Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3316/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: ASSISTENTE
LEGITIMIDADE PARA RECORRER
Data do Acordão: 11/23/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE ÁGUEDA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIME
Decisão: RECURSO REJEITADO
Legislação Nacional: ARTIGO 401º, N.º 1, AL. B), DO C. P. PENAL
Sumário: I- Só em decisões proferidas contra os assistentes, é que os mesmos têm legitimidade para interpor recurso independentemente de o M.º P.º ter recorrido ou não.
II- A averiguação de que a sentença afecta os direitos dos assistentes/recorrentes assenta nas conclusões do seu recurso.
Decisão Texto Integral: Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.

No processo supra identificado foi proferida sentença que julgou parcialmente procedente a acusação deduzida pelo Magistrado do Mº Pº contra o arguido:
A..., .
O qual vinha acusado da prática, em concurso efectivo, de:
- Dois crimes de homicídio por negligência, previstos e puníveis nos termos do art.° 137° n.°s 1 e 2 do Código Penal.
- Contra-ordenações ao disposto nos arts.° 24º n° 1, 25° n.° 1 als. c), f) e g), e 27° n.°s 1 e 3, todos do Código da Estrada.
Sendo decidido:
A) Julgar a acusação parcialmente procedente e, em consequência, condenar o arguido:
- Pela prática em autoria material de cada um dos crimes de homicídio por negligência, p. e p. pelo art. 137º n.º 1, do Cód. Penal, por referência ao art. 15º al. b), do mesmo diploma, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão;
- Em cúmulo jurídico das referidas penas, nos termos do art. 77º do Cód. Penal, na pena única de 2 (dois) anos de prisão, cuja execução se suspende pelo prazo de 4 (quatro) anos, nos termos do disposto no art. 50º do Código Penal.
- Na pena acessória de 1 (um) ano de proibição de conduzir veículos motorizados, nos termos do art. 69º n.º 1 al. b) do Cód. Penal.
- Pela prática da contra-ordenação p. e p. nos termos do disposto nos arts. 27º n.ºs 1 e 3 e 139º n.º 2 do Código da Estrada, na coima de 200,00 (duzentos) Euros e na sanção acessória de proibição de conduzir pelo período de 4 (quatro) meses, que acresce ao tempo de proibição aplicada por força do art. 69º n.º 1 al. b) do Cód. Penal.
B) Julgar parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pelo Instituto de Solidariedade e segurança Social e, em consequência, condenar a demandada Global, Companhia de Seguros, S.A. a pagar-lhe a quantia de Euros 16.047,64 (dezasseis mil, quarenta e sete euros e sessenta e quatro cêntimos), respeitante a subsídios por morte e pensões de sobrevivência pagas aos herdeiros das vítimas, mais as vencidas e pagas na pendência da acção, e juros desde a notificação para contestar até integral pagamento, à taxa de 4%.
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Inconformado, da sentença, interpuseram recurso as assistentes B... e C....
São do seguinte teor as conclusões, as quais delimitam o objecto do mesmo:
1- O acidente deu-se devido a culpa grave e exclusiva do arguido que violou grosseiramente as mais elementares regras estradais.
2- Não resultou de uma simples distracção ou de uma imprudência ligeira.
3- Conduzindo, dentro de uma localidade, a mais de 100Km/hora, com uma taxa de alcoolémia superior à legalmente prevista, tinha o arguido, como de resto qualquer cidadão comum, a obrigação de prever, como possível ou mesmo provável, a ocorrência de um sinistro.
4- Sendo, como é, grosseira a negligência do seu comportamento, deve o mesmo ser subsumido à previsão do nº 2 do artigo 137° do Código Penal.
5- Face ao elevado grau da ilicitude e da culpa e bem assim ao dramático resultado do criminoso comportamento do arguido, consubstanciado na morte brutal de dois seres humanos na pujança da vida, deve a pena aplicada em concreto aproximar-se da metade da moldura penal com reflexo proporcional no cúmulo a efectuar.
6- E deve a sentença, na parte em que aplicando erradamente o artigo 50° do Código Penal, suspende a execução da pena ser revogada e substituída por outra que condene em prisão efectiva.
7- A tanto obriga, desde logo, a finalidade ético retributiva da pena que a não ser cumprida, deixaria a sensação generalizada de injustiça face ao dramático resultado do comportamento do arguido, à sua culpa e elevado grau de ilicitude do respectivo comportamento.
8- A censura e a simples ameaça de prisão não realizam de forma adequada a finalidade preventiva especial da pena. É, com efeito, de supor que o arguido reincidirá no seu comportamento rodoviário criminoso se não sofrer em concreto pelos crimes praticados e pelos quais foi julgado nos presentes autos.
9 - E, sobretudo, a sensação de injustiça e impunidade que resultará do não cumprimento de pena pelo arguido, junto da opinião pública, é altamente nociva para a finalidade de prevenção geral, reclamada pelo crescente aumento de acidentes rodoviários que tantas vidas ceifam e colocam Portugal à testa da Europa nas cifras da irresponsabilidade rodoviária.
10- Dando, pois provimento ao presente recurso farão Vªs Excias, como sempre Justiça.
Respondeu o arguido, concluindo:
1. O arguido agiu com negligência inconsciente, uma vez que não chegou sequer a representar a possibilidade de realização de facto- al. b) do art. 15° do Código Penal.
2. Efectivamente não ficou provado nem constava da acusação que tivesse representado como possível o acidente e a morte das vítimas.
3. O arguido não agiu com negligência grosseira, não integrando a sua conduta a agravação constante do art. 137° do Código Penal, uma vez que a negligência grosseira deve ser aferida, por um lado pela culpa, e por outro a partir da perigosidade do próprio comportamento o e da probabilidade do resultado à luz da conduta adoptada.
4. Ora, ao nível da culpa trata-se, como vimos, de negligência inconsciente, e ao nível do comportamento e da probabilidade deste gerar o resultado é de concluir que o comportamento do arguido não obstante ser negligente não constitui acção consequenciadora da quase inevitabilidade do desastre.
5. Deve ser suspensa, nos termos do art. 50º do Código Penal, da pena de prisão aplicada ao arguido, uma vez que atendendo à sua personalidade, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, deve ser formulado um prognóstico favorável no sentido de que a simples censura do facto e ameaça de prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
6. O arguido agiu com baixa intensidade do seu grau de culpa - negligência inconsciente.
7. Sofreu com o acidente e com as consequências deste ao ponto de ter de receber apoio psiquiátrico.
8. Não tinha antecedentes criminais ou rodoviários.
9. É bem considerado no seu meio, é pessoa educada, respeitadora, sossegada e integrado social e familiarmente, vivendo com a sua mãe.
10. Estuda no 2° ano de Economia.
11. E é pessoa socialmente activa, estando envolvido em projectos culturais e associativos.
12. O arguido tinha à data da prática dos factos apenas 20 anos de idade.
13. Sendo que a Lei, nomeadamente o DL n.º 401/82, 23 de Setembro (Regime Penal Especial para Jovens com Idades Compreendidas entre os 16 e os 21 anos), aponta claramente para os arguidos com menos de 21 anos, para um tratamento diferenciado que evite os efeitos estigmatizantes da pena de prisão.
14. Considerando a personalidade do arguido, o qual se encontra plenamente integrado familiar e socialmente, onde é considerado como uma pessoa educada, respeitadora e educada, o qual ficou afectado pelas consequências do acidente, deverá ser julgado, como foi pelo tribunal “a quo", não haver a necessidade de limitação da liberdade do arguido, sendo suficiente a simples censura do facto e a ameaça da aplicação da pena de prisão para desviar o arguido da prática de futuros crimes, satisfazendo, desse modo, as necessidades de reprovação e prevenção de crimes de infracções rodoviárias idênticos por parte do arguido.
Termos em que deve o recurso ser julgado improcedente e mantida a decisão recorrida.
Respondeu a magistrada do Mº Pº, concluindo:
1) Em face da matéria de matéria de facto assente na douta sentença impunha-se a condenação do arguido pela prática de dois crimes de homicídio negligentes, p. e p. pelo art. 137°, nº 1 do C. Penal e art. 15°, al. b) do C. Penal, uma vez que não se verificam os requisitos impostos pelo art. 137°, nº 2 do mesmo diploma;
2) Ou seja, a actuação do arguido não comporta o grau substancialmente agravado de culpa e ilicitude que a negligência grosseira exige, nem se pode provar que o arguido - apesar de circular em excesso de velocidade - executava manobra temerária de acrescida ilicitude e risco que fizesse supor a inevitabilidade do desastre, sendo ainda de referir que a título subjectivo o grau de culpa se traduziu em negligência inconsciente;
3) Em face à graduação da ilicitude, culpa e intensidade do dolo feita pelo Mmo Juiz a quo, às circunstâncias que motivaram a prática do crime e atendendo às exigências concretas de prevenção geral e especial, entendemos que a pena aplicada (2 anos de prisão em cúmulo jurídico) é adequada;
4) Por outro lado, uma vez que o arguido, como resulta quer da fundamentação de facto quer da fundamentação de direito da douta sentença recorrida, não possui antecedentes criminais ou rodoviários, tem 20 anos de idade e está bem integrado no meio social e familiar, e que a simples ameaça da pena de prisão realiza de forma adequada as finalidades da punição, bem andou o Mmº Juiz ao suspender a pena de prisão pelo período de quatro anos, nos termos do art. 50 do CP.
Nesta Instância, o Ex.mº Procurador Geral Adjunto emite parecer no sentido da ilegitimidade das assistentes para recorrerem, nos termos em que o fazem, por falta de interesse em agir, e em consequência a rejeição do recurso.
Foi cumprido o art. 417 nº 2 do CPP.
Não houve resposta.
Colhidos os vistos.
Continuamos a entender que o recurso merece solução de rejeição, pelo que será julgado em conferência.
Cumpre decidir.
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Há que analisar a questão prévia suscitada pelo Exmº PGA, junto deste Tribunal.
A acusação formulada pelo Mº Pº consta de fls. 163 e segs.
As assistentes/recorrentes foram notificadas nos termos e para os efeitos do disposto no art. 284 do CPP, e nada disseram.
Nos termos do art. 401 nº 1 al. b) do CPP, tem legitimidade para recorrer o assistente, de decisões contra ele proferida, acrescentando o nº 2, que não pode recorrer quem não tiver interesse em agir.
Nos termos do art. 69, do mesmo CPP, os assistentes têm a posição de colaboradores do Mº Pº, a cuja actividade subordinam a sua intervenção no processo, competindo-lhes interpor recurso das decisões que os afectem, mesmo que o Mº Pº o não tenha feito.
A expressão, “decisões que os afectem” tem o mesmo significado que, “decisões contra eles proferidas” (arts. 69 e 401 do CPP).
Só em decisões contra os assistentes proferidas, é que os mesmos têm legitimidade para interpor recurso independentemente de o Mº Pº ter recorrido ou não.
Assim, e perante as conclusões, que delimitam o objecto do recurso, se averiguará se a sentença afecta os direitos das assistentes/recorrentes, isto é, se ficará a saber se a sentença foi contra elas -assistentes- proferida.
As questões suscitadas pelas recorrentes, são:
1- Qualificação jurídica dos factos, entendendo que os mesmos integram a previsão do nº 2 do art. 137 do CPP, e não apenas o nº 1;
2- Brandura da pena em concreto aplicada, entendendo que deve aproximar-se da metade da moldura, e com reflexo no cúmulo jurídico;
3- Suspensão da execução da pena, entendendo que a ela não havia lugar;
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Concordamos inteiramente com o parecer do Exmº PGA, entendendo que, face aos fundamentos do recurso, verifica-se ilegitimidade das recorrentes e falta de interesse em agir.
É vasta a jurisprudência que já se debruçou sobre esta questão, bastante da qual citada pelo Exmº PGA.
As assistentes recorrentes não deduziram acusação, nem acompanharam a acusação deduzida pelo Mº Pº, quando notificadas para o efeito (o que em nada altera o seu estatuto processual de assistentes).
Assim, a sua legitimidade para recorrer estava sempre subordinada a recurso apresentado pelo Mº Pº, o que não acontece, pois como consta da resposta apresentada, o Mº Pº concorda com todos os termos da sentença.
Como refere o prof. Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, vol. I, pág. 310, “as decisões afectam ou são proferidas contra os assistentes quando são contrárias às pretensões por eles sustentadas no processo. Não se trata de afectar ou contrariar interesses pessoais, pois que os interesses dirimidos no processo penal são essencialmente públicos, mas contrários às posições processuais sustentadas pelos assistentes”.
Sobre esta matéria se pronunciou o Ac. do STJ de 15-01-1997, in Col. Jurisp. tomo I, pág. 188, onde se refere que na acusação, quer pública, quer particular, pede-se a condenação do arguido e não a condenação e determinada pena, com ou sem suspensão de execução, ou qualquer regime específico que a lei preveja.
Nesse acórdão foram decididas matérias idênticas às aqui em análise, e da seguinte forma:
“I- A decisão é proferida contra o assistente e nessa medida afecta-o, para efeitos de legitimar o seu direito de recorrer, quando der como improcedente a acusação e absolver o arguido; se este for condenado em pena mais ou menos pesada e eventualmente suspensa na sua execução, não é o assistente vencido; a decisão não foi contra ele proferida, nem o afectou juridicamente, porque nenhuma pretensão por ele formulada foi rejeitada pelo Tribunal. Neste caso, o assistente, pediu e obteve a condenação do arguido. II- O assistente só poderá recorrer livremente da sentença condenatória na parte referente à medida da pena imposta se houver acusado e se tratar de procedimento dependente de acusação particular. III- No caso de se tratar de procedimento que não dependa de sua acusação, e porque aí só poderá acusar se o Mº Pº o fizer, também só poderá recorrer da medida da pena se o Mº Pº o fizer também”.
Também no Assento de 30-10-1997, in BMJ 470-39, se decidiu que, “”o assistente não tem legitimidade para recorrer, desacompanhado do Mº Pº, relativamente à espécie e medida da pena aplicada, salvo quando demonstrar um concreto e próprio interesse em agir”.
E, no Ac. do STJ de 6-11-1997, in Col. tomo III, pág. 231 se decidiu que, “o assistente não tem legitimidade para recorrer, ao pedir o agravamento de pena imposta ao arguido ou a sua condenação por crime diverso do considerado no acórdão recorrido”.
E, no caso em análise não houve condenação por crime diverso, mas por tipo incriminador diverso. Como salienta o professor Germano Marques da Silva, in Curso d Processo Penal, vol. I, pág. 381, “crime diverso não é o mesmo que tipo incriminador diverso. É que o mesmo juízo de desvalor pode ser comum a diversas normas, a diversos tipos, que mantendo em comum o juízo de ilicitude, divergem apenas na sua quantidade, não na essência, mas na gravidade”.
No caso vertente, a posição das assistentes/recorrentes não se mostra afrontada pela natureza da condenação ou pela medida da pena aplicada ao arguido, até porque a sua posição processual se limitou a aderir de forma implícita à acusação deduzida pelo Mº Pº.
Assim, é manifesta a ilegitimidade das assistentes para recorrerem , pelo que o recurso deve ser rejeitado, atento o disposto nos arts. 69, 401, 414 e 420 do CPP.
A rejeição do recurso impede que se conheça de mérito.
Decisão:
Acordam os Juizes que compõem a Secção Criminal deste Tribunal da Relação de Coimbra em rejeitar o recurso apresentado pelas assistentes B... e C..., por não terem condições necessárias para recorrer, arts. 69 nº 1 e 2 al. c), 401 nº 1 al. b), 414 nº 2 e 420 nº 1, todos do CPP.
Custas pelas recorrentes com taxa de justiça de 5 Ucs nas quais se engloba a prevista no art. 420 nº 4 do CPP, para cada uma.

Coimbra,