Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2820/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: BELMIRO DE ANDRADE
Descritores: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA - CONVERSÃO DE PENA
Data do Acordão: 01/05/2005
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Meio Processual: REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ART. 6º, N.º1 DA LEI DE COOPERAÇÃO JUDICIÁRIA INTERNACIONAL, APROVADA PELA LEI 144/99 DE 31 DE AGOSTO, ARTIGO 30º N.º 1 DA CRP E PELO ART.º 41º, N.º2 E 3 DO CÓDIGO PENAL
Sumário: I - Não se verificando qualquer outra das situações de recusa do pedido de cooperação internacional previstas no art. 6º, n.º1 da Lei de Cooperação Judiciária Internacional, aprovada pela Lei 144/99 de 31 de Agosto, deve ser recusada a revisão de sentença estrangeira que imponha pena de prisão perpétua, expressamente proibida pelo artigo 30º n.º 1 da Constituição da República e pelo art.º 41º, n.º2 e 3 do Código Penal.
II - No entanto o pedido de revisão não é recusado se o Estado que formulou o pedido de transferência aceitar a conversão dessa pena pelo tribunal português, segundo as disposições aplicáveis da lei portuguesa ao crime que determinou a condenação.
III - Nesse caso a pena aplicada pelo tribunal estrangeiro é confirmada mas a pena aplicada converte-se naquela que ao caso coubesse segundo a lei portuguesa de forma a que esta corresponda, tanto quanto possível, à imposta pela condenação a executar, não podendo agravar a sanção imposta no Estado da condenação nem exceder o máximo previsto pela lei portuguesa.
IV - Sendo no ordenamento jurídico português a pena correspondente ao crime praticado (homicídio agravado p. e p. pelo art. 132º, n.º1 do C. Penal) mais próxima da aplicada, sem que a situação do requerido seja agravada, a pena de 25 anos de prisão, cuja proximidade com o regime do Estado da condenação é evidenciada, no caso, por ter sido a aplicada pelo Tribunal de 1ª instância daquele Estado, deve ser a aplicada na conversão.
Decisão Texto Integral: ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE COIMBRA

O Ex.mo Procurador Geral Distrital junto deste Tribunal veio requerer a revisão e confirmação, com conversão da pena, do acórdão n.º8/01 de 18.06.2001 da Secção Criminal da Cour D’Apel do Grão Ducado do Luxemburgo que condenou A..., de nacionalidade portuguesa, casado, natural de Carriço, concelho de Pombal, filho de Leonel da Silva Francisco e de Maria Vitalina da Silva Teodósio Francisco, actualmente preso, em cumprimento de pena, no Centro Penitenciário de Schrassig, Luxemburgo, pela prática do crime de homicídio voluntário cometido para facilitar o roubo ou extorsão ou para assegurar a sua impunidade previsto no artigo 475º do Código do Processo Penal do Grão Ducado do Luxemburgo, na pena de prisão perpétua.

Para o efeito, juntou documentação vária, emitida pelas autoridades do Grão-Ducado do Luxemburgo e pelo Ministério da Justiça português, de onde consta designadamente:
- o procedimento foi desencadeado na sequência de pedido formulado pelo requerido, que foi devidamente informado das consequências daí resultantes;
- declaração do requerido no sentido de que pretende cumprir em Portugal a pena em que foi condenado no Luxemburgo – cfr. documento de fls. 65, assinado pelo arguido;
- não foi instaurado, em Portugal, procedimento criminal pelos factos que determinaram a condenação;
- o requerido foi assistido por defensor no tribunal do Grão Ducado do Luxemburgo – cfr. fls. 16,32, 34 3 42.;
- o governo do Grão Ducado do Luxemburgo deu o seu parecer favorável à transferência pretendida – cfr. fls. 4, 6, 65 a 67;
- também o Governo Português, por despacho de 30.01.2004 de sua Ex.a a Ministra da Justiça concedeu o seu acordo – cfr. fls. 3 dos autos.

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Citado o requerido, não deduziu oposição.
Foi nomeado defensor ao requerido, o qual, notificado para o efeito, também não deduziu oposição.
Foram produzidas alegações, quer pelo Ex.mo Procurador Geral Distrital, quer pela ilustre defensora nomeada ao requerido, pronunciando-se no sentido de que deve proceder-se à revisão e confirmação requeridas, alegando ainda o primeiro que a pena de prisão perpétua em que o requerido foi condenado, por não prevista no ordenamento jurídico português, deve ser convertida na pena de 25 anos de prisão, que lhe corresponderia segundo a lei portuguesa.
Corridos os vistos legais, não se verificando obstáculos ao conhecimento do pedido, cumpre apreciar e decidir.

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A sentença penal estrangeira, para poder ser executada em Portugal, necessita de prévia revisão e confirmação com conversão/redução da pena por um tribunal português - art. 234º n.º 1 do C. P. Penal.
De acordo com o art.º 235º do C. P. Penal é material e territorialmente competente para o efeito, no caso, o Tribunal da Relação de Coimbra.
Os pressupostos da confirmação de sentença estrangeira encontram-se enunciados no art. 237º do Código de Processo Penal.
E as condições da admissibilidade do pedido de execução, em Portugal, estão previstas na Lei de Cooperação Judiciária Internacional, aprovada pela Lei 144/99 de 31 de Agosto, em especial no ser art. 96º.
Destacam-se os seguintes requisitos: que o condenado seja português; a sentença não contenha disposições contrárias aos princípios fundamentais do ordenamento jurídico português; o condenado dê o seu consentimento, tratando-se de pena privativa da liberdade; a execução em Portugal se justifique pelo interesse da melhor reinserção social do condenado; o facto não ser objecto de procedimento penal em Portugal; e ser também previsto como crime pela lei portuguesa.

No caso em apreço, por decisão de 12.07.2000, proferida no processo n.º 1745/2000 pelo Juízo Criminal do Tribunal de 1ª Instância do Luxemburgo, foi o requerido condenado, pela autoria, em comparticipação com dois outros indivíduos, pela prática do crime de homicídio voluntário cometido para facilitar o roubo ou extorsão ou para assegurar a sua impunidade previsto no artigo 475º do Código do Processo Penal do Grão Ducado do Luxemburgo, ponderadas as atenuantes da sua jovem idade e imaturidade, na pena de 25 anos de prisão. Porém, tendo sido interposto recurso dessa decisão, por sentença proferida pela Secção Criminal da Cour d’Apel (Tribunal da Relação) do Grão Ducado do Luxemburgo, foi o requerido condenado, mantendo-se os pressupostos da condenação, na pena de prisão perpétua.
O Tribunal do Luxemburgo era o competente para o julgamento e condenação do arguido, tanto pela lei daquele país como pela lei portuguesa - cfr. art. 5º do CPP.
Esta sentença, proferida em recurso, transitou em julgado, encontrando-se o requerido a cumprir a pena no Centro Penitenciário de Schrassig no Luxemburgo.
O requerido iniciou o cumprimento da pena em que se encontra condenado, em 17.06.1998, podendo, de acordo com a lei do Luxemburgo, beneficiar da liberdade condicional quando tiver cumprido 15 anos, ou seja, em 30.03.2013 (cfr. documentação junta a fls. 5 e 8 dos autos).
Situação esta que também se verifica à luz do ordenamento jurídico português, nos termos do art. 61º, n.º4 do CPP.
O requerido manifestou a sua vontade no sentido de que pretende cumprir em Portugal a pena em que foi condenado no Luxemburgo, tendo o procedimento sido desencadeado na sequência desse do seu pedido, depois de informado das consequências daí resultantes – cfr. designadamente o documento de fls. 65, assinado pelo arguido.
A transferência só é permitida desde que se encontrem reunidos vários pressupostos impostos por lei, nomeadamente, os estabelecidos no art. 95º e seguintes da citada Lei n.º 144/99.
Foram assegurados ao requerido os direitos de defesa e de contraditório inerentes ao Estado de Direito, bem como foram respeitados os princípios fundamentais da lei penal e processual portuguesa durante todo o processo que decorreu nos tribunais do Grão Ducado do Luxemburgo – país integrado desde a primeira hora no espaço da C. E. E. e depois da C. E., com as garantias daí resultantes quanto ao cumprimento das normas do Estado de Direito e Direito Internacional sobre liberdades e garantias.
Tendo sido assistido, em todo o processo, por defensor.
Não foi instaurado procedimento criminal, em Portugal, contra o requerido, pelos factos que determinaram a condenação.
Os factos que motivaram a condenação do requerido pelo Tribunal do Luxemburgo, são também punidos pela lei penal portuguesa - crime previsto nos artigos 131º, 132 nºs 1 e 2, alíneas f) e g) e 210º do Código Penal Português, punível com prisão de 12 a 25 anos.
Não se verifica qualquer das situações de recusa do pedido de cooperação internacional previstas no art. 6º, n.º1 da Lei de Cooperação Judiciária Internacional, aprovada pela Lei 144/99 de 31 de Agosto, salvo a prevista na alínea f) – pena com carácter perpétuo.
Com efeito a pena de prisão perpétua em que o requerido foi condenado pela decisão a rever é expressamente proibida pela lei Portuguesa – artigo 30º n.º 1 da Constituição da República e art.º 41º, n.º2 e 3 do Código Penal.
No entanto, em caso de condenação em pena não prevista na lei portuguesa e aplicada pelo tribunal estrangeiro (no caso a prisão perpétua), postula o art. 237º, n.º3 do Código de Processo Penal Português que “... a sentença é confirmada , mas a pena aplicada converte-se naquela que ao caso coubesse segundo a lei portuguesa ou reduz-se até ao limite adequado”.
No mesmo sentido o art. 6º, n.º2, al. c) da Lei de Cooperação Judiciária Internacional, aprovada pela Lei 144/99 de 31 de Agosto, postula que em tal aso o pedido não é recusado “se o Estado que formulou o pedido de transferência aceitar a conversão dessa pena pelo tribunal português, segundo as disposições aplicáveis da lei portuguesa ao crime que determinou a condenação”.
Compulsados os autos verifica-se que o Estado do Luxemburgo, que deu o seu acordo de princípio à transferência solicitada, conforme resulta do expediente de fls. 4 e 65 dos autos.
A Convenção Internacional Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas ratificada pelo Decreto do Presidente da República nº 8/93 de 20/04 e aprovada pela Resolução da Assembleia da República n.º8/93, ambos publicados no Diário da República I Série–A de 20.04.1993, prevê expressamente no art. 10º, n.º 2 que: “se a natureza ou a duração da sanção forem incompatíveis com a legislação do Estado da execução, ou se a legislação deste Estado o exigir, o Estado da execução pode, com base em decisão judicial ou administrativa, adaptá-la à pena ou medida previstas na sua própria lei para infracções da mesma natureza”.
No que se refere à conversão da pena em conformidade com a Ordem Jurídica portuguesa, para além da proibição da pena de prisão perpétua, releva o disposto no art. 41º do C. Penal que postula: (...) 2. O limite máximo da pena de prisão é de 25 anos de prisão, nos casos previstos na lei. 3. Em caso algum pode ser excedido o limite máximo previsto no n.º anterior.
Sendo o crime de homicídio agravado precisamente um daqueles casos em que o limite da pena é de 25 anos de prisão – cfr. art. 132º, n.º1 do C. Penal.
A este respeito, a Convenção Relativa à Transferência de Pessoas Condenadas acima citada estabelece no art. 10º, n.º 2, 2ª parte: “quanto à sua natureza, esta pena ou medida corresponderá, tanto quanto possível, à imposta pela condenação a executar. Ela não pode agravar, pela sua natureza ou duração, a sanção imposta no Estado da condenação nem exceder o máximo previsto pela lei do Estado da execução”.
Assim, no caso, no ordenamento jurídico português a pena correspondente, mais próxima da aplicada, sem que a situação do requerido seja agravada é a pena de 25 anos de prisão.
Saliente-se, neste aspecto, que, convertendo-se a pena de prisão perpétua para 25 anos de prisão, tal acaba por corresponder à pena que havia sido imposta ao requerido pelo Tribunal de 1ª instância do Luxemburgo. O que evidencia a correspondência da pena aplicável pelo ordenamento jurídico português, com o ordenamento luxemburguês, salva a referida proibição da prisão perpétua.
O requerido é cidadão português e manifesta clara e inequivocamente a sua vontade de cumprir a parte restante da pena em Portugal, pretendendo que lhe seja concedida autorização para a transferência para uma prisão portuguesa, a fim de aqui cumprir o resto da condenação, por aqui manter laços sociais e familiares.
A execução da sentença em Portugal facilitará a sua reinserção social, dado que parte do seu agregado familiar reside em Portugal, estando assim facilitados os contactos com parentes e amigos. E atenta a naturalidade e cidadania portuguesas e conhecimento do meio, está, à partida, excluída a barreira linguística.
Mostram-se assim verificados todos os pressupostos da revisão e confirmação requeridas, convertendo-se e pena de prisão perpétua em que o requerido foi condenado, por não prevista no ordenamento jurídico português, na pena de 25 anos de prisão, que lhe corresponderia segundo a lei portuguesa.
Para além dos requisitos do ordenamento jurídico penal e processual penal a que se fez referência, mostram-se ainda verificados os demais pressupostos enunciados pelo art. 1096º do Código de Processo Civil, por remissão do art. 237º, n.º2 do C.P.P., designadamente o de que não oferecem dúvidas os documentos que instruem o processo, emanados das autoridades competentes Estado do Luxemburgo e transmitidos pela via legal.

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Termos em que, com os fundamentos expostos, se acorda declarar revista e confirmada a sentença n.º 8/01 de 18/06/2001 da Secção Criminal da Cour d’ Apel do Grão Ducado do Luxemburgo, supra referenciada, que condenou, em pena de prisão perpétua, o cidadão português A..., acima melhor identificado, pela prática do crime de homicídio voluntário cometido para facilitar o roubo ou extorsão ou para assegurar a sua impunidade previsto no artigo 475º do Código do Processo Penal do Grão Ducado do Luxemburgo, convertendo-se porém, a pena de prisão perpétua, na pena de 25 (vinte e cinco) anos de prisão que lhe corresponderia segundo a lei portuguesa.------------------
Sem custas.
Honorários à defensora, a pagar pelos Cofres.