Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3579/03
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR.ª REGINA ROSA
Descritores: SERVIÇO TELEFÓNIO PÚBLICO
SERVIÇOS DE VALOR ACRESCENTADO
Data do Acordão: 01/27/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COIMBRA - 5.º JUÍZO CIVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Legislação Nacional: ART.º 16.º N.º 3 AL. D DO DEC. LEI N.º 270/97 DE 18/09
Sumário:
I – A conclusão da alegação de recurso relativa à não obrigatoriedade de pagamento de chamadas de valor acrescentado por não haver contrato escrito aceite pelo cliente relativo a esse tipo de serviços, revela uma questão nova caso essa inexistência não tenha sido alegada em sede de articulados, e que, por isso, não poderá ser apreciada em sede de recurso .
Decisão Texto Integral:
ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

I - RELATÓRIO
I.1- «A» propõe contra B, acção declarativa sob a forma sumária, pedindo a condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 8.543,35€, acrescida de juros de mora vincendos calculados à taxa de 12% ao ano contados sobre a quantia de 7.371,62€ até efectivo e integral pagamento, dívida de serviços telefónicos prestados.
Para tanto e em síntese, alega que a pedido da ré prestou a esta, a seu pedido, o serviço telefónico público com disponibilização da rede pública comutada, que lhe permitiu utilizar o serviço fixo de telefone e outros serviços acessíveis através da sua linha de rede, nomeadamente os serviços de valor acrescentado, obrigando-se a ré a pagar à A. o preço correspondente ao serviço prestado bem como à taxa de assinatura mensal respectiva; que nos meses de Julho de 2000 a Fevereiro de 2001, a ré não pagou à A. as mensalidades de assinatura e o serviço telefónico público prestado, no montante de 7.371,62€, apesar de terem sido enviadas as facturas respectivas para pagamento, a que a ré não procedeu apesar de interpelada para tanto.
Citada a ré contestou, dizendo, em resumo, que não recebeu nenhuma das facturas por ter deixado o lar conjugal onde se encontra o posto telefónico instalado pela A., não o utilizando desde Julho/2000, sendo utilizado pelo seu marido C que é, assim, o único responsável pelo pagamento dos serviços telefónicos que efectuou.
Requereu a ré a intervenção provocada do referido C, a qual foi admitida, nada tendo aquele dito.
A A. respondeu dizendo ser o contrato de serviço telefónico pessoal, razão pela qual a ré é a única responsável pela utilização do serviço telefónico.
Organizada a peça saneadora e condensadora e efectuado o julgamento, foi proferida sentença em que se julgou a acção procedente, condenando-se a ré no pedido, e dele se absolvendo o chamado.
I.2- A ré apelou, e nas conclusões da alegação disse o seguinte:
1ª- É fora de dúvida que a A. não contratou com a ré o acesso desta aos serviços de telecomunicações de valor acrescentado ou de audiotexto, pois tal não resulta da matéria provada, nem podia resultar por nem sequer ter sido alegada;
2ª- Não havendo acordo expresso da ré para o acesso a tais serviços e não tendo ela contratado com a A. esses serviços, não lhe pode, a ela ré, ser assacada qualquer responsabilidade decorrente da efectiva utilização desses mesmos serviços;
3ª- A prestação de serviços de valor acrescentado pressupõe que haja um contrato com o prestador; sem ele não pode ser exigido qualquer preço.

I.3- Contra-alegou a A. pugnando pela improcedência do recurso, por, em seu entender, nele se suscitarem questões novas.
Colhidos os vistos, cumpre decidir.
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II - FUNDAMENTOS
II.1 - de facto
Nos termos do art.713º/6,C.P.C., remete-se para a decisão factual da 1ª instância, já que não foi impugnada nem há lugar a qualquer alteração que deva introduzir-se-lhe.
Dela se destacará a seguinte factualidade, com interesse para a apreciação do presente recurso:
1.1- O serviço efectivamente prestado pela A. à ré traduziu-se na disponibilização da rede pública comutada, que pelo seu turno permitiu à ré utilizar o serviço fixo de telefone e outros serviços acessíveis através da sua linha de rede, nomeadamente os serviços de valor acrescentado [al.D) dos factos assentes];
1.2- A ré obrigou-se a pagar à A. o preço correspondente ao serviço prestado, bem como à taxa de assinatura mensal respectiva [al.D)];
1.3- Nos meses de Julho/2000 a Fevereiro/2001 a ré não pagou à A. qualquer quantia, também não o tendo feito posteriormente [al.F)];
1.4- As mensalidades de assinatura e o serviço telefónico prestado no período temporal aludido ascendiam a 7.371,62€ (ponto 1º da B.I.);
1.5- E no mês de Novembro de 2000 é devida a quantia de 6.005,86€ (s/IVA) referente a serviços de audiotexto (ponto 2º da B.I.).

II.2 - de direito
Sabido que as conclusões fixam o âmbito e o objecto do recurso (arts.684º/3 e 690º,C.P.C.), pelas transcritas conclusões da apelante se conclui que a mesma limita o campo do recurso à sua condenação ao pagamento da quantia de 6.005,86€ (s/IVA) referida exclusivamente a serviços de audio-texto ou de valor acrescentado.
Com efeito, a sentença impugnada, depois de concluir pela responsabilização da ré pela utilização do posto telefónico em causa no período de tempo entre Julho/2000 e Fevereiro/2001, considerou que a mesma estava obrigada nos termos gerais de direito ao cumprimento pontual do pagamento das quantias reclamadas pela A. decorrentes do contrato de prestação de serviço telefónico, onde, acrescentamos nós, se incluíam, a par das chamadas telefónicas da rede fixa, as chamadas de valor acrescentado no montante referido.
Ora, a ré/apelante pretende impugnar esta decisão no segmento aludido usando argumentação que não utilizou ao contestar, e levando questões que naquela não foram apreciadas.
Na verdade, afirma a recorrente que não está provado ter alguma vez dado o seu acordo expresso à A. para o acesso aos serviços de telecomunicações de valor acrescentado, e por tal motivo não lhe pode ser exigido o pagamento do preço pela efectiva utilização desses serviços.
A ré envereda, assim, por outra via – não contratação dos serviços de audiotexto ou de valor acrescentado - para afastar a sua responsabilização pelo dito pagamento, quando na contestação (art.11º) se limitou a impugnar, nos termos do art.490º/3,C.P.C., os montantes referentes ás mensalidades de assinatura, e aos serviços telefónico e de audiotexto alegados pela A. nos arts.6º e 7º da petição inicial.
Tem pois razão a recorrida, quando afirma que se trata de questões novas, não apreciadas e decididas na 1ª instância.
Vem a nossa jurisprudência repetidamente afirmando que os recursos são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação dos tribunais inferiores, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal de que se recorre. Cfr. Amâncio Ferreira, «Manual dos recursos em processo civil», 4ªed., pág. 138, e Acs.STJ de 7.1.93 (CJstjI/93-6), de 1.10.02 (CJstjIII/02-70), Ac.R.L de 7.11.96 (CJV/96-82).
Esta regra comporta, porém, duas excepções: situações em que a lei expressamente determina o contrário, e em que em causa está matéria de conhecimento oficioso.
Na hipótese em análise, e conforme atrás se observou, ao contestar o pagamento da quantia correspondente à utilização do serviço de audiotexto naquele limite temporal, a ré limitou-se a declarar que não sabe se ele é real (citado art.490º/3).
Por sua vez, nas conclusões da sua alegação de recurso, alega a apelante que não lhe pode ser exigido o pagamento relativo a chamadas de valor acrescentado por jamais ter contratado tais serviços de telecomunicações, nem ter dado o seu acordo expresso para tanto, como determina o art.16º/3-d) do DL nº240/97, de 18.9 que regulamenta a exploração do serviço fixo de telefone (presentemente, e à data do serviço facturado, vigora o regulamento anexo ao DL nº474/99, de 8.11, que impõe que do contrato conste “manifestação expressa de vontade do assinante sobre o acesso ou não, aos serviços de audiotexto de modo selectivo”).
Ao alegar nestes termos, suscita a apelante questão nova que agora coloca no âmbito deste recurso. Enquanto na contestação a posição da ré foi, nesse particular, a de desconhecer a facturação relativa ao apontado período temporal, nela se incluindo o valor de chamadas de valor acrescentado, já em sede de recurso, aceitando embora o apuramento do montante de 6.005,86€ referido exclusivamente a serviços de audiotexto, vem agora defender a tese de que não consta dos autos ter dado o seu acordo expresso à A. para acesso a tais serviços, como decorre da lei e vem sendo jurisprudencialmente entendido.
Ora, consoante acima se afirmou, os recursos destinam-se apenas a modificar decisões e não a criar decisões sobre matéria nova, pelo que é vedado ao tribunal de recurso conhecer de questões que podiam e deviam ser suscitadas antes e não foram.
A alegação de que não está provado que a ré manifestou expressamente vontade de aceder ao serviço de valor acrescentado, constitui, pois, questão nova, não levantada no tribunal recorrido devendo tê-lo sido, e que, não sendo do conhecimento oficioso, não pode este tribunal conhecer aqui e agora.
De resto, na própria sentença se alude a esta situação, ao observar que não pode ser valorado ou apreciado “… os chamados “serviços de valor acrescentado” que eram um dos parciais mais relevantes, por não ter sido alegado pela ré, nem resultando sequer da matéria apurada, que não tivesse havido acordo ou contrato nesse particular, matéria que sendo de excepção a ela cumpriria seguramente alegar e deduzir (art.342º/2,C.C.)”.
Improcedem, por conseguinte, as conclusões com o inerente soçobrar do recurso, não tendo a sentença recorrida violado as disposições legais indicadas.
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III - DECISÃO
Acorda-se, pelo exposto, em julgar improcedente a apelação, confirmando-se a sentença apelada.
Custas pela apelante, sem prejuízo do apoio judiciário de que goza.
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COIMBRA,