que o juiz, ao decidir a matéria de facto, baseia-se na prova produzida, e não nos requerimentos das partes.
Decisão Texto Integral:



Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

BB requereu, em 22/08/2003, no Tribunal da comarca de Condeixa-a-Nova, providência cautelar de restituição provisória de posse contra CC e mulher, DD, com os seguintes fundamentos, em síntese:
Em 17/07/2003 o requerente, através de escritura pública de compra e venda, adquiriu à empresa EE, o direito de propriedade sobre a fracção autónoma designada pela letra “A”, que corresponde ao r/c do lado poente, destinado a habitação, e ao nível da cave, a 1ª garagem partindo de poente, de um prédio urbano constituído em propriedade horizontal, denominado Edifício Varandas Fornos de Castel, direito de propriedade que foi objecto de registo provisório em 14/07/2003 na Conservatória do Registo Predial de Condeixa-a-Nova.
Cerca de duas semanas antes da escritura o sócio gerente da sociedade vendedora deslocou-se com o requerente ao apartamento e abriu-o com as chaves que entregou ao mesmo requerente, estando tal apartamento vazio e livre de pessoas e bens.
Na noite de 20/07/2003 o requerente, ao tentar abrir a porta do seu apartamento, apercebeu-se que as chaves não davam na porta, por a fechadura ter sido mudada pelos requeridos, com quem acabou por falar e que, afirmando serem credores da sociedade EE, recusaram-se a entregar a posse do imóvel ao requerente, constituindo esta recusa um acto de violência no esbulho, face ao artº 1261º do C.C.
O requerente está, desde essa data, colocado em condições de não poder continuar a exercer a sua posse, ou seja, está esbulhado.
Termina, pedindo que se ordene a restituição provisória ao requerente da posse do prédio id. no artº 1º da petição, condenando-se ainda os requeridos em sanção pecuniária compulsória traduzida numa quantia não inferior a 200 €/dia.
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Inquiridas as testemunhas oferecidas pelo requerente, sem audiência prévia dos requeridos e com gravação da prova, e indicados os factos considerados indiciariamente provados, foi proferida decisão a julgar o procedimento cautelar procedente, decretando a providência requerida e condenando os requeridos ao pagamento, a título de sanção pecuniária compulsória, da quantia de 100 € por cada dia de atraso na entrega das chaves da fracção.


Para assim decidir, apoiou-se o Sr. Juiz na seguinte matéria de facto:
a) - O Requerente é proprietário da fracção autónoma, designada pela letra A, que corresponde ao r/c do lado poente, destinado à habitação, e, ao nível da cave, da primeira garagem partindo do poente, de um prédio urbano, constituído em propriedade horizontal, denominado “Edifício Varandas Fornos de Castel”, sito em Fornos de Castel, Freguesia de Sebal, Concelho de Condeixa-a-Nova, inscrito na respectiva matriz predial sob o artº 1722 e descrito na Conservatória do registo Predial de Condeixa-a-Nova, com o número 1297.
b) - O requerente adquiriu o prédio referido em a) à empresa “EE – Sociedade de Construção de Imóveis, Lda.”, por contrato de compra e venda celebrado por escritura pública lavrada em 17 de Julho de 2003 no Cartório Notarial de Condeixa-a-Nova, cujo teor aqui se dá integralmente por reproduzido.
c) - O direito do requerente encontra-se devidamente registado na Conservatória do Registo Predial de Condeixa-a-Nova, constando do elenco de inscrições relativas ao nº 01297/1296-A daquela Conservatória.
d) - Antes mesmo da celebração do contrato referido em b), a anterior proprietária da fracção em causa nestes autos (EE...) havia já entregue ao requerente as chaves daquele apartamento.
e) - Com as chaves do apartamento em seu poder, o Requerente deslocou-se por diversas vezes ao apartamento, na companhia de amigos, dando este mostras de não estar completamente acabado (faltava, designadamente, a instalação da luz).
f) - Depois de ter recebido as chaves do apartamento e antes mesmo da celebração do contrato referido em b), o requerente comportava-se como se dono do mesmo fosse.
g) - Em 20 de Julho de 2003, quando tentava abrir a porta da fracção referida em a), o requerente apercebeu-se de que as suas chaves não entravam na fechadura de tal porta, por tal fechadura ter sido mudada.
h) - Foram os requeridos quem procedeu à mudança de fechaduras referidas em g) e desde 20 de Julho de 2003 o requerente está impedido de entrar na fracção referida em a).
i) - Para pagamento do preço da fracção referida em a), o requerente contraiu um empréstimo bancário, que está a pagar.
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Inconformados com o decretamento da providência cautelar de restituição provisória de posse, vieram os requeridos deduzir oposição, alegando, em síntese, o seguinte:
Não procederam à mudança da fechadura da porta da fracção em causa nestes autos, nem ocuparam por qualquer forma tal fracção.
Por contrato-promessa de compra-e-venda, a então proprietária “EE – Sociedade de Construções de Imóveis, Lda.”, como promitente vendedora, prometeu vender a FF – mãe da requerida DD -, que prometeu comprar-lhe pagando, desde logo, a totalidade do preço contratado e ali fixado, três apartamentos, entre os quais se incluía a fracção autónoma em causa nestes autos.


A partir de Abril ou Maio de 2002 a referida fracção ficou praticamente concluída e pronta a utilizar, na sequência do que a promitente vendedora entregou à promitente compradora, Ilda Pereira Santos, as respectivas chaves para que esta a ocupasse e utilizasse em exclusividade, como entendesse e quisesse a partir desse momento, o que esta passou a fazer, ocupando-a e utilizando-a em seu exclusivo proveito e tudo o mais nela fazendo como se sua proprietária fosse, nela entrando e nela saindo quando queria e entendia e nela detendo os mais diversos utensílios, estando na posse exclusiva da mesma.
Aquando da celebração do dito contrato-promessa, ficou combinado que a escritura seria feita mais tarde, após a emissão da licença de utilização pela Câmara e depois de a sociedade promitente vendedora obter junto da Caixa Geral de Depósitos a eliminação da hipoteca que onerava a fracção.
Do conjunto de chaves que recebeu da promitente vendedora, FF entregou-lhes uma chave da fracção em causa nestes autos, a qual entregaram na secretaria deste tribunal juntamente com a sua oposição.
Terminam, pedindo que, na procedência da oposição, seja revogada a decisão proferida.
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Notificado do teor da oposição dos requeridos, no início da diligência de inquirição de testemunhas, o requerente apresentou resposta, pugnando pela improcedência da excepção de ilegitimidade suscitada e arguindo a nulidade do contrato-promessa de compra-e-venda que os requeridos invocaram.
Produzida a prova, com gravação sonora, e julgada improcedente a excepção de ilegitimidade dos requeridos, foi indicada a matéria de facto dada como indiciariamente provada, após o que foi proferida decisão que julgou procedente a oposição, ordenando o levantamento da providência anteriormente decretada e absolvendo os requeridos do pedido nestes autos formulado.
Tal decisão baseou-se na seguinte matéria de facto:
A) - Por escrito datado de 10 de Maio de 1999, a sociedade “EE – Sociedade de Construção de Imóveis, Lda.” prometeu vender a FF, que prometeu compra-lhe, dois apartamentos no rés-do-chão, de tipologia T3, e um apartamento no segundo piso, de tipologia T3, integrados no edifício que a promitente vendedora construiria no terreno rústico, sito em Fornos do Castel, Sebal Grande, Condeixa-a-Nova, que confrontava do norte com regadia, de nascente com Lúcio Fernando Barros da Silva, do sul com Estrada, e do poente com Manuel de Jesus Miranda, registado na Conservatória do registo predial de Condeixa-a-Nova com o número 3665.
B) - No referido escrito, os promitentes declararam que o preço global da transacção prometida seria de Esc.:52.000.000$00, o qual, nos termos declarados, foi logo entregue, como sinal e único pagamento, à promitente vendedora, que dele deu quitação.
C) - A pessoa que no mencionado escrito figurava como promitente compradora, FF, é mãe da requerida DD.
D) - A sociedade “EE – Sociedade de Construção de Imóveis, Lda.” e FF acordaram que o T3 situado no rés-do-chão, referido na cláusula primeira do escrito mencionado em A), seria o apartamento que corresponde à fracção


autónoma em causa nestes autos.
E) - Em Abril ou Maio de 2002, a sociedade “EE – Sociedade de Construção de Imóveis, Lda.” entregou a FFuma chave, designada de chave mestra, destinava ser utilizada provisoriamente e que, para além da porta da fracção em causa nestes autos, abriria as portas das restantes fracções do edifício, bem como um conjunto de chaves, essas definitivas, acompanhadas de um canhão que, depois de colocado na fechadura da porta, faria com que a mesma só pudesse ser aberta com as chaves – definitivas - que lhe foram entregues.
F) - FFe seu marido deslocaram-se várias vezes à fracção em causa nestes autos, utilizando para nela entrar a chave mestra que lhe havia sido entregue.
G) - FFdeu um exemplar das chaves que lhe foram entregues aos requeridos.
H) - O pedido para instalação da água na fracção em causa nestes autos foi apresentado em nome do requerido António Gaspar Pita.
I) - FFe seu marido pretendiam que a fracção em causa nestes autos ficasse para os requeridos.
J) - Quando souberam que a fracção em causa nestes autos tinha sido vendida, FFe seu marido mandaram aplicar na fechadura da porta da fracção em causa nestes autos o canhão que lhe tinha sido entregue pela sociedade “EE, Lda.”, o que veio a acontecer pouco antes do dia 20 de Julho de 2003.
K) - A partir da aplicação de tal canhão, apenas com as chaves – ditas definitivas – que tinham sido entregues a FFpassou a ser possível entrar na fracção em causa nestes autos.
L) - A chave que inicialmente foi entregue ao requerente, e com a qual abriu a porta da fracção em causa nestes autos nas várias vezes que ali se deslocou (nos termos descritos no Ponto d) dos factos indiciados na decisão de fls. 52 e seguintes destes autos), era uma chave, designada de chave mestra, igual à que foi entregue a Ilda Pereira Santos.
M) - As chaves definitivas da fracção – e o respectivo canhão – apenas foram entregues ao requerente na data da celebração da escritura de compra-e-venda, ou seja, em 17 de Julho de 2002.
N) - O requerente nunca chegou a aplicar na fechadura da porta da fracção em causa nestes autos o canhão que lhe foi entregue pela sociedade vendedora.
O) - Quando, no dia 20 de Julho de 2003, pretendeu abrir a porta da fracção em causa nestes autos (cfr. ponto g) dos factos indiciados na decisão de fls. 52 e seguintes) o requerente utilizou, para esse efeito, a chave, dita mestra, que lhe tinha sido inicialmente entregue.
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Inconformado com a decisão, interpôs o requerente recurso de agravo, recebido com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo, rematando a sua alegação com as seguintes conclusões:



A) -Quanto aos efeitos do recurso de agravo interposto, afigura-se ter havido pelo Juiz “a quo” uma aplicação errónea das normas constantes do nº 2 do artº 738º e 740º, do CPC, devendo o agravo, em consequência, subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo, conforme artºs 738º, nº 1 al. a) e 740º nº 1, do CPC, dado que as duas decisões (de decretamento e de revogação da providência cautelar) têm, nos termos do nº 2 do artº 388º de ser vistas como complementares e partes integrantes entre si, ou seja, encaradas como se uma só se tratasse. No caso “sub judicio”, a decisão foi de não decretamento da providência requerida, daí a necessária aplicação da al. a) do nº 1 do artº 738º do CPC e consequentemente do nº 1 do artº 740º do CPC.
B)- Impunha-se ao Mmº Juiz “a quo” que desse como não provado os factos A), B) e C) – Fls. VIII da decisão de revogação do decretamento da providência cautelar, face ao requerimento de fls. 88 do mandatário do requerente onde era invocada a nulidade do contrato promessa junto pelos requeridos e a alegação de que, a haver validade desse contrato, essa validade seria exclusivamente inter partes e não perante terceiros (questões nem sequer respondidas na decisão recorrida); Bem como aos testemunhos do casal FF e Miguel Santos, da qual resultou, sem sombra de dúvidas, a diferença insanável de dois negócios jurídicos: A promessa de compra e venda de apartamentos (ainda inexistentes) com pagamento antecipado da totalidade do preço constante do contrato promessa de compra e venda dos apartamentos e a verdade, traduzida numa permuta do terreno pela entrega, quando construídos, de apartamentos. De tudo isto resultava que, a detenção, a existir do apartamento sub judicio, por parte dos Pais dos requeridos, seria a mero título precário, sem corpus ou animus possidendi, sendo que a detenção daquele, por parte dos requeridos o seria, também (dado que estes nem sequer apresentaram qualquer razão legal para uma detenção a título própria).
C)- Houve, na decisão recorrida incorrecta aplicação dos artºs 381º e ss. do CPC, em especial os seus artºs 387º e 393º e 394º, dado que em relação à prova produzida impunha-se dar-se como provado que:
-Havia probabilidade séria da existência do direito por parte do requerente e amplamente fundado o receio de lesão (artº 387º do CPC);
-Houve esbulho violento, tendo o possuidor demonstrado a sua posse, o esbulho e a violência – ainda agora existente;
-Pelos requerentes, por si e por actos de seus familiares próximos, nomeadamente os seus pais.
D)- Pelo que, nos termos dos artºs 393º e 394º do CPC, impõem-se o decretamento da providência cautelar de restituição provisória de posse ao requerente, revogando-se a decisão que a revogou (ou que ordenou o seu levantamento, segundo a terminologia observada na decisão recorrida.
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Os recorridos contra-alegaram, pugnando pelo improvimento do recurso.
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O Sr. Juiz sustentou a decisão recorrida.
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Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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Como é sabido, o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo o Tribunal da Relação conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo razões de direito ou a não ser que aquelas sejam de conhecimento oficioso (artºs 664º, 684º, nº 3, e 690º, nº 1, do Código de Processo Civil – diploma a que pertencerão os restantes normativos citados sem menção de proveniência).

Questão prévia.
Começa o recorrente por levantar a questão da subida e do efeito do recurso, defendendo que este deveria ter sido admitido a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo.
Como vimos, o recurso foi recebido como agravo com subida imediata, em separado e efeito meramente devolutivo.
No entanto, o regime de subida e o efeito atribuído não estão correctos.
Com efeito, o artº 388º estatui, no seu nº 2, que no caso de ser deduzida oposição, o juiz decidirá da manutenção, redução ou revogação da providência anteriormente decretada, cabendo recurso desta decisão, que constitui complemento e parte integrante da inicialmente proferida.
Ora, uma vez que a decisão proferida em consequência da oposição constitui complemento e parte integrante da inicialmente proferida sobre a providência, é óbvio que, no caso de revogação dessa providência anteriormente decretada, como é o caso dos autos, o recurso a interpor é único e sobe nos próprios autos, imediatamente e com efeito suspensivo, nos termos do disposto nos artºs 738º, nº 1, 2ª parte, e 740º, nº 1.
Assim, altera-se o regime de subida e o efeito do presente recurso, em conformidade.
Haveria agora que dar cumprimento ao disposto nos nºs 1 e 3 do artº 751º, já que, por lapso, não foi apreciada esta questão prévia pelo relator.
No entanto, como da decisão proferida neste Acórdão não cabe, em princípio, recurso para o S.T.J. (cfr. artº 387º-A), torna-se inútil estar agora a requisitar os autos à 1ª instância e a comunicar a alteração do efeito do recurso, pelo que nos abstemos de ordenar o cumprimento do disposto naquele normativo.
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Questão de fundo.
Alega o recorrente que se impunha ao Mmº Juiz a quo que desse como não provado os factos A), B) e C) – fls. VIII da decisão de revogação do decretamento da providência cautelar -, face ao requerimento de fls. 88 do mandatário do requerente onde era invocada a nulidade do contrato promessa junto pelos requeridos e a alegação de que, a haver validade desse contrato, essa validade seria exclusivamente inter partes e não perante terceiros, bem como dos testemunhos do casal FF e Miguel Santos, da qual resultou a diferença insanável de dois negócios jurídicos: a promessa de compra e venda de apartamentos e a verdade, traduzida numa permuta do terreno pela entrega, quando construídos, de apartamentos.




Com tal alegação pretende o recorrente, sem dúvida, impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, no que diz respeito à oposição deduzida pelos requeridos.
Tendo havido gravação da prova produzida na audiência, pode o recorrente impugnar tal decisão, por se mostrarem cumpridos os ónus impostos pelo artº 690º-A, quanto aos depoimentos prestados na mesma audiência.
No entanto, a impugnação não se limita a apoiar-se nesses depoimentos, mas também no requerimento de fls. 88 do requerente, onde era invocada a nulidade do contrato-promessa junto pelos requeridos e a alegação de que, a haver validade desse contrato, essa validade seria exclusivamente inter partes e não perante terceiros.
Ora, o juiz, ao decidir a matéria de facto, baseia-se na prova produzida e não nos requerimentos das partes.
No presente caso, não é pelo facto de o requerente invocar a nulidade do contrato-promessa ou a sua validade apenas entre as partes que o Mmº Juiz iria deixar de tomar em consideração tal contrato-promessa na decisão sobre a matéria de facto.
Quando muito, poderia apreciar essa questão na sentença, que, como se sabe, é diferente daquela e a precede.
Sempre se dirá, no entanto, que a existir a nulidade do contrato-promessa em causa, estaríamos perante uma nulidade atípica, que não pode ser invocada por terceiros, nem é de conhecimento oficioso, de acordo com os Assentos nºs 15/94, de 28/06/1994 (D.R., 1ª S., de 12/10/94) e 3/95, de 01/02/1995 (D.R., 1ª S., de 22/04/95) – cfr. Profs. Almeida Costa, Contrato-Promessa, 4ª ed., págs. 36 e ss., e Calvão da Silva, Sinal e Contrato-Promessa, 9ª ed., págs. 68 e ss.
E, embora esses Assentos se refiram ao nº 3 do artº 410º do Código Civil, na redacção do Decreto-Lei nº 236/80, de 18 de Julho, é fora de dúvida que eles se aplicam à versão vigente desse nº 3 (redacção do Dec. Lei nº 379/86, de 11 de Novembro), visto que o que impera não é uma absoluta coincidência textual, mas a identidade da solução normativa – mesma questão fundamental de direito (cfr. Prof. Almeida Costa, ob. e loc. citados).
Assim, tendo o contrato-promessa em causa sido celebrado entre a sociedade Varandas & Vilas Boas – Sociedade de Construção de Imóveis, Ldª., e FF, que não são partes nestes autos, é óbvio que não podia a nulidade ser conhecida oficiosamente pelo Tribunal nem ser invocada pelo requerente.
De qualquer modo, conforme se vê da matéria de facto dada como provada (al.s A), B), C) e D), o Tribunal a quo não deu como provado que aquela sociedade e FF tenham celebrado qualquer contrato-promessa de compra e venda, mas apenas que declararam aquilo que consta do conteúdo literal do acordo cuja cópia foi junta aos autos.
Por isso, é destituído de interesse que dos depoimentos das testemunhas FF e marido Miguel Santos, se possa concluir, como pretende o recorrente, que se simulou um contrato-promessa de compra e venda, quando o que se passou na prática foi um contrato de permuta, em que pela cedência de um terreno pertença de FF, e em troca, a sociedade Construtora Varandas & Vilas Boas, Ldª, quando construídos, entregava, em troca do terreno, três apartamentos àquela.


De qualquer forma, e embora se possa extrair tal conclusão desses depoimentos, ela é inóqua para a decisão sobre a matéria de facto, uma vez que esse factualismo não foi alegado por qualquer das partes - nomeadamente, pelo requerente - nos respectivos articulados.
Por outro lado, e ainda que a nulidade, por simulação do contrato-promessa, pudesse ser declarada oficiosamente pelo tribunal, de acordo com o disposto no artº 286º do Código Civil, não há nos autos elementos que permitam a esta Relação concluir que tal contrato foi celebrado no intuito de enganar terceiros, tal como é exigido pelo artº 240º do mesmo Código.
Note-se que, mesmo que se declarasse a nulidade do contrato-promessa, por simulação, isso não teria qualquer efeito prático na decisão final, uma vez que o que interessa apurar nos presentes autos é quem é o esbulhador e não a que título é que este interveio na prática do esbulho.

Com a matéria dada como provada, e atrás descriminada, julgou a sentença recorrida a oposição procedente, ordenando o levantamento da providência anteriormente decretada e absolvendo os requeridos do pedido nestes autos formulado, em virtude de considerar que, embora se possa afirmar que os requeridos estão na posse da fracção em causa, mas não sendo eles os esbulhadores, não se encontra indiciado que os mesmos tenham conhecimento do esbulho.

De acordo com o disposto no nº 2 do artº 1281º do Código Civil, a acção de restituição de posse pode ser intentada não só contra o esbulhador ou seus herdeiros, mas ainda contra quem esteja na posse da coisa e tenha conhecimento do esbulho.
Resulta deste normativo que a acção não pode ser intentada contra terceiro que tenha, de boa fé, a posse da coisa. É que a protecção deste só se justifica se não tiver conhecimento do esbulho.
Por outro lado, e como a lei fala em terceiro que esteja na posse da coisa, a acção não pode intentar-se contra quem seja mero detentor, por possuir em nome do esbulhador (cfr. Profs. P.Lima e A. Varela, Código Civil Anotado, III, 48).

Ora, no presente caso – mesmo admitindo que os requeridos estão na posse da fracção, como se considerou na sentença, ou se são meros detentores dela -, provou-se que os esbulhadores foram os pais da requerida, FF e o marido, que, quando souberam que a fracção em causa nestes autos tinha sido vendida, mandaram aplicar na fechadura da porta o canhão que lhe tinha sido entregue pela sociedade Varandas & Vilas Boas, Ldª, o que veio a acontecer pouco antes do dia 20/07/2003, passando, a partir daí, apenas com as chaves definitivas, a ser possível entrar em tal fracção.
E, embora se tenha provado que a FF deu aos requeridos um exemplar das chaves que lhe haviam sido entregues e que o pedido para a instalação da água na fracção em causa foi apresentado em nome do requerido António Gaspar Pita, isso não é suficiente para atribuir aos requeridos legitimidade passiva para os efeitos do disposto no nº 2 do artº 1281º do Código Civil, uma vez que não se provou que os mesmos tiveram conhecimento do esbulho, sendo certo que esse conhecimento não pode, sem mais, deduzir-se daqueles factos (entrega de um exemplar da fracção e pedido da instalação da água), visto estes poderem ter a sua justificação na circunstância de a FF e o marido pretenderem que a



fracção em causa ficasse para os requeridos.
Não tendo a providência sido intentada contra os esbulhadores e não se tendo provado que os requeridos tiveram conhecimento do esbulho, não poderia ela deixar de naufragar, o mesmo sucedendo com o recurso.
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Pelo exposto, acorda-se nesta Relação em negar provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente.