Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3033/19.0T8VIS-C.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA CATARINA GONÇALVES
Descritores: PROVIDÊNCIA CAUTELAR
PROCESSO DE EXECUÇÃO
SANÇÃO PECUNIÁRIA COMPULSÓRIA
OBRIGAÇÃO DE PRESTAÇÃO DE FACTO FUNGÍVEL
OBRIGAÇÃO DE PRESTAÇÃO DE FACTO INFUNGÍVEL
Data do Acordão: 09/22/2021
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE VISEU DO TRIBUNAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 365.º E 868.º DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
ARTIGO 829º-A DO CÓDIGO CIVIL
Sumário: I) O pedido de fixação de sanção pecuniária compulsória não tem que ser formulado, exclusiva e obrigatoriamente, no âmbito de acção declarativa, podendo sê-lo no âmbito de acção executiva ou no âmbito de procedimento cautelar.
II) Apesar do referido em I), aquela sanção apenas será admissível em relação a obrigações de prestação de facto infungível (positivo ou negativo).
Decisão Texto Integral:




Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra:

I.

A… Ld.ª, melhor identificada nos autos, instaurou processo de execução contra a Assembleia de Compartes dos Baldios de B… com fundamento na decisão proferida nos autos de procedimento cautelar comum onde se decidiu – com inversão do contencioso – decretar a providência requerida, determinando que a Requerida, em 10 dias e a expensas suas, procedesse à demolição controlada do maciço rochoso em perigo com cerca de 6 metros de raio, no qual se encontra implementado o marco que sinaliza as estremas das freguesias de C… e B…, contratando para o efeito entidade credenciada.

Invocando a fungibilidade da prestação de facto em causa, a Exequente requereu a sua execução por outrem e a nomeação de perito para avaliar o custo da prestação (demolição do maciço rochoso e transporte do escombro até local a indicar pela Executada)

Requereu ainda que, nos termos do art. 868.º, n.º 1 do CPC, a Executada fosse condenada no pagamento de uma sanção pecuniária compulsória de montante nunca inferior a 500,00€/dia contados desde a sua citação até ao fim dos trabalhos de remoção do escombro resultante do maciço a demolir.

Pediu ainda que a Executada fosse condenada em justa e condizente indemnização moratória, nos termos do art. 868.º, n.º 1 do CPC, a liquidar em sede e momento próprios, nos termos do art. 871.º, n.º 2 do CPC.

Os autos seguiram a respectiva tramitação e, na parte que releva para o presente recurso, veio a ser proferido – em 23/01/2021 – o despacho com o seguinte teor:

Relativamente à requerida fixação de sanção pecuniária compulsória, importa ter presente que, conjugando o disposto nos artigos 868º, n.º 1, 2.ª parte, e 874º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil, retira-se que, no âmbito do processo executivo para prestação de facto, se alguém estiver obrigado a prestar um facto em prazo certo e não cumprir ou quando o prazo para a prestação não esteja determinado no título executivo, o credor pode requerer a prestação por outrem, a fixação judicial do prazo para cumprimento da prestação, se o facto for fungível, bem como a indemnização moratória a que tenha direito, ou a indemnização do dano sofrido com a não realização da prestação.

Mas quando se trate de uma prestação de facto infungível, pode, ainda, o credor requerer o pagamento da quantia devida a título de sanção pecuniária compulsória, em que o devedor tenha sido já condenado ou cuja fixação o credor pretenda obter no processo executivo, isto é, este tipo de sanção apenas pode ter lugar em caso neste tipo de prestação.

Assim, apenas quando se trate de prestação de facto infungível e em que, nos termos do artigo 829.º-A, do Código Civil, haja sido estabelecida sanção pecuniária compulsória, pode o exequente cumular com o pedido de indemnização compensatória o de obtenção da quantia eventualmente devida a título de sanção compulsória, ou, quando não haja sido estabelecida esse tipo de sanção na acção declarativa, pode o exequente obter, no âmbito da própria execução por facto positivo, a condenação do executado em sanção pecuniária compulsória, sempre que se verifiquem os pressupostos estabelecidos no supra referido preceito legal. Neste sentido, Lopes do Rego, Comentários ao C.P.C., vol. II, p. 162.

Ora, no caso dos presentes autos, não sendo a prestação de facto infungível – considerando que os trabalhos podem ser realizados por terceiro – como a própria exequente reconhece, ao declarar que pretende a prestação de facto por outrem ou por si, por inadmissibilidade legal indefiro a requeria fixação de sanção pecuniária compulsória”.

Inconformada com essa decisão, a Exequente veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:

(…)


/////

II.

Questão a apreciar:

Atendendo às conclusões das alegações da Recorrente – pelas quais se define o objecto e delimita o âmbito do recurso – a questão a apreciar e decidir consiste, no essencial, em saber se estão (ou não) reunidos os pressupostos necessários para admitir o pedido de fixação de sanção pecuniária compulsória que foi requerido pela Exequente/Recorrente, impondo-se saber, mais concretamente, se tal sanção é admissível relativamente a uma obrigação de prestação de facto fungível como a que está em causa no âmbito da presente execução.


/////

III.

Antes de entrar na apreciação do objecto do recurso, importa tecer algumas considerações a propósito de questões suscitadas pela Recorrida e que, no seu entender, conduziriam à não apreciação do recurso.

Diz a Recorrida que as conclusões das alegações da Recorrente “…são uma versão, nem sequer abreviada, das alegações, têm similar estrutura, não só gráfica como de fundamentação dessas alegações, e são argumentativas e não conclusivas (ou seja, são realmente uma reprodução das alegações, só que "um pouco" mais sucintas)”, sustentando que essa situação, desrespeitando o disposto no art. 639.º do CPC, configura nulidade processual que impede a apreciação do recurso.

Salvo o devido respeito, não tem razão.

É certo que, nos termos do n.º 1 do art. 639.º do CPC, as alegações devem conter conclusões por via das quais se procede à indicação, de forma sintética, dos fundamentos do recurso, devendo as mesmas conter as especificações constantes do n.º 2. As conclusões consistem, portanto, na enunciação, em forma abreviada, dos fundamentos ou razões jurídicas com que se pretende obter o provimento do recurso[1]. Tal como refere Pais de Amaral[2], “…são proposições sintéticas que emanam do que se expôs e considerou ao longo da alegação”; devendo traduzir a síntese do que se desenvolveu no texto da alegação, as conclusões “…não podem limitar-se a meras repetições formais dos argumentos. Devem constituir uma resenha clara que proporcione ao tribunal superior uma boa compreensão do objecto do recurso”.

Não nos parece, no entanto, que as conclusões das alegações da Recorrente sofrem de vício relevante que seja susceptível de afectar a exacta percepção das questões suscitadas e dos concretos fundamentos do recurso.

Além do mais, ainda que tais conclusões padecessem do vício que lhe é apontado, isso não determinaria qualquer nulidade ou a imediata rejeição do recurso, implicando apenas o convite ao recorrente no sentido de aperfeiçoar as suas alegações, conforme dispõe o n.º 3 do citado art. 639.º e conforme vem sendo entendido pelo STJ[3], sendo certo, no entanto, que, conforme se disse, as conclusões não padecem de vício relevante que seja susceptível de prejudicar a clara e exacta percepção do objecto do recurso e que, como tal, possa justificar a formulação de convite à Recorrente no sentido de aperfeiçoar tais conclusões.

Diz também a Recorrida que a Recorrente abordou diversas questões nas suas alegações de recurso que não se encontram relacionadas com a teor da douta decisão recorrida, ou seja, com a decisão de indeferimento da fixação da sanção pecuniária compulsória, o que, na sua perspectiva, também constitui nulidade nos termos do art. 195.º do CPC.

Pensamos não ter razão.

Refira-se que a Recorrida nem sequer identifica as questões que teriam sido abordadas pela Recorrente e que não se relacionam com o teor da decisão recorrida.

Na verdade, a questão suscitada no recurso é apenas uma e corresponde àquela que foi apreciada e decidida na decisão recorrida: o indeferimento da fixação de sanção pecuniária compulsória. O mais que se pode dizer é que a Recorrente invocou fundamentos/argumentos que não foram abordados na decisão recorrida, sendo certo, no entanto, que não estava impedida de o fazer já que tem o direito de invocar todos os argumentos que entenda serem úteis ou relevantes no sentido de contrariar a decisão recorrida e obter a sua revogação ou alteração. Na verdade, a Recorrente limitou-se a expor os argumentos que, na sua perspectiva, eram relevantes para concluir pela admissibilidade e pelo deferimento da sanção pecuniária compulsória que havia pedido; tais argumentos podem ser (ou não) relevantes para a decisão, mas isso é questão que já se prende com a apreciação do mérito do recurso e que não tem qualquer influência na sua admissibilidade.

Assim e porque a tal nada obsta, apreciemos então a questão que constitui o objecto do recurso.

A decisão recorrida indeferiu a pretensão que a Exequente havia formulado no requerimento executivo no sentido de ser fixada uma sanção pecuniária compulsória, argumentando que tal sanção apenas tem lugar relativamente a prestações de facto infungíveis e que não era esse o caso da prestação em causa nos autos (que é uma prestação de facto fungível).

A Exequente, em desacordo com essa decisão, vem interpor o presente recurso, fazendo alusão aos prejuízos que sofre por via do incumprimento reiterado da prestação por parte da Executada e ao risco que esse incumprimento representa para a integridade física das pessoas que se encontram ou que se deslocam à pedreira da Recorrente e sustentando a admissibilidade da sanção pecuniária compulsória no âmbito do processo de execução (não obstante estar em causa uma prestação de facto fungível) nos termos do disposto nos arts. 868.º, n.º 1 e 365.º, n.º 2, do CPC. Argumenta que, nos termos desta última disposição legal, o legislador pretendeu que fosse possível a condenação em sanção pecuniária compulsória em todas as providências cautelares decretadas (como é o caso dos autos, já que o título executivo corresponde à decisão que decretou uma providência cautelar) e que o regime do art. 829.º–A do Código Civil só será aplicado a título subsidiário e em tudo o que não contenda ou colida com o disposto no art. 365.º, n.º 2 do CPC. Com efeito – diz – a sanção pecuniária compulsória visa garantir o respeito pelas decisões emanadas por um órgão de soberania, reforçar a autoridade e o prestígio dos Tribunais e potenciar a celeridade e eficácia da justiça e será sempre admissível quando – como aqui acontece – a providência cautelar pretende evitar a lesão de direitos de personalidade (direito à vida, direito à integridade física, direito ao bom nome, direito à livre iniciativa e liberdade, etc.), pelo que, neste tipo de casos, é sempre admissível o recurso à sanção pecuniária compulsória.

Salvo o devido respeito, não assiste razão à Recorrente.

Vejamos.

A admissibilidade do pedido de fixação de sanção pecuniária compulsória no âmbito do processo executivo (sem necessidade, portanto, de título executivo prévio obtido por via de sentença proferida em acção declarativa) vem prevista no art. 868º, nº 1, do CPC, onde se dispõe que “Se alguém estiver obrigado a prestar um facto em prazo certo e não cumprir, o credor pode requerer a prestação por outrem, se o facto for fungível, bem como a indemnização moratória a que tenha direito, ou a indemnização do dano sofrido com a não realização da prestação; pode também o credor requerer o pagamento da quantia devida a título de sanção pecuniária compulsória, em que o devedor tenha sido já condenado ou cuja fixação o credor pretenda obter no processo executivo”. A admissibilidade desse pedido no âmbito da acção executiva resulta também do disposto nos arts. 874º e 876º, nº 1, al. c), do mesmo diploma legal.

Importa notar, no entanto, que essas disposições legais não regulamentam, em termos substantivos, as situações e os termos em que tal sanção é devida. Nem era essa a pretensão do legislador.

Na verdade, essas disposições – de natureza processual – apenas pretenderam clarificar e tornar expresso que a sanção pecuniária compulsória pode ser requerida no processo de execução (e não obrigatória e necessariamente no âmbito de uma acção declarativa). Tais disposições não se destinam, no entanto, a regulamentar, em termos substantivos, as situações e os termos em que tal sanção é devida; esta é questão que está prevista e regulamentada na lei civil e, mais concretamente, no art. 829º-A do CC.

Significa isso, portanto, que a sanção pecuniária compulsória poderá ser requerida no processo executivo (ainda que não conste do título), mas ela apenas será concedida ou fixada nos casos em que ela seja devida, ou seja, nos casos previstos no citado art. 829º-A do CC (já que é esta a norma que regula as situações e os termos em que há lugar à fixação dessa sanção).

Ora, como resulta do disposto no n.º 1 do citado art. 829º-A apenas pode haver lugar à aplicação de uma sanção pecuniária compulsória relativamente às obrigações de prestação de facto infungível, positivo ou negativo, o mesmo não acontecendo relativamente às obrigações de facto fungível.

E compreende-se que assim seja.

Com efeito, é no domínio das obrigações de facto infungível que a aludida sanção se assume como relevante, forçando o devedor a cumprir uma obrigação que, dado o seu carácter infungível, só por ele pode ser cumprida; nas obrigações fungíveis, o facto pode ser prestado por outrem e, nessa medida, o credor tem meios de obter a satisfação do seu crédito sem a efectiva colaboração do devedor e, portanto, sem a necessidade de recorrer à aludida sanção que, como se referiu, visa, sobretudo, forçar o devedor a cumprir a obrigação.

A limitação do campo de aplicação dessa sanção às obrigações de prestação de facto (positivo ou negativo) infungível resulta, aliás, com toda a clareza do preâmbulo do diploma que a instituiu no nosso sistema jurídico – o Dec. Lei n.º 262/83, de 16/06 – onde se diz o seguinte:

Autêntica inovação, entre nós, constituem as sanções compulsórias reguladas no artigo 829.º-A. Inspira-se a do n.º 1 desse preceito no modelo francês das astreintes, sem todavia menosprezar alguns contributos de outras ordens jurídicas; ficando-se pela coerção patrimonial, evitou-se contudo atribuir-se-lhe um carácter de coerção pessoal (prisão) que poderia ser discutível face às garantias constitucionais.

A sanção pecuniária compulsória visa, em suma, uma dupla finalidade de moralidade e de eficácia, pois com ela se reforça a soberania dos tribunais, o respeito pelas suas decisões e o prestígio da justiça, enquanto por outro lado se favorece a execução específica das obrigações de prestação de facto ou de abstenção infungíveis” (sublinhado e negrito nossos).

É indiscutível, portanto, que, nos termos previstos na lei civil – o citado art. 829.º-A do CC –, a sanção pecuniária compulsória só é admissível quando estão em causa prestações de facto infungível (positivo ou negativo).

 

A Recorrente apoia-se ainda no disposto no art. 365.º, n.º 2, do CPC, argumentando que, nos termos desse preceito, a sanção pecuniária compulsória é sempre admissível – independentemente do tipo e natureza da prestação em causa – relativamente a obrigações inseridas no âmbito de providências cautelares que tenham sido decretadas (como é aqui o caso, já que o título executivo corresponde precisamente a decisão que, com inversão do contencioso, decretou uma providência cautelar).

Mais uma vez, não lhe assiste razão.

A norma citada dispõe nos seguintes termos: “É sempre admissível a fixação, nos termos da lei civil, da sanção pecuniária compulsória que se mostre adequada a assegurar a efetividade da providência decretada”.

Não obstante seja certo que o advérbio “sempre” – ali utilizado – pode suscitar algumas dúvidas, importa reter que ali se alude à admissibilidade da fixação daquela sanção nos termos da lei civil e tal não poderá deixar de significar que é de acordo com a lei civil que deverá ser determinada a admissibilidade e os termos da fixação dessa sanção. Ou seja, a disposição citada – de natureza processual – apenas pretendeu admitir, em termos processuais, a formulação desse pedido no âmbito de procedimentos cautelares (visando, portanto, evitar obstáculos de natureza processual que pudessem ser colocados a tal pretensão), mas remeteu para a lei civil a regulação dos termos em que tal sanção é devida e fixada. E, para esse efeito, a lei civil é, naturalmente, o citado art. 829.º-A do CC – pois é esse o preceito que regula a aplicação dessa sanção – do qual resulta, conforme dissemos, que tal sanção apenas tem lugar quando estejam em causa prestações de facto infungíveis.

Nesse sentido se pronunciam Abrantes Geraldes[4] e José Lebre de Freitas[5].

No mesmo sentido, afirma Calvão da Silva (citando no mesmo sentido Teixeira de Sousa, Capelo de Sousa e Lopes do Rego) o seguinte em relação ao disposto no artigo 384.º, n.º 2, do anterior CPC (que corresponde ao art. 365.º, n.º 2, do actual CPC)[6]: “…a sanção pecuniária compulsória cautelar por cada violação sucessiva à providência inibitória ou por cada dia de atraso na observância da providência se aplica nos termos da lei civil, leia-se, nos termos do art. 829.º-A – logo, apenas a pedido do requerente e só para obrigações de facto infungível. Outra solução não pode decorrer da instrumentalidade do Processo Civil em relação ao Direito Civil: a prevalência do Direito substantivo sobre o Direito adjectivo, traduzida na remissão do n.º 2 do art. 384.º do Código de Processo para o art. 829.º-A do Código Civil”.

Os citados artigos 868.º, n.º 1 e 365.º, n.º 2, do CPC correspondem, portanto, a disposições de cariz processual de onde resulta que o pedido de fixação de sanção pecuniária compulsória não tem que ser formulado, exclusiva e obrigatoriamente, no âmbito de acção declarativa, podendo sê-lo no âmbito de acção executiva ou no âmbito de procedimento cautelar. Mas o regime substantivo dessa sanção – as situações em que é admissível e os termos em que pode ser concedida – está previsto na lei civil e, mais especificamente, no art. 829-A do CC e nos termos do n.º 1 desse preceito aquela sanção apenas será admissível em relação a obrigações de prestação de facto infungível (positivo ou negativo), não sendo aplicável a outras obrigações.

Assim, em termos processuais, nada obstava a que a Exequente formulasse tal pedido no âmbito da presente execução, tal como nada obstava a que o tivesse pedido no âmbito do procedimento cautelar onde foi proferida a decisão em que fundamenta esta execução. Tal sanção só poderia, no entanto, ser fixada se estivessem reunidos os pressupostos – fixados no n.º 1 do art. 829.º-A do CC – de que dependia a sua admissibilidade, ou seja, se a prestação em causa (resultante da providência decretada e reclamada na presente execução) correspondesse a uma prestação de facto infungível (positivo ou negativo).

Ora, a obrigação em causa nos presentes autos tem como conteúdo a demolição de determinado maciço rochoso, configurando-se, portanto, como uma obrigação de prestação de facto fungível e tanto é assim que a Exequente pediu a prestação do facto por outrem, o que, evidentemente, não poderia fazer caso estivesse em causa uma prestação de facto infungível.

Daí que não seja devida e não haja lugar à fixação de qualquer sanção pecuniária compulsória.

 Tão pouco conseguimos entender a posição da Recorrente quando alude ao disposto no art. 70.º do CC para fundamentar a admissibilidade da sanção pecuniária compulsória e quando alude a uma unanimidade esclarecedora na doutrina e na jurisprudência no que respeita à total legalidade do recurso ao regime da sanção pecuniária compulsória, no âmbito da tutela de direitos de personalidade, com o fito de forçar os requeridos de providências cautelares ao cumprimento das mesmas.

Com efeito, o citado art. 70.º nada dispõe a propósito da admissibilidade (ou não) da sanção pecuniária compulsória; as condições de aplicabilidade dessa sanção são previstas – conforme se referiu – no art. 829.º-A do CC e, portanto, ainda que, como diz a Recorrente, a tutela cautelar dos direitos de personalidade corresponda a um campo de aplicação por excelência da figura da sanção pecuniária compulsória, tal só acontecerá quando essa tutela envolve uma obrigação de prestação de facto infungível (positivo ou negativo) nos termos previstos no n.º 1 do citado art. 829.º-A. 

É evidente, por outro lado, a inexistência da “unanimidade esclarecedora na doutrina e na jurisprudência” – a que alude a Recorrente – no sentido da admissibilidade da sanção pecuniária compulsória relativamente a quaisquer prestações que não sejam prestações de facto infungível. A unanimidade existente vai precisamente no sentido contrário.

Além dos autores a que já fizemos referência, também Pedro de Albuquerque – na obra citada pela Recorrente[7] - diz que a aludida sanção só pode operar em obrigações de prestação de facto infungível. Não dizendo em momento algum (ao contrário do que pretende a Recorrente) que tal sanção seja aplicável a outro tipo de prestações, diz expressamente (cfr. pág. 9022) a propósito do art. 342.º/2 do CPC (correspondente ao art. 365.º/2 do actual CPC) que “Ao remeter para a lei civil, o Código de Processo Civil garante, desde logo, que a sanção pecuniária compulsória deve ser decretada nos termos do artigo 829.º- A do Código Civil”, o que significa, evidentemente, que ela só poderá operar relativamente a prestações de facto infungível.

O mesmo acontece com Tiago Soares da Fonseca (também citado pela Recorrente)[8] que também não diz, em momento algum, que a sanção pecuniária compulsória possa ser aplicada fora das situações previstas no n.º 1 do art. 829.º-A do CC, ou seja, relativamente a obrigações que não envolvam uma prestação de facto infungível.

Em face de tudo o exposto e sem necessidades de mais considerações, improcede o recurso e confirma-se a decisão recorrida.


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(…)


IV.
Pelo exposto, nega-se provimento ao presente recurso e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.
Custas a cargo da Apelante.
Notifique.

                              Coimbra,

                                             (Maria Catarina Gonçalves)

                                                  (Maria João Areias)

                                                     (Helena Melo)                    


[1] Cfr. Abílio Neto, Código de Processo Civil Anotado, 20ª ed., pág. 1004.
[2] Direito Processual Civil, 7ª ed., pág. 429.
[3] Neste sentido os Acórdãos do STJ de 19/12/2018 (processo nº 10776/15.5T8PRT.P1.S1), 27/11/2018 (processo nº 28107/15.2T8LSB.L1.S1), STJ 13/07/2017 (processo nº 6322/11.8TBLRA-A.C2.S1), 25/05/2017 (processo nº 2647/15.1T8CSC.L1.S1) e 09/07/2015 (818/07.3TBAMD.L1.S1), todos disponíveis em http://www.dgsi.pt.
[4] Temas da Reforma do Processo Civil, III Volume, 4.ª edição revista e actualizada, pág. 182
[5] Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2.º, 2.ª edição, pág. 22.
[6] Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 134.º, pág. 62.
[7] O direito ao cumprimento de prestação de facto, o dever de a cumprir e o princípio nemo ad factum cogi potest. Providência cautelar, sanção pecuniária compulsória e caução disponível em http://www.cidp.pt/revistas/ridb/2013/09/2013_09_08981_09041.pdf).
[8] Da tutela judicial civil dos direitos de personalidade, Revista da Ordem dos Advogados, Ano 66, I.