Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2714/08.8TBPBL.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JUDITE PIRES
Descritores: PRAZOS
PRAZO CONTÍNUO
RECURSO CONTENCIOSO
Data do Acordão: 10/06/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: POMBAL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Legislação Nacional: ARTIGOS 144.º; 145.º, N.º 5 E 6; ARTIGO 69.º DO DEC. LEI N.º 129/98, DE 13/05
Sumário: 1. O prazo previsto no artigo 69º do Decreto – Lei nº 129/98, de 13/5 subordina-se à regra contida no artigo 144º do Código de Processo Civil, sendo, como tal, contínuo;
2. Ao mesmo procedimento processual - recurso contencioso – é aplicável a regra do artigo 145º, nºs 5 e 6 do mesmo diploma legal.
Decisão Texto Integral: Acordam os Juízes da 2ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra

I.RELATÓRIO

“A....”, sociedade anónima com sede na Zona Industrial da Formiga, Pombal veio deduzir recurso contencioso do despacho de indeferimento do pedido de certificado de admissibilidade de firma que apresentou para efeitos de alteração do seu objecto social contra o Senhor Presidente do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P. e “B....”, com sede em Boure, Santa Maria de Sardoura, pedindo, que julgado procedente o referido recurso, seja consequentemente ordenada a substituição do despacho impugnado por outro que defira o certificado de admissibilidade de firma para aditamento ao objecto social da recorrente da actividade de “Transporte Rodoviário de Mercadorias”.

Invoca a recorrente que, denominando-se, desde a sua constituição, em 1972, e até ao ano de 2000, “A....”, passando posteriormente, e na sequência da sua transformação em sociedade anónima, a designar-se “A.....”, a mesma solicitou ao Registo Nacional de Pessoas Colectivas certificado de admissibilidade com vista a aditar ao seu objecto social a actividade de “Transporte Rodoviário de Mercadorias”, foi o seu pedido indeferido com fundamento no facto da firma recorrente ser confundível com a firma “B....”, e, tendo a recorrente interposto recurso hierárquico de tal decisão, o director do R.N.P.C. proferiu despacho de sustentação da decisão de indeferimento, que obteve a concordância do Senhor Presidente do Instituto dos Registos e do Notariado, I.P., e discordando a recorrente de tais fundamentos, designadamente, por entender não haver risco de confusão entre as duas firmas, ou, não se entendendo assim, por a mesma, tendo sido registada previamente, beneficiar de protecção quanto à sua firma, interpôs a mesma recurso contencioso.

Tal recurso não foi admitido, por, considerando ter a recorrente sido notificada em 21.11.2008 e dever o prazo de interposição contar-se nos termos do artigo 144º do CPC, ter sido julgado intempestivo.

Por não se conformar com tal decisão, dela interpôs o recorrente recurso para este Tribunal da Relação, formulando nas suas alegações as seguintes conclusões:

1.  O prazo previsto no artigo 69º do D/L 129/98, de 13/5 para apresentar recurso contencioso dos actos do Presidente do I.N.R. (20 dias) é um prazo de natureza administrativa e como tal sujeito ao regime e contagem previsto no Código de Procedimento Administrativo.

2.  (…) o I.N.R. é um Instituto da Administração Pública, cujos órgãos, incluindo o seu Presidente, exercem a actividade administrativa que lhes é conferida por Lei no sentido de assegurarem a verificação dos interesses públicos que lhe são confiados, tanto nas suas relações com os particulares, como nas relações dos particulares entre si.

3. Como tal e em face do que dispõe o artigo 2º do C.P.A., os seus actos, bem como as suas relações com os particulares, estão sujeitos às disposições constantes do Código do Procedimento Administrativo.

4. A contagem do prazo para a apresentação em juízo de Recurso Contencioso das decisões emanadas pelo Presidente do I.R.N. deve obedecer, assim, às regras plasmadas no artigo 72º desse diploma.

5. Nestes termos e no caso concreto, na data de apresentação do recurso contencioso por parte do ora recorrente, o respectivo prazo ainda não havia expirado.

6. Entendeu a Meritíssima Juiz do Tribunal “a quo”, baseando esse entendimento no Acórdão da Relação do Porto, de 29/11/2005 (processo nº 0524015) publicado em www.dgsi.pt, que o prazo para a apresentação de tal recurso conta-se nos termos do disposto no artigo 144º do C.P.C.

7. Seguindo esse entendimento por mera cautela de patrocínio, ainda assim deveria ter sido proferido despacho, não no sentido de rejeição liminar do recurso contencioso, mas nos termos e para os efeitos do nº 6 do artigo 145º do C.P.C. É que, aplicando-se por analogia ao caso concreto, o regime de prazos previstos no artigo 144º do C.P.C., por inerência ter-se-á de aplicar igualmente o artigo 145º.

8. Para justificar a aplicabilidade do artigo 144º no caso que teve em apreço e que deu origem ao citado acórdão da Relação do Porto, o Colectivo de Juízes, em primeiro lugar, invocou a similitude da actividade do Conservador à própria actividade de julgar do Juiz, e o consequente carácter processual dos prazos em causa.

9. Em segundo lugar, foi apontado o facto de tanto o recurso hierárquico como o recurso contencioso dos actos dos Conservadores terem estado regulados no próprio Código de Processo Civil de 1939 e consequentemente sujeito às suas regras gerais, designadamente no que concerne aos prazos (art.s 143º e ss).

10. Desta forma e considerando que ao prazo em causa (previsto no artigo 69º do D/L 129/98 é aplicado o regime do artigo 144º do C.P.C., por inerência tem de se lhe aplicar igualmente as demais regras adjectivas relativas aos prazos, designadamente os artigos 143º e 145º e ss.

11. (…) partindo deste entendimento, sempre deveria a Meritíssima Juiz proferir despacho a ordenar a recorrente ao pagamento da multa prevista no artigo 145º, nº6, com referência ao 1º dia útil de atraso na entrada do respectivo articulado.

12. Deve pois, entendendo-se que se trata de prazo sujeito às regras de contagem constantes do Código de Procedimento Administrativo, ser ordenada a reformulação do despacho em crise, no sentido de admitir liminarmente o recurso e ordenar a notificação dos recorridos para, querendo, contestar, nos termos do disposto no artigo 71º, nº1 da Lei 129/98, de 13/5.

13. Mantendo-se o entendimento de que o prazo para a apresentação do recurso contencioso segue as regras plasmadas na parte geral do Código de Processo Civil (artigos 143º e ss. – conforme foi entendimento na elaboração do acórdão do TRP citado) deve ser proferido despacho que ordene a recorrente ao pagamento da multa prevista no artigo 145º, nº 6 do C.P.C., seguindo-se os demais termos do recurso até final”.

Não foram apresentadas contra - alegações.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II. FUNDAMENTOS DE FACTO

Com relevância para a decisão a proferir, resulta demonstrado o seguinte circunstancialismo fáctico:

1. A recorrente “A.....” instaurou recurso contencioso da decisão do Sr. Presidente do Instituto dos Registos e Notariado, que, em recurso hierárquico para o efeito deduzido, confirmou o indeferimento do pedido de certificado da firma por si requerida com vista à ampliação do seu objecto social, cuja petição deu entrada no Tribunal Judicial de Pombal no dia 12 de Dezembro de 2008.

2. A recorrente foi notificada da decisão do Sr. Presidente do Instituto dos Registos e Notariado por carta remetida em 18.11.2008[1].

III. FUNDAMENTOS DE DIREITO

1. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras[2], importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito[3].

Considerando a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelo recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar:

- natureza e contagem do prazo para interposição de recurso contencioso;

- se, sendo aplicável o prazo do artigo 144º do CPC, como defendeu o despacho recorrido, podia o recorrente praticar o acto intempestivo, mediante notificação para pagamento da multa a que alude o artigo 145º, nº 6 do Código de Processo Civil.

2. Dispunha o artigo 69º do Decreto – Lei nº 129/98, de 13 de Maio: “O recurso contencioso deve ser interposto no prazo de 20 dias a contar da data da notificação ao recorrente da decisão do recurso hierárquico”[4].

Ancorou-se a decisão recorrida no entendimento sufragado pelo Acórdão da Relação do Porto, de 29.11.2005[5], o qual, a propósito do prazo para deduzir recurso hierárquico, faculdade prevista no artigo 64º do acima citado diploma, conclui que o regime legal de contagem do prazo previsto naquele normativo é o do Código de Processo Civil.

Partindo da análise de duas possíveis teses em confronto[6], aí se defende: “É, contudo, na natureza própria do registo público, que reside o acento não administrativo da função do conservador. Com efeito, embora se trate de órgão da administração pública, a sua intervenção destina-se a publicitar, e titular reflexamente, a situação jurídica, direitos e interesses dos particulares, no âmbito do direito privado.

Quem se apresenta a requerer o registo, não coloca o seu interesse em relação com qualquer interesse próprio do Estado, como pessoa de direito público, mas tão só com o interesse público, no sentido de interesse geral, na segurança jurídica, no caso assegurado através de um órgão da administração pública. Por isso mesmo, a denominada privatização do notariado, actividade semelhante, não interfere essencialmente com a natureza desta, dado serem particulares os interesses que titula.

Assim, a orientação seguida na decisão recorrida, é a consentânea com a natureza do acto primitivamente recorrido.

Acresce uma outra razão, não tratada ainda nos autos, mas de relevo.
Na versão do C. P. Civil aprovado pelo DL. 29.637 de 28 de Maio de 1939, nos arts. 1082º e ss, regulava-se o recurso dos conservadores, aliás no seguimento do já constante dos arts. 788º a 791º do código anterior, salvaguardada a regulação da matéria nos arts. 252º e 253º do C. Registo Predial no período imediatamente anterior à entrada em vigor daquele.

Foi na citada versão de 1939 do C. P. Civil, que se introduziu o recurso hierárquico, na altura para o ministro da Justiça, concretamente no artº 1087º, previamente ao recurso contencioso, quer dizer, ao recurso para os tribunais comuns.

Mesmo desprezando o facto de a matéria constar do Código de Processo Civil, acresce que não havia nesse diploma qualquer norma própria para a contagem do prazo de admissão do referido recurso, o que significa que se aplicava o regime geral constante dos respectivos arts. 143º e ss.

O facto de a regulamentação dos recurso dos mencionados actos dos conservadores ter passado do C. P. Civil para o DL. 37.666 de 19 de Dezembro de 1949, aí limitado ao recurso para o ministro da Justiça, não teve continuidade, pois pela lei nº 2049 de 6 de Agosto de 1951, respeitante à organização dos serviços do Registo e do Notariado, as disposições do C.P. Civil respeitantes à matéria foram reintroduzidas, sendo reproduzidos na íntegra, nos arts. 165º a 170º os arts. 1082º a 1088º do C. P. Civil de 1939, na parte respeitante aos conservadores e aos notários. A posterior arrumação das normas equivalentes em diplomas sectoriais, p.ex. nos arts. 140º e ss. do C. Registo Predial vigente e incluindo, quanto ao Registo Nacional de Pessoas Colectivas, o DL 129/98 de 13 de Maio, nos arts. 63º e ss., em nada interfere com a persistente inclusão do tratamento dos recursos que se vêm referindo, no regime próprio do processo civil, por isso também no tocante ao prazo de interposição e respectiva contagem”.

Porém, porventura mais relevante que a inserção histórico - sistemática retratada no Acórdão em questão, deve primar, para conduzir à conclusão nele acolhida, o facto de, embora se caracterizando como órgão de administração pública, o conservador do R.N.P.C.  não agir como pessoa de direito público, não actuar em função da tutela de direitos ou interesses próprios do Estadão, devendo antes entender-se a sua actuação de publicitação como actuante no domínio do direito privado, incidindo, ainda que de forma reflexa, sobre direitos e interesses de particulares. Quem requer o registo ou a sua alteração não configura esse faculdade como prerrogativa inerente a qualquer direito ou interesse próprio do Estado, enquanto pessoa de direito público, embora o interesse público, enquanto interesse geral, que subjaz à publicitação, seja prosseguido por órgão de administração pública.

E se, tal como sustenta o Acórdão citado[7], não faz sentido recorrer às normas do Código de Procedimento Administrativo para regular e definir o prazo para a apresentação do recurso hierárquico, pelas apontadas razões, no caso do recurso contencioso, introduzido, tramitado e conhecido num órgão de natureza distinta – o tribunal comum -, esse sentido é ainda logicamente menor, não parecendo sequer que possa configurar situação controversa a aplicabilidade das normas adjectivas civis a todo o desenrolar processual do referido recurso, desde a sua introdução em juízo, nomeadamente a regra da continuidade dos prazos inserta no artigo 144º do Código de Processo Civil.

E no prosseguimento do raciocínio que conclui dever o prazo para a interposição do recurso contencioso subordinar-se às normas processuais civis, maxime no que concerne à regra da sua continuidade plasmada no artigo 144º do Código de Processo Civil, ter-se-ão de considerar improcedentes as alegações da recorrente ao defender aplicar-se a tal prazo a regra contida no artigo 72º do Código de Procedimento Administrativo.

3. E na senda do que vem sendo exposto, sendo aplicável ao recurso contencioso as regras processuais civis, designadamente no que concerne à natureza do prazo de interposição e sua contagem, também tem, quanto a este procedimento, aplicabilidade a regra contida no artigo 145º, nºs 5 e 6 do Código de Processo Civil.

Ou seja, sempre poderia o recorrente praticar o acto nos três dias úteis subsequentes ao termo do prazo, mas essa faculdade seria condicionada ao pagamento da multa aí prevista.

No caso vertente, tendo a decisão do Sr. Presidente do Instituto de Registos e Notariado sido remetida à recorrente por carta de 18.11.2008, devendo, como tal, considerar-se a mesma notificada a 21.11.2008[8], o prazo para a interposição do recurso contencioso findou a 11.12.2008, sendo, como tal, intempestivo, o recurso apresentado a 12.12.2008.

Todavia, e uma vez que a recorrente apresentou o requerimento do recurso contencioso no primeiro dia útil subsequente ao termo do respectivo prazo, deveria a secretaria dar cumprimento à formalidade prevista no nº 6 do artigo 145º do Código de Processo Civil, o que não se mostra efectuado.

E, nessa justa medida, assiste razão à recorrente quando pugna pela substituição do despacho recorrido e notificação à mesma para proceder ao pagamento da multa, de acordo com a faculdade reconhecida no artigo 145º, nº6 do Código de Processo Civil.

                                             *

Conclusão:

1. O prazo previsto no artigo 69º do Decreto – Lei nº 129/98, de 13/5 subordina-se à regra contida no artigo 144º do Código de Processo Civil, sendo, como tal, contínuo;

2. Ao mesmo procedimento processual - recurso contencioso – é aplicável a regra do artigo 145º, nºs 5 e 6 do mesmo diploma legal.

                                             *

Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar parcialmente procedente a apelação, revogando a decisão recorrida, que deverá ser substituída pela notificação à recorrente nos termos e para os efeitos do nº6 do artigo 145º do Código de Processo Civil.

Não são devidas custas.

Notifique.


Coimbra, 06.10.09


[1] Embora dos autos não constem os elementos ordenados a fls. 50, afirma-se a fls. 52 que o recorrente foi notificado por carta remetida a 18.11.2008, e que a recorrente não contrariou
[2] artigos 684º, nº 3 e 685-A, nº 1 do C.P.C., na redacção conferida pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto
[3] art.º 664º do mesmo diploma
[4] Redacção anterior ao DL n.º 247-B/2008, de 30/12
[5] JTRP00038551, www.dgsi.pt
[6] Uma que radica na “natureza de órgão da administração pública do conservador do RNPC, hierarquicamente dependente do director-geral dos Registos e do Notariado, que também é um órgão da administração pública, que estabelece relações com os particulares, cujas pretensões sobre a admissibilidade de firmas e denominações aprecia na prossecução da função pública de regular a respectiva exclusividade e verdade, garantindo a segurança jurídica nesse âmbito”, e outra que pressupõe “nos actos de registo do conservador uma natureza não inteiramente administrativa, mas sim jurisdicional ou parajudicial”.
[7] Cujo entendimento, quanto à natureza do prazo para o recurso hierárquico, também é sufragado pelo recente Acórdão da Relação de Lisboa, de 19.5.2009, proc. 12725/06-7, www.dgsi.pt
[8] Artigo 254º, nº3 do Código de Processo Civil