Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1927/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDES DA SILVA
Descritores: DOCUMENTO EM PODER DA PARTE CONTRÁRIA
SUA NÃO APRESENTAÇÃO
Data do Acordão: 10/20/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE VISEU - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTº 519º, Nº 2; 528º, Nº2, E 530º, DO C.P.C.
Sumário: I – No art.º 519º, nº 2, do CPC estão prevenidas duas situações: a) a recusa de colaboração de terceiros, para a qual se prevê a imediata condenação em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis; b) ser o recusante parte na causa, caso em que o Tribunal apreciará livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, como regra geral, sem prejuízo da inversão do ónus da prova preceituado no nº2 do art.º 344º do C. Civ..
II – Verificada a escusa do notificado, prevê a lei adjectiva duas hipóteses: - o notificado declara que não possui (nunca possuiu) o documento, face ao que pode então o requerente vir provar, por qualquer meio, que a declaração não corresponde à verdade; - o notificado assume que possuiu o documento, mas alega que desapareceu ou foi destruído, sem culpa sua, o que lhe cabe demonstrar para eximir-se ao efeito previsto no nº 2 do art.º 344º do C.Civ., cabendo ao requerente provar que essa declaração não corresponde à verdade.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I –

1A..., casado, com os demais sinais dos Autos, demandou, no Tribunal do Trabalho de Viseu, a R. ‘B...’, pedindo, a final, a sua condenação no pagamento das importâncias discriminadas no petitório, a título de trabalho prestado em dias de feriado e de descanso semanal e complementar, cláusula 74.ª, diferenças de retribuição das férias e subsídios de férias e de Natal, além da retribuição referente ao mês de Dezembro de 2003 e de férias e subsídios relativos a esse ano.
Pretextou, em resumo útil, que foi admitido ao serviço da R. em 29 de Julho de 2000, com a categoria profissional de motorista de pesados no regime de trabalhador deslocado no estrangeiro, tendo o contrato durado até 31.12.2003.
São-lhe devidas as importâncias reclamadas porque as recebeu a menos ou não as recebeu, conforme alegou circunstanciadamente.

2 Citada, a R. contestou, pugnando pela sua absolvição do pedido ou, quando assim se não entenda, deverá o A. restituir à R. todas as quantias auferidas a título de kms. percorridos, a compensar no valor final a apurar.

3 – O A. respondeu, com reacção da R. a tal articulado, sobre que recaiu o despacho de fls. 127-128.

4 – Discutida a causa, proferiu-se sentença a julgar a acção parcialmente procedente, porque provada em parte, com condenação da R. a pagar ao A. a importância global de 9.236,02 €, com juros moratórios, tudo conforme consta do dispositivo, a fls. 388, bem como a pagar-lhe a importância devida por trabalho suplementar prestado no decurso da relação laboral, a liquidar em execução de sentença, deduzindo-se nesse montante a quantia global paga com base nas distâncias percorridas, com exclusão das despesas suportadas pelo A. nas viagens internacionais, igualmente a liquidar.

5O A., inconformado, veio interpor recurso da decisão, alegando e concluindo:
1. – Nos presentes Autos o A. pediu a condenação da R. no pagamento das diversas quantias a título de diferenças salariais, retribuições em divida devidas pelo trabalho prestado em dias de feriado e de descanso semanal e complementar, devidas pela aplicação da cl.ª 74.ª aplicável e ainda juros de mora sobre as quantias em divida desde os respectivos vencimentos e até integral pagamento;
2. – O Mm.º Juiz julgou a acção parcialmente procedente e no que respeita à condenação do R. no pagamento ao A. das quantias devidas a título de trabalho prestado em dias de feriado e em dias de descanso semanal e complementar decidiu que tal importância seria a liquidar em execução de sentença, deduzindo-se nesse montante a quantia global paga com base nas distâncias percorridas (subtraída das importâncias suportadas pelo A. com as despesas das viagens internacionais, igualmente a liquidar para esse efeito);
3. – O A. não se conforma com a decisão no que respeita ao pedido formulado em d) da Petição Inicial, ou seja, relativamente à quantia peticionada a titulo de trabalho prestado em dias de descanso semanal e complementar, porquanto entende que houve manifesto erro na apreciação da prova; também não se conforma com a decisão na parte em que considera que a importância devida a tal título deve ser liquidada em execução de sentença e ainda na parte em que decide que à mesma deve ser deduzida a quantia global paga com base nas distâncias percorridas, aceitando a restante parte decisória;
4. – Pelo que o presente recurso se limita a essa parte da decisão;

5. – O recorrente entende que houve manifesto erro na apreciação da prova na medida em que o Tribunal no que respeita ao alegado pelo A. nos items 25 a 29 da Petição Inicial apenas deu como provado o que consta das alíneas l) e m) da decisão, sendo certo que tal matéria tinha necessariamente que ser dada como provada, pois que

6. – Por um lado, tal matéria não foi impugnada pela R., pelo que deve considerar-se provada ao abrigo do disposto no art. 490.º do C.P.C.;

7. – Por outro lado, o A. requereu a notificação da R. para juntar ao processo documentos com vista à prova dos factos alegados nos referidos arts. 25ºa 29º da Petição Inicial ;

8. – A R., notificada para o feito, não juntou tais documentos, nem invocou qualquer motivo justificativo para a não junção;

9. - Assim, e nos termos das disposições conjugadas dos arts. 528º, 529º e 519º do C.P.C., aplicáveis por força do art. 1º do C.P.T., deve declarar-se operada a inversão do ónus da prova relativamente aos factos alegados nos arts. 25º a 31º da Petição Inicial;

10. – Assim, sobre a R. recaia o ónus de provar que o A. não prestou trabalho nos dias indicados nos arts. 25º a 28º da Petição Inicial, não o tendo feito deve ser tal matéria considerada provada;

11. – Por outro lado ainda, o A. juntou ao processo os documentos constantes de fls. 138 a 308 destinando- se os mesmos a provar a matéria alegada nos refe- ridos arts. 25º a 28º da Petição Inicial, sendo certo que de tais documentos resulta que o A. trabalhou nos feriados, fins de semana e dias de semana espe- cificados nos aludidos artigos;

12. – A R. também não impugnou os documentos cons- tantes de fls. 138 a 311 nem o respectivo conteúdo;

13. – Face a todo o exposto, é manifesto que o Tribunal não poderia deixar de dar como provado o alegado nos artigos 25º a 28º da Petição Inicial;

14. – Ora, os elementos constantes do processo impõem uma decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;

15. – Assim, ao abrigo do disposto no art. 712.º do C.P.C. requer-se a este Venerando Tribunal que altere a matéria de facto no sentido de ser considerada provada a matéria alegada nos artigos 25º a 28º da Petição Inicial e, em consequência,

16. – Deve a quantia a pagar a tal título ser liquidada na sentença, pois que dos Autos constam os elementos necessários para fixar o montante da quantia que a R. deve ser condenada a pagar ao A. a título de dias de feriados e de descanso semanal e complementar, sob pena de ser violado o disposto no art. 75º do C.P.T.;

17. – Relativamente à parte da decisão que decidiu que à importância devida a título de trabalho prestado em dias de descanso, deveria ser deduzida a quan- tia global paga com base nas distâncias percorri- das, o recorrente entende que foi violado o disposto nos arts. 74º do C.P.T., 661º do C.P.C. e ainda o dis- posto nos arts. 267º do Código do Trabalho e/ou 94º da LCT;

18. – Não devendo por isso a quantia global paga a título de quilómetros percorridos ser deduzida à quantia devida a título de pagamento pelo trabalho prestado em dias de feriado e dias de descanso semanal e complementar;

19. – Desde logo porque a R. não alegou nem provou quais as quantias que eventualmente foram pagas ao A. a título de pagamento pelo trabalho prestado em dias de feriado e dias de descanso semanal e complementar;

20. – Sendo certo que era sobre a R. que recaía o ónus de provar o pagamento de todas as relações emer- gentes da relação laboral…

21. – A decisão recorrida violou assim e além do mais o disposto nos arts. 490º, 528º, 529º, 519º e 661º do C.P.C., n.º2 do art. 334º do Cód. Civil, 74º e 75º do C.P.T., 267 do Código do Trabalho e/ou 94º da LCT e ainda a cl.ª 74ª do CCT aplicável;

Termos em que deve dar-se provimento ao recurso e em consequência deve a matéria de facto ser alterada no sentido de ser considerada provada a matéria alegada nos arts. 25º a 28º da Petição Inicial, ou, se assim não se entender, deve a decisão recorrida ser anulada na medida em que a mesma é deficiente no que respeita à matéria alegada nos artigos 25º a 29º e contraditória nomeadamente tendo em conta o facto constante da alínea l) da decisão em apreço e da prova documental junta aos Autos, ordenando-se nessa parte a repetição do julgamento, devendo ainda proceder-se à liquidação da quantia a pagar a título de pagamento do trabalho prestado em dias de feriado e dias de descanso semanal e complementar, de qualquer modo, e mesmo assim se não entenda, o que só por mera hipótese se admite, deve a decisão recorrida ser anulada e substituída por outra na parte em que considera que o montante da quantia a pagar a título de trabalho prestado em dias de feriado e dias de descanso semanal e complementar deve ser deduzido ao montante pago com base nas distâncias percorridas.


6 – Respondeu a recorrida, concluindo, por sua vez ,que a decisão deve ser mantida, negando-se provimento ao recurso.

Recebido e colhidos os vistos legais devidos – com o Exm.º P.G.A. a emitir conciso mas douto Parecer no sentido de que a sentença impugnada não merece reparo – cumpre decidir.
****


II –
1 – DOS FACTOS
Exposto esquematicamente o desenvolvimento da lide, lembremos a factualidade seleccionada.
É a seguinte:
· - A R. dedica-se à actividade de transporte rodoviário internacional de mercadorias e logística;
· - O A. foi admitido ao serviço da R. em 29.7.2000 para exercer a actividade exclusivamente por conta, fiscalização e autoridade da mesma, com a categoria profissional de motorista de pesados, no regime de trabalhador deslocado no estrangeiro;
· - Funções que o A. sempre desempenhou até 31.12.2003, data da cessação do referido contrato;
· - Como contrapartida da referida actividade recebeu da R. a importância de € 523,74 de Agosto de 2000 a Dezembro de 2001 e de € 525,00 a partir dessa data até final da relação laboral, a título de ‘vencimento’ e, considerados os mesmos períodos , € 280,60 e € 281,00 a título de ‘horas extras/cláusula 74.ª’ – designação esta apenas empregue a partir de Setembro de 2003 – e € 113,08 e € 114 a título de ‘ajudas de custo/prémio TIR’;
· - Os montantes respeitantes à ‘cláusula 74ª, n.º7,’ e ao ‘prémio TIR’ do CCT aplicável constituíam remunerações mensais certas, realizadas em dinheiro e independentemente do trabalho suplementar efectivamente prestado;
· - Quando admitiu o A. ao seu serviço, a R. obrigou-se a pagar-lhe um valor calculado com base nas distâncias percorridas, inicialmente à razão de Esc. 9$00/0,045 líquidos por km. e depois, sucessivamente, à razão de € 0,05 e € 0,005 líquidos por km. percorrido, mencionando-o nos recibos de vencimento como ‘Sub. Deslocação (cl.ª 74ª, 47ª; 41ª’ e posteriormente como ‘Ajudas de Custo’;
· - A esse título, no período compreendido entre 1.8.2000 e 30.11.2003, o A. recebeu da R. uma importância global não inferior a € 25.280,00;
· - Enquanto durou o contrato de trabalho, a R. não teve em atenção o valor do prémio TIR e da retribuição da cl.ª 74.ª do CCT no pagamento das férias e dos subsídios de férias e de Natal;
· - A R. entregou ao A. as importâncias discriminadas nos documentos de fls. 15 a 52, cujo teor se dá por reproduzido, sendo que a partir de Setembro de 2003 passou a pagar uma ‘diuturnidade’ de € 13,42;
· - À data da cessação do contrato a R. não tinha pago ao A. a retribuição de Dezembro de 2003 e as férias e os subsídios de férias e de Natal relativos ao trabalho prestado nesse ano;
· - O A., na execução do serviço que a R. lhe determinara e no período compreendido entre 1.8.2000 e a data da cessação do contrato, esteve ao serviço da R. no estrangeiro, pelo menos, dois fins de semana em cada mês, com excepção daqueles em que gozou as respectivas férias;
· - E a R. não lhe deu a gozar o correspondente ‘descanso complementar’;
· - O A. prestou o serviço dito em l) no efectivo desempenho das duas funções ao serviço da R. e com o permanente conhecimento e assentimento da mesma;
· - As importâncias ditas em g) destinavam-se a custear as despesas com alimentação nas viagens internacionais e a remunerar o trabalho prestado em dias de descanso e feriados;
· - A R. remeteu ao A. a carta a que se referem os documentos de fls. 98 a 100, datada de 20.1.2004, comunicando-lhe que se encontrava ‘disponível o valor de € 2.443,78 (…) referente à rescisão do contrato (…)’ – vide os ditos docs. cujo teor se dá aqui por reproduzido;
· - NA sequência da referida carta o A. deslocou-se à sede da R. não tendo concordado com o montante que esta pretendia pagar-lhe e bem assim com o teor dos documentos que elaborara e que então teria de assinar – entre os quais um ‘recibo’ no qual dava ‘quitação de todos e quaisquer créditos’ sobre a R. – pelo que não veio a receber qualquer quantia;
· - Em Dezembro de 2003 o A. percorreu ao serviço da demandada pelo menos 9.804 quilómetros.
****

2 – O DIREITO
Por expressa delimitação do apelante, o objecto do recurso cinge-se basicamente a três questões, que trataremos na sequência.

2.1 –
Como deflui da respectiva alegação e conclusões, o inconformismo do apelante centra-se apenas na parte da decisão que recaiu sobre o pedido oportunamente formulado na alínea d), ou seja, relativamente ao peticionado pagamento da quantia respeitante ao trabalho prestado em dias de feriado e dias de descanso semanal e complementar.

(Como se dá nota no texto da sentença ora sob censura, o caso sujeito é mais um daqueles em que se pratica uma modalidade retributiva desviante, relativamente à normatividade estabelecida, com o objectivo de alcançar supostas ‘vantagens reciprocas’, tantas vezes de curto e/ou funesto alcance, com a acrescida perversidade de tornar as coisas dificilmente sindicáveis quando se trata da busca e objectiva aplicação da sempre desejada justiça do caso concreto…).

Pretexta–se, no essencial – e desde logo – que houve manifesto erro da apreciação da prova na medida em que , no que respeita ao alegado pelo A. nos items 25º a 29º da Petição Inicial , o Tribunal apenas deu como provado o que consta nas alíneas l) e m) do alinhamento dos factos provados, quando deveria ter dada como provada toda a matéria de facto daqueles constante.
Com efeito, tendo o A. alegado, naqueles pontos, um conjunto de dias, (não pagos), de folgas, fins-de-semana e feriados em que trabalhou para a R. durante os vários anos por que se prolongou a relação juslaboral, e uma vez que tais factos não foram impugnados, deveria tal matéria ser tida por provada, nos termos do art. 490º do C.P.C.
Mas mesmo que assim se não entendesse, não poderia ignorar-se que o A., com vista à prova do alegado nos referidos items, requereu a notificação da R. para juntar aos Autos cópia das folhas de remunerações relativas aos anos de 2000 (a partir de Julho) até 2003, inclusive, bem como os originais dos relatórios de viagem do A. desde 7/2000 a 12/2003 e os discos das viagens efectuadas pelo A. no indicado lapso temporal, o que a R. não cumpriu, faltando à verdade nos argumentos invocados para a não satisfação do requerido.
Por isso, sempre haveria que – por força da operada inversão do ónus da prova relativa a tal matéria, 'ut' arts. 528º, 529º e 519º do C.P.C. – dar como assente os factos correspondentes.

Como isso não foi considerado, requer, primordialmente, a este Tribunal, que seja alterada a matéria de facto em conformidade, ao abrigo do lembrado art. 712.º do C.P.C.

Terá razão?
Vamos ver.
Ante a regra estabelecida no art. 490º do C.P.C. – ‘Ónus de impugnação’ – o réu deve, ao contestar, tomar posição definida perante os factos articulados na petição, sob pena de se haverem como admitidos por acordo os factos não impugnados…salvo se estiverem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto, se não for admissível confissão sobre eles ou se só puderem ser provados por documento escrito.

Compulsando os articulados em causa, constata-se que ao alegado nos referidos pontos 25º a 29º da P.I. a R. contrapôs genericamente o constante dos artigos 22º a 24º e 34º da defesa, ou seja, (e citamos) ‘impugna-se o vertido em 23º a 30 da P.I.’, esclarecendo-se que ‘no início da relação laboral existente entre A. e R., foi celebrado um acordo verbal entre ambos segundo o qual a R., para além do salário, pagava ao A. 10$00 por cada km. percorrido, valor que mais tarde foi aumentado para 11$00, quantia que consta inicialmente nos recibos salariais como Sub. Deslocação (Cl.ª 47, 47-A, 41) e mais tarde como ajudas de custo (tipo 21), o que o A. reconhece em 9º da sua P.I.’, esclarecendo-se ainda que ‘o que a R. visava com o pagamento de tais quantias era a compensação do A. relativamente a outros créditos ou direitos decorrentes das suas deslocações ao estrangeiro’.
No item 25º e seguintes alegou, em remate, que o A. aceitou tal acordo por saber que o mesmo era manifestamente vantajoso e favorável, bem sabendo que dessa forma receberia mensalmente uma quantia muito superior àquela que a teria direito nos termos do CCTV.
E, por fim, no art. 34º, acrescenta que o A. sempre descansou, além disso, em sua própria casa os dias a que tinha direito, nunca a R. tendo impedido que usufruísse dos dias de descanso.

Afigura-se-nos que, no contexto da sua defesa sobre tal alegação, globalmente considerada – e ressalvado o devido respeito pelo entendimento contrário, naturalmente – a R. tomou posição, razoavelmente compreensível e por isso aceitável, relativamente aos identificados factos, impugnando-os/contrariando-os genericamente, apesar de o fazer em termos técnico-processuais perfectíveis.
Depois de ter anunciado expressamente a sua impugnação – e pese embora a forma mais ou menos (in)directa como a seguir a desenvolve… – não nos parece legítimo concluir-se que haja admitido tais factos por acordo …
Tem-se, pois, por minimamente satisfeito aquele referido ónus.
---
Mas será que o reclamado erro na apreciação da prova se verificou na realidade – como se pretexta, alternativamente – por não se ter operado a regra da inversão do ónus da prova, fazendo impender sobre a R. a responsabilidade pela não demonstração dos factos alegados pelo A., e dando-os por isso como provados?

Esta é a dificuldade maior, a exigir uma cuidada ponderação com vista à percepção (que se deseja acertada, necessariamente) dos termos e posições assumidas ao longo dos Autos.

Na circunstanciada fundamentação da decisão de facto (fls. 381-382) expendeu-se justificação bastante sobre tal ponto, importando nomeadamente lembrar – para uma melhor compreensão da posição a assumir, a final – os excertos seguintes:
…’os factos não provados têm a sua razão de ser na falta ou insuficiência da prova ou na demonstração de factualidade de sentido contrário; não deverá afirmar-se no caso a ‘inversão do ónus da prova’ em qualquer das matérias controvertidas (v.g. no tocante aos documentos juntos e àqueles cuja junção foi requerida pelo A. verifica-se que as partes se conformaram com a suficiência e a validade dos de fls. 15 e seguintes e 138 e seguintes e, no que aos ‘discos de tacógrafo’ em falta respeita, o Tribunal não está em condições de saber quem deu causa ou é responsável pela sua não junção, atendendo sobretudo às versões apresentadas pelas partes e ao estatuído no art. 14º/2 do Regulamento CEE n.º 3821/85, de 20.12.85, em cujos termos ‘a empresa deve conservar as folhas de registo, em boa ordem, durante um período de pelo menos um ano a partir da sua utilização e remeter uma cópia aos condutores interessados, caso estes o exijam’)

Como se constata, o A. pretendeu fazer prova do por si alegado ,(ao menos em alguma medida…), através de documentos pretensamente em poder da parte contraria .
Na sequência da notificação feita, nos termos previstos no n.º2 do art. 528º do C.P.C., a R. acabou por justificara sua posição, à sua maneira, adiantando que, quanto às folhas de remunerações relativas aos anos de 2000 a 2003, os documentos equivalentes já estão juntos ao processo pelo próprio A., recibos que a R. nem sequer impugnou, confirmando o pagamento;
Quanto aos originais dos relatórios de viagem desconhece em absoluto a sua existência e no que toca aos discos das viagens efectuadas pelo A. a R. apenas está obrigada a arquivar os discos durante o período de um ano, o que fez efectivamente, destruindo-os após o decurso desse período, sendo que até são os motoristas que habitualmente os levam consigo quando saem da empresa…
No caso o A., quando cessou a relação laboral não entregou os discos que andavam consigo no camião, razão por que os não pode juntar.

Perante tal alegação, o A./requerente teve oportunidade de provar, (por qualquer meio, como lho consente o n.º1 do art. 530.º), que a declaração não correspondia à verdade.
O desenvolvimento respectivo – com a prova produzida e as controversas tomadas de posição das partes sobre a questão – mostra-se documentado na Acta de fls. 314-317, a que nos reportamos, não tendo o ora apelante logrado convencer o Tribunal, pelo que se viu, de que a declaração do notificado não era verdadeira.

(Anote-se todavia que entretanto o A. fez juntar no acto um conjunto de cópias relativas aos relatórios de viagem...).

Notificada para esclarecer a forma por que regista o trabalho suplementar, a R. veio aos Autos com a exposição de fls. 319-20.

Isto posto:
Como se aceitará, não seria nunca caso de aplicação imediata do n.º2 do art. 519º, ‘ex vi’ ao art.529º, ambos do C.P.C., por não poder concluir-se que a R. se tenha recusado, sem mais, a prestar a sua colaboração.
Cremos que no art. 519º/2 estão prevenidas duas situações:
a) a recusa de colaboração de terceiros, para a qual se prevê a imediata condenação em multa, sem prejuízo dos meios coercitivos que forem possíveis ; b) ser o recusante parte na causa, caso em que o Tribunal apreciará livremente o valor da recusa para efeitos probatórios, como regra geral, sem prejuízo da inversão do ónus da prova preceituado no n.º2 do art. 344º do Cód. Civil.

Verificada, como no caso, a escusa (parcial…) do notificado, prevê a Lei Adjectiva – art. 530.º– duas hipóteses:
- O notificado declara que não possui (nunca possuiu) o documento. Pode então o requerente vir provar, por qualquer meio, que a declaração não corresponde à verdade, 'ut' referido n.º1 da norma;
- O notificado assume que possuiu o documento.
Então, não o apresentando, a única possibilidade que tem para eximir-se ao efeito previsto no n.º2 do art. 344.º do Cód. Civil é a de vir demonstrar que, sem culpa sua, ele desapareceu ou foi destruído – n.º2 da previsão normativa.
E percebe-se perfeitamente o que se pretendeu: se a parte possuiu o documento e não o apresenta, há-de demonstrar por que o não faz.
Como, por que via?
Provando que, sem culpa sua, ele desapareceu ou foi destruído.
Sem esta ou outra exigência coercitiva semelhante, fácil seria frustrar o escopo da Lei e o alcance postulado pelo dever de cooperação para a descoberta da verdade, proclamado no art. 519.º/1 do C.P.C.
Veja-se que na anterior redacção desta previsão já se apontava no mesmo sentido: ‘O notificado que haja possuído o documento não fica inibido de provar que, sem intuito doloso, ele desapareceu ou foi destruído’.
Recuando ao C.P.C. Anotado, Vol. IV, pg. 37 e seguintes, já Alberto dos Reis ponderava sobre a previsão homóloga, então com assento no art. 553.º, em termos que vale a pena lembrar.
As três atitudes possíveis do notificado passavam, como reflectia o Insigne Mestre, pela junção do documento; não o juntava, mas fazia declarações ou nem juntava o documento nem fazia declaração alguma.
Na segunda hipótese, ( a que nos interessa), se já tivesse admitido, expressa ou tacitamente, ter a posse do documento, obviamente não poderia aceitar-se a declaração de que o não tem.
Esta era a regra, compreensível – então como agora – por evidentes razões decorrentes dos princípios da lógica, da natureza das coisas e da experiência e senso comuns.

Então como agora, tendo o notificado reconhecido ter possuído o documento e não o juntando, ou alega e prova que, posteriormente ao reconhecimento de que o possuiu o documento desapareceu ou foi destruído, em consequência de facto que não lhe é imputável – como impressivamente concluía A. dos Reis – ou fica obrigado a juntá-lo, sob a cominação ditada no começo do respectivo artigo.

Aqui, o quadro não é de todo coincidente.
No caso concreto – e considerando o adquirido processual relativamente a parte dos documentos que se pretendiam nos Autos - a invocada/identificada disposição normativa que impõe ao empregador que arquive /guarde as folhas de registo (os ‘discos’ incluídos…) pelo prazo mínimo de um ano, parece legitimar (…) a tese da R., segundo a qual, transcorrido tal prazo, não será obrigada à sua manutenção, não parecendo que, em face disso, seja censurável a sua assumida destruição posterior…
Não se põe propriamente, por isso, a questão da demonstração, por parte do notificado, do desaparecimento ou destruição, sem culpa sua, dos documentos em causa …
…Antes se pondera sobre se, face às posições de cada um dos litigantes, a atitude da R., ao não satisfazer (plenamente…) a disponibilização dos documentos/meios de prova da alegada materialidade, conforme pretendido pelo A./apelante, fica ou não sob a cominação a que alude o n.º2 do art. 530.º do C.P.C.

E, como ponderadamente se ajuizou, também aqui se alcança que as circunstâncias descritas não consentem concluir e determinar, com segurança, que a R. deva ser onerada com a cominação do efeito previsto no art. 334.º/2 do Cód. Civil, ‘ex vi’ do art.530º/2 do C.P.C.

Em resumo deste ponto, depois de tudo visto e ponderado:
Em condições normais – e uma vez excluída a falada admissão por acordo, com base na inverificada falta de impugnação por banda da R. – o ónus da prova dos factos em causa impenderia sobre a parte que os alegou, (o A.) – art. 342.º/1 do Cód. Civil.
O A. pretendeu legitimamente fazer uso de (fazer a prova, ou parte dela, com…) documentos em poder da parte contrária.
(Parte deles acabou afinal por juntá-los o próprio requerente).
A sobrevinda dificuldade analisou-se (analisa-se), todavia, em concluir se, no sobredito quadro, a R. possuiu e/ou devia possuir tais documentos e se estava ou não obrigada a apresentá-los.
A conclusão é, nos termos sustentados, negativa.
(Veja-se, complementarmente, a dilemática posição estampada na argumentação da douta decisão quando, reflexamente, se analisa, a fls. 388, a actuação das partes com vista à ponderação da sua qualificação ou não como litigância de má fé).
___

Por outro lado:
Contrariamente ao alegado, da mera análise dos ‘relatórios de viagem’ não se extrai – e menos com a necessária segurança – o efeito pretendido, decorrente da sua pretensa falta de impugnação (não se ignore o que adrede vem dito pela R. a fls. 319-320).
A fundamentação da decisão de facto sobre a inconsideração de tal matéria, a fls. 381, para onde se remete, é eloquente.
Sem reparo.
(Note-se que a forma por que foi estabelecida a factualidade correspondente – alíneas l) e m) do respectivo alinhamento – e a condenação da R. a pagar ao A. a importância devida por trabalho suplementar prestado no decurso da relação laboral em dias de descanso, a liquidar em execução de sentença, não inviabiliza a concretização do reconhecido direito).

Conclui-se, pois, pela inexistência de fundamento para a pretendida alteração da decisão de facto.

___
2.2 –
A questão seguinte, relativa à questionada relegação da liquidação para execução de sentença, pressupunha a procedência da primeira, como aliás o apelante desde logo reconheceu.
Ficou necessariamente prejudicada com a solução atrás adiantada.

2.3 –
Questiona-se por fim a decisão na parte em que determinou que à importância devida pelo trabalho prestado em dias de descanso seja deduzida a quantia global paga com base nas distâncias percorridas, subtraída das importâncias suportadas pelo A. com as despesas das viagens internacionais, a liquidar.
Cremos que ainda aqui sem razão, a nosso ver.
Disse-se, a dado passo da fundamentação da sentença, que o A. tem direito à diferença entre, por um lado, a soma dos valores devidos a título de trabalho suplementar e despesas/gastos pessoais das viagens internacionais e, por outro, as importâncias que lhe foram entregues segundo as distâncias percorridas.
E – mais adiante – que as somas pagas, a este título, incluíam valores destinados a compensar gastos/despesas pessoais do A. inerentes à realização das viagens e que, como tais, constituíam verdadeiras ‘ajudas de custo’, não estando demonstrado quais as importâncias que não tiveram tal natureza e retribuíam trabalho suplementar.
Considerou-se finalmente, no que a este ponto concerne, que a alteração da estrutura remuneratória só é válida se se comprovar que dela resulta um regime retributivo globalmente mais favorável para o trabalhador, concluindo-se que, no caso, tal comprovação não foi feita, nem tal resulta da factualidade apurada, pelo que se impôs proclamar a nulidade dessa modificação da estrutura remuneratória, com as respectivas consequências:
‘O A. tem direito a auferir todas as prestações previstas no CCT aplicável e não pagas a esse título e o dever de restituir as prestações auferidas a coberto da alteração contratual reconhecida como nula e que se destinavam a substituir aquelas prestações, pelo que a R. deverá ser condenada a pagar ao A. a diferença entre o sistema do CCT e o efectivamente aplicado’…

Todos estes considerados pressupostos estão juridicamente acertados e são conformes ao entendimento que sufragamos.
(Lembre-se, entre tantos outros, o extractado no Acórdão tirado nesta Secção na Sessão de 12.5.2005, na Apelação n.º 2825/05, que cremos inédito - e de que se juntará cópia, para melhor compreensão – donde se reproduz este excerto elucidativo:
‘A declaração de nulidade tem efeito retroactivo e como consequência a obrigação de restituir tudo o que foi prestado (art. 289º/1 do Cód. Civil.
O que vale por dizer que, cabendo ao A. o direito de auferir todas as prestações previstas no CCTV aplicável e que não lhe foram pagas, incumbe-lhe igualmente (sob pena de se assistir a um total e injustificado locupletamento) o dever de restituir todas as importâncias percebidas a coberto de tal alteração contratual, designadamente as denominadas ajudas de custo, obviamente na parte em que excederem as despesas que efectivamente teve e a cujo ressarcimento tem direito’…

O assim ajuizado não é, pois, passível de reparo ou censura, em nosso modesto entendimento – e sempre com ressalva do respeito devido por opinião contrária – não tendo sido afrontadas as normas identificadas na reacção do apelante.

III –
Termos em que, sem necessidade de outras considerações, se delibera negar provimento ao recurso, confirmando a sentença impugnada.
Custas pelo apelante.
***

Coimbra,