Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
180/17.6GBACB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: REGISTO CRIMINAL
CANCELAMENTO
SUBSTITUIÇÃO DA PENA DE PRISÃO POR PENA NÃO PRIVATIVA DA LIBERDADE
Data do Acordão: 04/24/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA (J L CRIMINAL DE ALCOBAÇA)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 11.º DA LEI N.º 37/2015, DE 5 DE MAIO; ARTS. 40.º, 43.º, 58.º E 70 DO CP
Sumário: I – As decisões inscritas no registo criminal só devem ser canceladas, cessando a sua vigência no registo criminal, decorrido o prazo previsto de cancelamento e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza.

II – O pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão é que o tribunal, atendendo à personalidade do arguido e às circunstâncias do facto, conclua que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

III - No juízo de prognose deverá o Tribunal atender, no momento da elaboração da sentença, à personalidade do agente (designadamente ao seu carácter e inteligência), às condições da sua vida (inserção social, profissional e familiar, por exemplo), à sua conduta anterior e posterior ao crime (ausência ou não de antecedentes criminais e, no caso de os ter já, se são ou não da mesma natureza e tipo de penas aplicadas, bem como, no que respeita à conduta posterior ao crime, designadamente, à confissão aberta e relevante, ao seu arrependimento, à reparação do dano ou à prática de atos que obstem ao cometimento futuro do crime em causa) e às circunstâncias do crime (como as motivações e fins que levam o arguido a agir).

IV - A pena de trabalho a favor da comunidade tem na base a ideia de centrar o conteúdo punitivo na perda, para o condenado, de uma parte substancial dos seus tempos livres, sem por isso o privar de liberdade e permitindo-lhe consequentemente a manutenção íntegra das suas ligações familiares, profissionais e económicas, numa palavra a manutenção com o seu ambiente e a integração social; por outro lado, com não menor importância, o conteúdo socialmente positivo que a esta pena assiste, enquanto se traduz numa prestação ativa, com o seu consentimento, a favor da comunidade.

V - Sendo o trabalho a favor da comunidade uma pena de substituição em sentido próprio, em princípio, não será de aplicar a quem vem reiteradamente praticando crimes e já teve contacto com o meio prisional pelo cumprimento de pena de prisão efetiva.

Decisão Texto Integral:



Acordam, em Conferência, na 4.ª Secção, Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra.

           

     Relatório

Pelo Tribunal Judicial da Comarca de Leiria, Juízo Local Criminal de Alcobaça, sob acusação do Ministério Público, foi submetido a julgamento em processo comum, com intervenção do Tribunal singular, o arguido

, filho de … e de …, natural da freguesia e concelho da ..., nascido a 11-08-1981, solteiro, empregado de …, residente em …, …, … ...,

imputando-se-lhe a prática de factos suscetíveis de o constituírem, como autor material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punível pelos artigos 292.º, n.º 1 e 69.º n.º 1, alínea a), do Código Penal.

Realizada a audiência de julgamento, o Tribunal Singular, por sentença proferida a 13 de novembro de 2018, decidiu julgar procedente a acusação e condenar o arguido…, pela prática, em 11.08.2017, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, p. e p. pelos artigos n.º 292.º, n.º 1 e 69.º n.º 1, alínea a), do Código Penal, na pena de três meses de prisão, descontada de um dia por força da detenção (cfr. artigo 80.º do C.P.), a executar em regime de permanência na habitação, com fiscalização por meios técnicos de controlo à distância, pelo tempo de duração da pena de prisão e sem prejuízo das ausências que venham a ser autorizadas e, ainda, na sanção acessória de proibição de conduzir pelo período de seis meses.

           Inconformado com a douta sentença dela interpôs recurso o arguido …, retirando da sua motivação as seguintes conclusões:

1ª O arguido, ora recorrente, foi condenado pelo cometimento, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 3 meses de prisão.

2º Na temática da ponderação entre a aplicação de uma pena privativa e não privativa da liberdade, o Tribunal a quo escolher pela aplicação de uma pena de prisão.

3ª. Ao fazê-lo, interpretou erroneamente o disposto nos artigos 70º e 71º do Código Penal.

4ª. Deveria ter interpretado no sentido de considerar que, ao caso concreto, era suficiente a aplicação de uma pena não privativa da liberdade.

5ª O critério e as circunstâncias do art.71.º do CP são contributo quer para a determinação da medida concreta proporcionalmente compatível com a prevenção geral (que depende da natureza e do grau de ilicitude do facto face ao maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), quer para identificar as exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), fornecendo ainda indicações exógenas objectivas para a apreciação e definição da culpa do agente.

In casu, o grau de ilicitude do facto é reduzido, face à taxa de alcoolemia apresentada, perto do mínimo legal. Por outro lado, e não obstante se fazer referência ao facto do arguido ter participado num acidente de viação, nada mais é, quanto a este, alegado ou dado como provado. Quem teve culpa no acidente? Em momento algum, através da sentença, se pode concluir que tal facto é imputável ao arguido. Ademais, o mesmo não foi, sequer, acusado pela prática de um crime de condução perigosa – o que releva para efeitos de não se considerar que a actuação do arguido foi marcada pela perigosidade.

7ª As necessidades de prevenção geral têm, ainda, de ser coordenados, em concordância prática, com as exigências de prevenção especial, quer no sentido de evitar a reincidência, quer na socialização do agente com vista a respeitar os valores comunitários fundamentais tutelados pelos bens jurídico-criminais.

8ª O Tribunal, nesta sede, apenas teve em consideração o longo cadastro criminal do arguido, alicerçando-se na ideia de que este era incapaz de actuar conforme o direito, não valorando factores importantes, como: nunca antes o arguido ter sido condenado por outro crime de condução de veículo em estado de embriaguez, o facto do seu registo criminal ser marcado pela prática de crimes de condução sem habilitação legal e este já ser, na data da prática dos factos, habilitado para conduzir; e por este, durante mais de 10 anos, não ter praticado qualquer crime.

9ª Atentos os condicionalismos do caso concreto, o Tribunal a quo deveria ter considerado como suficiente e adequado a aplicação de uma pena de multa ao arguido – o que se requer.

10ª Por outro lado, o Tribunal a quo sustenta a sua decisão, sobretudo, no longo registo criminal do arguido.

11ª Contudo, ao fazê-lo, viola o disposto na legislação que determina o cancelamento dos registos criminais pelo decurso do tempo.

12º A lei exige o “cancelamento dos registos”, o que significa que as sentenças canceladas se consideram extintas no plano jurídico. A estas não se pode atribuir qualquer efeito, designadamente quanto à medida da pena.

13ª Verificado o decurso do tempo que determina o cancelamento, o registo da condenação deixa de poder ser considerado contra o arguido, assim sucedendo independentemente da circunstância de se ter ou não procedido prontamente à real efetivação do cancelamento.

14ª O aproveitamento judicial de informação que por inoperância do sistema se mantenha no CRC é ilegal, e viola ainda o princípio constitucional da igualdade, pois permite distinguir um arguido de um outro que, nas mesmas condições, tenha o CRC devidamente “limpo”.

15ª O Tribunal a quo deveria ter aplicado ao caso em apreço o disposto no artigo 11º da Lei n.º 37/2015, não atendendo à informação que já não deveria constar do registo criminal.

16ª O tribunal a quo violou o disposto nos artigos 40º e 70º do Código Penal.

17ª- O Tribunal a quo interpretou os citados normativos, no sentido de que a conduta do arguido e os seus antecedentes criminais justificam a condenação numa pena de prisão.

18ª Fê-lo sem ter analisado ou alegado a personalidade do arguido demonstrada nos seus actos.

19ª Não foram considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente: o denominado binómio factos - personalidade do agente. Mais, nenhum facto foi alegado ou provado quanto à personalidade do arguido no sentido da perigosidade para voltar a delinquir, pelo que tal elemento não pode fundamentar a aplicação da pena de prisão.

20ª Por outro lado, e se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa de liberdade, o tribunal deve dar preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição - art.º 70 do C. P., devendo fundamentar cabalmente essa decisão, o que não se verificou.

21ª Por outro lado, não corresponde à verdade, nem o mesmo se pode aferir por qualquer dos comportamentos demonstrados pelo arguido, que este revele um total desinteresse pelo destino do processo. O arguido confessou sem reservas os factos em causa, demonstrou o seu arrependimento e referiu, ainda, que se encontrava em procura activa de emprego. O arguido está integrado familiarmente. Toda esta factualidade não foi apreciada e valorizada pelo Tribunal a quo.

22ª O crime em causa nos presentes autos, é de natureza e gravidade de delinquência menor. O grau de culpa é menor.

23ª No caso de crimes puníveis em alternativa, com prisão ou multa, escolhida a primeira destas penas, pode ainda ser substituída por outra não detentiva que seja legalmente admissível, como por exemplo o trabalho a favor da comunidade, desde que a prisão não seja in casu, imposta por razões de prevenção, medida essa que atendendo ao caso concreto, alcançaria, com maior sucesso, os fins pretendidos.

24ª O tribunal a quo deveria, não obstante o passado judiciário do arguido ter optado pela aplicação de uma pena não privativa da liberdade - o caso de prestação de trabalho a favor da comunidade - visando consolidar no arguido a consciencialização da necessidade de um comportamento cívico e do cumprimento definitivo das suas obrigações.

25ª Deveria, pelo menos, tendo em conta os elementos no processo, considerar que estavam reunidos os pressupostos da substituição da pena de prisão.

26ª Deste modo, na medida em que na sentença ora recorrida não foi dada preferência à pena não privativa da liberdade, capaz de, in casu, realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, violou o referido aresto o disposto nos artigos 40º, 43º e 70º do CP.

27ª A pena aplicada, tendo por base apenas os antecedentes criminais do arguido, é manifestamente excessiva, por terem sido sobrevalorizadas as condenações anteriormente sofridas e não ter sido relevada a confissão sem reservas deste, o seu comportamento em julgamento e a integração familiar – vide Ac. Rel. Évora, de 07/04/2015.

28ª- Atentas as conclusões supra, o Tribunal a quo deveria ter interpretados os referidos normativos penais no sentido contrário. Precisamente, no sentido de que in casu é excessiva a aplicação da pena de prisão e, quando muito, a sua não substituição por outra pena não privativa da liberdade.

29ª- A sentença recorrida deve ser revogada, determinando-se a sua substituição por uma outra que, na procedência do recurso, aplique ao arguido uma pena não privativa da liberdade.

O Ministério Público no Juízo Local Criminal de Alcobaça respondeu ao recurso interposto pelo arguido, pugnando pelo não provimento do recurso.

            O Ex.mo Procurador-geral adjunto neste Tribunal da Relação emitiu parecer no sentido de que o recurso deverá improceder, mantendo-se a douta decisão recorrida.

Notificado deste parecer, nos termos e para efeitos do n.º 2 do art.417.º do Código de Processo Penal, o recorrente nada disse.

            Colhidos os vistos, cumpre decidir.

     Fundamentação

            A matéria de facto apurada e respetiva motivação constantes da sentença recorrida é a seguinte:

Factos provados:

1. No dia 11 de Agosto de 2017, pelas 17h25, o arguido … conduzia o veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula …, na Rua da ..., após ter ingerido bebidas alcoólicas e apresentando uma taxa de álcool no sangue de 1,27 g/l, correspondente à taxa de 1,46 g/l, determinada, após a dedução de erro máximo admissível.

2. Nas referidas circunstâncias de tempo e lugar, o Arguido envolveu-se em acidente de viação.

3. O Arguido conhecia o seu estado e sabia que o mesmo não lhe permitia efectuar uma condução cuidada e prudente e lhe diminuía a capacidade de atenção, reacção e destreza, mas, ainda assim, quis conduzir o referido veículo, o que efetivamente fez.

4. O Arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade da sua conduta, o que não o demoveu de atuar.

5. O Arguido confessou parcialmente os factos pelos quais veio acusado, nomeadamente os ora provados sob os pontos 1 e 2., acrescentando que, à data, se sentia bem para conduzir.

Mais se apurou que:

6. O Arguido vive em condições análogas às dos cônjuges com a aqui testemunha …há um ano e oito meses, sendo esta ajudante de cozinha.

7. O Arguido e … vivem em casa própria, não pagando qualquer prestação mensal ao banco e/ou outra instituição e/ou pessoa.

8. O Arguido trabalhou, até Agosto de 2018, por conta de outrem como distribuidor de pão, não tendo o seu contrato, a termo, sido renovado.

9. O Arguido faz “biscates”, na residência onde vive, de reparação de automóveis.

10. O Arguido divide as despesas quotidianas com ….

11. O Arguido é tido, pela sua Companheira, como um bom companheiro, que ajuda nas tarefas domésticas.

12. O Arguido foi condenado:

12.1. no processo sumário sob o n.º4/00, pelo Tribunal Judicial da Nazaré, por sentença de 25.01.2000, transitada em julgado em 9.02.2000, pela prática, em 04.01.2000, de um crime de condução ilegal, na pena de 70 dias de multa à taxa diária de 900$00.

12.2. no processo sumário n.º118/2000, pelo Tribunal Judicial de Alcobaça, por sentença de 23.10.2000, transitada em julgado em 0711.2000, pela prática, em 22.10.2000, de um crime de condução sem carta, na pena de 60.000$00.

12.3. no processo comum n.º38/03.6GBACB, pelo 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Alcobaça, por sentença de 25.11.2003, transitada em julgado em 10.12.2003, pela prática, em 02.01.2003, de três crimes de condução sem habilitação ilegal, na pena única de oito meses de prisão efetiva.

12.4. no processo sumário n.º562/05.6GAACB, pelo 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Alcobaça, por sentença de 21.11.2005, transitada em julgado em 06.12.2005, pela prática, em 22.10.2005, de um crime de condução sem habilitação ilegal, na pena única de sete meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de dois anos.

12.5. no processo comum n.º24/03.6TANZR, pelo Tribunal Judicial da Nazaré, por sentença de 06.11.2006, transitada em julgado em 17.11.2006, pela prática, em 20.01.2003, de um crime de falsidade de depoimento ou declaração, na pena de 140 dias de multa à razão diária de €3,00.

12.6. no processo abreviado n.º311/05.9GAPMS, pelo 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Porto de Mós, por sentença de 07.02.2007, transitada em julgado em 29.06.2007, pela prática, em 23.10.2005, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de um ano de prisão suspensa na sua execução pelo período de três anos.

12.7. no processo abreviado n.º311/05.9GAPMS, em cúmulo com a pena aplicada nos autos n.º562/05.6GAACB, na pena única de um ano e quatro meses de prisão suspensa na sua execução pelo período de três anos e seis meses, a qual foi revogada, ordenando-se o cumprimento efetiva daquela pena única de prisão.

12.8. no processo sumário n.º469/06.0GCLRA, pelo 2.º Juízo criminal Tribunal Judicial de Leiria, por sentença de 14.03.2007, transitada em julgado em 15.05.2007, pela prática, em 04.08.2006, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de 300 horas de trabalho a prestar a favor da comunidade.

12.9. no processo comum n.º5/05.5GBCAB, pelo 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Alcobaça, por sentença de 16.05.2007, transitada em julgado em 08.06.2007, pela prática, em 05.01.2005, de um crime de furto, na pena de 180 dias à taxa diária de €4,00.

12.10. no processo comum n.º12/07.3GBMGR, pelo 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Marinha Grande, por sentença de 17.04.2008, transitada em julgado em 12.05.2008, pela prática, em 24.05.2007, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de doze meses de prisão efetiva.

12.11. no processo comum n.º442/07.0PAMGR, pelo 3.º Juízo do Tribunal Judicial da Marinha Grande, por sentença de 20.05.2008, transitada em julgado em 17.06.2008, pela prática, em 21.06.2007, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de dezoito meses de prisão suspensa na sua execução por igual período e com regime de prova.

12.12. no processo comum n.º807/07.8PAMGR, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Marinha Grande, por sentença de 21.10.2008, transitada em julgado em 09.03.2009, pela prática, em 20.11.2007, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de seis meses de prisão efetiva.

12.13. no processo comum n.º762/06.1PAMGR, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Marinha Grande, por sentença de 16.02.2009, transitada em julgado em 14.04.2009, pela prática, em 17.09.2006, de um crime de furto, na pena de dois anos de prisão suspensa na sua execução por igual período com regime de prova.

12.14. no processo sumário n.º31/09.5GBACB, pelo 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Alcobaça, por sentença de 13.03.2009, transitada em julgado em 27.04.2009, pela prática, em 10.02.2009, de um crime de condução sem habilitação legal, na pena de doze meses de prisão efetiva.

12.15. no processo comum n.º124/08.6GBACB, do 2.º Juízo do Tribunal Judicial de Alcobaça, por sentença de 27.05.2009, transitada em julgado em 26.06.2009, pela prática, em 18.06.2008, de um crime de furto, na pena de dois anos e três meses de prisão efetiva.

12.16. no processo comum n.º124/08.6GBACB, por decisão de 14.07.2010, transitada em julgado em 01.10.2010, pela pena aqui aplicada em concurso com as penas aplicada no processo comum n.º12/07.3GBMGR, no processo comum n.º762/06.1PAMGR, no processo comum n.º442/07.0PAMGR e no processo comum n.º807/07.8PAMGR, no processo sumário n.º31/09.5GBACB e no processo comum n.º124/08.6GBACB, na pena de seis anos e dez meses de prisão efetiva, tendo sido concedida liberdade condicional obrigatório a partir de 24.05.2016 até 23.10.2017, convertida em liberdade definitiva com efeitos àquela data.

Factos não provados

Não se provaram outros factos com relevância para a boa decisão da causa.

            Convicção do Tribunal

A convicção do Tribunal, sempre norteada por uma ponderação à luz das regras da experiência comum, baseou-se, desde logo no que respeita à conduta descrita em 1. e 2. – ou seja, à condução, pelo Arguido, naquelas circunstâncias, do veículo identificado, sendo portador da sobredita taxa de álcool no sangue –, no «Auto de Notícia» (junto a fls.2-4 dos autos, que se dá aqui por integralmente reproduzido) e na Participação de acidente de viação, a fls.5-7 dos autos; e, no que à ingestão de bebidas alcoólicas e à concreta taxa de álcool no sangue de que o Arguido era portador se refere, teve-se em consideração, ainda, o resultado do respetivo exame a fls.11 dos autos.

Nesta sequência, bem se compreende a factualidade provada sob os pontos 3. e 4., que constitui, afinal, a conclusão que se impõe retirar, à luz das regras da experiência, do facto de o Arguido conduzir nas circunstâncias acima descritas, portador, portanto, de uma taxa de álcool no sangue superior ao permitido por lei: necessariamente, e na falta de elementos que o contrariem, agiu livremente e ciente de que, tendo em conta a quantidade de bebidas alcoólicas que havia ingerido, não podia, conforme fez, ter encetado a condução de um veículo a motor em via pública. Tal conclusão é válida não obstante as suas declarações prestadas em audiência de julgamento, nos termos provados sob o ponto 5., pois que o Próprio reconheceu que sabia, já à data, das repercussões negativas que a ingestão do álcool tem no exercício da condução automóvel, e disso mesmo estava ciente – o que também reconheceu – quando, depois de ingerir bebidas alcoólicas, decidiu conduzir.

Por fim, quanto à sua situação pessoal e profissional, sob os pontos 6. a 11., atendeu-se às declarações do próprio Arguido, conjugadas com o depoimento prestado pela sua companheira …, ajudante de cozinha de 41 anos de idade; e no que respeita aos antecedentes criminais do Arguido, atendeu-se ao conteúdo do respetivo certificado de registo criminal junto aos autos em 05.11.2018.


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            O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação. (Cf. entre outros, os acórdãos do STJ de 19-6-96 [1] e de 24-3-1999 [2] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso.

Como bem esclarecem os Conselheiros Simas Santos e Leal-Henriques, «Se o recorrente não retoma nas conclusões, as questões que suscitou na motivação, o tribunal superior, como vem entendendo o STJ, só conhece das questões resumidas nas conclusões, por aplicação do disposto no art. 684.º, n.º3 do CPC. [art.635.º, n.º 4 do Novo C.P.C.]» (in Código de Processo Penal anotado, 2.ª edição, Vol. II, pág. 801).  

No caso dos autos , face às conclusões da motivação do recorrente …as questões a decidir são, por ordem lógica, as seguintes :

- se o Tribunal a quo não deveria ter atendido à informação que consta do registo criminal atento o disposto no artigo 11º da Lei n.º 37/2015;

- se o Tribunal a quo deveria ter optado pela aplicação da pena de multa em detrimento da pena de prisão; e

- se  o tribunal a quo deveria ter substituído a pena de prisão aplicada por pena não privativa da liberdade.

            Passando ao seu conhecimento.


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            1.ª Questão: do cancelamento do registo criminal do arguido

O arguido … alega que a legislação em vigor – Lei n.º 57/98 e, depois, Lei n.º 37/2015 – é inequívoca em determinar o cancelamento dos registos criminais por decurso de determinados prazos sobre a data da extinção das penas sem que o arguido tenha delinquido nesses prazos.

Verificado o decurso do tempo que determina o cancelamento, o registo da condenação deixa de poder ser considerado contra o arguido, assim sucedendo independentemente da circunstância de se ter ou não procedido prontamente à real efetivação do cancelamento. Se o CRC visa informar o tribunal do passado criminal do condenado, e se a lei ordenou o cancelamento dos registos, o arguido tem de ser considerado integralmente reabilitado e os seus antecedentes criminais que indevidamente permaneçam “ativos”, são de tratar como inexistentes e de nenhum efeito – o que deveria ter ocorrido no caso em apreço, e não aconteceu, tendo o longo registo criminal do ora recorrente influído na decisão da escolha da pena.

Vejamos.

A documentação existente nos autos relativa aos antecedentes criminais do arguido é uma circunstância a que o Tribunal deve atender, nos termos do art.369.º, n.º1 do Código de Processo Penal, quando após ter decidido a questão da culpabilidade passa a decidir a questão da determinação da sanção.

Tendo a douta sentença recorrida sido proferida a 13 de novembro de 2018, o regime jurídico sobre identificação criminal aplicável é o estabelecido pela Lei n.º 37/2015, de 5 de maio.

O art.11.º desta Lei, sob a epígrafe «Cancelamento definitivo», estatui, no que respeita a pessoas singulares, e com algum interesse para a presente questão, o seguinte:

«1 - As decisões inscritas cessam a sua vigência no registo criminal nos seguintes prazos:

     a) Decisões que tenham aplicado pena de prisão ou medida de segurança, com ressalva dos prazos de cancelamento previstos na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5, 7 ou 10 anos sobre a extinção da pena ou medida de segurança, se a sua duração tiver sido inferior a 5 anos, entre 5 e 8 anos ou superior a 8 anos, respetivamente, e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza;

   b) Decisões que tenham aplicado pena de multa principal a pessoa singular, com ressalva dos prazos de cancelamento previstos na Lei n.º 113/2009, de 17 de setembro, com respeito aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5 anos sobre a extinção da pena e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza;

   c) (…);

   d) (…);

   e) Decisões que tenham aplicado pena substitutiva da pena principal, com ressalva daquelas que respeitem aos crimes previstos no capítulo V do título I do livro II do Código Penal, decorridos 5 anos sobre a extinção da pena e desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza;

   f) (…);

   g) (…).

2 - Quando a decisão tenha aplicado pena principal e pena acessória, os prazos previstos no número anterior contam-se a partir da extinção da pena de maior duração.

3 - Tratando-se de decisões que tenham aplicado pena de prisão suspensa na sua execução os prazos previstos na alínea e) do n.º 1 contam-se, uma vez ocorrida a respetiva extinção, do termo do período da suspensão.

4 - Cessam também a sua vigência no registo criminal:

    a) As decisões que sejam consequência, complemento ou execução de decisões cuja vigência haja cessado nos termos do n.º 1;

(…).».  

Da análise do CRC do arguido …, junto aos autos de folhas 82 a 104, e do ponto n.º 12 dos factos dados como provados da sentença recorrida, resulta que o ora recorrente vem sendo sucessivamente condenado, desde o ano de 2000, em diversas penas criminais: quatro penas de multa (pontos n.ºs 12.1, 12.2, 12.5 e 12.9), cinco suspensões da execução da pena de prisão (pontos n.ºs 12.4, 12.6, 12.11, 12.7, e 12.13, sendo que uma delas foi revogada), uma pena de prestação de trabalho a favor da comunidade (ponto n.º 12.8), e seis penas de prisão efetiva (pontos n.ºs 12.3, 12.10, 12.12, 12.14, 12.15 e 12.16).

Atento o disposto no art.11.º da Lei n.º 37/2015, de 5 de maio, todas as decisões que aplicaram estas penas devem ser canceladas, cessando a sua vigência no registo criminal, decorridos que sejam 5 anos sobre a extinção das penas - exceto a decisão constante do ponto n.º 12.16, que cessa a sua vigência no registo criminal, decorridos 7 anos sobre a extinção da pena, uma vez que a pena se situa entre os 5 e os 8 anos de prisão -, desde que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação por crime de qualquer natureza.   

O recorrente … não especifica um só caso em que tenham decorrido os prazos mencionados no art.11.º da 37/2015, de 5 de maio, sobre a extinção das penas, sem que entretanto não tenha ocorrido nova condenação por crime.

Analisando o CRC do arguido não temos dúvidas em afirmar que nunca decorreram 5 anos, sobre a extinção de cada uma das penas, sem que, entretanto, não tenha ocorrido nova condenação do arguido em penas criminais.

Assim, e a título exemplificativo, anotamos que a primeira decisão condenatória, em pena de multa, transitada em julgado em 9-2-2000, proferida no processo referido no ponto n.º 12.1, extinguiu-se pelo pagamento em 5-9-2001, mas o arguido foi condenado sucessivamente, a partir desta data, e nos 5 anos seguintes, nos processos referidos nos pontos n.ºs 12.3 e 12.4, por sentenças transitadas em julgado, respetivamente, em 10-12-2003 e 6-12-2005; no processo referido no ponto n.º 12.4 o arguido foi condenado, por sentença transitada em julgado 6-12-2005, na pena de 7 meses de prisão, suspensa na execução pelo período e 2 anos e a partir dessa data e nos 5 anos seguintes, foi condenado em diversos processos; no processo  referido no ponto n.º 12.8 arguido foi condenado, por sentença transitada em julgado 15-5-2007, em pena de trabalho a favor da comunidade, que se extinguiu pelo cumprimento em 22-2-2008 e a partir desta data e nos 5 anos seguintes, foi condenado em diversos processos; e, no processo referido no ponto n.º 12.16, última decisão condenatória, o arguido foi condenado numa pena de 6 anos e 10 meses de prisão, transitada em julgado em 1-10-2010, que se extinguiu com a concessão da liberdade condicional definitiva em 23-10-2017 e, a partir daí, também não passaram 7 anos para poder proceder-se ao cancelamento definitivo desta decisão condenatória.

Os serviços do registo criminal não procederam ao cancelamento do registo das condenações do arguido constantes do seu CRC junto aos autos pela simples razão de que não decorreu o tempo que determina o seu cancelamento e, não, por inoperância do sistema.

O princípio constitucional da igualdade consagrado no art.13.º da nossa Constituição estabelece que todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei, ninguém podendo ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica, condição social ou orientação sexual.

Interpretando este preceito, referem os Prof.s Gomes Canotilho e Vital Moreira, que o seu âmbito de proteção abrange as seguintes dimensões: «a) proibição do arbítrio, sendo inadmissíveis, quer diferenciações de tratamento sem qualquer justificação razoável, de acordo com critérios de valor objetivos, constitucionalmente relevantes, quer a identidade de tratamento para situações manifestamente desiguais; b) proibição de descriminação, não sendo legitimas quaisquer diferenciações de tratamento entre cidadãos baseadas em categorias meramente subjetivas ou em razão dessas categorias (cfr. n.º 2, onde se faz expressa menção de categorias subjetivas que historicamente fundamentaram discriminações; c) obrigação de diferenciação, como forma de compensar a desigualdade de oportunidades , o que pressupõe  a eliminação , pelos poderes públicos , de desigualdades fácticas de natureza social , económica e cultural ( cfr. , por ex., arts. 9.º/d e f, 58.º-2/b e 74.º-1)».[4]

Por outras palavras, e para a decisão da questão em apreciação, importa acentuar que o princípio postula que se dê tratamento igual a situações de facto essencialmente iguais e tratamento desigual para as situações de facto desiguais.

No caso em apreciação, o arguido … é tratado como qualquer outro arguido relativamente a quem não se procedeu ao cancelamento das decisões inscritas no registo criminal por nos prazos previstos no art.11.º da Lei, sobre a extinção das penas, ter sido objeto de novas condenações por crimes de qualquer natureza.

Assim, nada obstando a que o Tribunal a quo pudesse tomar em consideração todas as condenações constantes do CRC do arguido, improcede esta primeira questão.


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            2.ª Questão: da suficiência e adequação da pena de multa

O recorrente … defende que o Tribunal a quo violou o disposto nos artigos 40.º, 70.º e 71.º do Código Penal ao optar pela aplicação da pena de prisão em detrimento da pena de multa, porquanto o grau de ilicitude do facto é reduzido face à taxa de alcoolemia apresentada; não lhe pode ser atribuída a culpa do acidente; nunca havia sido condenado por outro crime de condução de veículo em estado de embriaguez; está já habilitado à data dos factos a conduzir; e não praticou durante mais de 10 anos qualquer crime.

Vejamos se assim é.

O crime de condução de veículo em estado de embriaguez é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal.

Prevendo o crime a aplicação em alternativa de uma pena de prisão ou de multa importa atender ao disposto no art.70.º do Código Penal que estatui, como critério de orientação geral para a escolha da pena:

«Se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.».

As finalidades da punição vêm definidas no art.40.º, n.º1 do Código Penal, resultando dos seus termos que «a aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade».

O objetivo último das penas é a proteção, o mais eficaz possível, dos bens jurídicos fundamentais.

Esta proteção implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, servindo primordialmente para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal (prevenção geral positiva ou de integração).

A prevenção geral radica no significado que a “gravidade do facto” assume perante a comunidade, isto é, no significado que a violação de determinados bens jurídico penais tem para a comunidade e visa satisfazer as exigências de proteção desses bens na medida do necessário para assegurar a estabilização das expectativas na validade do direito.

A reintegração do agente na sociedade está ligada à prevenção especial ou individual, isto é , à ideia de que a pena é um instrumento de atuação preventiva sobre a pessoa do agente, com o fim de evitar que no futuro, ele cometa novos crimes, que reincida.

A escolha entre a pena de prisão e a alternativa ou de substituição depende unicamente de considerações de prevenção geral e especial.

A culpa, entendida como juízo de censura que é possível dirigir ao agente por não se ter comportado, como podia, de acordo com a norma, não tem relevância no problema da escolha da pena.[5]

O crime de condução de veículo em estado de embriaguez visa a preservação da segurança rodoviária e de bens inerentes a esta. A condução com níveis de alcoolémia acima de certo grau é punível como crime por o legislador presumir que a situação é perigosa sob o ponto de vista de bens jurídicos penalmente tutelados.

No caso em apreciação entendemos que as exigências de prevenção geral são efetivamente elevadas, pese embora a TAS apresentada pelo arguido de 1,27 g/l - correspondente à TAS de 1,46 g/l, determinada após dedução de erro máximo admissível - não estar muito acima do limite mínimo a partir da qual a conduta passa a ser unida como crime, pois a continuação de existência de um elevado índice de sinistralidade rodoviária resultante de condução sob influência de álcool no sangue, com graves consequências para a vida, o corpo e o património quer dos agentes do crime, quer de outras pessoas alheias à conduta destes, causa algum alarme social, exigindo-se por isso reforçar tutela do bem jurídico violado e a confiança da comunidade na validade e na força de vigência da norma violada.

Anotamos ainda que o Tribunal a quo a propósito das razões de prevenção geral não atribui a culpa do acidente ao arguido, nem poderia, pois tal não resulta dos factos provados. Parece-nos que a douta sentença apenas acentua o facto de causar algum alarme social alguém ser interveniente num acidente de viação quando conduz sob a influência do álcool.

De todo o modo, cremos que fundamental para o Tribunal a quo ter optado pela pena de prisão em detrimento da pena de multa, são as muito significativas exigências preventivas especiais, na medida em realça, e bem, o longo passado criminal do arguido, com diversas condenações jurídico-penais anteriores, nomeadamente, dez condenações pela prática de crime de condução sem habilitação legal, que é um crime com caráter análogo ao ora em apreciação e, a circunstância do crime ora em apreciação ter sido praticado quando o arguido se encontrava em período de liberdade condicional.

Efetivamente, pela prática de crimes de condução sem habilitação legal, por um crime de falsidade de depoimentos ou declaração e por crimes de furto, o arguido foi anteriormente condenado em penas de multa, em penas de prisão suspensas na execução, numa pena de trabalho a favor da comunidade, e em penas de prisão efetivas. Tendo sido condenado em 2010, em cúmulo jurídico, na pena única de 6 anos e 10 meses de prisão e tendo sido colocado em liberdade condicional obrigatória a partir de 24 de maio de 2016 até 23 de outubro de 2017, não se coibiu de praticar o crime de condução em estado de embriaguez durante este período em que devia demonstrar a sua integração social, pelo que se pode concluir, como se diz na sentença, que “não interiorizou a censura ali contida”.

A esta conclusão não obsta o facto do arguido estar, provavelmente, já habilitado com título de condução e durante os últimos anos não ter praticado crimes, na medida em que boa parte desse tempo esteve em cumprimento de pena de prisão.

Pelo exposto, face às exigências de prevenção geral e especial, entendemos que bem andou o Tribunal a quo ao optar pela pena de prisão, em detrimento da pena de multa.

Não tendo a douta sentença violado o disposto nos artigos 40.º, 70.º e 71.º do Código Penal, improcede, também, esta questão.


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3.ª Questão: da substituição da pena de prisão por pena não privativa da liberdade

            Por fim, defende o recorrente … que a douta sentença violou o disposto nos artigos 40.º, 43.º e 70.º do Código Penal, na medida em que a pena de prisão escolhida deveria ser substituída por outra pena não detentiva, como suspensão da execução da prisão ou pena de trabalho a favor da comunidade.

Alega, neste sentido, no essencial, que a sentença não considerou, em conjunto, os factos e a personalidade do ora recorrente no sentido da perigosidade para voltar a delinquir; não se pode aferir dos comportamentos do arguido que revela total desinteresse pelo destino do processo; confessou sem reservas os factos em causa; demonstrou arrependimento e referiu que se encontrava em procura ativa de emprego; está integrado familiarmente, o crime é de natureza e gravidade menor; e o grau de culpa é menor.

Apreciando.

Fixada em 3 meses a medida concreta da pena de prisão, impõe-se averiguar se ela pode ser objeto de substituição, em sentido próprio ou impróprio, e determinar a sua medida.

Atualmente, para além da pena de multa (art.45.º do C.P.), da suspensão de execução da prisão (art.50.º do C.P.) e da prestação de trabalho a favor da comunidade (art.58.º do C.P.) que são penas de substituição da prisão, em sentido próprio, há que apenas contar, como penas de substituição detentiva (ou forma especial de cumprimento da pena de prisão) com o regime de permanência na habitação (art.43.º do C.P.).

Uma vez que o recorrente sustenta - na motivação do recurso -, que o Tribunal a quo deveria ter optado pela suspensão da execução da pena ou pela pena de trabalho a favor da comunidade, em detrimento da substituição da prisão pelo regime de permanência na habitação, vejamos se alguma delas é adequada ao caso concreto.

Os pressupostos da suspensão da execução da pena vêm enunciados no art.50.º, n.º1 do Código Penal.

Nos termos deste preceito legal, na redação vigente à data dos factos, «O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.».

O pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão é apenas que a medida concreta da pena aplicada ao arguido não seja superior a 5 anos.

O pressuposto material da suspensão da execução da pena de prisão é que o tribunal, atendendo à personalidade do arguido e às circunstâncias do facto, conclua que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

No juízo de prognose deverá o Tribunal atender, no momento da elaboração da sentença, à personalidade do agente (designadamente ao seu carácter e inteligência), às condições da sua vida (inserção social, profissional e familiar, por exemplo), à sua conduta anterior e posterior ao crime (ausência ou não de antecedentes criminais e, no caso de os ter já, se são ou não da mesma natureza e tipo de penas aplicadas, bem como, no que respeita à conduta posterior ao crime, designadamente, à confissão aberta e relevante, ao seu arrependimento, à reparação do dano ou à prática de atos que obstem ao cometimento futuro do crime em causa) e às circunstâncias do crime (como as motivações e fins que levam o arguido a agir).

Todavia, ensina o Prof. Figueiredo Dias (“Direito Penal Português, as Consequências do Crime”), «a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada » - mesmo em caso de « conclusão do tribunal por um prognóstico favorável ( à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização), se a ela se opuseram » ( obra citada , § 520) « as finalidades da punição » ( art.50.º, n.º 1 e 40.º , n.º1 do Código Penal ), nomeadamente  « considerações de prevenção geral sob a forma de exigência mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico » ( obra citada , § 520) , pois que « só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto » ( idem).

No presente caso, tendo em conta que o arguido … foi condenado neste processo numa pena de 3 meses de prisão, o pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão encontra-se verificado.

Importa apurar se também o pressuposto material de aplicação da mesma pena de substituição se verifica.

As circunstâncias aludidas nos pontos n.ºs 6 a 11, da factualidade dada como provada na sentença, respeitam essencialmente às condições da vida do arguido …, à sua inserção social, profissional e familiar e delas resulta que é fraca a inserção social e profissional e mesmo a inserção familiar, embora positiva, é relativamente recente. A sua situação económica é algo precária.

No que respeita à conduta anterior ao crime anotamos um elevado número de condenações penais do arguido …, nomeadamente por crimes de natureza rodoviária, embora seja esta a sua primeira condenação pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez.

Foi condenado em penas de multa, em suspensão de execução de prisão, numa pena de trabalho a favor da comunidade e em penas de prisão efetivas.

Uma das penas de prisão suspensas na execução foi revogada, tendo o arguido cumprido a respetiva pena (ponto n.º 12.7) e o crime ora em apreciação foi praticado durante o período de liberdade condicional obrigatória no âmbito do processo referido no ponto 12.16.

Como conduta posterior aos factos, relevando também para o conhecimento da personalidade do arguido, anotamos a ausência de confissão integral e aberta dos factos, ao contrário do que sustenta o recorrente. Efetivamente, não resulta dos factos provados – nem da ata de julgamento de 13-11-2018 – a confissão integral e sem reservas dos factos em causa, mas apenas uma confissão parcial dos factos, a que não será de atribuir praticamente relevância uma vez que o arguido foi detido em flagrante delito. O Prof. Eduardo Correia defende mesmo que esta circunstância atenuante não tem relevância quando o arguido é detido em flagrante delito e, duma maneira geral, em todos os casos em que se torna claro que a prova está feita por outros meios.[6]

Também não beneficia de arrependimento, circunstância através da qual poderia demonstrar que previsivelmente não voltaria a praticar no futuro novos crimes.

A personalidade do arguido … tem-se pois revelado refratária a uma normal convivência social de acordo com as regras do direito e nem o cumprimento anterior de penas de prisão efetiva tem obstado prática de crimes de vária natureza.

Em suma, a prognose sobre o comportamento do arguido à luz de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização é claramente negativa.

As exigências de prevenção geral neste tipo de crime são elevadas, desde logo pela grande frequência com que é praticado em todo o país, com frequentes consequências dramáticas, em acidentes de viação, para os condutores, para os passageiros e para quem circula na rodovia.

O sentimento jurídico da comunidade na validade e na força de vigência da norma jurídico-penal violada pelo arguido, numa situação como esta, de sucessivas condenações penais, por variados tipos de crime, e em que já beneficiou anteriormente da suspensão de execução da pena de prisão, ficaria afetado pela substituição, novamente, da pena de prisão por suspensão de execução da pena de prisão.

Em suma, não existindo um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do arguido …, no sentido de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, bem andou o Tribunal recorrido em não decretar a suspensão da execução da pena aplicada.

Também a substituição da pena de prisão por pena de trabalho a favor da comunidade se nos afigura não ser adequada ao caso concreto.

O art.58.º, n.º1 do Código Penal estatui que « Se ao agente dever ser aplicada pena de prisão em medida não superior a dois anos, o tribunal substitui-a por prestação de trabalho a favor da comunidade sempre que concluir que por este meio se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.».

A pena de trabalho a favor da comunidade consiste na prestação de serviços gratuitos ao Estado, a outras pessoas coletivas de direito público ou a entidades privadas cujos fins o Tribunal considere de interesse para a comunidade (art.58.º, n.º 2 do Código Penal).

Exigindo-se a adesão do arguido a esta pena, ela só pode ser aplicada com aceitação do condenado (art.58.º, n.º 5 do Código Penal).

O pressuposto formal desta pena é, deste modo, a aplicação de uma pena de prisão em medida não superior a dois anos e a aceitação pelo condenado da sua substituição pelo trabalho a favor da comunidade.

O pressuposto material é poder concluir-se que pela aplicação dessa pena de substituição se realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

A pena de trabalho a favor da comunidade tem na base a ideia de centrar o conteúdo punitivo na perda, para o condenado, de uma parte substancial dos seus tempos livres, sem por isso o privar de liberdade e permitindo-lhe consequentemente a manutenção íntegra das suas ligações familiares, profissionais e económicas, numa palavra a manutenção com o seu ambiente e a integração social; por outro lado, com não menor importância, o conteúdo socialmente positivo que a esta pena assiste, enquanto se traduz numa prestação ativa, com o seu consentimento, a favor da comunidade.      

São só considerações preventivas, nomeadamente de prevenção de socialização, que podem ser erigidas em critério de escolha da pena de trabalho a favor da comunidade, posto que a ela não se oponham razões de salvaguarda do mínimo de prevenção de integração, sob a forma de tutela do ordenamento jurídico.

Sendo o trabalho a favor da comunidade uma pena de substituição em sentido próprio, em princípio, não será de aplicar a quem vem reiteradamente praticando crimes e já teve contacto com o meio prisional pelo cumprimento de pena de prisão efetiva.

É este também o entendimento do Prof. Augusto Silva Dias ao defender que “ ela é aplicada a crimes que, pela sua pouca gravidade e baixa frequência (não se trata, portanto, de crimes de massa), não provocam alarme social e a delinquentes que não são habituais ou sequer reincidentes.”.[7]

No caso concreto, para além de estarmos perante um crime praticado diariamente e em elevado número em todo o país, de o arguido … ter um longo passado criminal, com cumprimento de várias penas de prisão e de o crime de condução em estado de embriaguez ter sido praticado durante um período em que se encontrava em liberdade condicional, acresce ainda a circunstância de já ter anteriormente sido condenado numa pena de trabalho a favor da comunidade, o que não o impediu de continuar a praticar crimes.

Deste modo, entendemos, como na douta sentença recorrida, que não se mostram reunidos os pressupostos materiais para substituição da pena de 3 meses de prisão que lhe foi aplicada, por pena de trabalho a favor da comunidade.

A substituição da pena de prisão, por pena de trabalho a favor da comunidade, não cumpriria, no presente caso, o objetivo de intimidação e aprofundamento da validade e eficácia das normas penais pelos cidadãos em geral e pelo arguido … em particular.

Bem mais adequada, satisfazendo as funções da punição e as finalidades da pena é o cumprimento da pena de 3 meses de prisão aplicada em regime de permanência na habitação, como oportunidade de ressocialização fora do estabelecimento prisional, e uma vez que se verificam os respetivos pressupostos, como bem se expõe na douta sentença recorrida.

Em conclusão, não se reconhecendo a violação pelo Tribunal a quo de qualquer das normas indicadas pelo recorrente nas conclusões da motivação do recurso, mais não resta que julgar improcedente esta questão e, consequentemente, o recurso.

Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes do Tribunal da Relação de Coimbra em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido … e manter a douta sentença recorrida.

Custas pelo recorrente, fixando em 4 Ucs a taxa de justiça (art. 513º, nºs 1 e 3, do C. P.P. e art.8.º, n.º 9, do Regulamento das Custas Processuais e Tabela III, anexa).


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(Certifica-se que o acórdão foi  processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.ºs 2 e 3 do C.P.P.). 

                                                                               


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Coimbra, 24 de abril de 2019

             

Orlando Gonçalves (relator)

 

Alice Santos (adjunta)


[1]  Cfr. BMJ n.º 458º , pág. 98.
[2]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3]  Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.

[4] “Constituição da República Portuguesa anotada”, Vol. I, Coimbra Editora, 2007, pág. 339.

[5] Cf. Cons. Maia Gonçalves , in “Código Penal  Português anotado” , 8ª edição , pág.354 e Prof. Figueiredo Dias, in  “Direito Penal Português, As  consequências Jurídicas do crime”, Notícias Editorial, pág.332.
[6] Cfr, “ Direito Criminal”, Vol. II, Almedina, edição de 1971, pág. 387.

[7]  Cf. R.O.A., Novembro 2011, pág. 11.