Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
667/06.6YRCBR
Nº Convencional: JTRC
Relator: VIRGÍLIO MATEUS
Descritores: EXECUÇÃO PARA PRESTAÇÃO DE FACTO
LIQUIDAÇÃO EM EXECUÇÃO DE SENTENÇA
INDEMNIZAÇÃO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
HONORÁRIOS
Data do Acordão: 10/10/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: VARA MISTA DE COIMBRA - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 934º DO CPC, 496º E 566º Nº 2 DO CC
Sumário: 1. O dano a indemnizar é o que necessariamente decorreu da não transferência da propriedade do sótão para o nome dos exequentes, ao nível da plena disponibilidade (e não apenas do mero gozo) dos bens.

2. Na indemnização em dinheiro para o cálculo do dano deve atender-se à medida da diferença nos termos do art.566º nº2 do CC: diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal (situação real), e a que teria nessa data se não existissem danos (situação hipotética). Portanto, com o incumprimento da obrigação assumida pela executada, a diferença atendível, para efeitos de indemnização pecuniária compensatória do dano sofrido com a não realização da prestação, está entre a actual situação patrimonial real dos exequentes como titulares de uma quota de compropriedade sobre o sótão (parte comum) e a sua actual situação patrimonial hipotética como proprietários singulares do mesmo sótão.

3. Por mais elevado que seja o montante da indemnização ele tem sempre como causa a responsabilidade civil “pelo dano sofrido com a não realização da prestação”, sendo descabido ver-se nela um verdadeiro enriquecimento sem causa.

Decisão Texto Integral: ACORDAM O SEGUINTE NESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO:
Apelação 667/06 na Exec. Sum. nº 26/A/97 (Vara mista Coimbra)

I – RELATÓRIO:

A... e mulher, B... , intentaram aos 23-10-2000 contra C... , por apenso à acção ord. 26/97 em que eram reconvintes, a presente execução (da sentença homologatória da transacção ali celebrada),para prestação de facto, alegando que a executada não cumpriu a obrigação a que como reconvinda se vinculara na transacção, ou seja, obrigou-se “...no prazo de 1 ano, a contar de hoje (21-6-1999), a rectificar a escritura de constituição da propriedade horizontal e a rectificar igualmente a escritura de compra e venda da fracção autónoma referida no ponto 1.5 dos factos assentes (fl 96), por forma a integrar o sótão nessa referida fracção”. Concluíram pedindo a citação da executada para deduzir oposição e que, por os exequentes pretenderem a indemnização compensatória do dano sofrido, se seguissem os demais termos do art. 931º ex vi art. 934º do CPC.

A executada foi citada e deduziu embargos que improcederam.

Aos 9-3-2001, os exequentes vieram liquidar o valor total do dano sofrido com a não realização da prestação em 9 177 932$00 mais os juros legais desde essa data, nomearam bens à penhora e ofereceram os meios de prova. Para aquela quantia líquida indicaram as seguintes parcelas e alegaram:

-- À data da perícia (fl. 114) de Abril/98, a propriedade do sótão, se integrado na fracção autónoma para habitação, valia 6000 contos (80 m2 x 75 contos), mas, passados 3 anos, tem o valor de mercado de 7 500 contos. Ou seja: o conjunto do 4º andar e sótão valeria em termos comerciais mais 7.500.000$00 do que vale a fracção sem o sótão integrado nela;

-- Convencidos de que a executada cumpriria a sua obrigação e que o sótão viria a ser integrado no seu 4º andar conforme o acordado na transacção, os exequentes efectuaram obras no sótão no valor de Esc.1.427.932$00 (doc. nº 1 e outros);

-- Em resultado do incumprimento, os exequentes tiveram de contactar o seu advogado para instauração da execução e terão gastos com honorários, contrariedades, perdas de tempo, tristeza, cuja indemnização computam no montante de 250.000$00.

Juntaram os doc. de fls. 26 a 35.

A executada contestou a liquidação, impugnando os prejuízos e concluindo pela improcedência da liquidação, para o que alega, em suma:

a)- O preço de aquisição da fracção I (dos exequentes) foi fixado em Esc. 15 250 000$00 e ainda lhes falta pagar 1000 contos a que se comprometeram logo que estivesse regularizada a integração da área do sótão nessa fracção;

b)- A fracção foi vendida aos exequentes a preço inferior ao valor de mercado, o que se explica por o sótão não ter sido considerado na fixação do preço e não o poder ser como extensão da área habitável da fracção I. Daí se conclui não haver prejuízo sofrido por eles;

c)- Os mesmos fruem pacificamente a área do sótão desde o início e não têm nem lhes seria concedida licença de habitabilidade do sótão, sendo deles a responsabilidade pelas obras de beneficiação;

d)- A falta de indicação do sótão na escritura de propriedade horizontal não prejudica o valor de alienação da fracção I, já que o valor do sótão não foi considerado pela executada no cálculo do preço de venda da fracção;

e)- A executada pode custear a alteração à dita escritura e ao registo, mas não pode fazer tais alterações, pois não pode intervir nas deliberações dos condóminos. Fácil é-o para os exequentes, para regularização da alteração.

Seguiu-se a elaboração do despacho saneador, com selecção dos factos assentes A) a G), e da base instrutória com 15 quesitos, tendo havido reclamações que, a fl. 122, foram integralmente desatendidas.

Foi indeferido o requerido arbitramento e a decisão não sofreu recurso.

Após audiência e respostas dadas aos quesitos, foi junta a certidão de fl. 129 ss, contendo a sentença proferida aos 7-12-01 nos embargos deduzidos pela C... (Pº 26-B/97), julgando estes improcedentes, decisão que foi confirmada nos sucessivos recursos para a Relação e STJ (vd. S), T) e U) a fls. 137-v e seg.).

Foi proferida a sentença de 6-5-2003 a fls. 136/140, liquidando o dano em € 37 409,84, mais juros legais desde 9-3-2001 até pagamento.

Ambas as partes recorreram e esta Relação proferiu o acórdão de fls. 210 (com pedido de reforma desatendido), que decidiu anular a sentença por falta de fundamentação, constando dos fundamentos: -que deviam ser explicitados os fundamentos de facto que justificam a fixação da indemnização e ser ampliada a base sobre se há ou não licenciamento para habitação, podendo o juiz convidar os exequentes a juntar comprovativo do licenciamento administrativo, e de modo que, caso este não existisse, se conformassem as respostas aos quesitos 2º e 3º a tal realidade.

Notificados, os exequentes vieram dizer o que consta de fls. 242 e a executada respondeu conforme fls. 246.

Realizou-se novo julgamento, sofrendo os quesitos 2º e 3º as novas respostas que constam a fls. 323, sem reclamação.

Na sentença de 5-8-2005 a fls.325 ss, foi decidida a liquidação do dano sofrido pelos exequentes com a não realização da prestação em € 27 824,80, mais juros legais desde 9-3-2001 até integral pagamento.

Da decisão interpuseram recurso independente a executada e recurso subordinado os exequentes.

A executada conclui a sua alegação, em suma, no sentido de que as respostas aos quesitos 2º e 3º não podem ter formulação positiva por mitigado que fosse o valor, que a indemnização fixada representa verdadeiro enriquecimento sem causa (pois o preço de aquisição da fracção I foi de 15.250 contos e os recorridos não pagaram 1000 contos das prestações, logo o preço efectivo da fracção, correspondente ao 4º andar, sótão e garagem, foi de 14.250 contos) e que, fruindo os recorridos o espaço do sótão, a indemnização compensatória terá de quedar-se por valores muito inferiores aos fixados na sentença. De resto, damos aqui por reproduzidas as 60 (!) conclusões da alegação.

Os recorrentes exequentes alegaram concluindo:

1- Os gastos feitos pelos apelantes, demonstrados nos artigos 13º. a 19º. da petição de liquidação e provados como se vê nas alíneas M) e N) dos factos provados, devem ser considerados na liquidação do dano sofrido pelos exequentes.

2- Tais gastos foram feitos pelos exequentes no pressuposto do cumprimento pontal das obrigações que a executada assumiu, convencidos de que seriam recuperáveis numa futura transacção do imóvel, o que o incumprimento daquela tornou impossível.

3- Devem também ser considerados os gastos que, como é óbvio, os exequentes tiveram com as contrariedades, perdas de tempo, tristeza e honorários de Advogado.

4- Entendem assim os exequentes que, entre outros, terá havido infracção do disposto no artigo 406º., nº. 1 do Código Civil.

II – FUNDAMENTOS:

Factos provados, conforme a sentença:

A) Por transacção, homologada por sentença (transitada em julgado), a executada obrigou-se “...no prazo de 1 ano, a contar de hoje (21-6-1999), a rectificar a escritura de constituição da propriedade horizontal e a rectificar igualmente a escritura de compra e venda da fracção autónoma referida no ponto 1.5 dos factos assentes (fracção autónoma designada pela letra “I”, correspondente ao 4º andar, destinado a habitação, garagem n.º 17, na cave, no Bloco 1-A, sito na Rua Frei Tomé de Jesus, Santo António dos Olivais, em Coimbra), por forma a integrar o sótão nessa referida fracção “

B) Até ao momento, ainda não foi rectificada alguma de tais escrituras.

C) No momento da transacção referida em A, a executada não era já dona de alguma das fracções do prédio em causa.

D) O que era do conhecimento dos exequentes.

E) Os exequentes - pese embora a não realização das escrituras de rectificação - vêm fruindo, em exclusivo e sem oposição de qualquer outro condómino, o sótão que lhes está afecto.

F) A área do sótão, correspondente na vertical à área do andar, é de 80 m2.

G) O preço de aquisição da fracção dos exequentes foi de 15.250.000$00, dos quais os AA. não pagaram a quantia de 750.000$00 de parte da 3ª prestação e a quantia de 250.000$00 de parte da prestação a pagar na data da escritura.

H) O m2 de construção urbana, para habitação, na zona (Rua Frei Tomé de Jesus, Santo António dos Olivais, em Coimbra) era, em 1998, vendido a 200.000$00.

I) O sótão em causa, embora não estando licenciado para habitação, reunia condições para ser obtido esse licenciamento, tinha, em 1998, o valor por metro quadrado não inferior a € 280,57 por m2 – resp. ao quesito 2º.

J) Actualmente ( Março de 2001 ), continuando a não estar licenciado para habitação, mas podendo ser obtido esse licenciamento, tem, por metro quadrado, valor não inferior a € 347,91 – resp. ao quesito 3º.

L) Se a executada tivesse cumprido a obrigação referida em A, a fracção dos exequentes passaria a valer mais, em termos comerciais.

M) Os exequentes, antes de Abril de 1997, efectuaram obras que consistiram na realização de uma escada de acesso interior entre o referido 4º andar e o sótão, no revestimento interior da cobertura para tapar a telha (que estava à vista), rebocando-o e pintando-o, no que gastaram, incluindo mão de obra, a quantia de 1.133.575$00.

N) Os exequentes, ainda antes de Abril de 1997, procederam à abertura de janelas de arejamento e de luminosidade, bem como estores, próprios para o sótão e para lhe conferir habitabilidade, no que gastaram quantia não apurada.

O) As obras referidas nas duas anteriores alíneas não foram licenciadas.

P) Em virtude do não cumprimento da obrigação referida em A, tiveram os exequentes que contactar de novo o seu advogado.

Q) A utilização do sótão como extensão da área habitável da fracção “I”, com ligação por escadaria interior, implica a alteração do projecto de arquitectura e respectivos licenciamentos.

R) A escritura de compra e venda da fracção autónoma designada pela letra “I”, melhor identificada na alínea A destes factos provados, foi celebrada por exequentes e executada em 14/12/1994, tendo a executada, em documento particular datado do dia anterior (13/12/1994), declarado “(...) para os devidos efeitos ... que a fracção prometida vender aos exequentes ... tem agregado a si a área do sótão correspondente ao apartamento, a qual não consta na propriedade horizontal por lapso da empresa. Posteriormente, efectuar-se-á uma escritura de rectificação ou simples averbamento sem quaisquer custos para os compradores (...)”.

S) A executada deduziu embargos à presente execução, onde pedia que se declarasse a improcedência da pretensão que nesta sentença se liquida (isto é, que não fosse concedida aos aqui exequentes uma indemnização pelo dano decorrente do não cumprimento da obrigação/prestação de rectificar as escrituras de constituição da propriedade horizontal e de compra e venda da fracção autónoma dos exequentes), embargos que, a final, por decisão já transitada, vieram a ser julgados totalmente improcedentes, ordenando-se o prosseguimento da presente liquidação de perdas e danos.

T) Embargos em que no Acórdão proferido na Relação (“confirmado” no STJ) se escreveu, a propósito da obrigação/prestação (de rectificação das escrituras de constituição da propriedade horizontal e de compra e venda da fracção autónoma dos exequentes) referida em A) dos factos provados:

«É evidente que a convenção em apreço não produziu efeito senão entre as partes contratantes, não tendo vinculado, pois, os condóminos, como terceiros que são quanto à descrita relação causal. Mas, torna-se claro, pelo integral teor da convenção, interpretada cada uma das suas cláusulas e, nomeadamente, a que em particular nos interessa, sob o domínio do sentido resultante do acto inteiro, que se obrigou a ora recorrida – ao tempo, em que já não era titular, sequer, de uma só fracção do prédio que construíra; e sabedora, naturalmente, do risco que corria com a assunção do compromisso (que, todavia, lhe seria possível honrar, caso tivesse obtido, de verdade, o prévio assentimento dos condóminos, ou estivesse, de facto, em condições de o obter, ainda que a troco de contrapartidas, ligadas, por hipótese, à realização de melhoramentos, alterações ou adaptações das respectivas fracções) – nos termos que já apontámos: assumindo uma típica obrigação de resultado, garantindo, naquele momento (temerariamente ou não, questão sua, exclusivamente) a verificação do facto de terceiro (garantia essa que funcionou como factor desencadeador da parcial desistência do pedido reconvencional dos ora apelantes), constituindo-se, assim, na obrigação de ter de indemnizar, logicamente, os prejuízos decorrentes do incumprimento da transferência da propriedade do sótão em causa (933º, n.º 1, do CPC).

Prejuízos esses, óbvios, de verdade, traduzidos, desde logo, na diminuição patrimonial que a não integração representa, ao menos ao nível da representação económica-financeira da titularidade do bem fracção, de mais elevada expressão monetária, evidentemente, se documentalmente demonstrada a sua querida alargada composição».

U) Embargos em que no Acórdão proferido no STJ se escreveu, a propósito da obrigação/prestação (de rectificação das escrituras de constituição da propriedade horizontal e de compra e venda da fracção autónoma dos exequentes) referida em A) dos factos provados:

«Na verdade, não se mostrando possível, afinal, contra o que a empresa proclamara (a tanto se havendo, até, vinculado), a transferência da propriedade do sótão em causa para os apelantes, tida em conta na fixação e aceitação do preço global do negócio, não pode esquivar-se, agora, a indemnizá-la pela diminuição patrimonial que para eles necessariamente decorreu de tal facto, ao menos ao nível da plena disponibilidade (não apenas do mero gozo) dos bens».

Sobre a impugnação da decisão de facto (quesitos 2º e 3º):

Com a ampliação ordenada pela Relação, o que, de facto, se pretendia saber era se o sótão está ou não licenciado para habitação e, de harmonia com isto, saber qual o valor por m2.

A Relação não ordenou a ampliação à questão de saber se o sótão reunia ou não condições para ser obtido o licenciamento administrativo e tal também não estava quesitado, nem se nos afigura que a resposta de que reunia tais condições esclareça o restante quesitado. Aliás, se bem vemos, essa é uma questão de direito, de direito administrativo. E questão de direito porque a sua solução implicaria a subsunção ao direito, de factos seus pressupostos, cujo apuramento não se mostra feito. Por exemplo, discutiu-se em audiência se, à luz do R.G.E.U., o sótão oferecia o pé-direito mínimo exigido, tinha ou não arejamento e luz natural suficientes, se a escada em caracol cumpre ou não as exigências regulamentares contra incêndios, etc. Trata-se de factos que exorbitam o alegado e quesitado. Aquela é uma conclusão de direito de factos não alegados nem quesitados e portanto não provados.

Já a falta de licenciamento é facto apurado, que resulta inequívoco à face de toda a prova produzida e desde logo perante a posição assumida pelas partes nos seus requerimentos de fls. 242 e 246. Também o apurado valor do m2 não nos merece censura, tendo em conta não só o depoimento do Engº Maia (o mais aproximado do que consta da resposta), como também os das testemunhas Victor Pereira (que habitando no bloco 1-B conheceu todos os “sótãos” do prédio e o dos exequentes, tendo organizado os condóminos na altura em que a C... abandonou os prédios: atribuiu o valor de cerca de 5500 contos) e Paulo Figueiredo (por experiência anterior que relatou atribuiu o valor de 6000/6500 contos ao dito sótão que afirmou conhecer). Aliás, não se nos afigura inadequado, como actual, o valor atribuído ao m2 do sótão, representando esse valor pouco mais de um terço do valor do m2 de construção urbana para habitação (cfr. al. H) e J).

Consequentemente, alteram-se as respostas aos ditos quesitos, ficando provado apenas o seguinte nos correspondentes pontos de facto I) e J):

I) – O sótão em causa, que não está licenciado para habitação, tinha em 1998 o valor não inferior a € 280,57 por m2 de construção.

J) – O mesmo sótão tem actualmente o valor não inferior a € 347,91 por m2 de construção.

Oficiosamente:

Nos termos do disposto no art. 712º nº1 al. a) do CPC, eliminam-se do elenco dos factos provados as al. T) e U) dado que não se trata de factos concernentes à causa de pedir ou à defesa aos quais se haja de aplicar o Direito: são excertos de fundamentação de acórdãos. O facto da al. S), respeitante a vicissitudes processuais, apenas se mantém no dito elenco, dado o seu relevo em termos de caso julgado, como se verá abaixo.

Ainda nos termos do mesmo preceito legal, e em face do documento autêntico de fls. 27 a 35, aditamos o seguinte facto ao elenco dos provados:

S-1)- À dita fracção I dos exequentes, sita no 4º e último andar do Bloco 1-A, corresponde a permilagem de 62 000 avos, no total de 428 700 avos desse Bloco, conforme a escritura de propriedade horizontal.

Aplicação do direito ao provado:

As questões a apreciar são as que resultam das conclusões da alegação de recurso.

a) Do recurso independente:

- Entende a executada que a indemnização fixada representa verdadeiro enriquecimento sem causa.

Sucede que, nos embargos à presente execução, a executada embargante pretendia que não fosse concedida aos exequentes uma indemnização pelo dano decorrente do não cumprimento da obrigação de rectificar as escrituras de constituição da propriedade horizontal e de compra e venda da fracção autónoma adquirida pelos exequentes, embargos que, a final, vieram a ser julgados totalmente improcedentes, decisão que foi confirmada por acórdãos desta Relação e do Supremo.

Ficou indiscutível, pelo caso julgado, a conversão da execução para prestação de facto positivo em execução para pagamento aos exequentes de uma indemnização pecuniária sucedânea daquela prestação.

E porque se trata aqui somente, agora, de liquidar essa indemnização é descabido ver-se nela um verdadeiro enriquecimento sem causa, instituto que só poderia funcionar subsidiariamente e a favor dos lesados (art. 474º do CC), lesados que aqui são apenas os exequentes e não a executada. Por mais elevado que seja o montante indemnizatório ele tem sempre uma causa, que é a responsabilidade civil, pelo “dano sofrido com a não realização da prestação” (art. 933º nº 1 do CPC).

- Também o argumento do não pagamento de parte do preço da compra e venda é aqui de todo irrelevante. Consta do provado G) tal facto, mas aqui não cabe à executada formular qualquer pretensão creditória em relação à qual competisse aos exequentes provar que pagaram. Sabemos que C... intentou acção ordinária contra os compradores aqui exequentes, mas também sabemos que tal acção terminou com a transacção da qual consta a obrigação a que a executada se vinculou conforme provado A) e só o incumprimento da sua obrigação motivou esta execução. Tudo o que excede a questão da quantificação da indemnização é pura perda de tempo.

- Mais entende a recorrente que, fruindo os recorridos o espaço do sótão, a indemnização compensatória terá de quedar-se por valores muito inferiores aos fixados na sentença.

Entendeu a douta sentença que o dano a indemnizar é o que necessariamente decorreu da não transferência da propriedade do sótão para nome deles, ao nível da plena disponibilidade (não apenas do mero gozo) dos bens.

Este ponto da sentença está correcto. Com as rectificações das escrituras a que a recorrente se obrigara mas incumpriu, estava em jogo a transferência da propriedade do sótão de 80 m2 para a propriedade singular dos exequentes. Do incumprimento decorreu adequadamente a não transferência (ou constituição, melhor dizendo) deste direito. Daí decorre o dano a indemnizar.

Também é certo que, como diz a sentença, se a obrigação tivesse sido cumprida, os exequentes ficariam proprietários do sótão sem necessidade de efectuar qualquer contraprestação.

Mas, ao quantificar o dano, a sentença entendeu—e aqui falhou—que a indemnização havia de ser fixada num montante que exactamente “corresponde ao valor do bem cuja propriedade não foi transferida para os exequentes”, ou seja, face ao provado F) e J), 80x347,91= € 27824,80 (aliás, não fosse o erro de cálculo, seria = € 27 832,80).

Vejamos o ponto capital em que a sentença falhou. É que, na indemnização em dinheiro, para o cálculo do dano deve atender-se à medida da diferença nos termos do art. 566º nº 2 do Código Civil: diferença entre a situação patrimonial do lesado, na data mais recente que puder ser atendida pelo tribunal (situação real), e a que teria nessa data se não existissem danos (situação hipotética).

Para a medida da diferença resulta irrelevante o provado sob E) e M) segundo o qual os exequentes vêm fruindo, em exclusivo e sem oposição de qualquer outro condómino, o sótão para o qual fizeram uma escada de acesso a partir da sua fracção e onde, tendo em vista a sua fruição, efectuaram diversas obras. Irrelevante porque essa situação de fruição tanto podia verificar-se antes do incumprimento como depois: nesse aspecto não resulta existir diferença entre situação real e situação hipotética.

O provado mostra claramente que os exequentes são condóminos de um prédio constituído em propriedade horizontal e já o eram antes do incumprimento imputado à executada por virtude das escrituras que haviam de ser rectificadas. Como condóminos, os exequentes tinham uma quota de compropriedade sobre as partes comuns, designadamente o sótão, ainda que destinado ao uso de uma só fracção (cfr. art. 1406º, bem como o art. 1421º nº 1 al. b) do CC invocado no dito ac. desta Relação de 27-4-04 a respeito de tal vão do telhado, em bruto), além de serem titulares da propriedade singular da fracção I. Tinham a expectativa juridicamente protegida, melhor, o direito de serem constituídos proprietários singulares do sótão em causa, por obrigação assumida pela executada. Portanto, com o incumprimento, a diferença atendível para efeitos de indemnização pecuniária está entre a actual situação patrimonial real dos exequentes como condóminos do sótão e a sua actual situação patrimonial hipotética como proprietários singulares do mesmo sótão.

De acordo com os elementos disponíveis nos autos, a dita quota de compropriedade dos exequentes representa 62 000 avos, no total de 428 700 avos (facto S-1), isto é, 62:428,7 = 14,7%. Antes da obrigação incumprida, os exequentes já tinham um direito real (de propriedade em comum) sobre o sótão cujo valor da sua quota se calcula, actualizadamente (art.566º nº 2 do CC), em 80 m2 x € 347,91 x 14,7% = € 4 107,30. O valor em termos de propriedade singular dos exequentes (situação hipotética) seria, também actualizadamente, de 80 x 347,91 = € 27 832, 80. A diferença quantifica-se em € 23 741, 38, que exprime a indemnização pecuniária compensatória do dano sofrido com a não realização da prestação a que a executada se obrigara, e sem prejuízo da indemnização moratória (juros pedidos desde 9-3-2001 mas sobre a quantia acabada de referir).

- A sentença também falhou ao considerar, e segundo parece sem daí retirar alguma consequência ao nível da quantificação da indemnização, “que – admitindo que tal fruição se iniciou em Dezembro de 1994 (quando celebraram a escritura da sua fracção) e que se manterá no futuro sem alteração – os exequentes estarão a pouco mais de 6 anos de adquirir a propriedade de tal sótão por usucapião (1296º e 1417º do CC)”.

É que o uso da coisa comum por um dos comproprietários não constitui posse exclusiva ou posse de quota superior à dele, salvo se tiver havido inversão do título – art. 1406º nº 2 do CC. À face do provado, a situação era e é de composse (o que não é prejudicado por algum acordo sobre o uso exclusivo da coisa comum) e não consta ter ocorrido inversão do título da posse, como o art. 1265º do CC a define. É prematuro, e até inadequado ao provado e ao objecto desta causa, apelar-se à usucapião, da qual aliás só se pode conhecer quando invocada por interessado (art. 303º ex vi 1292º do CC).

Consequentemente, o recurso independente procederá apenas em parte, com o referido abaixamento do montante objecto da liquidação.

b) Do recurso subordinado:

- Sobre as conclusões 1ª e 2ª (montante gasto nas obras efectuadas no sótão conforme M) e N) do provado):

Tais obras e gastos são anteriores à transacção de 21-6-99 e por isso não podem ter sido causados pelo incumprimento da obrigação assumida pela ora executada naquela transacção. Um facto anterior nunca pode ser causado realmente por um facto posterior. Tais gastos estão excluídos do dano indemnizável por falta do nexo de causalidade adequada a que se referem os art. 483º nº1 (“...danos resultantes da violação”) e 563º do CC. Poderão representar benfeitorias ou implicar acessão, no confronto entre os exequentes e sim o condomínio, mas isso é matéria irrelevante nesta causa e neste recurso.

Nem se provou a invocada pressuposição. E, como refere a sentença, tais gastos eram certamente necessários para a fruição do sótão pelos exequentes.

- Sobre a conclusão 3ª (quanto aos 250 contos computados a título de contrariedades, perda de tempo, tristeza e honorários ao advogado):

As simples contrariedades, perda de tempo e tristeza, embora não provadas, são de admitir que tenham existido. Trata-se, porém, de contingências próprias de todo aquele que contrata com outrem, sujeitando-se à vicissitude do incumprimento e assumindo como sujeito de direito e cidadão algum risco na relação societária. Não revestem, no caso, gravidade que suscite o direito a indemnização por danos não patrimoniais (496º do CC).

Acresce que os gastos com os honorários de advogado são compensados, conforme o Código das Custas, com a procuradoria que será fixada e liquidada apenas no final do processo e a cargo da parte vencida. A sua liquidação neste momento é extemporânea e a sua inclusão na liquidação inicial da obrigação não tem qualquer cabimento legal (cf. Ac. do STJ no BMJ a pg. 407 e 408 e a lição de Lopes Cardoso, Manual da Acção Executiva, 3ª ed., pg. 222 ali citado).

- Sobre a conclusão 4ª:

O art. 406º do CC não tem aplicação à quantificação do dano.

III – DECISÃO:

Pelos fundamentos expostos, julga-se o recurso independente parcialmente procedente e o recurso subordinado improcedente, de modo que, na revogação parcial da decisão impugnada, procede-se à liquidação da indemnização nos seguintes termos:

Fixa-se a indemnização pecuniária a cargo da executada C... , no montante de € 23 741, 80 (vinte três mil setecentos quarenta e um euros e oitenta cêntimos), acrescido de juros à taxa legal de 9/03/2001 até integral pagamento.

Custas do incidente de liquidação na 1ª instância a cargo de ambas as partes na proporção do vencido.

Custas do recurso independente a cargo dos exequentes e da executada na proporção de 1/7 e 6/7 respectivamente. Custas do recurso subordinado pelos exequentes.