Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
121/07.0T8FIG.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FELIZARDO PAIVA
Descritores: REGIME JURÍDICO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO EMERGENTES DO CONTRATO DE SERVIÇO DOMÉSTICO.
CONTRATO DE SERVIÇO DOMÉSTICO – JUSTA CAUSA DE RESCISÃO DO CONTRATO.
INDEMNIZAÇÃO.
NULIDADE DE SENTENÇA: FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
Data do Acordão: 10/26/2018
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA- JUÍZO DO TRABALHO DA F. FOZ
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE APELAÇÃO - SECÇÃO SOCIAL
Decisão: IMPROCEDENTE
Legislação Nacional: ARTºS 2º, AL. D), 29º E 31º DO DEC. LEI Nº 235/92, DE 24/10; ARTºS 9º, 353º E 357º DO C.T.. ARTº 615º, Nº 1, AL. B) DO NCPC
Sumário:
I – A nível jurisprudencial desde há muito que os tribunais superiores, pacificamente, tem considerado que a nulidade prevista na alínea b) do nº1 do artigo 615º do Código de Processo Civil apenas se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos e não quando a fundamentação se mostra deficiente, errada ou incompleta (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8/4/1975-BMJ 246º, p.131; Acórdão da Relação de Lisboa de 10/3/1980-BMJ 300º, P.438; Acórdão da Relação do Porto de 8/7/1082-BMJ 319º, p.343; e, mais recentemente, Acórdão da Relação de Coimbra de 6/11/2012, P. 983/11.5TBPBL.C1 e Acórdão da Relação de Évora de 20/12/2012, P. 5313/11.3YYLSB-A.E1, todos disponíveis em www.dgsi.pt.).
II - Nos termos do artº 29º do DL 235/92, de 24/10 “ (diploma que estabelece o regime jurídico das relações de trabalho emergentes do contrato de serviço doméstico) “1 - Constitui justa causa de rescisão qualquer facto ou circunstância que impossibilite a manutenção, atenta a natureza especial da relação em causa, do contrato de serviço doméstico. 2 - Ocorrendo justa causa, qualquer das partes pode pôr imediatamente termo ao contrato. 3 - No momento da rescisão do contrato devem ser referidos pela parte que o rescinde, expressa e inequivocamente, por escrito, os factos e circunstâncias que a fundamentem. 4 - A existência de justa causa será apreciada tendo sempre em atenção o carácter das relações entre as partes, nomeadamente a natureza dos laços de convivência do trabalhador com o agregado familiar a que presta serviço”.
III - Esta norma deverá ser conjugada mutatis mutandis com o disposto no artº 353º do CT (nota de culpa), com o nº4 do artº 357º, e com o nº3 do artº 387º ambos do mesmo diploma, pelo que na ação de apreciação judicial da rescisão o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da comunicação escrita enviada ao trabalhador em que manifestou a vontade de fazer cessar o contrato com justa causa.
IV - Ora, “enquanto o artigo 395.º, n.º 1, do CT usa a expressão “com indicação sucinta dos factos que a justificam”, o artigo 29.º, n.º 3, da lei do serviço doméstico determina que a parte que o rescinde deve referir, “expressa e inequivocamente, os factos e circunstâncias” que fundamentem a rescisão. Ou seja, a redacção do artigo 29.º, n.º 3, da lei do serviço doméstico está mais próxima, em termos de conteúdo, da redacção do artigo 353.º, n.º 1, do CT, que sob a epígrafe ‘Nota de culpa’, prescreve: “(…), juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados”. Ora, como é sabido, a nota de culpa deve localizar no tempo e no lugar e descrever o modo como os factos foram praticados, de forma a permitir que o trabalhador os individualize e identifique, a fim de organizar correctamente a sua defesa. Por sua vez, o artigo 398.º, n.º 3, estipula: “Na acção em que for apreciada a ilicitude da resolução apenas são atendíveis para a justificar os factos constantes da comunicação referida no n.º1 do artigo 395º.”. E não também factos que, posteriormente, possam ser alegados no respectivo articulado da ação de impugnação. Este normativo assemelha-se ao n.º 4, parte final, do artigo 357.º do CT: “(…), não podendo ser invocados factos não constantes da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo se atenuarem a responsabilidade.”. A nosso ver, tal doutrina deve ser aplicada no regime jurídico do serviço doméstico, mais que não seja por força do citado artigo 9.º do CT/2009. A finalidade de tais normativos é, assim, a de garantir ao empregador (no caso de resolução pelo trabalhador), como ao trabalhador (no caso de despedimento pelo empregador invocando justa causa), além do mais, o direito ao contraditório, princípio fundamental do direito. O direito ao contraditório, e consequente direito à defesa, como é o caso, só podiam ter sido exercidos pela autora, cabalmente, se a comunicação de rescisão tivesse referido “expressa e inequivocamente, os factos e circunstâncias” que a fundamentavam, isto é, se o réu tivesse descrito de forma concreta e circunstanciada - no lugar, no tempo e no modo -, os factos imputados à autora, na carta de rescisão” – Acórdão da Relação do Porto de 29 de Fevereiro de 2016, retirado de www.dgsi.pt.
V – Se bem que a existência de justa causa deva ser apreciada tendo sempre em atenção o carácter das relações entre as partes, nomeadamente a natureza dos laços de convivência do trabalhador com o agregado familiar a que presta serviço, o facto do trabalhador não manter boas relações pessoais com alguns dos outros trabalhadores e da entidade empregadora não gostar também da forma como o trabalhador se lhe dirige e como fala consigo não constituem, sem mais, justa causa para se decretar o despedimento.
VI - A lei fala genericamente de indemnização, não distinguindo se a ilicitude resulta de razões substanciais ou formais (artº 31 do DL 235/92, de 24/10, “o despedimento decidido com alegação de justa causa e que venha a ser judicialmente declarado insubsistente, não havendo acordo quanto à reintegração do trabalhador, confere a este o direito a uma indemnização correspondente à retribuição de um mês por cada ano completo de serviço ou fracção, decorrido até à data em que tenha sido proferido o despedimento, nos casos de contrato sem termo ou com termo incerto, e às retribuições vincendas, nos casos de contrato com termo certo”).
VII - O despedimento ilícito quer tenha por base razões substanciais ou formais deve dar lugar a indemnização sob pena deste preceito se tornar “letra morta”.
VIII - A ilicitude do despedimento confere a trabalhador o direito a uma indemnização correspondente à retribuição de um mês por cada ano completo de serviço ou fracção, decorrido até à data em que tenha sido proferido o despedimento, nos casos de contrato sem termo.
IX - Contrato de serviço doméstico “é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a outrem com carácter regular, sob a sua direcção e autoridade, actividades destinadas à satisfação das necessidades próprias ou específicas de um agregado familiar e dos respectivos membros, nomeadamente: vigilância e assistência a pessoas idosas e doentes (artigo 2.º, d), do DL n.º 235/92 de 24/10).
X - Conforme resulta deste regime das relações de trabalho emergentes do contrato de serviço doméstico, no caso de despedimento com alegação insubsistente de justa causa e que venha a ser judicialmente declarado como tal, o mesmo confere ao trabalhador o direito a uma indemnização correspondente à retribuição de um mês por cada ano completo de serviço ou fracção, nos casos de contrato sem termo e às retribuições vincendas, nos casos de contrato com termo certo – artigo 31.º do citado DL n.º 235/92, de 24/10.
XI - Significa isto que os trabalhadores do serviço doméstico com contrato sem termo, no caso de despedimento ilícito, têm direito a receber uma indemnização mas já não as retribuições que deixaram de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a sua ilicitude, ou seja, a compensação a que alude o artigo 390.º do CT., sendo que, “ao contrato de trabalho com regime especial aplicam-se as regras gerias deste Código que sejam compatíveis com a sua especificidade” - artigo 9.º do CT.
XII - O contrato de serviço doméstico rege-se por uma legislação especial que, no respeitante aos efeitos do despedimento ilícito, apenas prevê uma indemnização por antiguidade mas já não a reintegração, sendo que, a “declaração de ilicitude do despedimento não produz efeitos retroactivos, não repõe em vigor o contrato de trabalho a que o empregador, malogradamente, havia tentado por cobro, pelo que não se operando a restauração natural, não existe direito à reintegração do trabalhador, nem tão pouco ao recebimento dos salários de tramitação.
Decisão Texto Integral:
Apelação 121/17.0T8FIG.C1
Relator: Felizardo Paiva.
Adjuntos: Jorge Loureiro.
Paula Roberto.
Acordam os Juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra
I – V... veio intentar a presente acção com processo especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento contra M..., pedindo que seja declarada a ilicitude ou a irregularidade do seu despedimento.
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A Entidade Empregadora veio apresentar o seu articulado alegando, para o efeito e muito em síntese, que, devido aos comportamentos culposos e graves do Trabalhador ao seu serviço, o despediu de forma lícita e regular, pedindo que seja declarado regular e lícito o despedimento por si promovido e, em consequência, ser absolvida com as legais consequências.
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O Trabalhador apresentou contestação alegando para o efeito e muito em resumo, que o seu despedimento é, devido ao facto de não constarem da comunicação do despedimento quaisquer factos concretos aproveitáveis para o efeito e por não ter praticado os factos que lhe foram assacados, ilícito, com as consequências legalmente previstas,
Pede que o articulado do empregador seja considerado improcedente e a contestação e o pedido reconvencional considerados como provados e procedentes sendo, em consequência, decretado: 1. A invalidade do despedimento do A., por ilicitude e irregularidade; 2. A condenação da empregadora no pagamento de todas as retribuições em falta no valor de € 4.438,64; 3. A condenação da empregadora no pagamento das retribuições e subsídios intercalares devidos até trânsito em julgado da decisão condenatória, ascendendo na presente data ao montante de €2.077,28; 4. A condenação da empregadora no pagamento de uma indemnização por despedimento ilícito no valor de €8.925,00; 5. A condenação da empregadora no pagamento ao A. de uma indemnização por danos não patrimoniais no valor de €2.500,00; 6. A condenação da empregadora no pagamento de juros moratórios vencidos, ascendendo na presente data o montante de €112,07, bem como juros vincendos.
Alegou, para o efeito e muito em resumo, que o seu despedimento é, devido ao facto de não constarem da comunicação do despedimentos quaisquer factos concretos aproveitáveis para o efeito e por não ter o Trabalhador praticado os factos que lhe foram assacados, ilícito, com as consequências legalmente previstas, tendo também direito ao pagamento dos restantes créditos laborais peticionados.
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Entidade Empregadora respondeu à Contestação/reconvenção referindo, a final, que “se conclui como no articulado do empregador. Mais se requer a condenação do A. como litigante de má-fé, nos termos expendidos”.
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II – Admitida a reconvenção e proferido despacho saneador, sem fixação dos temas da prova, prosseguiram os autos a sua tramitação tendo, a final, sido proferida sentença que julgou procedente a presente acção, bem como parcialmente procedente a reconvenção deduzida pelo Trabalhador-Reconvinte V..., e, em consequência:
a) Declarou ilícito o despedimento do Trabalhador V... efetuado pela Entidade Empregadora M..., absolvendo o Trabalhador V... do pedido contra si deduzido pela Entidade Empregadora M...;
b) Condenou a Entidade Empregadora-Reconvinda M... a pagar ao Trabalhador-Reconvinte V..., a título de indemnização pelo seu despedimento, a quantia total de €5.100 (cinco mil e cem euros), acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos desde 26/1/2017 e até efectivo e integral pagamento;
c) Condenou a Entidade Empregadora-Reconvinda M... a pagar ao Trabalhador-Reconvinte V..., a título de retribuições, férias, subsídio de férias e de Natal, a quantia total de €4.320,84 (quatro mil trezentos e vinte euros e oitenta e quatro cêntimos) acrescida de juros de mora, à taxa legal, vencidos e vincendos desde a data do vencimento dessas obrigações e até efectivo e integral pagamento;
d) Absolveu a Entidade Empregadora-Reconvinda M... do demais peticionado pelo Trabalhador-Reconvinte V...;
e) Não condenou qualquer das partes como litigante de má fé.
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III – Inconformada, e arguindo expressa e separadamente a nulidade da sentença, veio a empregadora apelar, alegando e concluindo:
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Notificado da apresentação do recurso veio ao trabalhador recorrer SUBORDINADAMENTE, concluindo:
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Respondeu a empregadora, concluído:
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Recebida a apelação o Exmº PGA emitiu parecer no sentido da confirmação do julgado.
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Corridos os vistos legais cumpre decidir.
Da 1ª instância vem assente a seguinte factualidade:
...
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V - Conforme decorre das conclusões da alegação dos recorrentes que, como se sabe, delimitam o objecto do recurso, as questões a decidir podem enunciar-se do seguinte modo:
1. Se a sentença é nula
2. Se ocorre insuficiência de fundamentação da matéria de facto.
3. Se esta matéria de facto deve ser alterada.
4. Se ocorreu justa causa de despedimento e, em caso negativo, (i) se há lugar ao pagamento de indemnização por ilicitude daquele; (ii) se o valor desta indemnização deve ser agravado e (iii) se há lugar ao apagamento de salários intercalares.
5. Se são devidos os salários de Dezembro de 2016 e Janeiro de 2017 e os subsídios de férias e de Natal de 2016
6. Se o recorrente subordinado litiga de má fé.
1. Da nulidade da sentença:
Alega a recorrente que a sentença é nula nos termos da al. b) do nº 1 do artº 615º do CPC por não ter especificado os factos que eram essenciais para que pudesse alcançar a decisão de direito que alcançou, uma vez que para poder condenar a ré a pagar a remuneração correspondente às férias e ao subsídio de férias de 2016 era necessário que tivesse dado como provado que o autor não gozara tais férias nem recebera o respectivo subsídio, da mesma forma que para condenar a ré no pagamento de uma indemnização de 5.100 € pela antiguidade era necessário que tivesse dado por provado quando começara a relação contratual entre as partes.
Decidindo:
Ensina-nos Alberto dos Reis que: “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto. Se a sentença especificar os fundamentos de direito, mas não especificar os fundamentos de facto, ou vice-versa, verifica-se a nulidade (…)”- Código de Processo Civil anotado, Vol. V, pag.140.
O mesmo entendimento tem sido defendido por doutrina mais recente.
Como refere Teixeira de Sousa, In “Estudos sobre o Processo Civil”, pg. 221. “esta causa de nulidade verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia), mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. Nesta hipótese, o tribunal viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (art. 208º, n.º 1, CRP; art. 158º, n.º 1)”, acrescentando o mesmo autor que “o dever de fundamentação restringe-se às decisões proferidas sobre um pedido controvertido ou sobre uma dúvida suscitada no processo (...) e apenas a ausência de qualquer fundamentação conduz à nulidade da decisão (...); a fundamentação insuficiente ou deficiente não constitui causa de nulidade da decisão, embora justifique a sua impugnação mediante recurso, se este for admissível”.
Ou, como refere Lebre de Freitas, CPC Anotado, pg. 297 “há nulidade quando falte em absoluto indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação” .
No mesmo sentido diz o Conselheiro Rodrigues Bastos, “Notas ao Código de Processo Civil”, III, 194, que “a falta de motivação a que alude a alínea b) do n.º 1 é a total omissão dos fundamentos de facto ou dos fundamentos de direito em que assenta a decisão; uma especificação dessa matéria apenas incompleta ou deficiente não afecta o valor legal da sentença”.
A nível jurisprudencial, desde há muito que os tribunais superiores, pacificamente, tem considerado que a nulidade prevista na alínea b) do nº1 do artigo 615º do Código de Processo Civil, apenas se verifica quando haja falta absoluta de fundamentos e não quando a fundamentação se mostra deficiente, errada ou incompleta (cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 8/4/1975-BMJ 246º, p.131; Acórdão da Relação de Lisboa de 10/3/1980-BMJ 300º, P.438; Acórdão da Relação do Porto de 8/7/1082-BMJ 319º, p.343; e, mais recentemente, Acórdão da Relação de Coimbra de 6/11/2012, P. 983/11.5TBPBL.C1 e Acórdão da Relação de Évora, de 20/12/2012, P. 5313/11.3YYLSB-A.E1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.).
Uma simples leitura da sentença sob recurso revela, sem necessidade de grande esforço, que a mesma não é nula por falta de fundamentação.
Da mesma constam quer os fundamentos de facto (reproduzidos neste acórdão) quer os fundamentos de direito que levaram à decisão proferida, em absoluto respeito pelo princípio da fundamentação consagrado no artigo 205º da Constituição da República Portuguesa.
Pode é discordar-se da mesma. É um direito das partes.
Mas, a insuficiência da factualidade decidida ou a falta de fundamentação da decisão da matéria de facto, não se confunde com o dever de fundamentação da decisão final a que alude o artigo 615º, nº1, alínea b) do mesmo Código (cfr. Acórdão Relação do Porto, de 13/5/2013, P. 996/11.7TBMAL.P1, disponível em www.dgsi.pt).
Relembrando as palavras de Alberto dos Reis: “(…) também não é causa de nulidade da sentença a circunstância de o juiz ter deixado de fazer o exame crítico das provas de que lhe competia conhecer. É certo que, em obediência ao art. 659º, cumpre ao juiz fazer esse exame; se o não fizer, a sentença é defeituosa, mas não é nula, contanto que nela se indiquem os factos que o juiz teve como provados e sobre os quais assentou a sua decisão”- obra citada, pag. 141.
Em suma, nos presentes autos, não se verifica a nulidade da sentença prevista na alínea b) do nº1 do referido artigo 615º e a discordância com o decidido apenas terá cabimento em sede de impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Improcede, pois, a arguida nulidade da sentença
2. Da insuficiente fundamentação da matéria de facto:
Alega a apelante (cfr. conclusões 1ª a 3ª) que a fundamentação/motivação da sentença em recurso é não só insuficiente como errónea, ficando comprometida a sua validade jurídica por força do incumprimento do disposto nos artºs 154º/1 e 607º/4 do CPC e do dever de proceder a um exame crítico das provas, impondo-se, como tal, a sua revogação em sede de recurso
Impunha-se ao Tribunal a quo que tivesse explicitado as razões pelas quais relativamente a cada ponto de facto controvertido entendia que o depoimento de cada uma das testemunhas era ou não era credível - uma vez que só assim a decisão judicial era transparente, poderia ser percepcionada pelas partes e compreendida pelo Tribunal ad quem.
A propósito da questão em epígrafe escreveu-se no Ac. desta Relação de 14.01.2016, proferido no processo 245/11.8TTGRD.C1, que “o dever de fundamentar impõe-se ao juiz, desde logo por imperativo constitucional - artº 205, nº1, da CRP, mas também legal - art.º 154º do Novo CPC e art.º 158º do Velho CPC. Compreende-se a imposição de tal dever, pois só indicando as premissas que levaram à conclusão consubstanciada na decisão proferida poderá a mesma ser entendida em toda a sua extensão, permitindo aferir da sua legalidade, mas também da sua justeza e adequação à situação em análise, e assim prendendo-se com a própria garantia do direito de recurso bem como a legitimação da decisão judicial em si mesma.
Neste enquadramento mostra-se consagrado o dever de fundamentar as decisões sobre a matéria de facto, previsto no nº 4 do artº 607º, do Novo CPC, consignando-se que a “decisão proferida declarará quais os factos que o tribunal julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas e especificando os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador”. Na mesma linha prescrevia o artº 659º, nº 3, do Velho CPC.
Diga-se que a exigência decorrente destes preceitos legais não deverá ser meramente formal, antes passa pela indicação expressa das razões que levaram à formulação do decidido, ainda que não se imponha ao tribunal que descreva de forma minuciosa todo o processo de raciocínio que incidiu sobre a prova submetida à sua apreciação, bastando que sejam indicados, de forma clara e inteligível, quais os meios de prova de que se serviu para a análise crítica dos factos a decidir, enunciando-se as razões ou motivos substanciais porque os mesmos relevaram ou obtiveram credibilidade no espírito do julgador- cfr. Lopes do Rego, in Comentário ao Código de Processo Civil, vol. I, pag. 545, por forma a que se possa controlar a razoabilidade da convicção expressa - cfr. Teixeira de Sousa, in Estudos Sobre o Novo Processo Civil, pag. 348.
Acresce que essa exigência de motivação é absolutamente indispensável para o controle, pelo Tribunal superior, dessa convicção do juiz de 1ª instância.
É que importa ter sempre presente que um dos princípios basilares, em termos de apreciação de prova, é o da liberdade de julgamento, segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas e decide apenas com base na sua prudente convicção acerca de cada facto, não se exigindo, portanto, a este Tribunal da Relação que, no âmbito de uma reapreciação da prova produzida na audiência de discussão e julgamento levada a cabo na 1ª instância, procure formar uma nova convicção em termos de matéria de facto, circunstância que, pela própria natureza das coisas, levaria a que se devesse proceder a uma sistemática e global apreciação de toda a prova produzida em audiência, mas apenas a detecção e correcção de eventuais mas concretos erros de julgamento.
Na verdade, o que este Tribunal da Relação é chamado a fazer é verificar se a convicção expressa pelo Tribunal de 1ª instância na prolação de decisão sobre matéria de facto, e em relação aos pontos concretos objecto de impugnação, tem suporte razoável nos elementos de prova apresentados nos autos e produzidos em audiência, e, consequentemente, se uma tal decisão não deriva de erro de julgamento.
O controlo da matéria de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode deixar de respeitar a livre apreciação da prova obtida, na 1ª Instância, com base nos princípios da imediação e da oralidade.
A prova testemunhal é apreciada livremente pelo juiz (artºs 396º do C.C. e 607º, nº 5, do CPC) e que, como é sabido, a convicção do julgador forma-se em função da credibilidade que os depoimentos lhe merecem. Quem está em melhores condições para apreciar os depoimentos prestados em audiência é, atento o imediatismo impossível de obter na análise da matéria de facto na Relação, o julgador de 1ª instância, que, por ser quem presencialmente conduz a audiência de julgamento, se encontra numa posição privilegiada para avaliar o depoimento em concreto, captando pormenores, reacções, hesitações, expressões e gestos, impossíveis de transparecer pela simples audição das gravações dos depoimentos.
Como refere Abrantes Geraldes, in Recursos no Processo do Trabalho, novo regime, 2010, pag. 67 “sem embargo dos naturais condicionalismos que rodeiam a tarefa de reapreciação de meios de prova oralmente produzidos, desde que a Relação acabe por formar uma diversa convicção sobre os pontos de facto impugnados, ainda que por interferência de presunções judiciais extraídas a partir de regras da experiência deve reflectir esse resultado em nova decisão”.
Só quando os elementos dos autos conduzam inequivocamente a uma resposta diversa da dada em 1ª instância é que deve o tribunal superior alterar as respostas que ali foram dadas, situação em que estaremos perante erro de julgamento.
Na reavaliação de facto o tribunal de recurso deve controlar a convicção do julgador na primeira instância quando se mostre ser contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos. Mas encontra-se impedido de controlar o processo lógico da convicção no segmento em que a prova produzida na primeira instância escapa ao seu controle, quando foi relevante o funcionamento do princípio da imediação. Como referiu o Acórdão desta Relação, de 3/10/2000, in CJ, tomo 4, pág. 27, “a garantia do duplo grau de jurisdição não subverte, não pode subverter, o princípio da livre apreciação das provas inserto no artigo 655, n.º 1 do C. P. Civil … E na formação dessa convicção entram, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova – seja áudio seja mesmo vídeo -, por mais fiel que ela seja das incidências concretas das audiência. Na formação da convicção do juiz não intervêm apenas factores racionalmente demonstráveis …”.
Ora, tendo em vista esse controle da convicção do julgador, é essencial que a decisão sobre a matéria de facto esteja devidamente fundamentada, por forma a habilitar o tribunal superior a percepcionar qual o raciocínio lógico levado a cabo pelo juiz, e em que este demonstra, da maneira inequívoca, quais os elementos de prova que relevaram ou obtiveram credibilidade no espírito do julgador”.
A decisão sobre a matéria de facto proferida pelo tribunal a quo discorreu assim quanto à fundamentação do nela decidido: “para a fixação dos factos dados como provados (e que constam supra), o Tribunal, para alicerçar a sua convicção, atribuiu relevância ao conjunto da prova produzida, analisada e concatenada criticamente de acordo com as regras da experiência comum.
Desta forma, as diversas pessoas ouvidas dividiram-se, curiosamente (ou talvez não), em dois “campos” (contra)opostos e perfeitamente antitéticos entre si:
- ...
Em face do acabado de transcrever, porque a fundamentação não deve consubstanciar-se numa “fita do tempo” fica a perceber-se de forma razoável e suficiente a motivação explicitada pelo tribunal a quo para fundamentar o decidido em termos fácticos, assim se dando suficiente cumprimento à exigência legal decorrente do art. 607º, nº4 do NCPC, pois fica a perceber-se, em relação aos factos dados como provados e não provados, os meios de prova produzidos (em relação aos factos provados) e ausência deles (em relação aos factos não provados), bem assim como as razões pelas quais o tribunal recorrido alicerçou naqueles meios de prova produzidos a convicção positiva explicitada na decisão que enunciou como provados os factos que nessa qualidade se descreveram.
O modo como o tribunal a quo fundamentou a decisão da matéria de facto permite perfeitamente acompanhar o raciocínio do julgador e descortinar a lógica e as razões pelas quais decidiu do modo como decidiu.
De tudo isto, a conclusão a retirar é a de que o tribunal recorrido respeitou suficientemente o dever de fundamentação da decisão fáctica.
A apelante pode discordar da valoração feita pelo tribunal recorrido, dos meios de prova a que atendeu, assim como da decisão fáctica que emergiu daquela valoração.
Simplesmente, essa discordância poderá, quando muito, servir de fundamento a uma pretensão de alteração da decisão da matéria de facto, não suportando a pretensão também formulada pela apelante no sentido de ser reconhecida uma ausência ou insuficiência de fundamentação da decisão fáctica.
Responde-se negativamente, pois, à questão em análise, com a consequente improcedência da pretensão da apelante no sentido da revogação da sentença.
3. Da alteração da matéria de facto:
Antes de entrar propriamente na questão importa dizer o seguinte.
Encontra-se em causa a cessação de um contrato de trabalho de serviço doméstico operado por iniciativa do empregador.
Nos termos do artº 29º do DL 235/92, de 24/10 Que tem como epígrafe “rescisão com justa causa”. “ (diploma que estabelece o regime jurídico das relações de trabalho emergentes do contrato de serviço doméstico) “1 - Constitui justa causa de rescisão qualquer facto ou circunstância que impossibilite a manutenção, atenta a natureza especial da relação em causa, do contrato de serviço doméstico. 2 - Ocorrendo justa causa, qualquer das partes pode pôr imediatamente termo ao contrato. 3 - No momento da rescisão do contrato devem ser referidos pela parte que o rescinde, expressa e inequivocamente, por escrito, os factos e circunstâncias que a fundamentem. 4 - A existência de justa causa será apreciada tendo sempre em atenção o carácter das relações entre as partes, nomeadamente a natureza dos laços de convivência do trabalhador com o agregado familiar a que presta serviço”.
Esta norma deverá ser conjugada mutatis mutandis com o disposto no artº 353º do CT (nota de culpa) e com o nº 4 do artº 357º e nº 3 do artº 387º ambos do mesmo diploma, pelo que na acção de apreciação judicial da rescisão, o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da comunicação escrita enviada ao trabalhador em que manifestou a vontade de fazer cessar o contrato com justa causa.
Esta comunicação é do seguinte teor:
Assunto: Comunicação de cessação do contrato de trabalho de serviço doméstico, com justa causa;
...”.
Pretende o recorrente que esta Relação:
...
Assim, não se prefigurando o denominado erro de julgamento, ou seja, não sendo possível detectar uma flagrante discrepância entre os elementos de prova e a decisão sobre a matéria de facto, e não se mostrando a convicção criada pela 1ª instância contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos, entende-se que, também nesta parte, é de manter aquela decisão.
4. Da justa causa de despedimento:
O tribunal recorrido decidiu inexistir justa causa para o despedimento alinhando para o efeito a seguinte argumentação: “(…) o Trabalhador foi, posteriormente, despedido pela Entidade Empregadora, sendo que o despedimento é uma das formas de cessação do contrato de trabalho, consistindo numa resolução do contrato pelo empregador, fundada na lei (cfr. PEDRO ROMANO MARTINEZ, Direito do Trabalho II, 2.º Tomo, 3.ª Edição, p. 320) e efectua-se através de uma “declaração de vontade do empregador, dirigida ao trabalhador, destinada a fazer cessar o contrato de trabalho para o futuro” (PEDRO FURTADO MARTINS, Cessação do Contrato de Trabalho, 3.ª Edição, Lisboa, 2012, p. 149-150).
(…)
In casu, o despedimento do Trabalhador foi mediante procedimento disciplinar com invocação de factos imputáveis ao Trabalhador, dado que o Art. 27º do Decreto-Lei n.º 235/92 prescreve que “O contrato de serviço doméstico pode cessar: (…) c) Por rescisão de qualquer das partes, ocorrendo justa causa”, sendo que, nos termos do Art. 29º do mesmo diploma legal, “1 – Constitui justa causa de rescisão qualquer facto ou circunstância que impossibilite a manutenção, atenta a natureza especial da relação em causa, do contrato de serviço doméstico. 2 - Ocorrendo justa causa, qualquer das partes pode pôr imediatamente termo ao contrato. 3 - No momento da rescisão do contrato devem ser referidos pela parte que o rescinde, expressa e inequivocamente, por escrito, os factos e circunstâncias que a fundamentem. 4 - A existência de justa causa será apreciada tendo sempre em atenção o carácter das relações entre as partes, nomeadamente a natureza dos laços de convivência do trabalhador com o agregado familiar a que presta serviço”.
O Art. 30º do C dispõe, por seu lado que “Constituem justa causa de despedimento por parte do empregador, entre outros, os seguintes factos e comportamentos do trabalhador: (…), sendo que, por força do disposto no Art. 31º do citado diploma legal, “1 - O despedimento decidido com alegação de justa causa e que venha a ser judicialmente declarado insubsistente, não havendo acordo quanto à reintegração do trabalhador, confere a este o direito a uma indemnização correspondente à retribuição de um mês por cada ano completo de serviço ou fracção, decorrido até à data em que tenha sido proferido o despedimento, nos casos de contrato sem termo ou com termo incerto, e às retribuições vincendas, nos casos de contrato com termo certo. 2 - Quando se prove dolo do empregador, o valor da indemnização prevista no número anterior será agravado até ao dobro”.
No caso concreto e como bem o refere o Trabalhador, a comunicação do despedimento do Trabalhador é quase totalmente inconcretizada e muito conclusiva quanto aos factos que são imputados ao Trabalhador, não se referindo, a mero título de exemplo, que frases concretas o Trabalhador terá dito à Entidade Empregadora que são ameaçadores e desrespeitosas ou a que ordens o mesmo desobedeceu, nunca se referindo sequer em que local, data e hora ocorreram os factos muito genéricos aí referidos, impedindo, cabalmente, que o Trabalhador se defenda dos mesmos (sendo que, em relação ao facto mais concretizado – a inundação, se apurou que o mesmo ocorreu já em 2014, nem sequer podendo ser considerado nesta sede por já se extinguido, há muito, o direito da Entidade Empregadora exercer o seu poder disciplinar sobre o Trabalhador por esse facto).
Ora, “Enquanto o artigo 395.º, n.º 1, do CT, usa a expressão “com indicação sucinta dos factos que a justificam”, o artigo 29.º, n.º 3, da lei do serviço doméstico, determina que a parte que o rescinde, deve referir “expressa e inequivocamente, os factos e circunstâncias” que fundamentem a rescisão. Ou seja, a redacção do artigo 29.º, n.º 3, da lei do serviço doméstico, está mais próxima, em termos de conteúdo, da redacção do artigo 353.º, n.º 1, do CT, que sob a epígrafe, Nota de culpa, prescreve “(…), juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados”. Ora, como é sabido, a nota de culpa deve localizar no tempo e no lugar e descrever o modo como os factos foram praticados, de forma a permitir que o trabalhador os individualize e identifique, a fim de organizar correctamente a sua defesa. Por sua vez, o artigo 398.º, n.º 3, estipula: “Na acção em que for apreciada a ilicitude da resolução, apenas são atendíveis para a justificar os factos constantes da comunicação referida no n.º 1 do artigo 395º.”. E não também factos que, posteriormente, possam ser alegados no respectivo articulado da acção de impugnação. Este normativo assemelha-se ao n.º 4, parte final, do artigo 357.º do CT: “(…), não podendo ser invocados factos não constantes da nota de culpa ou da resposta do trabalhador, salvo se atenuarem a responsabilidade.”. A nosso ver, tal doutrina deve ser aplicada no regime jurídico do serviço doméstico, mais que não seja, por força do citado artigo 9.º do CT/2009. A finalidade de tais normativos é, assim, a de garantir ao empregador (no caso de resolução pelo trabalhador), como ao trabalhador (no caso de despedimento pelo empregador invocando justa causa), além do mais, o direito ao contraditório, princípio fundamental do direito. O direito ao contraditório, e consequente direito à defesa, como é o caso, só podiam ter sido exercidos pela autora, cabalmente, se a comunicação de rescisão tivesse referido “expressa e inequivocamente, os factos e circunstâncias” que a fundamentavam, isto é, se o réu tivesse descrito de forma concreta e circunstanciada - no lugar, no tempo e no modo -, os factos imputados à autora, na carta de rescisão” – Acórdão da Relação do Porto de 29 de Fevereiro de 2016, retirado de www.dgsi.pt.
Desta forma, considera-se que é inválida a comunicação do despedimento do Trabalhador, sendo certo, por sua vez, que os poucos factos que se deram como provados não são minimamente suficientes para consistir justa causa para o seu despedimento por parte da Entidade Empregadora, sendo ilícito, formal e substancialmente, o despedimento do Trabalhadora pela Entidade Empregadora, com as consequências previstas no referido Art. 31º do Decreto-Lei n.º 235/92”.
Subscrevemos inteiramente e sem quaisquer reservas este enquadramento.
A falta de concretização e descrição circunstanciada de factos na comunicação de cessação contratual levava, fatalmente, desde o seu início, à solução a que se chegou na sentença de que agora se recorre.
O despedimento deve ser considerado ilícito não só por razões substanciais (o seu motivo é improcedente) mas também por razões de invalidade do procedimento (a comunicação de cessação não procedeu a uma expressa e inequívoca imputação de factos ao trabalhador).
Ao contrário do alegado pela recorrente o facto dado como provado no nº 4 da factologia dada por assente não é, por si só, suficiente para se considerar preenchido o conceito específico de justa causa.
Se bem que a existência de justa causa deva ser apreciada tendo sempre em atenção o carácter das relações entre as partes, nomeadamente a natureza dos laços de convivência do trabalhador com o agregado familiar a que presta serviço, o facto do trabalhador não manter boas relações pessoais com alguns dos outros trabalhadores e da entidade empregadora não gostar também da forma como o trabalhador se lhe dirige e como fala consigo não constituem, sem mais, justa causa para se decretar o despedimento.
Desde logo desconhecem-se as razões que estiveram na base desse mau relacionamento com outros dos demais trabalhadores, se existe alguma justificação para esse mau relacionamento, assim como inexiste factualidade suficiente que permita avaliar sobre se existem razões válidas para que a empregadora não gostasse da forma como o trabalhador se lhe dirigia ou falava. Os simples juízos subjectivos do empregador não podem valer como fundamento para alicerçar a causa de despedimento.
Quer isto dizer que os factos do ponto 4 são, por si só, insusceptíveis de fazer integrar o conceito de justa causa dado que não tornam, salvo melhor opinião, impossível a manutenção da relação de trabalho, mesmo considerando a natureza especial do contrato de serviço doméstico.
4. Da indemnização por ilicitude do despedimento:
Entende ao recorrente que o trabalhador não tem direito à indemnização derivada da ilicitude do despedimento pelas seguintes ordem de razões:
- Por o trabalhador doméstico estar inserido na intimidade da vida privada e familiar do empregador justificam uma tutela acrescida do próprio empregador bem expressa na existência de um particular conceito de justa causa (v. nºs 1 e 4 do art.º 29º do DL nº 235/92), na inexistência de qualquer obrigatoriedade da rescisão com justa causa ser precedida de um processo disciplinar na inexistência de qualquer direito à reintegração (v. nº1 do art.º 31º do DL nº 235/92) e na circunstância de o trabalhador só ter direito a uma indemnização (limitada) quando a justa causa, tal como é definida no nº 1 do art.º 29º, seja declarada judicialmente insubsistente (v. nº1 do art.º 31º do DL nº 235/92).
- No regime especial do contrato de trabalho doméstico o trabalhador só tem direito a ser indemnizado se for julgado improcedente o fundamento (substancial) de não verificação da justa causa invocada não havendo norma legal a prever idêntico direito em caso de irregularidade formal da comunicação da rescisão contratual, pelo que não se aplicando nem podendo aplicar o disposto nos artºs 353º e 382º/2/a) do CT – por no contrato doméstico não haver lugar à realização de um procedimento disciplinar nem à elaboração de uma nota de culpa
- Uma simples leitura do ofício datado de 25 de Janeiro de 2017 permite a um destinatário normalmente diligente aperceber-se das razões e circunstâncias que justificaram a rescisão do contrato de trabalho doméstico – ter deixado inundar a cave da quinta; desobediência e recusa no cumprimento de ordens; comportamento desrespeitoso para com a entidade patronal e demais trabalhadores domésticos; criação de mau ambiente familiar e de trabalho -, não havendo, portanto, qualquer irregularidade formal ou incumprimento do determinado pelo nº 2 do art.º 29º do DL nº 235/92.
-Resultava dos 121 artigos da contestação apresentada pelo trabalhador que ele não só compreendeu razões pelas quais foi despedido como se pronunciou e se defendeu das mesmas, pelo que qualquer irregularidade formal da comunicação estaria sanada e, portanto, não legitimava que o Tribunal a quo com base nela atribuísse uma indemnização ao trabalhador.
Apreciando:
Em primeiro lugar diga-se que o facto do trabalhador ao longo da sua contestação revelar ter compreendido as razões que levaram ao seu despedimento não supre a insuficiência factual que se fez notar na comunicação de cessação que lhe foi dirigida, pelo que a irregularidade formal de que padece não se pode considerar sanada.
É verdade que se no procedimento disciplinar o trabalhador na resposta à nota de culpa revela estar ciente dos factos que lhe são imputados, o vício formal decorrente da insuficiência fáctica deve ter-se por ultrapassado. Mas, como o próprio nome indica, é necessário que na nota de culpa sejam imputados ao trabalhador factos, ainda que de forma insuficiente.
Diferentemente acontecerá quando a nota de culpa é omissa no que respeita a factos, caso em que o vício formal não poderá ser reparado através da posição que o trabalhador assume perante a nota de culpa.
Ora, no caso, a comunicação de cessação contratual é de tal forma conclusiva e valorativa que encerra em si mesma a “acusação” e simultaneamente a “sentença”.
Por isso, ao contrário do alegado pela recorrente, o vício formal não se encontra sanado.
Em segundo lugar diz a recorrente que só a ilicitude resultante de razões substanciais (quando for julgado improcedente o fundamento [substancial] de não verificação da justa causa invocada) é que há lugar a indemnização.
Não perfilhamos este entendimento desde logo porque a lei fala genericamente de indemnização, não distinguindo se a ilicitude resulta de razões substanciais ou formais (artº 31 do citado DL (“o despedimento decidido com alegação de justa causa e que venha a ser judicialmente declarado insubsistente, não havendo acordo quanto à reintegração do trabalhador, confere a este o direito a uma indemnização correspondente à retribuição de um mês por cada ano completo de serviço ou fracção, decorrido até à data em que tenha sido proferido o despedimento, nos casos de contrato sem termo ou com termo incerto, e às retribuições vincendas, nos casos de contrato com termo certo”); e onde a lei não distingue não é legítimo ao intérprete distinguir.
O despedimento ilícito quer tenha por base razões substanciais ou formais deve dar lugar a indemnização sob pena deste preceito se tornar “letra morta”.
Atentemos no seguinte exemplo:
A lei não atribui ao trabalhador o direito à reintegração. Esta só se operará se houver acordo das partes. Por outro lado, como adiante se verá, no serviço doméstico não há lugar ao pagamento dos denominados salários intercalares,
A colher a tese da recorrente estaria aberta a porta para a total desprotecção do trabalhador do serviço doméstico.
Bastava ao empregador não elaborar a comunicação de cessação com indicação expressa e inequívoca dos factos e circunstâncias que fundamentem a justa causa, de modo a que o despedimento fosse declarado formalmente inválido e, neste caso, ficaria liberto do pagamento da indemnização. Como se oporia à reintegração e não havendo lugar ao pagamento de salários intercalares, estaria encontrada a porta, e passamos a expressão, para os despedimentos “a custo zero”, situação que a lei certamente não quis e que implica uma desprotecção totalmente injustificável do trabalhador doméstico, mesmo considerando as especificidades deste serviço, o que se traduziria numa descriminação destes trabalhadores relativamente aos demais de outras áreas de actividade.
Por tudo isto entendemos ser devida ao trabalhador a indemnização por despedimento ilícito.
5. Do valor da indemnização:
Alega a recorrente que o tribunal a quo errou ao fixar o montante indemnizatório em 5.100€, uma vez que, sendo a antiguidade do Autor de apenas 5 anos e dois meses, teria unicamente direito a uma indemnização de 4.250€ (correspondente a cinco anos completos de serviço x 850,00€), razão pela qual a indemnização fixada pelo Tribunal a quo peca por excesso
Decidindo:
A ilicitude do despedimento confere a trabalhador o direito a uma indemnização correspondente à retribuição de um mês por cada ano completo de serviço ou fracção, decorrido até à data em que tenha sido proferido o despedimento, nos casos de contrato sem termo.
A relação de trabalho teve início em 1 de Novembro de 2011 [v. contrato de fls. 43 e 44) para o qual remete o facto 1] e cessou em 26.01.2017.
A lei para efeitos de cálculo da indemnização faz equivaler a fracção a um ano completo de serviço, pelo que a antiguidade a considerar é a de seis anos, tal como decidiu a 1ª instância, improcedendo nesta parte a apelação.
Outra questão, esta colocada no recurso subordinado Verificamos que na reconvenção o trabalhador não peticionou a condenação da empregadora no pagamento da indemnização em montante agravado. Todavia na sentença decidiu-se, no que toca ao quantum indemnizatório que : “nos termos dos Arts. 27º, 29º, 30º e 31º do Decreto-Lei n.º 235/92, à indemnização pelo despedimento ilícito, “correspondente à retribuição de um mês por cada ano completo de serviço ou fracção, decorrido até à data em que tenha sido proferido o despedimento” dado que não se provou que a Entidade Empregadora tenha agido com dolo ao despedir o Trabalhador, não se lançando mão do disposto no n.º 2 do Art. 31º, que majora essa indemnização)”.
Por isso entendemos que a questão atinente ao montante indemnizatório não se trata de uma questão nova devendo ser apreciada por esta Relação., consiste em saber se a indemnização deve ser agravada por o empregador ter promovido o despedimento com dolo.
Na verdade preceitua a lei que quando se prove dolo do empregador, o valor da indemnização prevista no número anterior será agravado até ao dobro.
Ora, da factualidade provada não resulta, quanto a nós, que o empregador tivesse a intenção de despedir o trabalhador, estando ciente de que não lhe assistia justa causa para tal.
Aliás estamos convencidos que a empregadora estava plenamente convencida da verificação da justa causa que, no caso, não se provou pelas razões constantes do presente acórdão e não porque na origem do despedimento estivesse qualquer intenção dolosa por parte do empregador no sentido de se ver “livre do trabalhador”.
6. Dos salários intercalares:
Esta questão foi recentemente abordada no acórdão desta Relação de 21/02/2018, procº 728/17.16T8CLD-A.C1, relatado pela ora 2ª adjunta e subscrito como 2º adjunto pelo aqui relator (seguido no procº 153/16.6T8LMG.C1 de 08.05.2018), no qual se escreveu que o contrato de serviço doméstico “é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a outrem com carácter regular, sob a sua direcção e autoridade, actividades destinadas à satisfação das necessidades próprias ou específicas de um agregado familiar e dos respectivos membros, nomeadamente: vigilância e assistência a pessoas idosas e doentes (artigo 2.º, d), do DL n.º 235/92, de 24/10).
Pois bem, conforme resulta deste regime das relações de trabalho emergentes do contrato de serviço doméstico, no caso de despedimento com alegação insubsistente de justa causa e que venha a ser judicialmente declarado como tal, o mesmo confere ao trabalhador o direito a uma indemnização correspondente à retribuição de um mês por cada ano completo de serviço ou fracção, nos casos de contrato sem termo e às retribuições vincendas, nos casos de contrato com termo certo – artigo 31.º do citado DL n.º 235/92, de 24/10.
Significa isto que os trabalhadores do serviço doméstico com contrato sem termo, no caso de despedimento ilícito, têm direito a receber uma indemnização mas já não as retribuições que deixaram de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal que declare a sua ilicitude, ou seja, a compensação a que alude o artigo 390.º do CT., sendo que, “ao contrato de trabalho com regime especial aplicam-se as regras gerias deste Código que sejam compatíveis com a sua especificidade” - artigo 9.º do CT.
Como já ficou dito, o contrato de serviço doméstico rege-se por uma legislação especial que, no respeitante aos efeitos do despedimento ilícito, apenas prevê uma indemnização por antiguidade mas já não a reintegração, sendo que, a “declaração de ilicitude do despedimento não produz efeitos retroactivos, não repõe em vigor o contrato de trabalho a que o empregador, malogradamente, havia tentado por cobro, pelo que não se operando a restauração natural, não existe direito à reintegração do trabalhador, nem tão pouco ao recebimento dos salários de tramitação Acórdão da RP de 26/04/2010 e, no mesmo sentido, o acórdão da RL de 01/06/2011, ambos disponíveis em www.dgsi.pt..
Nenhuma razão válida se vislumbra para não continuar a seguir esta orientação que espelha, segundo consulta que fizemos, a jurisprudência seguida nos tribunais superiores.
Por isso, tal como se decidiu na sentença impugnada, não há lugar à condenação da empregadora no pagamento dos salários intercalares ou de tramitação.
7. Dos salários de Dezembro de 2016 e Janeiro de 2017 e dos subsídios de férias e da Natal de 2016:
Argumenta a recorrente que o Tribunal a quo não podia ter condenado Ré a pagar ao Autor a quantia de 1.700€ a título de remunerações correspondentes às férias e ao subsídio de férias de 2016, pois não constando da factologia assente que o Autor não gozara tais férias nem recebera o respectivo subsídio, muito naturalmente não poderia o Tribunal a quo condenar a Ré em tal pagamento e bem assim ao não dar por provado que a Ré pagara ao Autor as remunerações de Dezembro de 2016 e Janeiro de 2017, também não podia ter condenado a Ré a proceder ao pagamento dos vencimentos (850 € de Dezembro e 736,67€ de Janeiro).
Em primeiro lugar, recorde-se, a matéria de facto manteve-se tal e qual havia sido decidida pela 1ª instância.
Contudo, isto não significa que as quantias em referência não sejam devidas.
O ónus da prova do pagamento dos salários e dos subsídios recaía inteiramente sobre o empregador.
Na verdade ao trabalhador basta provar que desempenhou a sua actividade para o empregador, competindo a este, como devedor, provar que cumpriu a obrigação a que legalmente está obrigado, ou seja, que procedeu ao pagamento. É ao devedor que incumbe provar o cumprimento das obrigações.
No caso, mesmo que a matéria de facto seja omissa no que se refere ao pagamento ou ao não pagamento, não quer dizer que as quantias salariais não sejam devidas.
Elas continuam a ser devidas e pelo seu pagamento responde o empregador, o que se decide.
7. Da litigância de má fé:
Entende o empregador que o trabalhador litiga com má fé ao recorrer subordinadamente para solicitar o pagamento dos salários intercalares e da indemnização em dobro.
A condenação do recorrente como litigante de má fé estriba-se nas circunstâncias a que aludem as alíneas do nº 2 do artº 542º.
Nos termos deste normativo, diz-se litigante de má-fé, quem, com dolo ou negligência grave tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar.
Seguindo a lição do Profº José Alberto dos Reis in CPC anotado, Vol. II , 3ª edição, p. 258 e ss., sobre o que deve entender-se por litigante de má fé diremos que “a todos é lícito usar dos meios judiciais para fazer valer os seus supostos direitos (..) porque nunca se pôs como condição, nem se poderia pôr, como condição para o exercício do direito de acção ou de defesa que o autor ou o réu seja realmente titular do direito substancial que se arroga. Seria, na verdade absurdo que se enunciasse esta regra: só pode demandar ou defender-se em juízo quem tem razão; ou, por outras palavras, só é lícito deduzir no tribunal pedidos ou contestações objectivamente fundados (…) Na base da responsabilidade agravada, ou melhor da responsabilidade por perdas e danos está o princípio da responsabilidade subjectiva: a culpa ou o dolo do litigante. Se a parte procedeu de boa fé, sinceramente convencida de que tinha razão, a sua conduta é perfeitamente lícita (...) Mas se procedeu de má fé ou com culpa, se sabia que não tinha razão ou se não ponderou com prudência as pretensa razões, a sua conduta assume o aspecto de conduta ilícita. Demandando ou contestando em tais circunstâncias, pratica um facto ilícito, um facto contrário à ordem jurídica; daí a sua responsabilidade subjectiva, emergente precisamente do seu estado de consciência - do dolo ou da culpa. (…). É lícito intentar acções ou deduzir defesas objectivamente infundadas, porque o princípio entender-se nestes termos: contanto que a parte esteja convencida de que lhe assiste razão”.
Mas ao contrário do que acontecia no tempo do citado autor, hoje litiga de má fé não só quem litiga como dolo mas também quem litiga com culpa grave.
Assim, “a lide temerária pode ser hoje sancionada como litigância de má fé visto que, desde a revisão de 1995/1996 do CPC (art. 456.º do CPC/61), passou a ser possível a condenação como litigante de má fé do litigante que agiu com negligência grave.
Assim, actualmente (art. 542.º do NCPC que corresponde ao art. 456.º do CPC/61), a condenação como litigante de má fé pode ser imposta tanto na lide dolosa como na lide temerária, constituindo lide temerária aquela em que o litigante deduz pretensão ou oposição " cuja falta de fundamento não devia ignorar", ou seja, não é agora necessário, para ser sancionada a parte como litigante de má fé, demonstrar-se que o litigante tinha consciência de não ter razão", pois é suficiente a demonstração de que lhe era exigível essa consciencialização– Ac. STJ de 20.03 14, proç 1063/11.9TVLSB.L1.S1 “inwww.dgsi.pt/stj.
Presentes estes conceitos e volvendo ao caso dos autos, não é pelo facto da jurisprudência estar a decidir não haver lugar ao pagamento dos salários intercalares que o trabalhador incorre em litigância de má fé quando faz um pedido de condenação no pagamento desses salários. Basta atentar que a jurisprudência muda e que não é obrigatório seguir a jurisprudência maioritária.
No que respeita à questão do valor da indemnização, como ficou já dito, não pode considerar-se essa questão como nova.
Assim, pelas razões constantes do excerto acima transcrito do Profº Alberto dos Reis é de concluir que o trabalhador, recorrente subordinado não litiga de má fé, encontrando-se os pedidos formulados perfeitamente enquadrados no normal desenvolvimento da lide.
***
IV - Termos em que se decide julgar a apelação totalmente improcedente com confirmação da sentença impugnada.
Custas em ambos os recursos a cargo dos apelantes.
Coimbra, 26 de Outubro de 2018
(Joaquim José Felizardo Paiva)
(Jorge Manuel da Silva loureiro)
(Paula Maria Mendes Ferreira Roberto)