Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
429/07.3TBTBU.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOREIRA DO CARMO
Descritores: DESPACHO DE APERFEIÇOAMENTO
NULIDADE
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
Data do Acordão: 04/20/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TÁBUA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.201 E 508 CPC, 827, 829-A CC
Sumário: I – A omissão do despacho de aperfeiçoamento não acarreta nulidade processual.

II – O pedido de restituição de um imóvel é uma prestação de coisa fungível, à qual não se aplica a sanação pecuniária compulsória, prevista no art.829-A nº1 do CC.

Decisão Texto Integral: I - Relatório

1.Imobiliária (…) Lda., com sede em (…), intentou contra A (…) e mulher M (…), residentes em (…), a presente acção declarativa sob a forma sumária, pedindo que estes sejam condenados a entregar-lhe prédio que identifica, desocupando-o, bem como a pagarem-lhe indemnização a liquidar em incidente posterior à sentença. Mais pede a condenação dos mesmos a pagar-lhe uma sanção pecuniária compulsória no valor de 50 €.

Alegou, para o efeito, que procedeu à denúncia do contrato de arrendamento rural de que os réus eram arrendatários, pelo que o mesmo se extinguiu. Não obstante os RR terem interposto acção pedindo a declaração de invalidade dessa denúncia, a mesma foi julgada improcedente por sentença transitada em julgado.

Assim, a ocupação que os RR vão fazendo do prédio não tem suporte legal.

Que essa ocupação lhes tem provocado danos, sendo que o valor dos mesmos não é ainda possível quantificar, pelo que pede a liquidação dos mesmos em momento posterior.

Contestaram os RR., alegando, por um lado, que se encontra a correr termos, no Tribunal de Santa Comba Dão, uma acção por eles intentada contra a ora autora, no âmbito da qual pedem que se declare a nulidade da deliberação da A., tomada em Assembleia Geral desta, através da qual se decidiu levar a cabo a referida denúncia do contrato de arrendamento, pelo que a presente acção deve ser suspensa até ao trânsito em julgado da decisão a proferir pelo Tribunal de Santa Comba Dão no âmbito do referido processo.

E arguindo, por outro lado, a ineptidão da petição inicial, com fundamento em ininteligibilidade do pedido.

Mais pediram a condenação da autora como litigante de má-fé.

Deduziu resposta a A., sublinhando a força de caso julgado que se formou com a anterior decisão, transitada em julgado, e concluindo nos termos que já havia feito em sede de petição inicial.

Pediram, também, a condenação dos RR como litigantes de má-fé.

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No despacho saneador, foi julgada improcedente a aludida excepção dilatória de ineptidão da petição inicial, e indeferido o pedido de suspensão da instância.

De seguida foi proferido saneador-sentença que decidiu assim:

Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a presente acção e, consequentemente, condeno os RR a entregar à A. o prédio rústico denominado “Y...”, sito em ..., composto por terreno de cultura, descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o nº ... e inscrito na matriz predial rústica sob o art. ....

No mais, absolvo os RR dos pedidos de pagamento de indemnização e de sanção pecuniária compulsória contra eles deduzidos.

Absolvo ainda A. e RR dos pedidos de condenação como litigantes de má-fé mutuamente deduzidos.

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Os RR interpuseram recurso do saneador-sentença. Admitido o recurso apresentaram alegações versando, além do mais, aquelas questões relacionadas com o indeferimento de suspensão da instância e com a ineptidão da petição inicial.

Ouvidas as partes, foi, pelo relator, proferido despacho que eliminou do conhecimento do objecto do recurso essas duas questões, conhecendo este Tribunal apenas do recurso que incidiu sobre o mérito da causa. 

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2. No recurso interposto pelos RR, ora restringido nos termos expostos, os mesmos formularam as seguintes conclusões:

a)Há violação do princípio da igualdade, uma vez que quando se refere à causa de pedir, é o próprio Tribunal “a quo” que especifica, concretiza e conclui de per si, o que é que a aqui apelada quis invocar com a sua indicação “sucinta”, mas já quando se reporta às benfeitorias invocadas pelos aqui apelantes não age da mesma forma, antes refuta como insuficiente e inconsequente a mera indicação delas;

b)Não obstante considerando como o Tribunal “a quo” considerou que a acção configura uma acção de reivindicação e havendo a possibilidade de, nos termos legais, se poder invocar direito de retenção sobre a coisa reivindicada, por existência de benfeitorias, tendo os RR alegado as mesmas, sempre haveria lugar ao convite ao aperfeiçoamento dessa questão, o que não tendo sido concretizado violou o art.º 508º, do CPC;

c)Nestes termos, deverá ser ordenado o cumprimento do indicado artigo.

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A A. não contra-alegou.

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3.Por sua vez a A. interpôs recurso subordinado, cingido à questão da peticionada condenação dos AA, em sanção pecuniária compulsória, formulando as seguintes conclusões:
I. A Autora é dona e legítima possuidora do prédio rústico denominado “Y...”, sito em ..., composto por terreno de cultura, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ..., inscrito na matriz predial rústica sob o art.º ....
II. Tal imóvel esteve dado em arrendamento aos Réus.
III. Por carta de 26/11/2003, recepcionada pelos Réus em 27/11/2003, a Autora denunciou o contrato de arrendamento rural para exploração directa desse mesmo imóvel.
IV. Tal denúncia foi julgada tempestiva, válida e eficaz por Sentença transitada em julgado (doc. 2 junto com a p.i.).
V. Pelo que, desde 01 de Fevereiro de 2005, os Réus não têm título que lhes permita ocupar o referido prédio.
VI. Foi peticionado nestes autos a entrega à Autora do referido imóvel ocupado pelos Réus.
VII. Pedido que obteve provimento na douta Sentença recorrida.
VIII. Concomitantemente, foi requerida a condenação dos Réus ao pagamento à Autora, a título de sanção pecuniária compulsória, o valor de €50,00 por cada dia de atraso que se viesse a verificar, desde a data da citação até à data da efectiva e plena entrega do imóvel à Autora.
IX. O que não obteve provimento na douta Sentença recorrida.
X. Porém, tal pedido inscreve-se plena e cabalmente na norma legal contida no artigo 829º-A do Código Civil.
XI. O preceituado no artigo 829º-A do Código Civil visa, exactamente, assegurar pela “força”, ou pelo menos pela sua ameaça, o cumprimento voluntário (embora não espontâneo) das prestações de facto não fungível.
XII. Assim, independentemente da existência de qualquer dano sofrido pela Autora, o Mmo Juiz a quo tem o poder-dever de, a pedido desta, fixar um “quantum” que em concreto force os Réus a cumprir a obrigação de restituir o imóvel à Autora.
XIII. Com efeito, o artigo 829º-A, nº 1 do Código Civil estipula que o tribunal deve, a pedido do credor, condenar o devedor ao pagamento de uma quantia pecuniária por cada dia de atraso no cumprimento da obrigação de facto infungível.
XIV. A douta decisão recorrida violou o disposto no artigo 829º-A, nº 1 do Código Civil.
Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas., deve a decisão recorrida ser parcialmente revogada na parte que não acolheu o pedido de fixação de uma sanção pecuniária compulsória, devendo ser substituída por outra que fixe um “quantum” diário a pagar pelos Réus desde a citação, a título de sanção pecuniária compulsória, até que se verifique o efectivo e integral cumprimento por banda dos Réus, com todas as consequências legais

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Os RR contra-alegaram, sumariamente, defendendo a manutenção do decidido.

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II – Factos Provados

1 – Encontra-se registada a favor da A., por apresentação de 25/05/2000, a aquisição do prédio rústico denominado “Y...”, sito em ..., composto por terreno de cultura, descrito na Conservatória de Registo Predial de ... sob o nº ... e inscrito na matriz predial rústica sob o art. ....

2 – Por carta de 26/11/2003, recepcionada pelos RR. em 26/11/2003, a A. denunciou o contrato de arrendamento rural que havia sido celebrado com os RR., enquanto arrendatários.

3 – Os RR. intentaram contra a A. acção declarativa que correu termos neste Tribunal sob o nº 61/04.3 TBTBU, distribuída em 26-01-2004, pedindo, a título principal, que fosse declarada a invalidade da denúncia do contrato de arrendamento rural em que aqueles figuram como arrendatários ou, subsidiariamente, no caso de a denúncia ser declarada válida, que se reconheça que o exercício desse direito de denúncia foi feito de forma abusiva.

4 – Por sentença proferida no âmbito do referido Processo nº 61/04.3 TBTBU, transitada em julgado em 14-04-2007, foi a acção julgada totalmente improcedente por não provada, tendo a A., aí ré, sido absolvida dos pedidos contra si dirigidos.

5 – Não obstante, os RR., na presente data, continuam a ocupar o referido prédio.

6 – Os RR. intentaram no Tribunal Judicial de Santa Comba Dão uma acção ordinária, que corre termos no 1º Juízo sob o nº 888/04.6 TBSCD, distribuída em 16/12/2004, pedindo que seja declarada nula a deliberação tomada em Assembleia Geral de Sócios da ora A. realizada em 24/11/2003, pela qual se deliberou ficar a gerência encarregada de proceder à denúncia do arrendamento relativamente ao prédio inscrito na matriz sob o art. ...º.

III – Do Direito

1.Uma vez que o âmbito objectivo dos recursos é balizado pelas conclusões apresentadas pelos recorrentes, apreciaremos, apenas, as questões que ali foram enunciadas (arts.º 684º, nº3 e 690º do CPC).

Nesta conformidade as questões a decidir são as seguintes.

- Incumprimento do art.º 508º, do CPC.

- Sanção pecuniária compulsória a favor da A.

2.1.Os RR defendem que considerando como o Tribunal “a quo” considerou que a acção configura uma acção de reivindicação e havendo a possibilidade de, nos termos legais, se poder invocar direito de retenção sobre a coisa reivindicada, por existência de benfeitorias, tendo os RR alegado as mesmas, sempre haveria lugar ao convite ao aperfeiçoamento dessa questão, sob pena de violação do principio da igualdade, o que não tendo sido concretizado violou o art.º 508º, do CPC.

Na sentença recorrida, no que respeita a esta questão escreveu-se que:

“Assim, tendo a A. provado o direito de propriedade sobre a coisa e que a mesma se encontra na detenção de outra pessoa, a restituição dessa coisa será uma consequência directa, a não ser que os seus detentores demonstrem possuir direito real ou obrigacional que servirá de obstáculo ao exercício pleno da propriedade (cfr. art. 1311º, nº 2, do CC).

(…)

Por outro lado, invocam ainda os RR., em sede de contestação, que realizaram “inúmeras benfeitorias” no prédio.

No entanto, e desconsiderando o carácter conclusivo dessa afirmação, não se pode dela extrair – logo à partida, porque tal não é expressamente invocado - que os RR fundamentem a recusa da entrega com base em direito de retenção, nos termos do art. 754º do CC.

Assim, não tendo os RR apresentado fundamento bastante para a recusa da restituição do prédio, deverão ser condenados na entrega do mesmo à A., procedendo assim o pedido por esta formulado.” – fim de citação.

A haver violação do indicado artigo, o mesmo poderia representar desrespeito pelo princípio da cooperação material, formulado no art.º 266º, nº 2, do CPC, mas não do princípio da igualdade de armas das partes, contemplado no art.º 3º-A, do mesmo diploma, pois nenhum exercício de faculdade processual ou uso de meios de defesa foi recusado aos RR, e permitido à A, muito menos se verificou diferença de tratamento entre as partes na aplicação de cominações ou de sanções processuais (cfr. Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, 1ª Ed., págs. 105/106 e 150/151, e CPC Anotado, Vol. 1º, 2ª Ed., nota 2. ao artigo 3º-A, pág. 11, nota 4. ao artigo 266º, pág.514/515, e Vol.2º, 2ª Ed., nota 2. ao artigo 508º-A, pág.389).

Mas vejamos mais de perto.

Na contestação (art.º 11º) os RR limitaram-se a dizer terem realizado no identificado prédio “inúmeras benfeitorias”.

Para além, de ser uma afirmação abstractamente conclusiva, os mesmos não extraíram qualquer consequência de tal afirmação, arguindo qualquer excepção ou formulando pedido indemnizatório relativo a tais benfeitorias ou de reconhecimento de direito de retenção. Na verdade, como resulta do seu articulado de contestação, e acima se relatou, apenas pediram a suspensão da instância, por existência de causa prejudicial, arguiram a ineptidão da petição inicial e reclamaram indemnização da A., por invocada litigância de má-fé da mesma.

Impõe-se, por isso, de imediato perguntar. Para quê formular o Juiz despacho de aperfeiçoamento, ao abrigo do art.º 508º, nº1, b) e 3, do CPC, se os RR não deduziram excepção alguma ou formularam pedido de pagamento das alegadas benfeitorias ou direito de retenção sobre o prédio, sobre a coisa a restituir ?   

È que o aperfeiçoamento é remédio para casos em que os factos alegados por autor ou réu, os que integram a causa de pedir e os que fundam as excepções, são insuficientes ou não se apresentem suficientemente concretizados.

No primeiro caso, está em causa a falta de elementos de facto necessários à completude da causa de pedir ou duma excepção, por não terem sido alegados todos os que permitam a subsunção na previsão da norma jurídica invocada.

No segundo caso, estão em causa afirmações feitas, relativamente a alguns desses elementos de facto, de modo conclusivo, equívoco ou difuso.

Fora da previsão do preceito, estão contudo os casos em que a causa de pedir ou excepção não contêm a alegação de elementos de facto suficientes para o efeito, casos esses que são de ineptidão da petição inicial ou de nulidade da excepção (por exemplo por exclusiva utilização de expressões de conteúdo técnico-jurídico) ou, mais radicalmente, quando nem sequer se deduz qualquer pedido ou argui alguma excepção (vide L. Freitas, obra cit., Vol. 2º, nota 5., pág. 383, e Acds., do STJ, de 21.9.06 e de 21.11.06, in C.J., T.3, págs. 64 e 126, de 20.9.2007, in C.J., T. 3, pág. 60).    

Desta sorte, não poderia ser esperável pelos RR qualquer despacho judicial ao aperfeiçoamento, por destituído de fundamento legal.

Assim, improcedendo as suas conclusões e recurso.

2.2.1. A omissão do despacho de aperfeiçoamento não acarretaria, ainda que diferentemente se entendesse, qualquer nulidade.

Tratando-se de poder não vinculado, como decorre logo do teor literal da lei “pode ainda o Juiz convidar…”, a sua não prolação não se traduz na omissão de um acto imposto por lei, pelo que não se está perante a situação do nº1, do art.º 201º do CPC. E consequentemente arredada fica a possibilidade de arguição de nulidade, por não exercício do convite ao mencionado aperfeiçoamento.

É esta a jurisprudência do STJ, Acds., de 22.6.2005, Proc.05A1781, in www.dgsi.pt, e de 21.9.2006 e 21.11.2006, atrás citados, que não vemos razão para abandonar. No mesmo sentido, vejam-se os Acds., da Rel. Porto, de 7.12.2006, Proc.0636576, mesmo site, e de 28.2.2005, in C.J., T. 1, pág. 200, bem como desta Relação de 29.5.2001, Proc. 916/01, e de 28.9.2004, Proc.1459/04, mesmo site. Subscrevendo tal entendimento vai, também, L. Freitas, ob.cit., Vol. 2º., pág. 384.

2.2.1. Ainda que se entendesse em contrário, constata-se que os RR, a este respeito, nenhuma nulidade arguiram, pois interpuseram directamente recurso do saneador-sentença.

Assim, a eventual nulidade estaria sempre sanada, por falta de arguição.

2.2.2. Nem sendo, mesmo, admissível a via recursiva, por omissão de despacho judicial de aperfeiçoamento, como se salienta no referido Acórdão de 28.9.2004, desta Relação, por três argumentos essenciais:

O primeiro, sendo proibido o recurso do despacho - convite (art.508º, nº6, do CPC), por identidade de razão está vedado o recurso relativo à omissão de tal despacho.

O segundo, resulta do art.678º, nº1, do CPC, ao estabelecer o critério de que só pode recorrer-se de decisões desfavoráveis, o que não sucede relativamente à inexistência de um despacho que criticasse negativamente um acto de uma parte, como acto desfavorável.

Em terceiro lugar, porque de outra forma estar-se-ia a violar o princípio da igualdade das partes (art.3º-A, do CPC), pois “ não se concedendo recurso à parte que se sinta prejudicada com o convite feito à contra-parte, para prevenir e ajudar a supressão de deficiências ou insuficiências de um articulado que lhe é adverso, não teria sentido concedê-lo ao autor da deficiência ou insuficiência, pela omissão de ajuda à supressão dos seus próprios erros ou faltas “.

Sempre improcederiam, assim, as conclusões da alegação.

3.1.Sobre o pedido de aplicação de sanção pecuniária compulsória, escreveu-se na sentença recorrida o seguinte:

“A sanção pecuniária compulsória estabelecida pelo art. 829º-A do CC assenta na insuficiência da execução específica prevista no art. 827º do CC (a execução “in natura” e sub-rogatória) para realizar efectivamente o resultado prático do cumprimento de obrigações infungíveis.

A questão da fungibilidade ou da infungibilidade da prestação resolve-se, em termos práticos, pela possibilidade ou pela impossibilidade de ter lugar o cumprimento por terceiro.

Seguindo na esteira de CALVÃO DA SILVA, in Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, pág. 256, nota 665, poderá afirmar-se que, em geral, as prestações de coisa são fungíveis e que mesmo que a coisa a prestar seja infungível, ou seja, insubstituível por outra (artº 207º C.Civ.), há sub-rogabilidade do devedor sem qualquer prejuízo para o credor, que vê o seu interesse plenamente satisfeito pela entrega da coisa, quer seja feita pelo devedor, quer seja feita por terceiro.

Ora, a restituição de um bem imóvel – conforme peticionado pela A. - é uma típica prestação de coisa e, como tal, fungível.

Assim, a execução específica da obrigação de restituição, nos termos dos arts. 827º do CC e 928º do CPC, satisfaz plenamente, no caso concreto, o interesse do credor, razão pela qual não haverá lugar à aplicação de qualquer sanção pecuniária compulsória, em condenação dos Réus.

Pelo exposto, improcede, neste ponto, igualmente, o peticionado pela A.”- fim de transcrição.

Merecem estas considerações jurídico-legais a nossa concordância, e salvo o devido respeito, só uma leitura menos atenta da recorrente A., da decisão em recurso, a faz defender a posição que sustenta.

O preceito em análise, art.º 829º-A, do CC, é expresso no seu nº1, referente à sanção pecuniária compulsória judicial (a legal está prevista no nº 4), ao mencionar que se aplica somente à prestação de facto infungível.

Recordando, com a lição do Prof. Almeida Costa, in D. Obrigações, 6ª Ed., págs. 122/123 e 585/587, a distinção entre as modalidades da prestação, verificamos que as mesmas podem ser de prestação de coisa ou prestação de facto.

Aquela primeira modalidade pode ter o tríplice sentido de um dar (entrega de uma coisa que já pertencia ao credor desde a constituição da obrigação, ou que passa a ser dele por virtude da entrega, por ex. venda ou doação), um prestar (entrega de uma coisa para uso e fruição do credor, mas que continuará a pertencer ao devedor, por ex. entrega do locado ao arrendatário) ou um restituir (devolução ao credor de uma coisa que este cedera ao devedor em uso ou que lhe confiara para guarda, administração ou a qualquer outro título, por ex. devolução do locado ao senhorio findo o arrendamento).

Na segunda modalidade, esta pode ser positiva, redundando numa actividade do devedor (por ex. prestação de um serviço, emissão de uma declaração de vontade negocial, os actos praticados pelo mandatário na gerência dos interesses do mandante ou do depositário na guarda e conservação da coisa depositada) ou negativa, traduzida numa abstenção ou omissão do devedor (por ex. proibição de concorrência aposta num contrato de prestação de serviço ou promessa de não adquirir ou alienar um direito).

Se atentarmos ao teor da decisão recorrida, vemos que os RR foram condenados a entregar à A., o identificado prédio, pelo que nos deparamos com uma obrigação consistente numa prestação de coisa, de restituição da mesma a cabo daqueles.

Deste modo se afastando a aplicabilidade do artigo, limitado nos seus termos à prestação de facto.

3.2.Ademais, nunca seria aplicável, pois o seu comando se restringe, igualmente, à prestação infungível.

Ora, a prestação diz-se fungível quando pode ser realizada tanto pelo devedor como por terceiro, sem prejuízo para o credor; e não fungível quando tenha, necessariamente, de ser cumprida pelo devedor.

 O critério exposto aplica-se mesmo à prestação de coisa, se bem que esta, de ordinário, tenha natureza fungível (Almeida e Costa, ob. cit., pág. 591).

Como sublinha a sentença recorrida e a doutrina autorizada, no caso de a prestação ser fungível, caso da prestação de coisa, a execução é idónea para actuar especificamente a condenação no cumprimento, havendo correlação entre a sentença de condenação e a execução específica (vide Calvão da Silva, Sanção Pecuniária Compulsória, Estudos, in BMJ, 359, pág.57).     
Posto isto, podendo a sentença de condenação, de restituição do prédio à A., operar perfeitamente no quadro da execução específica – arts.º 827º, do CC, 928º e 930º, do CPC - com plena satisfação para a mesma, credora da prestação, afastada fica a aplicabilidade da mencionada sanção pecuniária compulsória.

Improcede, pois, o recurso da autora.

IV -  Decisão

Pelo exposto, julgam-se improcedentes os recursos, de autora e réus, confirmando-se a decisão recorrida.

*

Custas por A e RR, em relação aos respectivos recursos.