Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
30/08.4PEVIS.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ALICE SANTOS
Descritores: BUSCA – COMUNICAÇÃO AO JIC
Data do Acordão: 04/01/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE VISEU – 3º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 174º E 178º DO CPP
Sumário: 1. Os agentes da PSP, ao efectuarem a busca no veículo onde o arguido se fazia transportar, actuando no desenvolvimento de uma actividade de fiscalização, que a lei confia aos órgãos de polícia criminal, tratando-se de busca não domiciliária, não necessita de prévia autorização das autoridades judiciárias.
2. Com a expressão imediatamente do art 174º nº 6 o legislador pretende significar que a busca tem que ser levada ao conhecimento do juiz no mais curto espaço de tempo. A falta de comunicação imediata da busca ao juiz é cominada pela lei com a sua nulidade.
3. O que constitui nulidade é tão só a falta de comunicação imediata da busca e não também a falta de apreciação ou validação pelo juiz.
Decisão Texto Integral: O arguido, N..., não se conformando com a decisão que em sede de questão prévia se pronunciou pelo indeferimento da nulidade da busca e, consequentemente, o condenou como autor material de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo artº 86º, nº 1 al d) da Lei nº 5/2006, de 23/2, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de € 5,00, vem dele interpor recurso para este tribunal, sendo que na respectiva motivação formulou as seguintes conclusões:

1. O presente recurso vem interposto de decisão que, em sede de questão prévia se pronunciou pelo indeferimento da nulidade da busca alegada pelo arguido e, consequentemente, condenou o arguido, como autor material de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86° n.º 1 alínea d) da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na pena de 180 (cento e oitenta) dias de multa, à taxa diária de € 5,00 (cinco euros).

2. Atendendo ao facto de que a busca em causa nos autos não foi precedida da necessária autorização da autoridade judiciária, e porque não se verifica nenhum dos condicionalismos previstos nas alíneas do n.º 5 do artigo 174° do CPP, esta busca apenas poderá ser o fruto de uma medida cautelar de polícia tomada ao abrigo do artigo 251° do CPP.

3. Ora, para que os Órgãos de Polícia Criminal possam proceder, sem prévia autorização da autoridade judiciária, a uma busca ao abrigo do artigo 251 ° n.° 1 alínea a), é necessário que: a) a busca se não enquadre no âmbito das buscas domiciliárias; b) recaia sobre suspeito em caso de fuga iminente ou sobre o detido; c) exista fundada razão para crer de que naquele local se ocultam objectos relacionados com o crime; d) esses objectos sejam susceptíveis de servirem de prova; e) se a busca se não efectivasse, esses objectos se poderiam perder e, dessa forma, desaparecer a utilidade da diligência.

4. Porém não resulta nem do Auto de Notícia, nem da matéria de facto, provada que houve uma fuga iminente.

5.Também não resulta igualmente do Auto de Notícia a existência de quaisquer suspeitas que pudessem recair sobre o arguido, ora recorrente.

6. Acresce que a busca não resultou de uma detenção, mas a detenção veio sim na sequência da busca ora então efectuada tal como resulta a fls, 13 dos autos.

7. Assim, o recorrente humildemente entende, salvo devido respeito, não estarem verificados os pressupostos materiais da busca, ora então efectuada, por falta da verificação do requisito "suspeito em caso de fuga iminente ou de detenção".

8. Além dos pressupostos de natureza substantiva, a lei exige um outro de natureza formal que se reconduz à imediata comunicação da busca ao juiz de instrução, com vista à sua validação, pressuposto este que deriva da remissão que o n.º 2 do artigo 251° faz para o n.º 6 do artigo 174°, ambos do CPP.

9. A falta de comunicação imediata da busca ao juiz é cominada pela lei como nulidade.

10. A busca é uma diligência de prova que tem de ser reduzida a Auto nos termos dos artigos 275º, 268° n.º 1 alínea f) e 174° n." 6 por remissão do artigo 251° n.º 2, todos do CPP, sendo este o meio adequado a comunica-la ao juiz de instrução, para este aprecia-la em ordem à sua validação.

11. Porém, não resulta do processo à margem identificado nenhum Auto de Busca, assim não resulta igualmente daquele a identificação das pessoas que intervieram no acto, a descrição especificada das operações praticadas, da intervenção de cada um dos participantes processuais, nem de quaisquer ocorrências relevantes para apreciação da prova ou da regularidade do acto, como mandam as alíneas a), c) e d) do n." 3 do artigo 99" do CPP.

12. Considerando que, neste caso, a falta de comunicação é cominada pela lei como nulidade e considerando que o Auto de Busca é o meio adequado a essa comunicação, a omissão do Auto de Busca, com a sua inerente comunicação, terá assim por consequência a nulidade que expressamente se invoca.

13. Por outro lado, realce-se ainda que a nulidade da busca foi invocada pela defesa no dia 23 de Setembro de 2008, tal como resulta da respectiva acta de julgamento.

14. Se resultasse de forma evidente do Auto de Notícia a comunicação da realização da busca, a Meritíssima Juiz a quo teria, salvo devido respeito, validado a mesma aquando a validação da apreensão das munições, ou seja, no dia 10 de Setembro de 2008, ou então no dia 23 de Setembro de 2008 ou no dia 2 de Outubro de 2008, aquando a continuação da audiência de discussão e julgamento.

15. Sucede que o Tribunal a quo apenas se pronunciou quanto à nulidade invocada em sede de sentença, no dia 9 de Outubro.

16. Desta forma, é manifesto que o Auto de Notícia não evidencia a realização da busca e não evidencia, igualmente, a comunicação imediata da busca ao Juiz.

17. Isto porque, não se pode depreender do Auto de Notícia, salvo devido respeito, uma alegada comunicação da busca, se do mesmo nem sequer resulta ter havido qualquer busca.

18. Não houve, assim, qualquer comunicação da realização da diligência, tal como ditam os artigos 251 ° n.º 2 e 174º n.º 6 do CPP.

19. Nestes termos, o Meritíssimo Tribunal a quo violou ou deu errada interpretação aos artigos 251 ° n.º 1 alínea a), n.º 2 e 174° n.º 6 do CPP.

20. A busca realizada, enquanto meio de obtenção de prova, está ferida de nulidade que expressamente se invoca, nos termos dos artigos 118º n.º 1 e 3,125°, 126° n.º 3, por violação dos artigos 251 ° n.º 1 alínea a), n.º 2 e 174º n.º 6 do CPP.

21. Pelo que, esta busca foi feita mediante intromissão na vida privada, violando-se, em consequência, o n.º 3 do artigo 126° do CPP e os artigos 18º n.º 2 e 32° nº 8 da Lei Fundamental.

22. Sendo nula a busca, a apreensão nula é, nos termos do artigo 122° n.º1 do

CPP.

23. Nestes termos e nos demais de direito, deverão V.as Ex.as dar provimento ao presente recurso e, em consequência, revogar a douta decisão a quo e substituir por outra que:

1) Declare nula a busca efectuada pelo O.P.C. por falta dos requisitos materiais exigidos pelo artigo 251º n.º 1 alínea a) e pela inexistência de comunicação imediata ao juiz, devendo a mesma ser configurada como prova proibida e insusceptível de valoração;

2) Declare nula a prova obtida como consequência legal de impedir a valoração do resultado da busca nos presentes autos e a invalidade de todos os actos dela dependentes;

3) E, em consequência, absolva integralmente o arguido.

ASSIM SE FAZENDO A SEMPRE E ACOSTUMADA JUSTIÇA!

Respondeu o Digno Procurador Adjunto, manifestando-se pela improcedência do recurso, defendendo a manutenção da decisão recorrida.

Nesta instância o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta no sentido da improcedência do recurso.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Comecemos por apreciar a actuação dos agentes da PSP.

Dispõe o artº 249º do CPP:

1. Compete aos órgãos de polícia criminal, mesmo antes de receberem ordem da autoridade judiciária competente para procederem a investigações, praticar os actos cautelares necessários e urgentes para assegurar os meios de prova.

2. Compete-lhes, nomeadamente, nos termos do número anterior:

a. (…)

b. (…)

c. Proceder a apreensões no decurso de revistas ou buscas ou em caso de urgência ou perigo na demora, bem como adoptar as medidas cautelares necessárias à conservação ou manutenção dos objectos apreendidos.

No caso vertente, a diligência de busca e apreensão foi realizada na sequência de uma acção de fiscalização tendo como missão essencial a detecção de armas e munições.

No que respeita à revista e busca dispões o artº 174do CPP:

1. Quando houver indícios de que alguém oculta na sua pessoa quaisquer objectos relacionados com um crime ou que possam servir de prova, é ordenada a revista.

2. Quando houver indícios de que os objectos referidos no número anterior, ou o arguido ou outra pessoa que devia ser detida, se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público, é ordenada busca.

3. As revistas e as buscas são autorizadas ou ordenadas por despacho pela autoridade judiciária competente, devendo esta, sempre que possível, presidir à diligência.

4. O despacho previsto no número anterior tem um prazo de validade máximo de 30 dias, sob pena de nulidade.

5. Ressalvam-se das exigências contidas no nº 3 as revistas e buscas efectuadas por órgão de polícia criminal nos casos:

a) De terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, quando haja fundados indícios da prática iminente de crime que ponha em grave risco a vida ou a integridade de qualquer pessoa;

b) Em que os visados consintam, desde que o consentimento prestado fique, por qualquer forma, documentado, ou

c) aquando de detenção em flagrante por crime a que corresponda pena de prisão.

6. Nos casos referidos na alínea a) do número anterior, a realização da diligência é, sob pena de nulidade, imediatamente comunicada ao juiz de instrução e por este apreciada em ordem á sua validação.

Por seu lado o artº 251º do CPP estatui:

1. Para além dos casos previstos no nº 5 do artº 174º, os órgãos de polícia criminal podem proceder, sem prévia autorização da autoridade judiciária:

a. À revista de suspeitos em caso de fuga iminente ou de detenção e a buscas no lugar em que se encontrarem, salvo tratando-se de busca domiciliária, sempre que tiverem fundada razão para crer que neles se ocultam objectos relacionados com o crime, susceptíveis de servirem a prova e que outra forma poderia perder-se;

b. (…)

2. É correspondentemente aplicável o disposto no nº 6 do artº 174º.

Portanto, de acordo com o disposto no artº 174º nº 2 do CPP, a busca tem lugar quando houver indícios de que objectos relacionados com um crime, ou o arguido ou outra pessoa que deva ser detida, se encontram em lugar reservado ou não livremente acessível ao público.

Em regra as buscas não domiciliárias têm que ser autorizadas ou ordenadas por despacho, pela autoridade competente ((artº 174º nº 3). Excepcionalmente, podem realizar-se sem precedência desse despacho.

Essas excepções encontram-se previstas no nº 5 do artº 174º do CPP e no artº 251º do CPP.

No caso “sub Júdice” os agentes da PSP, ao efectuarem a busca no veículo onde o arguido se fazia transportar, actuaram no desenvolvimento de uma actividade de fiscalização, que a lei confia aos órgãos de polícia criminal e, tratando-se de busca não domiciliária, não necessita de prévia autorização das autoridades judiciárias.

A busca aqui em causa, integra-se na alínea a) do artº 251 do CPP, o qual permite a realização de buscas como acto de natureza cautelar, sem serem autorizadas ou ordenadas pela autoridade competente desde que haja fundada razão para crer que em determinado lugar reservado ou não livremente acessível ao público e onde se encontrem suspeitos, se ocultem objectos relacionados com o crime ou susceptíveis de servirem de prova e que de outra forma poderia perder-se.

Conforme refere Manuel Monteiro Guedes Valente “Revistas e Buscas”, pg 67, nos termos da referida disposição é necessário:

a) que a busca se não enquadre no âmbito das buscas domiciliárias;

b) que recaia sobre suspeito em caso de fuga iminente ou sobre detido;

c) que exista fundada razão de que naquele local se ocultam objectos relacionados com o crime,

d) que esses objectos sejam susceptíveis de servirem de prova;

e) que se a busca se não efectivasse esses objectos se poderiam perder e, dessa forma, desaparecesses a utilidade da diligência;

Ora, no caso vertente, a PSP tinha a informação de que havia um pedido de paradeiro relativo ao arguido emitido pela Policia Judiciária e da respectiva ficha biográfica dessa Polícia constava que o arguido se encontrava referenciado pela prática de vários crimes.

Portanto, havia fundadas razões, legitimas razões para que a PSP suspeitasse que o arguido poderia ocultar no veículo algum objecto relacionado com uma actividade criminosa, susceptível de servir de prova e que, caso não se realizasse de imediato a busca, poderia perder-se.

Aliás, suspeitas que vieram a concretizar-se pois, dentro do veículo foram encontradas quatro munições calibre 6,35 mm, sendo certo que o arguido não detinha licença de uso e porte de arma.

A lei exige, ainda, para além dos pressupostos acima referidos um de natureza formal – que a busca seja imediatamente comunicada ao juiz ( art 174º nº 6, aplicável por força do artº 251º nº 2).

Com a expressão imediatamente o legislador pretende significar que a busca tem que ser levada ao conhecimento do juiz no mais curto espaço de tempo. A falta de comunicação imediata da busca ao juiz é cominada pela lei com a sua nulidade.

Ou seja, o que constitui nulidade é tão só a falta de comunicação imediata da busca e não também a falta de apreciação ou validação pelo juiz.

Ora, no caso vertente e ao contrário do sustentado pelo recorrente, o que importa é que tenha havido imediata comunicação da busca ao juiz o que aconteceu

aquando da apresentação do expediente para sumário, embora não exista um auto de busca autónomo, consta de fls 4 um “Auto de Apreensão”, no qual são indicadas as munições apreendidas, o que é suficiente.

Aliás, o Mº Pº ao abrigo do disposto no art 178 nº 3 e 5 do CPP, validou de imediato a apreensão das munições tendo a Sra Juiz validado a busca no dia de julgamento (estamos no âmbito de um processo sumário). Como acima se referiu o que constitui nulidade é tão só a falta de comunicação imediata da busca e não, também, a falta de apreciação ou validação, imediata, pelo juiz.

Termos em que se nega provimento ao recurso.

Custas pelo recorrente fixando-se a taxa de justiça em 8 ucs.