Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3809/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: ACÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
REQUISITOS
PRESUNÇÕES
Data do Acordão: 01/31/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE TOMAR - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 1252º E 1311º DO C. CIV. . .
Sumário: I – Nas acções de reivindicação do direito de propriedade torna-se necessário a comprovação, por um lado, de um requisito subjectivo, que consiste em ser o autor o proprietário da coisa reivindicada e, por outro lado, de um requisito objectivo, ou seja, a identidade entre a coisa reivindicada e a possuída pelos réus, cujo ónus de prova incumbe ao autor, por serem factos constitutivos do seu direito .
II – Só assim não será quando o autor beneficie da presunção legal de propriedade, como a resultante do registo – artº 7º do C. Reg. Predial .

III – Considerando a dificuldade de demonstrar a posse em nome próprio, ou seja, o “animus possessório”, a lei estabeleceu uma verdadeira presunção (iuris tantum) do mesmo a favor de quem detém ou exerce os poderes de facto sobre a coisa, ou seja, presume-se que quem tem o corpus tem também o animus – artº 1252º, nº 2, do C. Civ. .

Decisão Texto Integral:
Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra
I- Relatório
1 Os autores, A... e marido B..., instauraram a presente acção declarativa, com forma de processo sumário, contra os réus, C... e mulher D..., pedindo que estes sejam condenados a reconhecer que aqueles são os legítimos donos do prédio misto composto pelos artigos 5, Secção L, rústico e 865, urbano, da freguesia de Stª Maria dos Olivais, de Tomar, e bem assim ainda da parcela de terreno assinalada a vermelho no mapa cadastral, junto com a pi como documento nº 7 e nele assinalada como parcela 2 do artº 6º, com área de 120 m2, a qual faz parte daquele prédio (que com tal parcela atinge uma área total de 8.320 m2).
Para tanto alegaram, em síntese, terem adquirido o referido prédio e a mencionada parcela, quer por via de aquisição derivada, quer mesmo por via de aquisição originária (sendo esta através do instituto da usucapião).
Prédio misto esse que confina com o prédio dos réus, que é igualmente misto (onde estes construíam recentemente uma casa de habitação), inscrito no cadastro sob o artº 6º da secção L daquela mesma freguesia, e melhor id. na pi, ocupando, contra a vontade dos autores, a referida parcela.

2. Na sua contestação, e em síntese, os réus limitaram-se a impugnar que a propriedade aos autores se estenda também à referida parcela, alegando antes que mesma faz parte integrante daquele seu prédio (adquirido por contrato de compra e venda e com todos os pressupostos factuais que levariam também à sua aquisição originária, por usucapião).
Pelo que terminaram pedindo a improcedência da acção.

3. No despacho saneador afirmou-se a validade e a regularidade da instância, após o que se passou à elaboração da selecção da matéria de facto, sem que a mesma tivesse sido objecto de censura das partes.

4. Mais tarde, e após a produção de prova pericial, procedeu-se à realização do julgamento – sem a gravação da audiência -, e sem que a resposta aos diversos pontos da base instrutória tivesse então sido objecto de reclamação de alguma das partes.

5. Seguiu-se a prolação da sentença, que, a final, julgando a acção parcialmente procedente, se limitou a declarar os autores proprietários do referido prédio misto, com exclusão da sobredita parcela (de cujo pedido de reconhecimento da sua propriedade em relação também à mesma os réus foram absolvidos).

6. Não se tendo conformado com tal sentença, os autores dela interpuseram recurso, o qual foi admitido como apelação.

7. Nas correspondentes alegações do recurso que apresentaram, os autores concluíram as mesmas nos seguintes termos:
“a) - Resultou provado que era a casa dos A.A., que ocupava parte da área de 102,26 m2 reivindicada na acção por estes.
b) - Casa, esta, que se encontra registada na Conservatória do Registo Predial de Tomar em nome da A. mulher, por doação de seus pais.
c) - Pelo que e porque a presunção do direito de propriedade fundada no registo não foi ilidida pelos R.R. deve o direito de propriedade da referida parcela de terreno com a área de 102,26 m2 ser reconhecida aos A.A.
d) - Aliás, mesmo que a presunção do registo não fosse reconhecida, os A.A. provaram a aquisição originária do direito de propriedade sobre a casa, através do instituto da usucapião.
e) - Pelo que e também por esta via, os A.A. devem ver reconhecido o direito de propriedade sobre a casa, hoje e após o seu desabamento, sobre o terreno onde esta se situava, ou seja, a parcela com 102,26 m2.
f) - A douta sentença recorrida, ao não reconhecer o direito de propriedade dos A.A. recorrentes, sobre a referida parcela de terreno com a área de 102,26 m2, violou o disposto no art. 7º do Cód. do Registo Predial e nos arts. 1268 e 1287 e sgts. do C. Civil”.

8. Nas contra-alegações que apresentaram, os réus pugnaram pela improcedência do recurso e pela manutenção do julgado.

9. Corridos que foram os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.
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II- Fundamentação
1. Delimitação do objecto do recurso.
1.1 É sabido que são as conclusões dos recursos que fixam e delimitm o objecto dos mesmos, pelo que o tribunal de recurso não poderá conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (cfr. disposições conjugadas dos artºs 664, 684, nº 3, e 690, nºs 1 e 4, todos do CPC).
Vem, também, sendo dominantemente entendido que o vocábulo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a derimir (vidé, por todos, Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Rev. nº 2585/03 – 2ª sec.”, e Ac. do STJ de 02/10/2003, in “Rec. Agravo nº 480/03 – 7ª sec.”).
1.2 Ora, calcorreando conclusões das alegações do presente recurso, verifica-se que a única questão que importa aqui apreciar se traduz somente em saber se, face aos factos dados como assentes, deve ser declarado o direito de propriedade dos os autores sobre a sobredita parcela (embora agora com a redução da área a 102,26 m2) e os réus condenados a tal reconhecer.
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2. Os factos
Dado que não foram objecto de impugnação, e dado não se vislumbrarem razões para os alterar (artº 712, nº 1, do CPC), devem ter-se como assentes os seguintes factos que foram dados como provados pelo tribunal de 1ª instância:
2.1 No dia 24 de Novembro de 1975, na Secretaria Notarial de Tomar, João Baptista Bento e mulher, Maximina Maria declararam dar a A..., que declarou aceitar, os seguintes prédios:
a) verba nº 2 - terra de cultura com um poço, oliveiras, uma figueira, uma árvore de fruto, no sítio de Carvalheiros, a confinar do Norte com João Herculano, do Sul e Nascente com José Pereira e Poente com ribeiro, inscrita na matriz, sob o art. 540, da freguesia de Stª Maria dos Olivais;
b) verba nº 3 - terra de cultura com oliveiras, figueiras e árvores de fruto, no sítio de Carvalheiros, a confinar do Norte com herdeiros de Francisco Gomes, do Sul com José da Graça, Nascente com Manuel da Graça e Poente com ribeiro, inscrito na matriz sob o art. 541, da freguesia de Stª Maria dos Olivais, que representa a parte rústica do descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 38.297;
c) verba nº 4 - terra de cultura com oliveiras, uma figueira e duas árvores de fruto, no sítio de Carvalheiros, a confinar do Norte com José Pereira, Sul com Ana de Jesus, Nascente com Manuel da Graça e Poente com ribeiro, inscrita na matriz sob o art. 545, da freguesia de Stª Maria dos Olivais e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº 35 558 (alínea A) da matéria assente, e cuja peça pertencerão os factos a seguir descriminados com a indicação, no final, somente da alínea correspondente );
2.2 Esses terrenos descritos sob as verbas nºs 2, 3 e 4, na alínea A), integram, actualmente, a terra de cultura com oliveiras, figueiras, vinha, nogueiras, cultura arvense e construção rural, em Carvalheiros, freguesia de Stª Maria dos Olivais, inscrita na matriz sob o art. 5º, Secção L, com a área de 8200 m2 (al. B) );
2.3 Na Conservatória do Registo Predial de Tomar, sob o nº 00325/190286 encontra-se descrita uma casa de habitação, sita em Carvalheiros, freguesia de Stª Maria dos Olivais, com a área de 42 m2, a confrontar do Norte, Sul e Poente com João Baptista Bento Lúcio e do Nascente, com Manuel da Graça (al. C) );
2.4 Tal casa encontra-se inscrita, sob o art. 865, em nome dos autores, desde 10 de Fevereiro de 1986, por partilha da herança de Maximina Maria (al. D) );
2.5 A casa de habitação identificada em C) e D) está dentro do terreno do prédio hoje inscrito na matriz sob o art. 5º, Secção L, freguesia de Stª Maria dos Olivais (al. E) );
2.6 Desde há, 15, 20 e 30 anos que os autores, por si e seus antecessores, cultivam e colhem os frutos, no prédio inscrito na matriz sob o art. 5º, Secção L, da freguesia de Stª Maria dos Olivais (al. F));
2.7 E, enquanto a casa referida em C) e D) esteve habitável, nela guardaram produtos hortícolas (al. G) );
2.8 O que fizeram, à vista de toda a gente (alínea H) );
2.9 Sem oposição de ninguém (al. I) );
2.10 Continuadamente (al. J) );
2.11 E estando convencidos de serem os seus verdadeiros donos (al. L) );
2.12 No dia 23 de Março de 1998, na Secretaria Notarial de Tomar, Daniel de Jesus Rosa e mulher, Beatriz Lopes Nunes Rosa declararam vender aos réus, C... e mulher, D..., que declararam comprar-lhes, pela importância de esc. 4.200.000$00, um prédio misto composto de duas casas de habitação e respectivos logradouros e parte rústica, sito em Carvalheiros, freguesia de Stª Maria dos Olivais, concelho de Tomar, inscrito na matriz sob os arts. 866 e 868 urbanos e 6º, Secção L rústico, descrito a Conservatória do Registo Predial de Tomar, sob o nº 841 (al. M) );
2.13 Neste prédio está actualmente edificada uma casa (al. N) );
2.14 Cuja construção foi levada a cabo pelos réus (al. O));
2.15 O prédio identificado nas alíneas B) a E) confina do seu lado Nascente com o Poente do prédio descrito em M) (al. P) );
2.16 Há cinquenta e mais anos existia uma casa de habitação que era a que consta da descrição e inscrição a que se referem as alíneas C) e D) e, do lado Nascente, esta casa vinha ligar a uma outra que existiu, também há cinquenta e mais anos, no prédio descrito em M), então pertencente a Manuel da Graça (resposta ao nº 1 da base instrutória, doravante designada somente pelas letras BI);
2.17 Essa casa sita no prédio descrito em E) tinha, então, o telhado, a Nascente, assente na parede Poente da casa que pertencia a Manuel da Graça (resposta ao nº 2 da BI);
2.18 Virada para Sul, a casa referida em C) e D) tinha um alpendre (resposta ao nº 3 da BI);
2.19 Há cinquenta e mais anos, todos os diferentes prédios a Nascente do prédio identificado em E) se encontravam uns seguidos nos outros (resposta ao nº 4 da BI)base instrutória, 2.20. Há cinquenta e mais anos, não existia qualquer separação ou espaço entre o último prédio a Poente, que era de Manuel da Graça e o prédio descrito em E) (resposta ao nº 5 da BI);
2.21 A viga mestra da casa mencionada em C) e D) assentava na parede Poente da casa, então, de Manuel da Graça (resposta ao nº 6 da BI);
2.22 Essa viga desabou há cerca de 47 anos (resposta ao nº 7da BI);
2.23 E arrastou, na queda, o telhado (resposta ao nº 8 da BI);
2.24 Mantendo-se tudo desabado - telhas, traves, ripas, pedras - até ao presente (resposta ao nº 9 da BI);
2.25 A extrema do prédio identificado nas alíneas B) a E), do seu lado Nascente, está assinalada por um marco no seu canto Nordeste (resposta aos nºs 16 e 23 da BI );
2.26 Que o delimita do prédio que lhe fica a Norte, bem como do prédio identificado em M) (resposta aos nºs 17 e 23 BI);
2.27 Essa extrema desenvolve-se em linha recta, numa extensão de 41,80 metros entre o marco referido nas respostas aos nºs 16 e 17 e um outro marco situado no canto Sudeste e identificado com o nº 2 na planta junta a fls. 152 (resposta aos nºs 18 e 23 da BI);
2.28 A área com os limites assinalados nos nºs 16 a 18 e 23 é de 102,26 m2 (resposta ao nº 24 da BI);
2.29 Antes de ter derrocado, a casa descrita em C) e D) ocupou parte dessa área de 102,26 m2 (resposta ao nº 25 BI);
2.30. Aquando do facto referido em O), os réus procederam à demolição da casa antiga (resposta ao nº 34 da BI).
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3. O direito
3.1 Como resulta do acima exposto, com a presente acção os autores começaram por reclamar o direito de propriedade sobre o prédio misto supra identificado e bem assim sobre uma parcela de terreno que igualmente atrás também se deixou identificada.
Na sentença final veio a reconhecer-se aos autores tal direito de propriedade sobre o referido prédio misto (direito esse que os réus nunca questionaram), mas já não sobre a aludida parcela (cujo direito, esse sim, os réus haviam impugnado) absolvendo, consequentemente, os últimos dessa parte do pedido.
E foi dessa parte da sentença absolutória que os autores recorreram, já que entendem que, face aos factos dados como assentes, igualmente seria de declarar, e consequentemente condenar os réus a reconhecê-lo, o seu direito de propriedade sobre a referida parcela (que na sua tese faz parte integrante daquele prédio), com a área de 102,26 m2 (e já não com a área de 120 m2, como inicialmente reclamavam).
Parcela essa que os réus ocupam e que actualmente se integra no mesmo artº matricial (o 6º da secção L) em que se encontra inscrito o seu prédio (igualmente misto).
É, pois, unicamente essa questão, sobre o reconhecimento ou não do direito do direito de propriedade dos autores sobre a aludida parcela, que está aqui em discussão.
Está, assim, aqui em causa o direito de propriedade sobre a referida parcela, (e que os autores nesta acção reivindicam como sua).
3.2.1 Direito esse que, como é sabido, é o expoente máximo dos direitos reais de gozo e pode ser adquirido por uma das diversas formas estatuídas no artº 1316 do Código Civil (diploma ao qual nos referiremos sempre que doravante indiquemos somente o normativo sem a menção da sua origem),
Quando é posto em causa, a lei criou uma acção própria através do qual o seu titular pode fazê-lo reconhecer judicialmente: a acção de reivindicação, a qual não está sujeita à prescrição pelo decurso do prazo ao tempo (artº 1313).
Trata-se de uma acção petitória que «tem por objecto o reconhecimento do direito de propriedade por parte do autor e a consequente restituição da coisa por parte do possuidor ou detentor dela» (cf. Profs. Pires Lima e A. Varela in «Código Civil Anotado, Vol. III, pág.112»).
E daí dizer-se que são dois os pedidos que integram e caracterizam a acção de reivindicação: o reconhecimento do direito de propriedade (pronuntiatio), por um lado, e a restituição da coisa (condennatio), por outro. Tem-se, todavia, entendido, que se trata de uma cumulação aparente, dado que o pedido de entrega já contem implícito o do reconhecimento do direito de propriedade (vidé, por todos, prof. Alb. dos Reis, in “Comentário, vol. III., pág. 148” e Ac. do STJ de 14/5/81, in “BMJ 307 – 325”).
Face ao que supra se deixou exarado, facilmente se conclui estarmos na presença de uma típica acção de reivindicação (do direito de propriedade).
Para a procedência desse tipo de acção torna-se necessário a comprovação, por um lado, de um requisito subjectivo, que consiste em ser o autor o proprietário da coisa reivindicada, e, por outro, de um requisito objectivo, ou seja, a identidade entre a coisa reivindicada e a possuída pelos réus, cujo ónus de prova incumbe ao autor, por serem factos constitutivos do seu direito (artº 342, nº 1).
Como se viu, nesse tipo de acções a causa de pedir é um tanto ou quanto complexa, compreendendo tanto os actos ou os factos jurídicos de que deriva o direito de propriedade invocado pelo autor, como também a própria ocupação abusiva feita (pelos réus) do prédio reclamado ou reivindicado. Assim, para que tal acção possa ter êxito deverá, desde logo, o autor que alegar os factos correspondentes que permitam levar à prova do invocado direito de propriedade sobre a coisa, ou seja, terá que alegar factos que permitam demonstrar a aquisição desse direito real de propriedade.
Como regra, é insuficiente a invocação de uma forma de aquisição derivada (vg. contrato de compra e venda), por não ser constitutiva do direito de propriedade, mas somente translativa desse direito, a menos que se comprove que o direito já existia no transmitente, o que nem sempre é fácil e possível, e daí a conhecida designação da probatio diabolica.
Ora, a prova do direito deve ser feita pelo autor, não bastando justificar a própria aquisição, sendo também necessário provar o dominium auctoris ou usucapião, como forma de aquisição originária.
Por isso, o reivindicante terá de alegar factos dos quais resulte depois a prova da aquisição originária da dominialidade por parte de si ou da pessoa que lha transmitiu.
Só assim não será quando o autor beneficie da presunção legal de propriedade, como a resultante do registo (artº 7º do Código do Registo Predial). Na verdade, estatui-se em tal normativo que o “registo definitivo constitui presunção de que o direito existe e pertence ao titular inscrito, nos precisos termos em que o registo o define”.
Porém, vem constituindo hoje entendimento praticamente pacífico que presunção iuris tantum inserta em tal normativo não abrange os elementos de identificação do prédio constantes da descrição, sempre que exista uma desconformidade entre esta (no que concerne a algum daqueles elementos) e a realidade material do imóvel, designadamente quanto aos limites, estremas, áreas e confrontações (vidé, por todos, Ac. da RP de 16/1/95, in “CJ, Ano XX, T1 – 197”; Ac. RC de 2/2/93, in “CJ, Ano XVIII, T1 – 28”; Ac. RC de 18/3/2003, in “Rec. nº 1535/2002”; e Acs. do STJ de 27/1/93, de 11/3/99 e de 2/5/2002, respectivamente, in “CJ, Acs. do STJ, Ano I, T1 – 100”; “CJ, Acs. do STJ, Ano VII, T1 – 150” e in “Rec. Rev. nº 940/2002”).
Já agora deve dizer-se ainda que também se vem entendendo que as certidões matriciais constituem um mero elemento de identificação, sem que façam qualquer prova plena sobre a formação ou composição do prédio nelas inscrito (cfr., por todos, Ac. do STJ de 30/1/90, in “BMJ nº 393 – 597” e Ac. RC de 17/1/2006, in “Rec. Apelação nº 2987/05”).
Como é sabido, e resulta já do atrás exposto, a usucapião é uma das formas de aquisição originária dos direitos (reais de gozo, e nomeadamente do direito propriedade), cuja verificação depende de dois elementos: a posse (corpus/animus) e o decurso de certo período de tempo, variável consoante a natureza móvel ou imóvel da coisa, e as características da posse (cfr., nomeadamente, artº s 1251 e ss, 1256 e ss , 1287 e 1294 e ss), sendo que, nos termos do artº 1297, se a posse tiver sido constituída com violência ou tomada ocultamente, os prazos da usucapião só começam a contar-se desde cessação da violência ou desde que a posse se torne pública.
No que concerne àquele primeiro elemento (que é aquele que para o efeito e caso nos importa, por ora, analisar um pouco mais detalhadamente) ou seja, a posse traduz-se na prática, além do mais, reiterada, de actos materiais correspondentes ao direito que se reclama ou se reivindica.
Como é sabido, nesse domínio, o nosso ordenamento jurídico, aderiu à concepção ou corrente subjectivista da posse (cfr. artºs 1251 e 1253 do CC). Nesses termos, como elementos da posse fazem parte o corpus, que, como elemento externo, se identifica com a prática de actos materiais sobre a coisa, ou seja, com o exercício de certos poderes de facto sobre o objecto, de modo contínuo e estável, e o animus que, como elemento interno, se traduz na vontade ou intenção do autor da prática de tais actos se comportar como titular ou beneficiário do direito correspondente aos actos realizados. Elementos esses cuja presença simultânea se exige permanentemente, para que possa haver, na sequência da prática reiterada e contínua de actos materiais de posse, a aquisição, por via da usucapião, do correspondente direito ao exercício de tais actos. É que se só se verificar a presença daquele primeiro elemento (o corpus) a situação configura apenas uma mera detenção (precária), insusceptível de conduzir à dominialidade, ou seja, ao direito real de gozo que se reclama (cfr. artº 1253).
Porém, considerando a dificuldade de demonstrar a posse em nome próprio, ou seja, do referido animus, a lei estabeleceu uma verdadeira presunção (iuris tantum) do mesmo a favor de quem detém ou exerce os poderes de facto sobre a coisa, ou seja, presume-se que quem tem o corpus tem também o animus (cfr. artº 1252, nº 2, e assento, hoje com valor de acordão uniformizador de jurisprudência, do STJ de 14/5/96 , in “DR, II S, de 24/6/96, e ainda acordãos do STJ de 9/1/97 e de 2/5/99, respectivamente, in “CJ/STJ, T5 – 37” e “CJ/STJ, T2 – 126”). Pelo que, assim, podem ainda adquirir por usucapião, se a presunção de posse não for ilidida, os que exercem o poder de facto sobre uma coisa.
3.3 Posto isto, e aqui chegados, debrucemo-nos, agora, mais de perto sobre o caso em apreço (tendo sempre presentes tais considerações de cariz teórico-técnico).
No presente recurso, entendem os autores que, perante os factos dados como apurados, o reconhecimento do seu direito de propriedade sobre a aludia parcela emerge, desde logo, quer da presunção registral, existente a seu favor, inserta no citado artº 7º do CRPed., quer, por outro lado, da prova da sua aquisição originária, por via do instituto da usucapião.
Como suporte daquele 1º fundamento invocam os autores ter ficado provado que a casa existente no seu prédio misto acima referido ocupava parte da área de 102,26 m2 da parcela que aqui reivindicam e que a mesma se encontra registada na Conservatória Predial em nome da autora mulher (cf. conclusões 1ª e 2ª).
A tal propósito ficou, além do mais, provado, o seguinte:
-Na Conservatória do Registo Predial de Tomar, sob o nº 00325/190286 encontra-se descrita uma casa de habitação, sita em Carvalheiros, freguesia de Stª Maria dos Olivais, com a área de 42 m2, a confrontar do Norte, Sul e Poente com João Baptista Bento Lúcio e do Nascente, com Manuel da Graça (nº 2.3).
- Tal casa encontra-se inscrita, sob o art. 865, em nome dos autores, desde 10 de Fevereiro de 1986, por partilha da herança de Maximina Maria (nº 2.4).
- A casa de habitação identificada em C) e D) está dentro do terreno do prédio hoje inscrito na matriz sob o art. 5º, Secção L, freguesia de Stª Maria dos Olivais (nº 2.5), o qual tem uma área de 8200 m2 (nº 2.2).
- Casa que essa que, todavia, se encontra desabada há cerca de 47 anos (cfr. nºs 2.21 a 2.24), e que antes de ter derrocado ocupou parte da área de 102,26 m2 e a que se alude nos nºs 2.25 a 2.28 dos factos acima descritos como assentes (cfr. nº 2.29).
Ora, como se pode observar do confronto de tais factos, verifica-se, desde logo, a existência de uma desconformidade entre a descrição (registral) do aludido imóvel e a realidade material do mesmo, no que concerne especialmente à sua área (e tendo por base as pretensões, nessa matéria, aqui em discussão).
Desse modo, e como acima deixámos já expresso, a presunção registral do citado artº 7, em que se louvam os apelantes, não abrange área do respectivo imóvel descrito, isto é, tal presunção do direito de propriedade sobre imóvel em questão emergente desse normativo não se estende à área do mesmo, e nomeadamente àquela (referente à parcela) que é reivindicada por aqueles.
Logo, é assim manifesto que terá de naufragar o 1º fundamento em que se baseava a pretensão dos apelantes.
E igual sorte deverá ter o 2º fundamento invocado pelos mesmos, e pelo seguinte:
Todos os quesitos, e especialmente os nºs 26 a 33, contendo os factos (alegados pelos autores) relativos à prática de actos posse concernentes à parcela do terreno em discussão e conducentes à aquisição do seu direito de propriedade por aqueles, por via do instituto da usucapião, obtiveram respostas totalmente negativas, ou seja, os aludidos correspondentes factos de posse foram dados como não provados.
Logo, não tendo os autores feito prova - como lhes competia, nos termos do artº 342, nº 1, do CC -, da sua posse sobre a aludida parcela, falta, desde logo, o 1º grande pressuposto legal conducente à aquisição, por aqueles, do direito de propriedade, por via daquele instituto, sobre ela, sendo certo ainda que nem sequer lograram fazer qualquer prova do corpus, ou seja, do exercício do poder de facto sobre a mesma (através dos correspondentes actos materiais) e por forma a poderem beneficiar da presunção de posse (de que atrás falámos) consagrada no nº 2 do artº 1253.
Por fim, e em jeito de remate, deve ainda dizer-se que, face às respostas totalmente negativas que mereceram, a tal propósito, os supra referidos quesitos nºs 26 a 33 da base instrutória, vedado está o recurso, como vem constituindo entendimento largamente dominante do nosso mais alto tribunal, a eventuais presunções judiciais ou naturais para chegar a tal conclusão do exercício de posse pelos autores (vidé, por todos, o Ac. do STJ de 17/11/2005, in “Revista nº 2495/05 – 2ª sec.”).
Pelo que, por tudo o exposto, ter-se-á de julgar improcedente o recurso interposto pelos autores, confirmando-se, assim, a douta sentença da 1ª instância.
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III- Decisão
Assim, em face de tudo do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se, assim, a douta sentença da 1ª instância.
Custas do recurso pelos autores-apelantes (muito embora se deva tomar em consideração que os mesmos gozam, até ao momento, do benefício de apoio judiciário, em tal modalidade – cfr. desp. fls. 54).

Coimbra, 2006/01/31