Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
35/10.5TBPMS-A.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: INSOLVÊNCIA
RESOLUÇÃO
BENEFÍCIO DA MASSA INSOLVENTE
Data do Acordão: 02/23/2011
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: PORTO DE MÓS
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.120, 123 CIRE, 224, 230, 446 CC
Sumário: I. A declaração resolutiva em benefício da massa insolvente, prevista no n.º 1 do artigo 120.º do CIRE, com a formalidade exigida pelo n.º 1 do artigo 123.º do mesmo diploma legal, tem natureza potestativa, tornando-se eficaz logo que chegue ao poder do destinatário ou seja por ele conhecida, de acordo com o regime previsto no n.º 1 do artigo 224.º do Código Civil.

II. A eficácia da declaração resolutiva decorre, não simplesmente da vontade nesse sentido manifestada pelo administrador da insolvência, mas sobretudo da expressa atribuição de tal efeito pela lei.

III. Em coerência com esta legitimação legal, sobre a parte afectada pela declaração resolutiva e pela sua consequente eficácia, recai o ónus de a impugnar judicialmente.

IV. A sentença a proferir na acção vocacionada à impugnação judicial da resolução não tem efeitos constitutivos, limitando-se o tribunal a averiguar e a declarar se se verificam ou não, naquele caso concreto, os pressupostos da resolução efectuada.

V. Tendo sido resolvido pelo administrador da insolvência, em benefício da massa insolvente, um negócio de transmissão de acções ao portador, e encontrando-se suspensos os termos da respectiva acção de impugnação, a mera pendência da referida acção não tem a virtualidade de suspender a eficácia da resolução.

VI. Na sequência da apreensão judicial das referidas acções ao portador, e da sua entrega ao Administrador da Insolvência, fica este legitimado a exercer os direitos sociais correspondentes à titularidade de tais acções.

Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

I. Relatório
F (…) requereu o presente procedimento cautelar especificado de suspensão de deliberações sociais, previsto nos artigos 396.º e 397.º do Código de Processo Civil (CPC), contra a sociedade anónima C (…) S.A., afirmando-se sócio desta e requerendo a suspensão das deliberações sociais tomadas em assembleia geral da requerida, ocorrida em 25/09/2009, imputando a tais deliberações vícios consubstanciados na sua inexistência jurídica, nulidade e anulabilidade.
Alegou em síntese: que é sócio da requerida, na medida em que é portador de 375.000 acções, que se encontram depositadas à ordem do processo de insolvência n.º 2577/05.5TBPMS, sendo o fiel depositário das mesmas o administrador da insolvência (…); que adquiriu as referidas acções ao insolvente (J (…)); que foi abusivamente determinada a resolução a favor da massa insolvente, do negócio de aquisição das acções; que intentou acção para impugnar a resolução efectuada pelo administrador da insolvência, mantendo a qualidade de sócio da requerida; que não esteve presente na assembleia realizada em 25/09/2009, convocada por (…), tendo as deliberações sido votadas por este, que é mero depositário das acções; que apenas tomou conhecimento das deliberações em 31 de Dezembro de 2009; que a subsistência da requerida está em perigo por as deliberações aprovadas impedem o funcionamento e a actividade da requerida.
(…)
A requerida veio deduzir oposição (fls. 2580), impugnando o alegado no requerimento inicial quanto aos vícios imputados às deliberações em causa, e alegando em síntese: que caducou o direito de instauração do presente procedimento em virtude de a convocatória da assembleia ter sido publicada em 24/08/2009, presumindo-se conhecida nessa data por todos os accionistas, já que a presente providência deu entrada em juízo em 06/01/2010; que não se encontram preenchidos os requisitos para a presente providência ser decretada, na medida em que o requerente não tem a qualidade de sócio da requerida, por a legítima titular das acções ao portador ser a massa insolvente de J (…); que não se encontra preenchido o requisito do prejuízo apreciável, na medida em que o requerente não alegou factos concretos que permitissem concluir pela existência de tal dano apreciável.
(…)
Realizou-se a audiência final, com inquirição das testemunhas indicadas pelas partes, nos termos que constam da acta de fls. 2803, após o que a M.ª Juíza proferiu decisão sobre a matéria de facto, nos termos que constam de fls. 2807/2811, sem reclamações.
Foi proferida sentença (fls. 2812), na qual se julgou improcedente a excepção de caducidade invocada pela requerida e se concluiu, decidindo: «Em face do exposto, julga-se improcedente o presente procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais, requerida por F (…) contra C (…), S.A., pelo que se indefere a providência solicitada.»
Inconformado, apelou o requerente, apresentando alegações, nas quais formula as seguintes conclusões:

1. (…)

29. O despacho recorrido violou, entre outros, o disposto nos arts. 1.º, 2.º, 20.º/1 e 5 e 202.º/2, todos da CRP, arts. 396.º/1, 671.º e ss. e 857.º/1 do CPC, arts. 120.º, 125.º, 126.º/1 e 2 e 150.º/1 do CIRE, arts. 289.º/1, 433.º, 819.º, 1185.º-1201.º do CC, arts. 99.º, 100.º, 103.º, 104.º/1, do CVM e art. 23.º do CSC, que o Tribunal não aplicou devidamente.

Na parte final do seu recurso, formula o recorrente a seguinte pretensão: «Requer ainda seja ordenada a subida de quaisquer recursos que se encontrem pendentes de subida com o presente recurso da decisão final».
A requerida apresentou contra-alegações, nas quais conclui que a apreensão das acções pelo Administrador da Massa insolvente constituiu mera execução da resolução em beneficio da Massa Insolvente, com os efeitos do art° 126° n°l do GIRE, sem qualquer dependência de posterior acção do Administrador, e que invocação da violação constitucional não tem qualquer fundamento, preconizando a manutenção do julgado.

II. Do mérito do recurso
1. Definição do objecto do recurso
1.1. Questão prévia
(…)
1.2. O objecto da apelação
O objecto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações (artigo 684º, nº 3, e 690º, nºs 1 e 3, CPC), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660º, nº 2, in fine), consubstancia-se nas seguintes questões: i) averiguar se o requerente logrou provar indiciariamente reunir as condições integradoras do conceito de “sócio” enunciado na previsão legal do n.º 1 do artigo 396.º do CPC Pressuposto essencial para a legitimação da posição de requerente da suspensão da deliberação social.; ii) averiguar se se verifica a excepção do caso julgado invocada; iii) apreciar as invocadas inconstitucionalidades.

2. Fundamentos de facto
Encontra-se indiciariamente provada nos autos a seguinte factualidade relevante:
1) Encontram-se depositadas à Ordem do Processo n.º 2577/05.5TBMPS do 1.º Juízo do Tribunal de Porto de Mós, 375.000 acções da requerida, sendo seu depositário o Administrador de Insolvência (…). (artigo 2º do requerimento inicial)
2) A Requerida é uma sociedade comercial sob forma anónima que tem por objecto social a compra e venda de imóveis, sua administração, prestação de serviços de gestão estudos e projecto, com o capital social de € 2.500.000,00, distribuído por 500.000 acções com o valor nominal de € 5,00 cada. (artigo 4º do requerimento inicial)
3) Por consulta à situação registral da sociedade em 30/12/2009, o requerente tomou conhecimento que se encontravam registadas deliberações da sociedade requerida de alteração ao pacto social, destituição dos membros da administração e do órgão de fiscalização, e nomeação de novos membros para ambos os órgãos societários. (artigo 5º do requerimento inicial)
4) Em 25.09.2009 foram produzidas deliberações que importaram a alteração ao pacto pela eliminação dos artigos 13.º, 14.º, 15.º, 17.º, 18.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º, 27.º, 28.º e 29.º do pacto social de C (…), SA., e a alteração dos artigos 12º., 16, 19.º e 20.º do mesmo pacto de sociedade. (artigos 6º e 7º do requerimento inicial)
5) Em 24/08/2009 foi publicado no Portal da Justiça: (artigo 20º do req. inicial)

“Publica-se o seguinte:

Convocatória relativamente à entidade: Nº de Matrícula/NIPC: (...)

Firma/Denominação: C (…), S.A.

Natureza Jurídica: Sociedade anónima

Sede: (...) - (...)

Capital: 2.500.000,00 €

CONVOCATÓRIA

Pela presente se convoca a Assembleia-Geral da sociedade C (…)S.A, sociedade anónima, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de (...), sob o n.º (...), com o capital social de € 2.500.000,00, com sede em (...), freguesia de (...), 2480-055 (...), no dia 25 de Setembro de 2009, pelas 17 horas, no HOTEL X (...), sito à Rua (...), em (...).

Com a seguinte ordem de trabalhos:

1 - Apreciação e votação de uma proposta de destituição dos titulares dos órgãos sociais;

2 - Apreciação e deliberação sobre uma proposta de eliminação dos arts 13.°, 14.°, 15.°, 17.º, 18.°, 21.°, 22.°, 23.°, 24.º, 27.º, 28.º e 29.º do Contrato de Sociedade e alteração dos arts. 12.º, 16.º, 19.º, 20.º e do Contrato de Sociedade, para os quais se propõe a seguinte redacção:

"Art. 12.º

O conselho de administração é composto por dois membros, eleitos pela assembleia-geral por períodos de três anos de entre accionistas ou estranhos à sociedade, sendo um deles o presidente ao qual cabe voto de qualidade.”

"Actual Art. 16.º, que passará a Art. 13.º, com a seguinte redacção

A sociedade vincula-se em quaisquer actos ou contratos com as assinaturas conjuntas dos dois administradores.”

"Actual Art. 19.º, que passará a Art. 14.°, com a seguinte redacção

Os administradores terão direito a uma remuneração mensal que será fixada pela assembleia-geral."

Actual Art. 20.º, que passará a Art. 15.º, com a seguinte redacção

O órgão de fiscalização da sociedade é constituído por um Fiscal Único que deve ser Revisor Oficial de Contas ou Sociedade de Revisoras Oficiais de Contas e por um Suplente eleitos em assembleia-geral por períodos de três anos."

“Actual Art.25.º, que passará a Art. 16.°, mantendo a redacção"

"Actual Art. 26.º, que passará a Art. 17.º, mantendo a redacção."

3 - Apreciação e votação de uma proposta de eleição de novos titulares dos órgãos sociais para o triénio

4 - Apreciação e votação de uma proposta de mudança de sede social; As propostas relativas aos 4 pontos da ordem dos trabalhos estão consultáveis no escritório do Administrador de Insolvência, Dr. (…) sito, (...).

A accionista maioritária, nos termos do n.º 4 do art. 374.º do CSC ((…), Administrador da Insolvência, em representação da Massa Insolvente de J (…))”

6) Por carta datada de 08/10/2007, dirigida ao aqui requerente, e recebida por este, o Administrador da Insolvência de J (…) declarou resolver o negócio de transmissão de 375.000 acções do capital social da aqui requerida, efectuada por J (…) a favor do aqui requerente. (artigo 49º do requerimento inicial)
7) Mais declarou resolver um segundo negócio, pelo qual a C (…), SA adquiriu as 50.000 acções próprias que titula. (artigo 50º do requerimento inicial)
8) O requerente insurgiu-se contra o acto resolutivo, não restituindo os títulos e recusando-se a fazê-lo. (artigo 51º do requerimento inicial)
9) Em 15 de Janeiro de 2008 foi lavrado auto de apreensão, no âmbito do Processo de Insolvência nº 2577/05.5TBPMS, em que é insolvente J (…) e outros, a correr termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Porto de Mós, e foram apreendidas as acções ao portador que se encontravam na posse do requerente, relativamente à sociedade requerida, tendo sido constituído como depositário das mesmas (...), administrador da insolvência. (artigo 36º do requerimento inicial)
10) Na sequência, propôs acção contra a massa insolvente impugnando a resolução efectuada. (artigo 52º do requerimento inicial)
11) Originou-se um processo que corre por apenso (EG) aos autos de insolvência de J (…) (Processo nº 2577/05.5TBPMS), no qual ainda não foi proferido decisão, encontrando-se os autos suspensos por despacho de 06/07/2009. (artigo 53º do requerimento inicial)
12) O administrador de insolvência de Massa Insolvente de J (…), na pendência da acção e como medida conservatória, apreendeu os títulos na posse do requerente que surgem indicados como detidos por (…). (artigo 54º do requerimento inicial)
13) Da Acta n.º 42 de C (…)SA, datada de 25 de Setembro de 2009, consta o seguinte: (artigos 22º e 23º do requerimento inicial)

(…)

14) A sede da sociedade Requerida localiza-se em (...), (...), Concelho de (...), Distrito de (...). (artigo 137º do requerimento inicial)
15) Na convocatória indica-se como local para realização da reunião o “HOTEL X(...), sito à Rua (...), em (...)”. (artigo 140º do requerimento inicial)
16) Para o agendamento de uma assembleia geral para análise da situação da empresa, o Dr. (…) contactou a presidente da mesa da assembleia geral, (…), tendo esta afirmado que se considerava impedida de proceder à convocatória de uma assembleia geral, porque iria renunciar ao cargo devido à falta de confiança demonstrada por F (…), o que veio a fazer por carta datada de 24/07/2009. (artigo 56º da oposição)
17) Da certidão de Registo Comercial da requerida encontra-se registada pela Ap. 30/20090324 a decisão, transitada em julgado, de suspensão de F (…) (…)do conselho de administração e designação do Dr. (…) para administrador judicial, proferida no âmbito de Providência Cautelar nº 2577/05.5TBPMS-EQ.C1.
18) Foi também registada deliberação de destituição dos administradores nomeados por deliberação de 28.07.2009 de C (…), SA, (…) (art. 9.º, 10.º, 11.º e 12.º do requerimento inicial).
19) O registo das deliberações foi admitido como “provisório, por dúvidas e por nautureza”. (artigo 14º do requerimento inicial)
20) O registo das deliberações teve por base os documentos juntos aos autos a fls. 64 e seguintes. (artigo 19º do requerimento inicial)
21) O requerente não esteve presente na assembleia-geral (artigo 24º do requerimento inicial)
22) F (…) (ora requerente), (…) e (…) haviam sido suspensos das suas funções por Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra (artigo 170º do requerimento inicial)
23) Na sequência, C (…), SA deliberou a nomeação de novo quadro de administradores, em consonância com o aresto produzido pela 2.ª Instância (artigo 171º do requerimento inicial)
24) Para o agendamento de uma assembleia geral para análise da situação da empresa, o Dr. (…) contactou a presidente da mesa da assembleia geral, (…) tendo esta afirmado que se considerava impedida de proceder à convocatória de uma assembleia geral, porque iria renunciar ao cargo devido à falta de confiança demonstrada por F (…), o que veio a fazer por carta datada de 24/07/2009 (doe. 4 que se junta e se dá por reproduzido).
25) O mesmo se passou quanto aos membros do Conselho Fiscal então inscritos na Conservatória do Registo Comercial, que, contactados, informaram que nunca tinham tomado posse ou aceitado aquela nomeação e que não tinham em seu poder quaisquer documentos da sociedade. (artigo 57.º da oposição)
26) O TOC inscrito no Serviço de Finanças competente, Dr. (…), foi, então, contactado pelo Administrador Judicial, tendo informado que já não era contabilista da sociedade e que não tinha em seu poder quaisquer documentos desta. (artigo 58.º da oposição)
27) O Administrador Judicial tentou, ainda, contactar o Requerente, para as moradas conhecidas, por cartas registadas recebidas em 09/09/2009 e 14/09/2009, mas o Requerente nunca respondeu a estas cartas nem contactou aquele administrador. (artigo 59.º da oposição)
28) Assim, embora tivesse tentado inteirar-se da situação da empresa, ao administrador nomeado pelo Tribunal nunca foram fornecidos pelos anteriores administradores nem informações nem os documentos societários necessários. (artigo 60.º da oposição)

3. Fundamentos de direito
3.1. Os efeitos da resolução em benefício da massa insolvente
Provou-se a seguinte factualidade essencial:

Por carta datada de 08/10/2007, dirigida ao aqui requerente, e recebida por este, o Administrador da Insolvência de J (…)s declarou resolver o negócio de transmissão de 375.000 acções do capital social da aqui requerida, efectuada por J (…) a favor do aqui requerente. (facto provado n.º 6)

Mais declarou resolver um segundo negócio, pelo qual a C (…) adquiriu as 50.000 acções próprias que titula. (facto provado n.º 7)

O requerente insurgiu-se contra o acto resolutivo, não restituindo os títulos e recusando-se a fazê-lo. (facto provado n.º 8)

Em 15 de Janeiro de 2008 foi lavrado auto de apreensão, no âmbito do Processo de Insolvência nº 2577/05.5TBPMS, em que é insolvente J (…) e outros, a correr termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Porto de Mós, e foram apreendidas as acções ao portador que se encontravam na posse do requerente, relativamente à sociedade requerida, tendo sido constituído como depositário das mesmas (…), administrador da insolvência. (facto provado n.º 9)

Na sequência, propôs acção contra a massa insolvente impugnando a resolução efectuada. (facto provado n.º 10)

Nos termos do n.º 1 do artigo 120.º do CIRE, podem ser resolvidos em benefício da massa insolvente os actos prejudiciais à massa praticados ou omitidos dentro dos quatro anos anteriores à data do início do processo de insolvência.
A formalidade a que deve obedecer a declaração resolutiva vem prevista no n.º 1 do artigo 123.º do CIRE, nestes termos: «A resolução pode ser efectuada pelo administrador da insolvência por carta registada com aviso de recepção nos seis meses seguintes ao conhecimento do acto, mas nunca depois de decorridos dois anos sobre a data da declaração de insolvência.»
Finalmente, os efeitos de tal declaração vêm previstos no n.º 1 do artigo 126.º do mesmo diploma legal: «A resolução tem efeitos retroactivos, devendo reconstituir-se a situação que existiria se o acto não tivesse sido praticado ou omitido, consoante o caso.».
Como referem Carvalho Fernandes e João Labareda Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, Reimpressão, Quid juris, pág. 442., o regime de retroactividade estatuído no normativo citado tem correspondência no regime comum da resolução, tal como definido na primeira parte do n.º 1 do artigo 434.º do Código Civil, sendo a obrigação de reconstituir a situação anterior à prática do acto resolvido, mero corolário do regime de retroactividade inter partes, em consonância com o regime comum da resolução (cfr. art.º 431.º do C.Civ.).
Como salienta José Carlos Brandão Proença A resolução do Contrato no Direito Civil, Coimbra Editora, 2006, pág. 151 e 152., o artigo 436.º, n.º 1, do Código Civil, ao permitir que a resolução se possa exercer mediante declaração à outra parte, adopta o sistema “declarativo”, solução típica do ordenamento jurídico alemão, afastando a necessidade como princípio geral, de uma intervenção constitutiva-condenatória do tribunal, exigida em regra pelos sistemas resolutivos francês, espanhol e italiano Como refere o autor citado (José Carlos Brandão Proença, ob. cit., pág. 153), as hipóteses de resolução judicial são expressamente referidas na lei (como é o caso do contrato de locação), ou implícitas no teor literal de certos preceitos, como os artigos 437.º, 966.º e 2248.º/1 do CC. .
A natureza potestativa da declaração de resolução transmite-lhe as características de unilateralidade recipienda (art. 224.º, n.º 1, 1.ª parte, do C.C.), irrevogabilidade (arts. 224.º, n.º 1, 1.ª parte, e 230.º, n.º 1, do C.C.), incondicionalidade natural e concretização (dos factos que constituem o fundamento ou motivação da declaração), não estando sujeita a formalidades especiais Impondo-se a forma escrita, em caso de necessidade de registo da declaração para protecção de terceiros., podendo ser manifestada verbalmente, apesar de se referir a um contrato escrito.
Há que centrar a atenção num factor particularmente relevante para a aferição do mérito deste recurso: a já apontada característica de unilateralidade recipienda da declaração potestativa de resolução (na situação em apreço, emitida pelo administrador da insolvência, ao abrigo de uma faculdade legal que lhe assiste, emergente do disposto no n.º 1 do artigo 120.º e no n.º 1 do artigo 123.º do CIRE).
Tal característica decorre do já citado n.º 1 do artigo 123.º do CIRE, que prevê a comunicação da declaração resolutiva por carta registada, conjugado com o n.º 1 do artigo 224.º do Código Civil, onde se prescreve: «A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou é dele conhecia».
Em suma, na situação a que se reportam os autos, temos uma declaração resolutiva (da transmissão de 375.000 acções do capital social da insolvente, aqui requerida, efectuada por J (…) a favor do aqui requerente), efectuada pelo administrador da insolvência, ao abrigo de uma faculdade legal (resolução em benefício da massa insolvente, prevista no n.º 1 do artigo 120.º do CIRE), comunicada ao transmissário/requerente, nos termos do n.º 1 do artigo 123.º do referido diploma legal), que se tornou eficaz logo que foi conhecida do destinatário (artigo 224/1 CC).
E a questão que ora se coloca é a seguinte: tal eficácia é posta em crise pelo facto de ter sido entretanto intentada a acção de impugnação que corre termos no 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Posto de Mós, com o n.º 2577/05.5TBPMS-EG?
Vejamos.
A referida acção, conforme se encontra documentado na certidão de fls. 478, encontra-se com a tramitação suspensa, na sequência de despacho proferido em 06.07.2009.
Como salienta o Professor Mota Pinto Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª edição actualizada, pág. 355., os negócios jurídicos são factos voluntários, cujo núcleo essencial é integrado por uma declaração de vontade, a que o ordenamento jurídico atribui efeitos jurídicos concordantes com o conteúdo da vontade expressa, tal como este é objectivamente apercebido.
Mais refere o autor citado, que nos negócios jurídicos o comportamento de cada parte revela-se exteriormente como uma declaração visando certos resultados prático-empíricos, sob tutela do ordenamento jurídico, e os efeitos determinados pela lei são os correspondentes aos resultados cuja intenção foi manifestada.
Ora, na situação sub judice, por força do disposto no n.º 1 do artigo 224.º do Código Civil (conjugado com a faculdade que a lei confere ao administrador da insolvência, nos artigos 120.º e seguintes do CIRE), a eficácia da declaração resolutiva decorre, não simplesmente da vontade nesse sentido manifestada pelo administrador da insolvência, mas sobretudo da expressa atribuição de tal efeito, pela lei.
Em coerência com esta legitimação legal, sobre a parte afectada pela declaração resolutiva (e pela sua consequente eficácia), recai o ónus de a impugnar judicialmente.
A sentença a proferir na acção vocacionada à impugnação judicial da resolução não tem efeitos constitutivos, limitando-se o tribunal a averiguar e a declarar se se verificam ou não, naquele caso concreto, os pressupostos da resolução efectuada.
Em consequência, como diz Brandão Proença, na obra citada A resolução do Contrato no Direito Civil, Coimbra Editora, 2006, pág. 153., «a sentença de confirmação não pode afastar uma eficácia (a da resolução) situada nos momentos previstos no art. 224.º, n.º 1, 1.ª parte, do CC.».
Como referem Pires de Lima e Antunes Varela Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª edição, pág. 412., a declaração resolutiva «marca o momento da resolução, mesmo que haja necessidade, posteriormente, de obter a declaração judicial de que o acto foi legalmente resolvido».
Decorre do exposto que, encontrando-se suspensos os termos da acção de impugnação, a declaração resolutiva em benefício da massa insolvente, efectuada pelo administrador judicial ao abrigo do poder que lhe é conferido pelo artigo 120.º do CIRE, face à sua natureza potestativa continua a ter a eficácia que lhe é conferida pela conjugação dos artigos 224/1 do CC, 123/1 e 126/1 do CIRE Onde se prescreve a retroactividade dos efeitos “devendo reconstituir-se a situação que existiria se o acto não tivesse sido praticado»., nomeadamente quanto à retroacção aos seus efeitos Sem prejuízo de tal eficácia vir a poder ser ulteriormente destruída por decisão judicial. .
Tal eficácia, como vimos, poderá ser temporária (face ao desfecho da acção), mas mantém-se, in casu, até para garantir e assegurar o funcionamento da sociedade a que se reportam as acções em causa.
Foi essa a decisão já assumida por esta Relação, num dos inúmeros processos em que as partes se vêm digladiando.
Reportamo-nos ao acórdão deste tribunal, proferido no processo n.º 2577/05.5TBPMS-EQ (Relator Jorge Arcanjo), em 3 de Março de 2009, e transitado em julgado em 24 de Março de 2009 (cópia certificada junta aos autos a fls. 2669), que apreciou o recurso da Massa Insolvente de J (…) (em que são recorridos, o ora requerente, para além C (…), e de (…)), onde se decidiu: «Decretar a suspensão dos titulares do Conselho de Administração da sociedade C (…), S.A., F (…) Requerente nestes autos. (presidente), (…) e (…)»
Consta do referido acórdão:

«[…] Pertencendo à massa insolvente as 425.000 acções ao portador, representativas de 85% do capital social da C (…) S.A., as quais estão agora na posse do administrador da insolvência, em virtude da apreensão, o exercício dos direitos sociais inerentes a elas cabe ao administrador da insolvência .

Aliás, resulta do disposto no art. 55 n.º 1 b) do CIRE, competir ao administrador evitar o agravamento da situação patrimonial do devedor, designadamente assegurando a “continuação da exploração da empresa” que integre a massa insolvente, quando ela não tenha sido legitimamente encerrada. Ora, se o administrador tem poderes de representação para continuar a explorar uma empresa que integre a massa, por identidade ou maioria de razão lhe assiste o poder de exercer os direitos inerentes às participações sociais que o devedor detenha numa determinada sociedade. […]

Com do devido respeito, não colhe o argumento aduzido na decisão recorrida, ao fundamentar o indeferimento com o regime do depósito (art. 1185 do CC).

Em primeiro lugar, ainda que o administrador da insolvência fique depositário dos bens apreendidos, regendo-se o depósito pelas normas gerais, e, em especial, pelas que disciplinam o depósito judicial de bens penhorados (art. 15º.º n.º 1 do CIRE), a verdade é que só há lugar ao recurso às regras especificas do depósito naquilo que não prejudique o regime particular da insolvência” (…).

Depois, porque uma coisa é a guarda das acções, outra o exercício dos direitos sociais correspondentes.

Sendo a participação social concebida como “posição jurídica unitária do sócio”, dela faz parte o chamado “direito de controlo”, como por exemplo, o direito de acção judicial, de natureza patrimonial. Pode concluir-se, contrariamente ao decidido, que a Massa Insolvente de J (…), representada pelo Administrador da Insolvência, está legitimada a exercer os direitos sociais sobre a sociedade C (…)S.A., nomeadamente o referente à destituição dos administradores (art. 403 n.º 3 do CSC) Sublinhado nosso.. […]».

No mesmo sentido, decidiu também esta Relação num outro dos inúmeros processos em que as mesmas partes se vêm confrontando.
Referimo-nos ao acórdão proferido em 28 de Setembro de 2010, no processo n.º 2577/05.5TBPMS-EY.C1 (Relator Carvalho Martins), certificado nos autos a fls. 2747 a 2802, particularmente à questão abordada a fls. 44 do citado aresto, correspondente a fls. 2791 dos autos Consultámos este processo na Secção de Processos desta Relação, constatando que foi interposto recurso do acórdão, que veio a ser julgado deserto por despacho de 17.01.2011, proferido a fls. 1101 a 1105..
No referido acórdão foi decidido manter a sentença proferida na 1.ª instância, que tinha o seguinte teor: «Julgo totalmente improcedente, por não provada a oposição deduzida, mantendo integralmente a decisão proferida na fase inicial da presente medida cautelar, em concreto, o decretamento da suspensão dos titulares do Conselho de Administração da sociedade “C (…), SA”, F (…) (presidente), (…)e (…)o (vogais) e a designação do Sr. Dr. (…) para administrador judicial em substituição e até que em assembleia-geral sejam eleitos novos órgãos sociais»
Decorre de todo o exposto, que se mantém a eficácia e validade da resolução em benefício da massa insolvente, do negócio de transmissão de 375.000 acções do capital social da aqui requerida, efectuada pelo Administrador da Insolvência de J (…)e comunicada por carta datada de 08/10/2007, dirigida ao aqui requerente, e recebida por este.
Vejamos agora a formalidade da apreensão das acções.
Provou-se que em 15 de Janeiro de 2008 foi lavrado auto de apreensão, no âmbito do Processo de Insolvência nº 2577/05.5TBPMS, em que é insolvente J (…)e outros, a correr termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Porto de Mós, e foram apreendidas as acções ao portador que se encontravam na posse do requerente, relativamente à sociedade requerida, tendo sido constituído como depositário das mesmas (…), administrador da insolvência. (facto provado n.º 9)
Ora, contrariamente ao que é afirmado na douta sentença recorrida, não foi o administrador da insolvência que procedeu à apreensão das acções Não se trata de apreensão por parte do Administrador, com base nos poderes que os artigos 149.º e seguintes do CIRE lhe conferem, mas sim de “apreensão judicial”, como expressamente a denomina e qualifica o recorrente nas suas doutas conclusões (vide conclusão n.º 15)..
Face aos documentos juntos aos autos a fls. 96 a 101, constatamos que as acções em causa foram apreendidas pelo Exmo. Senhor Escrivão-Adjunto, conforme consta do auto lavrado em papel timbrado do tribunal «… para cumprimento do ordenado nestes autos de insolvência pessoa singular n.º 2575/05.5TBPMS, a correr termos no 1.º Juízo deste tribunal…».
O Exmo. Senhor Administrador da Insolvência esteve presente no acto, apenas na qualidade de depositário, havendo depois um termo de entrega, lavrado no tribunal (fls. 101), onde consta que o requerido se deslocou para entregar as restantes acções aos senhor escrivão.
Como se refere no douto acórdão desta Relação, proferido nos autos (fls. 192 e seguintes), há que ter em conta que as acções em causa são “acções ao portador”, distinguindo-se das nominativas, na medida que nestas o nome do titular está inscrito no próprio título, naquelas o título não contém a especificação do titular, vindo este a ser o possuidor material do título.
Nas acções ao portador, a transmissão, dada a prevalência do elemento posse material, faz-se pela entrega dos próprios títulos, valendo nesta sede o disposto no nº 1 do artigo 101º do CVM: «[o]s valores mobiliários titulados ao portador transmitem-se por entrega do título ao adquirente ou ao depositário por ele indicado».
Decorre de todo o exposto, em síntese: i) mantém-se a eficácia (retroactiva - art. 120 e 126/1 CIRE) da declaração de resolução em benefício da massa insolvente, do negócio de transmissão das acções; ii) o Administrador da Insolvência, na qualidade de legítimo possuidor dessas acções, como se decidiu no acórdão proferido no apenso “EQ” citado supra e transitado em julgado «[…] está legitimada a exercer os direitos sociais sobre a sociedade C (…) S.A., nomeadamente o referente à destituição dos administradores (art. 403 n.º 3 do CSC) […]».
Das conclusões enunciadas, decorre, a contrario, a insustentabilidade jurídico-processual da posição do requerente.
Vejamos porquê:
Decidiu-se na sentença recorrida:

«Não obstante tenha resultado também indiciariamente provado que o requerente intentou acção judicial para impugnar tal resolução, ainda não foi proferida sentença em tal acção. Nos termos do disposto no artigo 125º do CIRE, tal acção segue o regime comum da acção declarativa, não tendo qualquer efeito preventivo sobre a resolução já operada, pelo que a resolução efectuada pelo administrador da insolvência encontra-se válida e, em consequência, os efeitos da mesma, ou seja, a retroactividade, também, pelo que é forçoso concluir que as acções de que o requerente se arroga titular pertencem à massa insolvente de J (…), até que seja eventualmente proferida decisão em tal acção que julgue procedente a impugnação da resolução efectuada.

Pelo exposto, verifica-se que o requerente não tem a qualidade de sócio da requerida, não tendo legitimidade substantiva para requerer o presente procedimento cautelar falhando, assim, um dos pressupostos para poder ser decretada a providência cautelar requerida, ficando, desde já prejudicado o conhecimento dos demais requisitos.»

Já anteriormente se decidira nesta Relação, no acórdão proferido no processo n.º 2577/05.5TBPMS-EQ, em 3 de Março de 2009, e transitado em julgado em 24 de Março de 2009 (cópia certificada junta aos autos a fls. 2669): «[…] Pertencendo à massa insolvente as 425.000 acções ao portador, representativas de 85% do capital social da C (…) as quais estão agora na posse do administrador da insolvência, em virtude da apreensão, o exercício dos direitos sociais inerentes a elas cabe ao administrador da insolvência . (…) Sendo a participação social concebida como “posição jurídica unitária do sócio”, dela faz parte o chamado “direito de controlo”, como por exemplo, o direito de acção judicial, de natureza patrimonial. Pode concluir-se, contrariamente ao decidido, que a Massa Insolvente de J (…), representada pelo Administrador da Insolvência, está legitimada a exercer os direitos sociais sobre a sociedade C (…)S.A., nomeadamente o referente à destituição dos administradores (art. 403 n.º 3 do CSC) Sublinhado nosso.. […]».
Revela-se da mais elementar lógica que, se o tribunal decidiu com trânsito em julgado, que cabe ao administrador da insolvência o exercício dos direitos sociais correspondentes à titularidade das acções em discussão nestes autos Que o requerente alega pertencer-lhe e com base nas quais vem pedir a suspensão das deliberações sociais., não podem as mesmas acções legitimar o exercício dos direitos sociais por parte do requerente.
Tal conclusão sai reforçada com a argumentação que se expendeu sobre os efeitos da resolução em benefício da massa insolvente.

3.2. A alegada violação do caso julgado
Nas conclusões 1.ª a 11.ª, alega o recorrente que a decisão sob censura violou o caso julgado, face ao teor do acórdão proferido nesta Relação, junto aos autos a fls. 192 e seguintes.
Salvo o devido respeito, não lhe assiste razão.
Vejamos.
Apresentado o requerimento inicial, a M.ª Juíza do tribunal a quo proferiu o despacho de fls. 88, onde refere não resultar dos documentos juntos aos autos a qualidade de sócio do requerente, instando-o a juntar prova de tal qualidade «a fim de se aferir da respectiva legitimidade activa».
Em cumprimento do referido despacho, apresentou o requerente o requerimento de fls. 93/97, ao qual anexou os dois suportes documentais de fls. 96/101.
No despacho proferido a fls. 110 dos autos, a M.ª Juíza do tribunal a quo considerou que o requerente não fez prova da sua legitimidade activa, e com tal fundamento indeferiu liminarmente o procedimento cautelar.
Não se conformando, o requerente interpôs recurso para este tribunal, onde foi proferido o douto acórdão de fls. 192, que revogou a decisão em apreço, determinando a sua substituição «por outro que implemente o prosseguimento do procedimento cautelar».
Refere-se, no referido e douto aresto:

«O Tribunal a quo não se pode furtar, à partida e sem mais, à apreciação da situação substancial invocada pelo Requerente para alicerçar a sua qualidade de sócio da (…), no quadro da presente tutela cautelar, mesmo que isso implique uma apreciação, necessariamente provisória e que se expressará em termos de probabilidade séria de existência (para usarmos as palavras do artigo 387º, nº 1 do CPC) ou de determinação da verosimilhança dos argumentos que alicerçam a impugnação da resolução da transmissão das acções. É certo que a questão de fundo (o fundamento para suspender as deliberações sociais em causa) só se colocará, logicamente, depois da definição (que aqui será provisória, repete-se) da qualidade de sócio do Requerente (da permanência da qualidade de sócio no Requerente), mas isso não significa, e é o que aqui importa sublinhar, que se possa passar por cima dessa definição.

(…) É a vinculação do Tribunal a quo a este entendimento que há que determinar neste recurso, sendo que isso eliminará a rejeição liminar aqui apelada, mas não condicionará a ulterior actividade do mesmo Tribunal em sede de apreciação da existência de fundamento para determinar ou não a suspensão das deliberações atacadas, incluindo na apreciação da existência desse fundamento a questão, preambular e condicionante da questão de fundo, de saber se, numa apreciação em termos de verosimilhança (ou, como dissemos antes, de probabilidade séria de existência), o Requerente deve aqui ser considerado sócio da Requerida, no sentido de um legítimo detentor de 375.000 acções ao portador desta sociedade, e, nessa medida, se lhe deve ser outorgada para a presente tutela cautelar a legitimidade activa decorrente do estatuto de sócio Sublinhado nosso

Em suma, no douto aresto que parcialmente se transcreveu, foi cuidadosamente ponderada a questão, de forma a não condicionar a decisão do o tribunal recorrido, antes deixando em aberto de forma expressa e inequívoca, a possibilidade de vir a apreciar todas as questões susceptíveis de serem equacionadas na avaliação da «existência de fundamento para determinar ou não a suspensão das deliberações atacadas», incluindo a questão da legitimidade activa decorrente do estatuto de sócio.
Ora, face ao que ficou dito, concluímos que a decisão recorrida não violou minimamente o caso julgado, improcedendo o recurso nesta parte.

3.3. As inconstitucionalidades invocadas
Alega o recorrente nas conclusões 19.ª e seguintes, que na sentença recorrida o tribunal a quo violou o princípio da tutela jurisdicional efectiva e cautelar (artigos 20.º/1 e 5 e art. 202.º/2 da CRP), corolário evidente do Estado-de-Direito, significando que a todos os cidadãos é garantido o acesso aos Tribunais para protecção dos seus direitos legitimamente titulados e para prevenção de condutas danosas imbuídas de antijuridicidade que os ameacem, sendo o procedimento cautelar dos arts. 396.º e ss do CPC uma projecção infra-constitucional desse princípio.
Mais alega que, quando se interprete o disposto no art. 396.º/1 do CPC no sentido em que não constitui justificação da qualidade de sócio a apresentação, pelo proprietário das acções, de documento certificativo da apreensão judicial e respectiva constituição de depósito legal (ex vi art. 150.º do CIRE), tal artigo é materialmente inconstitucional por violação do disposto nos arts. 1.º, 2.º, 20.º/1 e 5 e 202.º/2, todos da CRP.
Salvo o devido respeito, não podemos estar de acordo.
Desde logo, porque o ora recorrente continua a ter garantido o acesso aos tribunais, para decisão definitiva (recorde-se que esta é meramente cautelar e provisória), do conflito a que se reportam os autos.
Bastará, para ilustrar o argumento expendido, a referência à acção definitiva de impugnação da resolução em benefício da massa insolvente, que o ora recorrente intentou, e que corre termos no 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Posto de Mós, com o n.º 2577/05.5TBPMS-EG Tal acção encontra-se suspensa na sequência de um despacho proferido em 6.07.2009, como se conclui da certidão de fls. 478, desconhecendo-se os fundamentos de tal despacho..
Acresce que não se pode confundir o decaimento numa pretensão formulada perante um tribunal, com a negação do acesso à justiça.
O requerente (ora recorrente) viu garantido o acesso ao tribunal a quo e a este tribunal (já por duas vezes, só neste apenso), só que não logrou obter decisão favorável, face aos fundamentos de facto e de direito que amplamente se encontram documentados nos autos.
Para invocar a inconstitucionalidade da interpretação por parte do tribunal recorrido, do artigo 396.º do CPC, com o devido respeito, o recorrente parte de uma premissa errada que, irremediavelmente falseia a conclusão.
E tal premissa é a afirmação de, na sequência da resolução do negócio em benefício da massa insolvente, o administrador da insolvência passa a ser um mero depositário.
Ora, o administrador da insolvência, na sequência da resolução efectuada ao abrigo dos poderes que a lei lhe confere (artigos 120.º e seguintes do CIRE), não assume a qualidade de mero depositário (veja-se a imperatividade do n.º 1 do artigo 126.º do diploma legal citado), como expressamente se decidiu no acórdão deste tribunal, proferido no apenso EQ (processo n.º 2577/05.5TBPMS-EQ), em 3 de Março de 2009, transitado em julgado em 24 de Março de 2009 (cópia certificada junta aos autos a fls. 2669), que aqui se transcreve parcialmente:

«[…] Em primeiro lugar, ainda que o administrador da insolvência fique depositário dos bens apreendidos, regendo-se o depósito pelas normas gerais, e, em especial, pelas que disciplinam o depósito judicial de bens penhorados (art. 15º.º n.º 1 do CIRE), a verdade é que só há lugar ao recurso às regras especificas do depósito naquilo que não prejudique o regime particular da insolvência” (…).

Depois, porque uma coisa é a guarda das acções, outra o exercício dos direitos sociais correspondentes.

Sendo a participação social concebida como “posição jurídica unitária do sócio”, dela faz parte o chamado “direito de controlo”, como por exemplo, o direito de acção judicial, de natureza patrimonial. Pode concluir-se, contrariamente ao decidido, que a Massa Insolvente de J (…), representada pelo Administrador da Insolvência, está legitimada a exercer os direitos sociais sobre a sociedade C (…) S.A., nomeadamente o referente à destituição dos administradores (art. 403 n.º 3 do CSC) Sublinhado nosso.. […]».

Face ao exposto, improcede o recurso, também na parte em que são arguidas inconstitucionalidades.
Decorre de todo o exposto, a total improcedência do recurso, não merecendo censura a sentença recorrida.

III. Decisão
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente a apelação e, em consequência, em manter a sentença recorrida.
Custas do recurso pelo Apelante.
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Carlos Querido ( Relator )
Pedro Martins
Virgílio Mateus