Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
50/06.3GAOFR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: RIBEIRO MARTINS
Descritores: CRIME DE VIOLAÇÃO
CO-AUTORIA
Data do Acordão: 10/15/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE OLIVEIRA DE FRADES
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 26º, 164º DO CP
Sumário: Existe co-autoria no crime de violação quando o desígnio do abuso sexual foi tomado em conjunto , tomando-se parte directa no execução do crime ,concorrendo para o resultado ,quando se coopera com acções de intimidação da ofendida permitindo a consumação do acto.
Decisão Texto Integral: Acordam em conferência na Secção Criminal da Relação de Coimbra –
I –
1- No processo comum com o n.º50/03 do tribunal de Oliveira de Frades RJ e JF foram condenados na pena única de 11 anos de prisão resultante do cúmulo jurídico das seguintes penas parcelares: a) 2 anos e 10 meses de prisão pela prática dum crime de dano com violência p. e p. pelo art.º 214º/1 alínea a) do Código Penal; b) 2 anos de prisão por cada um dos de roubos p. e p. Pelo art.º 210º/1 do Código Penal; c) 1 ano de prisão pela prática de um crime de coacção p, e p, pelo art.º 154º/1 do Código Penal; d) 7 anos de prisão pela prática de um crime de violação p. e p. Pelo art.º 164º/1 do Código Penal; e) 4 anos de prisão pela prática dum crime de coacção sexual p. e p. pelo art.º 163º /1 do Código Penal; f) 1 ano de prisão pela prática dum crime de sequestro p. e p. pelo art.º 158º/1 do Código Penal.
Também foram condenados no pagamento solidário de €6.653,44 ao demandante RF e €10.000 a AR a título de indemnização pelos danos que lhes causaram.
Os arguidos recorrem.
2.1- Conclui o arguido JF
1) O recorrente foi condenado em concurso efectivo por crime de dano (art.º 214º/1 alínea a) do Código Penal) na pena de 2 anos e 10 meses de prisão; por dois crimes de roubo (art.º 210º/ do Código Penal) em 2 anos de prisão por cada um; por um crime de coacção (artigo 154°/ 1 do CP) na pena de 1 ano de prisão; por um crime de violação (art.º 164°/ 1 do CP) na pena de 7 anos de prisão; por um crime de coacção sexual (art.º 163°/1 do CP) na pena de 4 anos de prisão; por um crime de sequestro (art.º 158°/ 1 do CP) na pena de 1 ano de prisão.
2) Em cúmulo jurídico, foi o recorrente condenado na pena única de 11 anos de prisão.
3) O recorrente foi erradamente condenado em concurso efectivo pelos crimes p. e p. pelos art.ºs 163° (Coacção Sexual) e 164° (Violação).
4) Tratando-se do mesmo bem jurídico protegido, não há lugar a concurso efectivo.
5) Atenta a prova produzida, o recorrente não cometeu o crime de violação, dele devendo ser absolvido.
6) A conduta do recorrente encontra-se confinada ao tipo legal do art.º 163° e nunca ao tipo do art.º 164°, especialização daquele.
7) O recorrente delimita o âmbito do seu recurso aos crimes de dano com violência, roubo e violação versus coacção sexual, não vislumbrando vício no que tange aos crimes de coacção (art.º 154°) e sequestro (art.º 158°).
8) No âmbito do Recurso o recorrente pretende ver sindicada a reapreciação da prova gravada, insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, erro na apreciação da prova e medida da pena.
9) O arguido confessou os factos mas tal não consta na matéria de facto dada como provada.
10) O arguido recorrente mostrou arrependimento e produziu declaração no final do julgamento, mas tal não consta da matéria dada como provada.
11) Importa anexar aos autos a transcrição integral da prova.
12) O arguido não cometeu o crime de dano com violência e a condenação de que foi alvo por este crime não encontra correspondência na prova produzida em audiência.
13) Muitas dúvidas se colocam sobre o preenchimento do tipo legal do crime de roubo imputado ao recorrente.
14) Ainda que se entenda que o mesmo cometeu este crime, muito severo foi a pena a ele atribuída.
15) O arguido tem 34 anos de idade, não tem antecedentes criminais de relevo, goza de bom comportamento, é de humilde condição sócio/económica e no meio onde vive é respeitado e respeitador.
16) Está bem inserido familiarmente.
17) Conquanto tudo o que consta dos autos, não apresenta perigosidade de maior, reconhecendo a censura que lhe cabe face ao comportamento delituoso cometido que atribuiu a uma conduta que ainda hoje tido consegue explicar, mas que deve ficar longe da punição infligida.

Deve ser absolvido da prática dos crimes de dano com violência, roubo e violação. Deve ser condenado pelos crimes de coacção sexual, coacção (artigo 154°) e sequestro em pena cujo cúmulo jurídico não devera exceder os 5 anos de prisão. Deve decretar-se a suspensão da execução da pena;
2.2- Conclui o arguido RJ
1) A pena é excessiva e bem vistas as coisas não deveria ter ultrapassado o mínimo quer no crime de violação quer no crime de roubo, na suposição segura que V. Ex.cias entenderão a variegada de aplicação da regra da consumpção;
2) Consequentemente a pena em cúmulo não deveria ter ultrapassado os 5 anos de prisão;
3) Suspensa na sua execução por igual período, embora com as condicionantes expressas nos art.ºs 51, 52 e 53 do Código Penal face à ausência de antecedentes criminais graves e menos ainda desta natureza, ao ter a sua vida perfeitamente organizada quer social quer economicamente.
3- Respondeu o Ministério Público junto do tribunal recorrido pelo infundado dos recursos. No mesmo sentido deu parecer a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta, a que respondeu o arguido RJ.
4- Colheram-se os vistos. Cumpre apreciar e decidir!
II –
1- Decisão de facto inserta no acórdão recorrido –
A) Factos provados –
I – No dia 2/4/2006, cerca da 1H00, os arguidos saíram da povoação de Caramulo e dirigiram-se no motociclo do arguido RJ, que este conduzia, até uma zona de pinhal conhecida por ser frequentada por casais de namorados próxima do campo de futebol de Oliveira de Frades e sita nas imediações do caminho que liga a povoação de Fradinho a Oliveira de Frades, concelho e comarca de Oliveira de Frades.
II – Tinham combinado ir até ali espreitar casais de namorados e forçar as mulheres que aí encontrassem a manter com eles relações sexuais de cópula.
Muniram-se previamente de luvas, um gorro e uma mascara, para utilizarem nas eventuais abordagens que efectuassem, por forma a não serem reconhecidos, munindo-se também de uma lanterna e de um pau grosso cada um.
III – Ai chegados, cerca da 01H30, os arguidos imobilizaram o seu motociclo e, depois de colocarem na cabeça os disfarces que traziam com eles (um gorro o arguido RJ e uma mascara o arguido JF), que apenas tinham aberturas na zona dos olhos e da boca, deitaram a mão aos paus de que se haviam munido e embrenharam-se na mata por um caminho de terra batida, onde depararam com o veiculo automóvel Fiat Punto, de matricula XX-XX-XX, pertencente ao ofendido RF, em cujo interior ele se encontrava com a sua namorada AR, decidindo, então, de comum acordo, abordar os ocupantes desse veiculo.
IV – Assim concertados e conjugando esforços, os arguidos abeiraram-se então desse veiculo, um pelo lado da porta do condutor e outro pelo lado da do ocupante, tendo, de imediato, o arguido JF acendido a lanterna que trazia consigo, projectando o foco para o interior do veiculo.
O ofendido RF, que se encontrava ao volante desse veículo, ainda tentou fugir, accionando a ignição do mesmo e engrenando a marcha-atrás.
Apercebendo-se disso, os arguidos, com o propósito de causar danos nessa viatura e de amedrontar e assustar os ofendidos, levando-os a imobilizar o seu veiculo, desferiram varias pancadas nos vidros desse veiculo com os paus que traziam consigo, com o que partiram os vidros laterais do lado do condutor e estilhaçaram o vidro pára-brisas, causando-lhe estragos cuja reparação importou em 1653,44 euros.
Ainda assim, o ofendido RF logrou recuar o seu veículo cem a duzentos metros, até que o mesmo se imobilizou numa ravina de que não mais sairia pelos seus próprios meios.
V – Apercebendo-se disso, os arguidos aproximaram-se de novo desse veículo, ainda munidos daqueles paus, deparando então com os seus ocupantes juntos um ao outro e já no exterior, amedrontados e assustados.
O arguido JF ordenou-lhes então que pousassem no chão os seus telemóveis, ordem que eles cumpriram, intimidados pela violência da abordagem de que haviam acabado de ser vitimas e convencidos da inutilidade de qualquer resistência, convencimento esse reforçado ainda, no caso do ofendido RF, em virtude de se ter apercebido que o arguido JF levava a mão ao interior do blusão, junto ao peito, dando a entender que ai deteria algum objecto com que os pudesse agredir, eventualmente uma arma.
E logo o arguido JF deitou a mão a esses telemóveis, metendo-os ao bolso.
Esses telemóveis, ambos de marca Samsung, modelo X640, tinham, pelo menos, o valor de 50.00 euros cada um (o do RF com o n. ° 967101319 e da AR, com o n.º 963345017).
VI – Já na posse dos telemóveis, o arguido JF ordenou à AR que se despisse, reiterando a ordem quando esta lhe perguntou para que queria que o fizesse.
Por temer que a sua integridade física fosse molestada ou até que a sua vida corresse perigo se não obedecesse, vista a violência da aludida abordagem, a ofendida AR puxou a camisola para cima ficando com o peito descoberto, uma vez que não trazia soutien, e baixou a saia, ficando calcada.
De imediato, esse arguido, munido dum telemóvel, direccionou o mesmo para a ofendida, fazendo menção de a fotografar.
VII — De seguida, depois de ambos os arguidos terem conferenciado em voz baixa no sentido de concretizarem o propósito de manter relações sexuais com a ofendida AR, o arguido JF, visando deixar o arguido RF com esta, afastou-se daquele local cerca de cem metros na companhia do ofendido RF que forçou a acompanhá-lo a pretexto de que iam buscar um tractor para rebocar o veiculo dele.
Assim que ficou a sós com a ofendida, o arguido RF perguntou-lhe se queria ter relações sexuais com ele, tendo ela respondido que não.
Perante esta recusa dela, o arguido RF foi-lhe dizendo que se o não fizesse "algo de mal lhe aconteceria a ela e ao namorado", o que acabou por a levar a não resistir aos propósitos do arguido, intimidada como também já estava pela violência da abordagem feita pelos arguidos e convencida da inutilidade de qualquer resistência.
Ainda recusou, todavia, despir as cuecas, o que de pouco lhe valeu, pois o arguido RF baixou então as calcas dele e, após obter erecção e, de frente para ela, desviou-lhe então as cuecas por forma a destapar-lhe a vagina, introduzindo-lhe então completamente o pénis erecto na vagina, aí o friccionando até estar prestes a ejacular, momento em que o retirou para o exterior da vagina e ejaculou para o chão.
VIII – Cerca de vinte a trinta minutos depois de se ter afastado desse local com o ofendido RF, o arguido JF regressou com este para junto deles.
Foi então a vez de este arguido ficar com a ofendida AR enquanto o arguido RF se afastava, pelo menos a cem metros dali, levando consigo o ofendido RF, sempre a pretexto de irem buscar um tractor para rebocar o dito veiculo.
Assim que ficou a sós com a ofendida, o arguido JF tentou também ele manter cópula com a ofendida, dizendo-lhe que queria ter relações com ela, ao que ela respondeu que não queria.
Apesar da oposição desta, o arguido, encontrando-se de frente para ela, levantou-lhe a saia, encostou o seu corpo ao dela, abriu as suas calcas, puxou o pénis para o exterior, encostando-o também ao corpo da ofendida, designadamente a zona vulvar desta, e tentou introduzir-lhe, por duas vezes, o pénis na vagina, desviando-lhe para o efeito as cuecas e tacteando-lhe a vulva com a mão, não conseguindo tal introdução por não ter logrado obter erecção suficiente.
Também desta feita a ofendida não opôs maior resistência aos propósitos do arguido com receio do mal que os arguidos lhe poderiam fazer a ela e ao namorado, intimidada como continuava pela violência da abordagem feita pelos arguidos e convencida da inutilidade de qualquer resistência.
IX – Quinze a vinte minutos depois de dali ter saído, o ofendido RF– este sempre mantido quieto e perto desse arguido por forca do receio que lhe foi infundido pela ameaça dos paus que os arguidos empunhavam e pela violência da sua abordagem – regressou para junto do local onde se encontrava a ofendida AR, tendo-se os arguidos ausentado igualmente em direcção ao seu motociclo, pondo-se em fuga, abandonando naquele local os ofendidos, levando com eles e fazendo seus os referidos telemóveis.
X -Entre a abordagem aos ofendidos e o momento em que os arguidos ali os abandonaram, decorreu, pelo menos, 1 hora, período ao longo do qual os ofendidos estiveram privados da sua liberdade de se locomoverem livremente.
XI – Os arguidos agiram sempre de forma deliberada, livre e consciente, no intuito de provocar estragos no veiculo do ofendido RF, de privarem os ofendidos na respectiva liberdade ambulatória e de acção, de se apropriarem dos seus telemóveis, de levarem a ofendida AR a despir-se, e de com ela manterem relações sexuais.
Sabiam que ao aborda-los da forma descrita – exibindo e utilizando os paus de que se encontravam munidos e valendo-se da sua superioridade física em relação ao casal de ofendidos – a sua conduta era adequada a fazer os ofendidos temer pela sua vida e integridade física, assim os privando da sua liberdade ambulatória e de acção e os determinando a cumprir todas as suas ordens, como vieram efectivamente a conseguir.
Sabiam que ao obrigarem a ofendida AR a despir, pelo menos parte da roupa, actuavam contra a vontade desta.
Também sabiam que ao terem relações sexuais de cópula ou outros actos de cariz sexual com ela, o faziam com recurso a forma, mediante intimidação e contra a vontade dela, atentando contra a sua liberdade de determinação sexual.
Também sabiam que foi da mesma forma – com recurso a força, mediante intimidação e contra a vontade deles – que provocaram os mencionados estragos no veiculo do ofendido RF, fizeram seus os referidos telemóveis, levaram a ofendida AR a despir, pelo menos parte da sua roupa e privaram os ofendidos referidos da liberdade de se locomoverem livremente.
Sabiam que esse veicula e esses telemóveis não lhes pertenciam.
Os arguidos agiram sempre de comum acordo, em conjugação de iniciativas e de esforços.
Sabiam que as respectivas condutas não eram permitidas e eram punidas por lei.
XII – O arguido RF já respondeu pela pratica dum crime de condução sem habilitação legal, tendo sido condenado por sentença de 16/3/2004,transitada em julgado, no âmbito do P.C.S. 49/02.9GBTND, do 2° juízo do Tribunal Judicial de Tondela, na pena de 50 dias de multa, a taxa diária de €5, pena esta já declarada extinta por pagamento.
O arguido JF já respondeu pela pratica dum crime de condução em estado de embriaguez no âmbito do P.C.S.411/04.2GTVIS, do Tribunal Judicial de Oliveira de Frades, tendo sido condenado por sentença de 8/4/2005 na pena de 30 dias de multa à taxa diária de €7,5.
Ambos os arguidos têm dois processos pendentes por crimes de dano, um no Tribunal de Tondela e outro no Tribunal de Vouzela.
XIII – O arguido JF à data dos factos vivia em casa dos pais em Monteteso, Caramulo.
Trabalhava há 4 anos numa carpintaria, em Oliveira de Frades, auferindo mensalmente €700.
Tem um filho com 14 anos de idade, que se encontra a estudar no 9° ano, o qual vive com a mãe, operária fabril, e os pais do arguido, na residência destes.
Para alem da relação amorosa que mantinha com a mãe do seu filho, o arguido tinha uma outra companheira em Oliveira de Frades com quem dividia durante a semana uma renda de casa, no montante de €250.
Possui como habilitações literárias o 6° ano.
O arguido RF à data dos factos trabalhava em Viseu na construção civil, auferindo em media €700, vivia com os pais em casa destes com a sua companheira e um filho de 1 ano de idade. Para além deste filho, o arguido tem agora um outro de cinco meses fruto da mesma relação amorosa; a sua companheira trabalha num lar de idosos, auferindo mensalmente €500.
Ambos os arguidos tem efectuado um comportamento prisional positivo.
São tidos pelos que os conhecem e com eles convivem como pessoas trabalhadoras e humildes.
XIV – Em virtude dos factos supra descritos nos pontos I a X e durante algumas semanas o ofendido RF passou a isolar-se dos seus amigos e familiares.
Sentiu vergonha e humilhação, sentimento esse que assumiu maior relevância com a divulgação dos factos na imprensa local e nacional e até na T.V.
O demandante RF sentiu-se igualmente desgostoso ao ver a sua namorada AR a ser vítima dos factos supra descritos sem nada poder fazer para o evitar.
A demandante AR no âmbito do inquérito que deu origem aos presentes autos teve de deslocar-se por algumas vezes da sua residência em Abraveses a Coimbra.
Em consequência dos factos supra descritos e imputados aos arguidos, a demandante AR sentiu-se deprimida, tendo-se isolado do convívio de amigos e familiares.
Sentiu desgosto, vergonha e humilhação, o que ainda hoje sente, sentimentos que assumiram maior relevância, em virtude de os factos imputados aos arguidos terem sido conhecidos da comunicação social, dos seus amigos e pessoas da comunidade local.
B) Factos não provados –
- que aquando do referido em VI, a ofendida AR tenha tirado as duas camisolas e as cuecas que trazia vestidas e, consequentemente, tivesse ficado completamente nua;
- que tivesse sido com um dos telemóveis dos ofendidos que o arguido a que se reporta o mencionado ponto da factualidade provada fez menção de fotografar a ofendida;
- que durante cada uma das actuações descritas nos pontos VII e VIII, cada um dos respectivos arguidos tivesse mantido na sua mão o pau de que se munira;
- que aquando da actuação descrita em VII o arguido RF tenha dito que "já não dava uma queca há muito tempo" e que perante a recusa da ofendida lhe tenha dito que "seria pior";
- que aquando da mesma actuação, o arguido RF tenha ordenado a ofendida que lhe agarrasse o pénis e o colocasse na vagina;
- que tivesse sido a ofendida a colocar o pénis do arguido RF na sua vagina;
- que aquando da actuação descrita em VIII, o arguido JF tenha massajado o seu pénis para obter erecção;
- que os arguidos tivessem registado em telemóvel a imagem da ofendida AR.
- que o demandante RF se tenha deslocado por quatro vezes da sua residência em Ranhados a Aveiro e que em cada uma dessas deslocações tenha despendido quantia superior a 50.00 euros;
- que a demandante AR nas deslocações que efectuou tenha despendido em combustível e refeições a quantia de 250 euros.
Os demais factos constantes da acusação, das contestações e dos pedido de indemnização civil, e não mencionados em A) ou B), são conclusivos, de direito ou irrelevantes para a decisão da causa, razão pela qual) o Tribunal não se pronuncia sobre os mesmos.
C) Provas que serviram para formar a convicção do Tribunal –
A convicção do Tribunal relativamente aos factos provados, alicerçou-se na apreciação, articulação e analise critica dos vários elementos de prova produzida em sede de audiência de julgamento e da demais prova documental junta aos autos, a luz das regras da experiencia comum.
Assim, e desde logo, nas declarações dos demandantes RF e AR, os quais, apesar de da sua qualidade de ofendidos, relataram de forma concisa e objectiva o circunstancialismo de tempo, lugar e modo que rodeou a actuação imputada aos arguidos e descrita na factualidade provada.
Assim e no que em especial se refere à 1ª abordagem feita quando se encontravam no interior do veiculo automóvel resultou conjugadamente das declarações dos ofendidos encontrarem-se estes no interior do veiculo mencionado na factualidade provada quando a determinado momento sentem o barulho de uma mota a passar no caminho principal e decorridos 10/15 minutos vêem surgir dois indivíduos "encapuçados" –, um do lado do "pendura" (onde se encontrava a ofendida) com uma lanterna na mão e com um pau e um outro do lado do condutor. Acto continuo, trancaram as portas, tendo o ofendido RF posto o carro a trabalhar e metido a marcha-atrás para sair do local, altura em que os arguidos batem no veiculo tendo o vidro frontal e o do lado do condutor ficado partidos. Referiram ainda os ofendidos, a propósito de tal abordagem, que em virtude do pânico que sentiram e da atrapalhação resultante de o ofendido RF não ter os óculos colocados acabaram por ir por uma ribanceira abaixo, não mais conseguindo tirar o carro do local onde acabou por se imobilizar.
Acrescentaram ainda que ao saírem para o exterior do veiculo aperceberam-se novamente dos indivíduos ao cimo da ribanceira –, adiantando o ofendido RF uma distancia de 7/10 metros –, os quais ao descerem em sua direcção adiantavam que iam buscar um tractor para tirar o carro dali, referindo-se ainda a existência dum 3° individuo que estava a entrada do pinhal.
Mais acrescentaram que quando os mencionados indivíduos já se encontravam mais próximo deles e no momento em que o telemóvel da ofendida começou a tocar, logo lhes ordenaram que colocassem os telemóveis no chão, ordem que acataram por recearem que algo de mal lhes acontecesse e pelo pânico que sentiam em face da anterior abordagem de que já tinham sido vitimas, tanto mais que cada um dos indivíduos tinha na sua mão um pau, acrescentando o ofendido RF ter temido pela sua própria vida ainda pelo facto de se ter apercebido que o individuo mais alto levava ainda a mão ao interior do blusão junto ao peito, dando a entender que ai deteria algum objecto com que os pudesse agredir, eventualmente uma arma.
Ainda a propósito da abordagem atinente a subtraído dos telemóveis, foi adiantado pelos ofendidos terem os mesmos sido recolhidos do chão pelo individuo mais alto, o qual os meteu no bolso.
A propósito do modo como os indivíduos se apresentaram, foi esclarecido pelo ofendido RF que ambos traziam luvas, tipo "motoqueiro", sendo que o disfarce do mais baixo era um gorro/carapuço, só com aberturas na zona dos olhos e da boca e o do mais alto tinha a mascara branca, tipo "mascara de teatro". A ofendida AR quanto ao tipo de " disfarce" adiantou ao Tribunal recordar-se que ambos estavam encapuçados, não conseguindo concretizar cm pormenor se existiam diferenças no tipo disfarce utilizado pelos arguidos.
Quanto aos factos que se seguiram a recolha dos telemóveis, convirá referir ter sido adiantado pelo ofendido RF que após tal momento o individuo mais alto ordenou à AR que se despisse, ordem que esta acatou, tendo depois esse mesmo individuo começado a fotografá-la ou filmá-la com um telemóvel.
A ofendida AR, a respeito do momento em que tal ordem terá ocorrido, referiu ao tribunal ter ideia de que tal acontecera já após os factos descritos nos pontos VII a VIII da factualidade provada e não antes do envolvimento sexual que contra a sua vontade ocorreu com os arguidos.
Quanto ao conteúdo da ordem transmitida à ofendida e ao modo como foi cumprida por esta, convirá referir que o seu depoimento foi no sentido do que ficou vertido no ponto VI da factualidade provada, ordem que acatou contra a sua vontade por recear e temer que algo de mal lhe pudesse acontecer.
Pese embora, a propósito da localização temporal deste episodio, os depoimentos dos mencionados ofendidos não tenham sido consentâneos, entendeu o Tribunal, em face de toda a maior perturbação emocional c psíquica vivida pela ofendida AR, desde a data dos factos ate hoje, por forca dos actos de natureza sexual de que foi vitima, que o depoimento do ofendido RF foi o mais próximo da realidade dos factos, razão pela qual entendeu o Tribunal situar o momento em que a ofendida cumpriu a mencionada ordem de se despir nos termos em que o fez constar da factualidade provada.
Acresce ainda referir que não tendo resultado dos mencionados elementos probatórios, nem de outros, que, para alem da menção de tirar a fotografia, o mencionado individuo tivesse efectivamente registado no telemóvel a imagem da ofendida, entendeu pois o Tribunal dar como não provada tal factualidade.
No que respeita agora a factualidade vertida nos pontos VII a IX, foram igualmente valoradas as declarações dos ofendidos, os quais depuseram no sentido ai vertido, esclarecendo que, posteriormente a apropriação dos telemóveis, e após terem-se afastado um pouco e conferenciado entre si o individuo mais alto afastou o ofendido RF do local com o argumento de irem buscar um tractor para rebocar o carro, tendo o mais baixo ficado junto da ofendida. A tal respeito foi adiantado pelo ofendido RF que o individuo mais alto ordenou-lhe para subir à sua frente, altura em que a namorada ficou a chorar pedindo-lhe para ficar com ela. Mais adiantou que em virtude de não saber com quem estava a lidar e porque o referido individuo mais alto logo lhe disse para ceder pois, caso contrario, seria tudo mais complicado, decidiu não enfrenta-lo, sendo que, à medida que iam caminhando, o mesmo segurava um pau na mão, levando a outra mão ao interior do casaco, junto ao peito, o que o fez temer pela sua vida. Adiantou também que, a medida que ia caminhando, pode aperceber-se, quer pelo tipo de conversa, quer pelo hálito a álcool, que os indivíduos não eram "profissionais", esclarecendo ainda que, quando pararam a uma distancia não inferior a cem metros do carro, o individuo mais alto ia, de quando em vez, fazendo perguntas ao mais baixo, ao mesmo tempo que direccionava a lanterna no seu sentido, respondendo este para esperar mais um bocado. Acrescentou igualmente o mencionado ofendido que, a determinada altura, e após terem falado novamente, a alguma distancia um do outro, os indivíduos trocaram de posição, altura em que na companhia do mais alto desceu ao local onde se encontrava a ofendida, subindo novamente a ribanceira, agora na companhia do individuo mais baixo, sendo que, enquanto isso, este foi falando consigo – referindo-se ao mais alto como seu tio – tendo-lhe oferecido um cigarro e chegado a destapar a zona da boca do seu capuz para igualmente fumar um cigarro. Também relativamente ao momento em que esteve acompanhado do indivíduo mais baixo, foi adiantado pela testemunha que este igualmente foi trocando palavras com o mais alto, a distância, tendo-lhe este também dito para esperar mais um bocado.
A instancias da defesa dos arguidos, e quando questionado por que razão não tentou fugir quando se apercebeu que realmente os indivíduos rido eram "profissionais", foi adiantado pelo ofendido que, naquele momento, em face do tipo de abordagens de que já havia sido vitima, para alem de se sentir "prisioneiro", entendeu que não podia pensar só nele, temendo pelo que podia acontecer com a namorada AR, a qual permaneceu igualmente sempre acompanhada por um dos mencionados indivíduos.
Quanto ao tipo de actos de que a ofendida AR foi vitima por parte de cada um dos indivíduos, sopesou na convicção do Tribunal o declarado pela própria, a qual, de uma forma lógica e coerente, e com uma pormenorização razoável, descreveu o modo como decorreram os actos de natureza sexual de que foi vitima por banda daqueles, bem como as ameaças de que foi alvo, esclarecendo que tudo o que lhe fizeram foi contra a sua vontade, não se tendo oposto aos propósitos dos indivíduos, por temer que algo de mal lhe acontecesse a si e ao seu namorado, pois sentia-se ameaçada com o tipo de abordagens de que foi alvo por parte daqueles.
Sobre a autoria dos factos, cumprirá referir que os mencionados ofendidos nada souberam adiantar a tal propósito, apenas sabendo concretizar terem sido dois indivíduos a aborda-los, com diferenças de altura, diferença essa patente nos arguidos, e constatada pelo Tribunal, sendo o arguido JF mais alto que o arguido RF.
0 arguido RJ remeteu-se ao silêncio, no exercício dum direito que a lei lhe confere, tendo apenas o arguido JF prestado declarações ao Tribunal. Sobre a factualidade constante da acusação, foi adiantado por este arguido que, na companhia do co-arguido RF, e ap6s terem-se encontrado num café sito no Caramulo, deslocaram-se numa mota deste ultimo ate Oliveira de Frades. Ao pararem num café situado junto a casa onde reside durante a semana, o arguido RF, dando-lhe conta de que tinha um envolvimento com uma sr.ª casada, perguntou-lhe se sabia de um sitio calmo onde poderia encontrar-se com ela, razão pela qual, se dirigiu com este, na mencionada mota — a qual confirmou tratar-se da que se encontra apreendida a ordem dos presentes autos, cfr. auto de apreensão de fls. 397/398 e fotografada a fls. 401 a 403 – até ao local mencionado na acusação. Ao chegarem ao local e ao aperceberem-se do veiculo automóvel branco – identificado na acusação – que ai se encontrava estacionado, a curiosidade de ambos, e também a circunstancia de estarem alcoolizados, levou-os a ir espreitar o que se passava no interior do veiculo, deixando a mota imobilizada na estrada principal, cinquenta metros a frente do veiculo.
A instâncias do Tribunal confirmou trazerem consigo uma lanterna, a qual serviu par os iluminar no caminho, em virtude de a mota estar sem luz, lanterna esta que foi sempre segura por si, mesmo quando se dirigiram para o veículo automóvel.
Confrontado com os disfarces mencionados na acusação, referiu que o RF colocou um gorro de lã na cabeça e na cara, no qual, e já no local dos factos, lhe fez com um isqueiro uns buracos na zona dos olhos, tendo ele colocado na cabeça uma manga de uma camisola que vinha entalada na mota para diminuir a vibração, na qual tamb6m foi feita uma abertura na zona dos olhos. Com os referidos disfarces, de luvas na mão e com a mencionada lanterna, dirigiram-se para o veículo, tendo o RF, entretanto, apanhado um pau do chão.
Sobre a abordagem que foi feita ao casal no interior do carro e sobre os danos causados neste, o arguido JF adiantou ter sido o arguido RF quem desferiu pancadas no veiculo automóvel no momento em que o condutor deste pretendia dali arrancar, alegando, todavia, desconhecer quais as partes que foram embatidas.
Instado sobre se na altura também se munira de um pau, referiu que não, o que, nesta parte, se encontra em desconformidade com o adiantado pelos ofendidos, os quais referiram ao Tribunal que as pancadas no veiculo automóvel foram dadas pelos dois indivíduos, versão que mereceu a credibilidade do Tribunal, nos termos já supra referidos.
Adiantou ainda o arguido que ao aperceber-se do veiculo a recuar de marcha-atrás, e porque ficou em pânico, logo fugiu para a mota, dando conta ao RF da sua intenção de se ir embora. Ao dirigirem-se para a mota, e ao verem que o carro veio a ficar imobilizado cem metros abaixo, optaram ambos por ir em socorro das pessoas, sendo que, ao chegarem ao pé do carro, o individuo do sexo masculino já estava fora deste a pedir-lhes desculpa, pensando que seriam os proprietários do pinhal, tendo-lhe respondido que não eram donos mas que deveria ter calma, momento em que decidiu também apanhar do chão um pau.
Mais adiantou que, nesse momento, apercebendo-se que a senhora permanecia no interior do veiculo a mexer no telemóvel, e porque não obstante lhe ter solicitado para não chamar a policia a mesma continuava a mexer no telemóvel, disse-lhe, em tom agressivo – enquanto o RF erguia, por momentos, o pau que trazia – para colocar o telemóvel no chão, o mesmo ordenando ao ofendido, o que aqueles acataram, tocando, nesse preciso momento, o telemóvel da senhora, vindo depois a recolhe-los do chão. Acrescentou ainda o arguido que, nesse momento, tornou a dizer ao RF que queria ir-se embora, tendo-lhe este dito que ainda queria ir falar com a rapariga, pelo que, em face da posição do RF, e porque o casal pedia ajuda, sentiu-se com vontade de os ajudar.
Acrescentou ainda o mencionado arguido que enquanto o RF ficou com a rapariga junto ao carro, afastou-se com o senhor cerca de 30 metros, a fim de irem verificar se o caminho onde o carro se imobilizara tinha saída para a estrada principal, sendo que, quando instado, a tal propósito, declarou ao Tribunal desconhecer o que é que, nesse entretanto, se passou entre aqueles. Ainda a instâncias do Tribunal, esclareceu que durante o tempo em que andou acompanhado do ofendido RF, continuou de mascara, luvas e lanterna, sendo que o pau já o havia atirado para o chão.
Mais adiantou o arguido que, ao regressar para junto do veiculo, a senhora encontrava-se encostada a este e o RF a sua frente, encontrando-se ambos a falar. Adiantou, igualmente, que, ao chegar ai, o RF mandou-o esperar, razão pela qual se afastou novamente da zona do veículo – embora desta vez para uma distância mais curta – continuando a falar com o RF, precisando ao Tribunal que junto ao veiculo não havia luz, pois este tinha as luzes desligadas. Declarou ainda ao Tribunal que, entretanto, decorridos cinco minutos, o RF veio em sua direcção permanecendo a senhora junto ao carro, tendo-lhe dito que havia tido relações sexuais com esta facto com que esta não se importara. Mais declarou que dado não ter ficado convencido, e porque o mencionado ofendido, entretanto, se aproximou, pediu-lhe se podia ir falar com a senhora, pedido a que acedeu, tendo, nesse momento, aquele ficado na companhia do RF. Chegado ao pé da senhora perguntou-lhe se o RF lhe havia feito algum mal, tendo-lhe esta respondido, após varias insistências, que não, pelo que decidiu ir embora, dizendo ambos ao casal que iam buscar um tractor para tirar o carro do local, tendo-se posto em fuga.
A instâncias do Tribunal foi esclarecido pelo arguido que o RF, aquando da recolha dos telemóveis, já lhe havia transmitido que queria ter relações sexuais com a senhora, razão pela qual, ficou com a desconfiança que tal pudesse ter acontecido.
A propósito da matéria atinente a eventuais registos fotográficos da ofendida AR, por parte dos arguidos, foi adiantado pelo arguido JF não ter havido quaisquer fotografias.
Sobre o destino dos telemóveis dos ofendidos, adiantou ter ficado com o da ofendida AR e o RF com o do ofendido, esclarecendo que, após ter abandonado o local, logo ligou para o ultimo número que aparecia registado no telemóvel daquela como não atendido, o qual, segundo crê, e por se apercebido de algumas conversas, seria da irmã da ofendida, tendo sido confundido com o RF, razão pela qual disse a pessoa que o atendeu o local onde aqueles podiam ser encontrados.
Ainda sobre os telemóveis, foi adiantado pelo arguido que, em virtude de se ter comprometido a entrega-los aos ofendidos, marcou um encontro com o RF para o dia seguinte a fim de falarem sobre o que havia acontecido, tendo-lhe este dito que já se havia desfeito do telemóvel com que ficara, razão pela qual decidiu não entregar também aquele que tinha na sua posse.
A instancias do Ex.mo Procurador, esclareceu não ter feito uso do telemóvel, para além da chamada feita na mesma noite dos factos para a irmã da ofendida, tendo introduzido o cartão do telemóvel da companheira HC apenas para experimentar o telemóvel, o qual veio depois a vender mais tarde.
Sobre estas declarações prestadas pelo arguido JF e pese embora o mesmo tenha assumido encontrar-se nas circunstâncias de tempo e modo referidas na acusação, na companhia do co-arguido RF e aí abordado os ofendidos, quer quando se encontravam no interior do veiculo, quer depois apropriando-se dos telemóveis dos mesmos, a verdade é que resultou à saciedade a preocupação tida por tal arguido de se demarcar das situações, negando a existência de um plano prévio quanto a todas e alegando não ter tido intervenção em algumas das situações descritas na factualidade provada, tentando desresponsabilizar-se dos factos que concretamente lhe vem imputados os quais pretendeu imputar exclusivamente ao co-arguido.
Tal versão do arguido, revelou-se, nalguns aspectos, contraria e discrepante, aquela que consta do auto de 1° interrogatório prestado em sede de inquérito e perante juiz de instrução, de fls. 453 a 456, a cuja leitura se procedeu na audiência de julgamento nos termos do art. 357°,n°1,al.b), do C.P.P., sem que, contudo, o arguido tenha adiantado qualquer razão plausível para tais contradições e discrepâncias, sendo que estas declarações prestadas em sede de 1° interrogatório, à luz de critérios de normalidade e porque prestadas no seguimento da detenção, são aquelas que, por regra, mais correspondem a verdade, até porque ocorrem em momento mais próximo dos factos e, por isso, as mais isentas e credíveis.
Acresce que se as conjugarmos com os depoimentos dos ofendidos e com as regras da experiencia comum temos de concluir serem aquelas as mais verosímeis e que mais se aproximam da realidade dos factos.
Sobre a participação do arguido RJ nos termos que constam da factualidade provada e não obstante o silêncio deste arguido, a convicção do Tribunal assentou nas declarações prestadas pelo co-arguido JF corroboradas pelo facto objectivo de o telemóvel do ofendido RF, com o n°967101319, a que corresponde o IMEI 35797800129617, ter sido apreendido na posse do NM (cfr. auto de apreensão de fls. 415 e registo fotográfico de fls.416), irmão do arguido RF, conforme declarado por aquele quando se identificou como testemunha em audiência de julgamento.
A corroborar as mesmas declarações do arguido JF esta, também, a circunstância de a diferença entre as alturas de ambos apontados pelos ofendidos estar de acordo com a real diferença de altura existente entre ambos e constatada pelo Tribunal. No que em especial se refere a matéria atinente a comparticipação dos dois arguidos nas actuações ilícitas que lhe vem imputadas, mesmo relativamente aquelas em que um deles não executou materialmente os respectivos factos, resultou a mesma das regras da experiencia comum, em conjugado com a factualidade atinente a participação dos arguidos nas respectivas actuações.
E tal comparticipação, resulta ainda clara da circunstância referida pelo ofendido RF que os arguidos, frequentemente, no decurso da factualidade descrita, conferenciarem em voz baixa.
Também no que em especial se refere a matéria de facto atinente a combinação prévia entre os arguidos e a motivação que ali os levou, fundou-se o Tribunal nas regras da experiencia comum à luz das quais se pode concluir com segurança que se os arguidos se muniram de disfarces, lanterna e paus para se dirigirem ao local dos factos e se ao abordarem o veiculo dos ofendidos – tal como um outro que se encontrava no aeródromo e que abordaram momentos antes (cfr. auto de 1° interrogatório judicial já aludido - usaram de violência danificando este à paulada quando o mesmo se aprestava para sair dali e se pôr em fuga, tal significa que não foram ali com o mero propósito de observarem casais de namorados como o arguido JF referiu, mas sim com o propósito de com eles interferirem e de manterem relações sexuais com as mulheres que abordassem e lhes subtrair os haveres contra a sua vontade, usando de violência.
Quanto ao valor dos prejuízos causados no veículo do ofendido RF, foi ainda valorado pelo Tribunal o teor do documento junto a fls. 782 dos autos em conjugação, claro está, com o depoimento do mencionado ofendido.
Quando ao valor de cada um dos telemóveis dos ofendidos, ambos da mesma marca e modelo, e na ausência de outros meios de prova, valorou o Tribunal o depoimento da testemunha MF, vizinha do arguido JF, a qual adquiriu a este o telemóvel apreendido a fls. 390 /391, ou seja, o pertencente a ofendida AR, tendo adiantado ao Tribunal ter pago por aquele o preço de 50 euros, valor que considerou razoável, esclarecendo tê-lo adquirido em virtude de o arguido JF lhe ter dito já não necessitar do mesmo, desconhecendo que o mesmo havia sido "roubado".
No que respeita à matéria atinente aos pedidos de indemnização civil, a convicção do Tribunal assentou nos depoimentos das testemunhas PA, MR, AM e AA, as duas primeiras no que respeita a matéria atinente ao demandante RF e as duas últimas a propósito do pedido de indemnização formulado pela demandante AR, as quais pela relação de amizade e de proximidade mantida com os respectivos demandantes demonstraram estar de tal factualidade, depoimentos esses ainda conjugados com as regras da experiencia comum à luz das quais é razoável admitir, sem margem para dúvidas, que quem sofre o tipo de actuações das sofridas pelos demandantes se sinta nos termos que se fez constar da factualidade provada.
No que concerne as condições pessoais dos arguidos, valorou o Tribunal o que a tal propósito foi declarado pelos próprios –, o arguido RJ pese embora tenha
usado do direito ao silêncio prestou declarações sobre as suas condições de vida –, em
conjugação com o teor dos depoimentos das testemunhas por si arroladas. Sopesaram
assim na convicção do Tribunal e no que respeita ao arguido RJ os
depoimentos testemunhais de OF, IF e LF, respectivamente mãe, tia/madrinha e primo, daquele, sendo que relativamente ao arguido JF foram tidos em conta os depoimentos testemunhais de FP, DS, VC, JL e AF, o 1° e 2° amigos, o 3° colega de trabalho, o 4° primo e o 5° tio do arguido, os quais, pelas respectivas relações de amizade, de trabalho e familiares, mantidas com o mencionado arguido demonstraram estar a par da factualidade em apreço.
Quanto ao comportamento prisional de cada um dos arguidos, foram valorados os documentos de fls. 1075 e 1076, juntos em audiência de julgamento.
Para prova dos antecedentes criminais dos arguidos, valorou o Tribunal o teor dos últimos C.R.C. juntos aos autos, sendo que, no que respeita a matéria atinente a existência de processos pendentes, foi tido em conta o declarado pelos respectivos arguidos.
A convicção do Tribunal quanto aos factos não provados e ainda não mencionados, resultou da ausência de prova convincente quanto aos mesmos produzida e, bem assim, dos elementos probatórios já aduzidos supra aquando da fundamentação dos factos provados e que não permitiram apontar em tal sentido.
Quanto a matéria dos respectivos pedidos de indemnização civil que o Tribunal considerou não provada, convirá referir que pese embora se tenha provado ter a demandante feito as deslocações alegadas, a prova produzida não permitiu concluir no sentido de tais deslocações terem importado para a demandante o prejuízo invocado, ficando por esclarecer de que modo e que a mesma ai se deslocou e se tais despesas, a terem ocorrido, foram por si suportadas.
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2- Conforme é consabido, são as conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação dos seus recursos que delimitam o âmbito das questões neles a abordar pelo tribunal de recurso, sem prejuízo do conhecimento das que forem do conhecimento oficioso.
O arguido JF coloca como questões o seu inconformismo quanto à decisão de facto na parte em que o dá como tendo participado nos estragos causados no veículo do ofendido RF e não dá como provado que este arguido confessou alguns dos factos e se mostrou profundamente arrependido.
Discorda que dos factos provados possa retirar-se que se usou de violência quanto aos roubos. Entende que não deve ser condenado pelo crime de violação por o seu acto cometido contra a liberdade sexual da ofendida AR se ter confinado a actos integráveis na previsão do art.º 163º do Código Penal. Quanto à pena, entende ser excessiva pelo que deve ser reduzida à pena de cinco anos de prisão e esta declarada suspensa na sua execução.
O arguido RF embora teça considerações variadas sobre o caso, conclui tão só que a pena única é excessiva, devendo ser reduzida para cinco anos de prisão e suspensa na sua execução.
3- Apreciação –
3.1- Do recurso do arguido JF –
3.1.1- O arguido recorre da decisão de facto quer no ponto em que esta o compromete com uma acção de estragos sobre o veículo, quer porque dos factos provados não consta que o arguido confessou o seu comportamento e dele se mostrou arrependido.
O recorrente deu cumprimento mínimo ao ónus de impugnação previsto nos n.ºs 2 e 3 do art.º 412º do Código de Processo Penal, razão por que conheceremos do recurso nesta parte.
Mas ouvidas as declarações do arguido e dos declarantes/ofendidos RFe AR, concluímos que a decisão de facto deve manter-se inalterada.
Efectivamente, quanto aos estragos provocados no veículo pela acção dos intrusos, se é certo que o arguido JF refere ter sido tão só o RF quem bateu com um pau no carro quando o RF arrancava com este de marcha atrás, o certo é que ambos os ofendidos (o RF e a A…) afirmaram que nessa circunstância os arguidos desferiram bastonadas sobre o carro. Este ponto foi até alvo duma intervenção específica da Sr.ª Juiz presidente no decurso das declarações do RF para se clarificar quem, afinal, batera no carro. Respondeu, então, o declarante que ambos os arguidos desferiram pancadas sobre o carro –, o do lado direito (o JF) batia no pára-brisas e o do lado esquerdo (o RF) partiu o vidro do lado do declarante (o condutor).
A declarante AR afirma que os arguidos “partiram o vidro da frente com pedras ou com paus”, não sabendo dizer quem partiu o vidro lateral.
Neste ponto o tribunal deu credibilidade às declarações dos ofendidos em detrimento das do arguido. Assim, conclui-se não haver provas que imponham decisão diversa, pois quando a prova dum facto é meramente “testemunhal” o tribunal de recurso só divergirá da decisão do tribunal quando a fundamentação não tiver correspondência no depoimento invocado ou quando este se revelar em desacordo com as regras da experiência comum, da lógica ou de conhecimentos científicos estratificados.
Mas a nosso ver este pormenor –, de quem bateu ou não bateu no carro –, tem pouco relevo já que encontrando-se toda a actuação dos arguido interligada pelo mesmo desígnio de interferirem com o «casal» que encontrassem desprevenido em veículo, indo preparados para o que “desse e viesse”, sempre o arguido recorrente seria responsabilizado pelos danos.
Também não cremos que o tribunal tivesse de dar por provado que o arguido confessou os factos criminosos e deles se mostrou arrependido.
De facto, este arguido assentiu em prestar declarações e fê-lo desnudando o seu comprometimento e o comprometimento do co-arguido nos acontecimentos dessa noite. Mas nas declarações denota uma preocupação constante em se «desculpabilizar» do ocorrido. Veja-se como se «pôs de fora» quanto aos estragos que causaram no carro e quanto às sevícias sexuais exercidas sobre a AR (o pior dos actos dessa noite), repisando que era sua preocupação deixar de importunar o «casal» e quer tão só ajudá-lo a retirar o carro da ravina.
Consequentemente, em boa consciência, o arguido não confessou qualquer crime. E assim será legítimo considerar que deles não se encontra arrependido.
Note-se que o tribunal teve de o confrontar com as declarações que prestara ao JI atentas as discrepâncias entre elas verificadas.
Daqui que o colectivo deixasse expresso na motivação de facto que «Sobre estas declarações prestadas pelo arguido JF e pese embora o mesmo tenha assumido encontrar-se nas circunstâncias de tempo e modo referidas na acusação, na companhia do co-arguido RF e aí abordado os ofendidos, quer quando se encontravam no interior do veiculo, quer depois apropriando-se dos telemóveis dos mesmos, a verdade é que resultou à saciedade a preocupação tida por tal arguido de se demarcar das situações, negando a existência de um plano prévio quanto a todas e alegando não ter tido intervenção em algumas das situações descritas na factualidade provada, tentando desresponsabilizar-se dos factos que concretamente lhe vem imputados os quais pretendeu imputar exclusivamente ao co-arguido».
3.1.2- Quanto ao elemento do «constrangimento» que caracteriza no caso o crime de roubo, parecem-nos suficientemente esclarecedoras as considerações feitas no acórdão recorrido.
Maia Gonçalves refere (Código Penal Português, ed. 16ª, p. 703) que «o crime de roubo distingue-se do de furto porque no primeiro há violência ou ameaça com um perigo iminente para a integridade física ou para a vida, ou a colocação da vítima na impossibilidade de resistir, servindo-se o agente de algum destes meios violentos para, através deles, se apropriar de coisa móvel alheia.
Mais refere que a violência tanto pode ser física como moral (esta para criar no espírito da vítima um fundado receio de grave e iminente mal susceptível de paralisar a sua reacção). E quer se trate de violência física quer de violência moral, não se exige que tenha certa intensidade, bastando que seja suficiente para que o agente se apodere do bem, mesmo que a vítima não esgote a sua capacidade de resistência.
Ora, foi o que aconteceu no caso, pois todo o comportamento dos arguidos foi de constrangimento físico e moral, este permanente sobre as suas vítimas.
E o crime revestiu de certa gravidade apesar do valor dos objectos em causa por se tratar de objectos portadores de referências muito pessoais, no caso até íntimas.
3.13- Também não se concorda com o recorrente ao pretender ver-se tão só condenado pelo crime de coacção sexual quanto às sevícias sexuais exercidas sobre a ofendida AR, e não também pelo crime de violação.
Naquele crime (coacção sexual) foi o recorrente quem se satisfez sexualmente com a ofendida. Neste (violação) foi o RF quem deu «rédea solta» à sua lascívia. Mas ambos tiveram intervenção material nestes crimes. E não há qualquer consumpção dum crime pelo outro quer porque se traduzem em autónomos comportamentos, quer porque sendo a vítima a mesma foram distintos os abusadores da sua liberdade sexual. Como se denota na redacção dos tipos, o constrangimento da vítima à sevícia sexual tanto pode provir do abusador como de terceiro.
No caso da «violação» foi o RF quem se aproveitou sexualmente da AR mas foi-o com o indispensável contributo do JF que reteve à distância o namorado da vítima.
Como refere o Ministério Público, os arguidos são co-autores na violação porque o desígnio do abuso sexual foi um desígnio conjunto e o recorrente tomou parte directa na execução do crime concorrendo para o resultado ao cooperar com o RF nos actos de intimidação da ofendida e permitindo a consumação do acto pelo RF ao afastar do local o namorado da vítima.
3.1.4.1- Quanto às penas o colectivo justificou-as no contexto legal aplicável. Na sua dosimetria sobrelevam os art.ºs 40º/1 e 2 e 71º do CP. Pelo primeiro sabe-se que com a pena se visa a protecção do bem jurídico tutelado pelo tipo e a reinserção social do agente, estabelecendo-se, com a limitação do art.º 40º/2 (culpa), uma correlação entre a medida da pena e a necessidade de prevenir futuros crimes. A determinação da medida das penas é feita em função da culpa e das exigências de prevenção (geral e especial).
Por aquela procura-se manter a confiança da comunidade na valia das normas. Por esta desencorajar os que enveredam pelo crime e obter um sentido da sua ressocialização.
Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que não fazendo parte do tipo depuserem a favor do agente ou contra ele.
Ao fixar a pena o tribunal partiu das penalidades aplicáveis e ponderou os factos provados à luz dos referidos preceitos. E observados os critérios legais de dosimetria concreta da pena, nomeadamente os do art.º 71º, há uma margem de actuação do juiz dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar.
Se é certo que o arguido JF prestou declarações em julgamento, o que de certo modo facilitou a imputação dos factos aos arguidos, também nos parece que foi ele quem no decurso dos acontecimentos manteve certa liderança (v.g. foi ele que se apossou dos telemóveis, mandou a AR despir-se, aparentou fotografá-la desnudada e afastou do local o namorado desta a fim de ser violada pelo RF), o que nos leva a ponderar a não diferenciação de penas quanto a cada um dos arguidos.
Contudo, na feitura do cúmulo jurídico das penas não pode deixar de ponderar-se que a panóplia de crimes perpetrados se reporta a um comportamento tido na mesma ocasião, numa só noite e lugar e num contexto unificador dado pelo desígnio de irem “espreitar” casais de namorados e de se “aproveitarem” das raparigas.
Não se trata de comportamentos espaçados no tempo, numa vivência mais ou menos prolongada com amadurecimento das diferentes resoluções criminosas. Pelo contrário, tudo foi fruto duma resolução inicial que se concretizou no momento em tantas quantos os ilícitos praticados.
Esta observação merece da nossa parte uma atitude de diminuição da pena única numa consideração conjunta dos factos e da personalidade dos arguidos.
Parece-nos assim mais adequado uma condenação na pena única de dez anos de prisão.
3.2- Quanto ao recurso do arguido RF
3.2.1- O arguido invoca o princípio «in dubio pro reo». Este princípio insere-se no âmbito da decisão de facto. Mas porque o recorrente não deu cumprimento mínimo às imposições dos n.ºs 3 e 4 do art.º 412º do CPP que constituem ónus de qualquer recurso sobre a decisão de facto, torna-se despicienda a invocação do princípio.
Os crimes de dano e de roubo não estão entre si numa relação de consumpção por se tratar de condutas diferenciadas sobre objectos distintos e pertenças diversas sendo também diferentes os bens jurídicos por eles tutelados.
A autonomia que se verifica entre os crimes de coação sexual e de violação já foi tratada na abordagem feita no recurso do arguido JF, pelo que nesta parte para aí nos remetemos.
Quanto à dosimetria das penas, remetemo-nos para o já dito a propósito do recurso do arguido JF.
A atitude do recorrente de se desculpabilizar enxergando «culpas» nos ofendidos por não terem sabido resguardar-se do local “tentando os arguidos ao crime”, traz-nos à mente a fábula do Lobo e do Cordeiro que teve a pouca sorte de se encontrar com o Lobo no mesmo leito do rio para beberem. Ao Cordeiro nem sequer lhe valeu beber a jusante do leito pois logo o Lobo lhe disse que se não foi ele quem lhe turvou a água, na mesma o haveria de comer pois já antes os seus pais lha tinham turvado.
3.3- È óbvio que aos arguidos não pode ser suspensa a pena na sua execução por se tratar de pena superior a cinco anos.
Mesmo que de pena se tratasse que viabilizasse tal ponderação, não nos parece que fosse de fazer uma prognose favorável quanto ao futuro comportamento dos arguidos. Mas atenta a pena única aplicada, nem há que dissertar sobre o tema.
III –
Decisão –
Por tudo o exposto o tribunal confirma o acórdão recorrido, apenas reduzindo a pena única para 10 (dez) anos de prisão.
Porque decaíram parcialmente, condenam-se os recorrentes em custas, com a taxa de justiça que se fixa em 5 UCs para o RF e em 7 UCs para o JF.
Coimbra,