Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2653/07.0TBAGD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JAIME FERREIRA
Descritores: INSOLVÊNCIA
PETIÇÃO INICIAL - CONTEÚDO
INDICAÇÃO DOS CINCO MAIORES CREDORES
Data do Acordão: 04/15/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE ÁGUEDA - 3º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Legislação Nacional: ARTºS 23º, NºS 1 E 2, ALS. B), C) E D), 25º E 29º DO CIRE
Sumário: I – Embora conste do artº 23º, nºs 1 e 2, al. b), do CIRE (aprovado pelo D.L. nº 53/2004, de 18/03, na redacção do D.L. nº 200/2004, de 18/08) que “… o pedido de declaração de insolvência é feito por meio de petição escrita, na qual são expostos os factos que integram os pressupostos de declaração requerida e se conclui pela formulação do corresponde pedido”, devendo o requerente, além do mais, “identificar os administradores do devedor e os seus cinco maiores credores, com exclusão do próprio requerente”, também desse preceito faz parte um nº 2 no qual se dispõe que “não sendo possível o requerente fazer as indicações e junções referidas no nº anterior, solicita que sejam prestadas pelo próprio devedor”.

II - E compreende-se que assim suceda, dado a grande dificuldade, por vezes, que um vulgar credor tem desses elementos. Cada credor, usualmente, sabe de si e do que mais lhe possa constar no mercado, mas nada em concreto ou com rigor acerca dos outros credores, para poder dar exacto cumprimento à citada disposição.

III - Ou, então, apenas poderá indicar uns quaisquer credores da Requerida, mesmo indicando-os como sendo os 5 maiores, apenas para cumprir a dita “formalidade legal”, sem que daí lhe possa advir algum prejuízo ou consequência processual, já que neste tipo de acções não há lugar à citação dos credores da Requerida nesta fase inicial do processo, como bem resulta do artº 29º do CIRE.

IV - Se o Requerente juntou documento comprovativo do registo comercial da Requerida, onde consta a identificação dos seus sócios e gerentes, informou os nomes dos ditos gerentes e indicou o único local que conhecia de domicílio dos ditos, nada mais lhe cumpria satisfazer, quando haja também solicitado o cumprimento do nº 2 do artº 23º do CIRE (que seja a devedora a indicar os seus 5 maiores credores) pelo devedor, nos termos do nº 3 deste mesmo preceito.

V -Na petição inicial, que não provenha do apresentante devedor, são facultativas as indicações a que alude o artº 23º, nº 2, als. b), c) e d), e a parte final do artº 25º/1, do CIRE.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:
I
No Tribunal Judicial da Comarca de Águeda, as sociedades “A...“ e “B...”, aquela com sede em Chousa Nova, Ílhavo, e a segunda com sede em Fornos de Cima, Calhandriz, Alverca, intentaram a presente acção declarativa com processo especial de insolvência contra a sociedade “C... “, com sede na Rua do Brejo, Brejo, Borralha, Águeda, pedindo que esta sociedade seja declarada em situação de insolvência.
II
Logo no início do processado foi proferido o despacho judicial de fls. 111, pelo qual se ordenou a notificação das Requerentes para, em 5 dias, improrrogáveis, identificarem os administradores da demandada e fornecerem os respectivos elementos identificativos, designadamente seus endereços, e também identificarem os 5 maiores credores conhecidos, sob pena de indeferimento da petição inicial, nos termos do artº 27º, nº 1, al. b), do CIRE.
III
Desse despacho foram notificadas as Requerentes, por ofício de 27/11/2007 (fls. 112),

Em 4/12/2007 as Requerentes fizeram juntar o seu requerimento de fls. 116, pelo qual identificam os actuais administradores da Requerida, com domicílio conhecido na sede da dita sociedade, e bem assim os 5 maiores credores da Requerida e deles conhecidos, em cujo elenco se fazem incluir a elas próprias.
IV
Foi então proferido o despacho judicial de fls. 118, pelo qual foi indeferido o pedido de declaração de insolvência, ao abrigo do artº 27º, nº 1, al. b), do CIRE.
V
Desse despacho interpuseram recurso as sociedades Requerentes, recurso que foi admitido como agravo, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito devolutivo.

Nas alegações apresentadas pelas Agravantes, foram apresentadas as seguintes conclusões:
1ª – Uma vez que as Agravantes, ao abrigo do artº 23º, nº 3, do CIRE, requereram, na petição inicial, que fosse a Requerida a prestar as informações previstas no artº 23º, nº 2, do CIRE, não deveria ter sido proferido despacho de aperfeiçoamento, nos termos do artº 27º, nº 1, al. b), do CIRE.
2ª – Porém, as Requerentes responderam ao despacho indicando, na sua óptica, quais os 5 maiores credores da Requerida, e só por mero lapso se indicaram como sendo dois desses 5 maiores credores.
3ª – Pelo que não deveria ter sido proferido despacho de indeferimento do pedido de insolvência.
4ª – Termos em que deve ser revogado o despacho recorrido.
VI
Contra-alegou o Digno Agente do Ministério Público junto do Tribunal recorrido, onde defende que se deve manter o despacho recorrido e dever ser negado provimento ao presente recurso.
VII
Ainda foi proferido despacho de sustentação em 1ª instância, posto que os autos foram remetidos a esta Relação, onde o recurso foi aceite e tal como foi admitido em 1ª instância, onde foram dispensados os “vistos”, ao abrigo do artº 707º, nº 2, do CPC.
Nada obsta a que se conheça do seu objecto, o qual apenas se traduz na reapreciação do despacho recorrido, nos termos supra expostos.

Para tal apreciação há que ter presente que as Requerentes alegaram na petição inicial, além do mais, que sabem que a Requerida tem dívidas de mais de € 170.000,00 , e só para mencionarem as dívidas a fornecedores que são do conhecimento daquelas, além de que está ao abandono a sede social e o estabelecimento da Requerida.
Que a Requerida se encontra em situação de insolvência, o que se pretende seja declarado.
E que não dispondo as Requerentes dos elementos referidos no nº 2 do artº 23º do CIRE, “designadamente o conhecimento dos 5 maiores credores da Requerida”, deverão tais elementos ser prestados por esta, para o que requereram não só a citação da Requerida, mas também a sua notificação para indicar os elementos referidos no nº 2 do artº 23º do CIRE, e se existe ou não comissão de trabalhadores.
Também foi junto pelas Requerentes, com a referida petição, documento comprovativo do registo comercial da Requerida, conforme fls. 14 a 16.

Em cumprimento do despacho de aperfeiçoamento proferido, pelas Requerentes foram indicados quais os actuais administradores (ou gerentes) da Requerida, com único domicílio conhecido na sede da desta, e quanto aos 5 maiores credores da Requerida por elas conhecidos, fizeram neles incluir-se a si mesmas, conforme já antes se referiu, mas dizendo que “para além dos supra referidos credores existirão seguramente outros, com créditos de valores superiores e inferiores, mas que as Requerentes desconhecem”.
Será que tal atitude das Requerentes justifica o indeferimento liminar de que resulta o presente recurso?
Com o devido respeito pelo entendimento recorrido, afigura-se que não deve assim ser, já que embora conste do artº 23º, nºs 1 e 2, al. b), do CIRE (aprovado pelo D.L. nº 53/2004, de 18/03, na redacção do D.L.nº 200/2004, de 18/08) que “… o pedido de declaração de insolvência é feito por meio de petição escrita, na qual são expostos os factos que integram os pressupostos de declaração requerida e se conclui pela formulação do corresponde pedido”, devendo o requerente, além do mais, “identificar os administradores do devedor e os seus cinco maiores credores, com exclusão do próprio requerente”, também desse preceito faz parte um nº 2 no qual se dispõe que “não sendo possível as requerente fazer as indicações e junções referidas no nº anterior, solicita que sejam prestadas pelo próprio devedor”.
E foi o que as Requerentes fizeram no presente processo, como já antes demos conta.
E compreende-se que assim suceda, dado a grande dificuldade, por vezes, que um vulgar credor tem desses elementos, podendo até dar-se conta que do documento de registo junto de fls. 14 a 16, apenas constam a identificação da sociedade (a aqui Requerida), sua sede, capital social, sócios e gerentes, mas nada consta quanto aos endereços destes.
E quanto à identificação dos cinco maiores credores de uma sociedade, em vias de insolvência, também será difícil que algum credor conheça os ditos ou deva conhecê-los!
Cada credor, usualmente, sabe de si e do que mais lhe possa constar no mercado, mas nada em concreto ou com rigor acerca dos outros credores, para poder dar exacto cumprimento à citada disposição.
Ou, então, apenas poderá indicar uns quaisquer credores da Requerida, mesmo indicando-os como sendo os 5 maiores, apenas para cumprir a dita “formalidade legal”, sem que daí lhe possa advir algum prejuízo ou consequência processual, já que neste tipo de acções não há lugar à citação dos credores da Requerida nesta fase inicial do processo, como bem resulta do artº 29º do CIRE.
Veja-se, neste sentido, o relatório preliminar do Dec.Lei nº 53/2004, nos seus pontos nºs 15 (onde se refere que no plano da tramitação do processo já instaurado, a celeridade é potenciada por inúmeros factores, designadamente com a supressão da duplicação de chamamento de credores ao processo, existindo agora uma única fase de citação de credores com vista à reclamação dos respectivos créditos, a ocorrer apenas após a sentença de declaração de falência) e 28 (onde se diz que nos casos de serem os credores a requerer a declaração insolvência do devedor, tem lugar a citação do devedor, para que deduza a competente oposição…, não havendo lugar, portanto, a qualquer citação dos demais credores, ou a continuação com vista ao M.º P.º, nesta fase).
No mesmo sentido pode ver-se, também, Salazar Casanova, in “Temas Jurídicos e Judiciários – Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas”, Boletim da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, IVª série, nº 4, de Outubro de 2004, pgs. 17 e segs., onde escreve: «A celeridade da nova legislação manifesta-se, …, quanto à tramitação do processo, …, pela supressão da duplicação de chamamento de credores ao processo. Há uma fase apenas de citação dos credores com vista à reclamação dos respectivos créditos a ocorrer apenas após a sentença de declaração de insolvência; só o devedor é citado para se opor ao pedido de declaração de insolvência (artº 29º, nº 1) sem prejuízo da possibilidade de também os credores e outros interessados impugnarem a sentença que defira o pedido» - pg. 19.
Ainda nesta mesma comunicação antes citada, a pg. 23, pode ler-se o seguinte, com relevância para o presente caso: «o juiz não fica vinculado pelo despacho de aperfeiçoamento: assim, se o juiz verificar que não havia razão para proferir tal despacho, manda citar (artº 29º/1)».
Mas note-se que as Requerentes, no presente processo, até foram mais além, pois que no ponto 14 da petição até indicaram 12 outros credores da Requerida, indicando apenas o montante do crédito de um deles, que era o único alegadamente seu conhecido.
Sendo assim, como é, atendendo que as Requerentes juntaram documento comprovativo do registo comercial da Requerida, onde consta a identificação dos seus sócios e gerentes, e que deram cumprimento ao despacho inicialmente proferido a confirmar esses dois nomes de gerentes e a indicar o único local que elas conheciam de domicílio dos ditos, nada mais lhes cumpria satisfazer, já que haviam solicitado o cumprimento do nº 2 do artº 23º do CIRE (que seja a devedora a indicar os seus 5 maiores credores) pelo devedor, nos termos do nº 3 deste mesmo preceito.
E é o devedor que depois deverá dar cumprimento ao disposto no artº 24º do CIRE, designadamente juntar uma relação por ordem alfabética de todos os credores, com indicação dos respectivos domicílios, dos montantes dos seus créditos, datas de vencimento…, conforme resulta do disposto no artº 29º, nº2, do CIRE. (no acto de citação é o devedor advertido da cominação prevista no nº 5 do artº 30º e de que os documentos referidos no nº1 do artº 24º devem estar prontos para imediata entrega ao administrador da insolvência na eventualidade de a insolvência ser declarada).
Caso o devedor deduza oposição ao pedido de declaração de insolvência, deve juntar, com a dita, sob pena de não recebimento, lista dos seus cinco maiores credores, com exclusão do requerente, com indicação dos respectivos domicílios – artº 30º, nº 2.
Ainda de Salazar Casanova, loc. cit., pg. 23, pode aí ler-se o seguinte: «quanto à petição inicial que não provenha do apresentante devedor, são já facultativas as indicações a que alude o artº 23º, nº 2, als. b), c) e d), e a parte final do artº 25º/1; parece-nos aceitável afastar-se uma interpretação rigorista que seria a de, não juntando o requerente documentos apesar do convite do tribunal e nada dizendo, logo indeferir o tribunal liminarmente a petição por não ter sido declarado pelo requerente que não lhe é possível efectuar a sua junção (artº 23º/3); numa interpretação menos rigorista, nada sendo dito, o tribunal, se o pedido estiver justificado nos termos da primeira parte do nº 1 do artº 25º, deve mandar citar o devedor que será advertido nos termos indicados no artº 29º/2 e de que deve prestar as indicações e efectuar as junções referidas no artº 23º/2».
Face ao que, com o devido respeito, não estamos, neste processo, perante um qualquer caso de eventual necessidade de correcção de vícios da petição, enquadrável na precisão da al. b) do nº 1, do artº 27º, do CIRE, mas a admitir-se que assim pudesse suceder, como de facto foi referido no despacho inicial (não o recorrido), as Requerentes deram cabal cumprimento e em prazo, ao dito despacho, uma vez que oportunamente identificaram os gerentes da Requerida e quanto aos cinco maiores credores da Requerida, além de terem antes requerido que fosse a devedora a dar essa informação, como é legítimo que fizessem, ainda vieram indicar os credores cujos montantes dos créditos conheciam, mais não estando ao seu alcance cumprir.
Pelo que importa concluir pela necessidade da revogação do despacho recorrido, devendo os autos prosseguir os seus regulares termos, no que deverá ser tido em conta que existe outra acção de insolvência proposta contra a aqui Recorrida e no Tribunal a quo, conforme se dá conta nos autos, além de que se verifica que a Requerida já foi citada para os termos desta demanda, conforme fls. 126, 2ª parte, 132, 149 e 152, havendo que notificar agora a Requerida para o início do prazo de oposição.
VIII
Decisão:
Face ao exposto, acorda-se em conceder provimento ao presente recurso de agravo, revogando-se o despacho de fls.118, devendo os autos prosseguir os seus regulares termos, no que deverá ser tido em conta que existe outra acção de insolvência proposta contra a aqui Recorrida e no Tribunal a quo, conforme se dá conta nos autos, além de que se verifica que a Requerida já foi citada para os termos desta demanda, conforme fls. 126, 2ª parte, 132, 149 e 152, havendo que notificar a Requerida para o início do prazo de oposição.
Custas do presente recurso a cargo da massa insolvente caso venha a ser decretada a insolvente, nos termos do artº 304º do CIRE.
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Tribunal da Relação de Coimbra, em / /