Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
109/15.6GBFND.C2
Nº Convencional: JTRC
Relator: MARIA PILAR DE OLIVEIRA
Descritores: PROIBIÇÃO DE PROVA
CONVERSAS INFORMAIS
CONSTITUIÇÃO DE ARGUIDO
INQUÉRITO
DILIGÊNCIAS DE INVESTIGAÇÃO
Data do Acordão: 05/08/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: CASTELO BRANCO (JUÍZO LOCAL CRIMINAL DO FUNDÃO)
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS. 58.º, 129.º E 249.º DO CPP
Sumário: I – O arguido, a partir da constituição enquanto tal, assume um estatuto próprio, com deveres e direitos, inserindo-se nestes o direito de não se auto-incriminar. A partir de então, as suas declarações só podem ser recolhidas e valoradas nos estritos termos indicados na lei, sendo irrelevantes todas as conversas ou quaisquer outras provas recolhidas informalmente pelos órgãos de polícia criminal.

II – Dimensão probatória diversa se regista quando a fase é ainda a da recolha de indícios de uma infracção criminal de que a autoridade policial acaba de ter notícia. As informações então recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito.

III – Proibidos são apenas os testemunhos decorrentes das comummente designadas “conversas informais” que visam suprir o silêncio do arguido, não os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligências de investigação, nomeadamente a prática das providências cautelares a que se refere o artigo 249.º do CPP.

Decisão Texto Integral:




Acordam, em audiência, no Tribunal da Relação de Coimbra:

I. Relatório

No processo comum com intervenção do tribunal singular 109/15.6GBFND da Comarca de Castelo Branco, Juízo Local Criminal do Fundão, após realização da audiência de julgamento, foi proferida sentença em 4 de Junho de 2018 com o seguinte dispositivo:

Por todo o exposto, o Tribunal julga procedente e provada a acusação pública e, em consequência, decide:

1. Condenar o arguido A., pela prática em autoria material, sob a forma consumada, de um crime de incêndio florestal, p. e p. pelo art. 274, ns. 1 e 4 e 15, al. a), ambos do C. Penal, na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de 7,5 euros (sete euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz a multa global de 1500,00 (mil e quinhentos) euros.

2. Condenar o arguido no pagamento das custas criminais do processo, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC ´S – cfr. arts. 513, n. 1, do C. P. Penal e 8, n. 9, do R.C.P..

Inconformado, recorreu o arguido, extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:
A) Na senda de Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra datado de 28 de Fevereiro de 2018 que declarou nula Sentença condenatória, o Tribunal a quo proferiu nova Sentença de fls… que condenou o Arguido pela prática, em autoria material, sob a forma consumada, de um crime de incêndio florestal, p. e p. pelos n.ºs 1 e 4 do art. 274º e al. a) do art. 15º do CP em pena de duzentos (200) dias de multa, à taxa diária de € 7,50 (sete euros e cinquenta cêntimos), o que perfaz a multa global de € 1.500,00 (mil e quinhentos euros) e, em custas criminais no valor de três (3) UCs, sucede porém que a Sentença de fls…padece de vicissitudes que consubstanciam contradições insanáveis entre a própria fundamentação e entre esta e a decisão e que de per si a inquinam de forma irreparável e reflete, erro na apreciação da prova documental e testemunhal carreada para os presentes autos em violação declarada das regras e princípios da apreciação e valoração, maxime do preceituado no art. 127º do CPP e do Princípio Constitucional in dubio pro reo.
B) Com efeito, o Tribunal a quo decidiu condenar o aqui Recorrente pela prática de um crime de um crime de incêndio florestal p. e p. nos n.ºs 1 e 4 do art. 274º e al. a) do art. 15º do CP porquanto, “(…) No dia 02.04.2015, cerca das 14h50m, o arguido, que se deslocou àquele local, colocou lenha no interior do forno e ateou-lhe fogo. “ (ponto 3. do quadro factológico provado) e motiva a aludida decisão, no conjunto de depoimentos e prova documental, essencialmente no Relatório de Ocorrência de fls. 61 a 63 que relata a verificação de um incêndio na Quinta X (...) , (...) no dia 02 de Abril de 2015 cerca das 14h36m.
C) Donde se verifica uma incompatibilidade insuscetível de ser ultrapassada pela simples circunstância de a conduta do aqui Recorrente ter ocorrido posteriormente – cerca das 14h50m, ao momento da ocorrência de incêndio florestal que se iniciou pelas 14h36m, na Quinta X (...) , pelo que o ato de atear fogo a um forno, pelas 14h50m não tem a virtualidade de originar a propagação do incêndio florestal e, por conseguinte, motivar a condenação pela prática de crime de incêndio florestal nos termos decididos, razões pelas quais, a decisão condenatória se apresenta incorreta e desconforme à lei pois, de acordo com um raciocínio lógico estribado no texto da decisão e conjugado com as regras da experiência comum importaria decisão absolutória e, por conseguinte a Sentença de fls… encontra-se viciada por contradição insanável entre a fundamentação e a decisão – al. b) do n.º2 do art. 410º do CPP, o que desde logo importa, nos termos do n.º1 do art. 426º do CPP o reenvio do processo para nova decisão e consequente absolvição do aqui Recorrente.
D) Por outro lado, o Tribunal a quo mal andou ao coligir e na ponderação e valoração dos meios de prova carreados para os autos, o que importou a existência de omissão quanto a factualidade provada e erro na qualificação dos factos constantes dos pontos 1., 2., 3., 4., 5., 6., 7., 8., 9 e 10 do quadro factológico como provados, pelo que, nos termos e para os efeitos do preceituado na al. a) do n.º3 do art. 413º do CPP foram incorretamente julgados os pontos 1., 2., 3., 4., 5., 6., 7., 8., 9 e 10 do quadro factológico e levianamente ponderado o Relatório de Ocorrência de fls. 61 a 63 que gerou omissão determinante no quadro factológico provado.
E) As provas carreadas para os autos, quer de natureza documental, quer de natureza testemunhal, maxime relatório de ocorrência elaborado pelos Bombeiros Voluntários (...) – fls. 61 a 63, depoimentos das testemunhas (…), ambos agentes da GNR, bem como de (…), (…), (…) e (…), salvo o devido respeito, impunham in totum decisão diversa da recorrida.
F) O quadro factológico, maxime nos pontos evidenciados em D) denota uma afronta às regras da experiência comum e livre convicção uma vez que revelam uma decisão irracional puramente subjetiva e que se furta à fundamentação, não reproduzindo uma apreciação critica, racional e fundada nas regras da experiência, da lógica e da ciência de molde a permitir ao julgador uma convicção objetivável e motivável – art. 127º do CPP.
G) Donde, a contrario do preconizado na Sentença de fls… não resulta que o Arguido tenha informado os Srs. Agentes da GNR que havia sido o primeiro a chegar ao local, que o forno se encontrava queimado, que o incêndio se tenha originado no forno, que o arguido assumiu que procedeu a queima no interior do forno e que nele colocou lenha em excesso, pelo que a condenação do aqui Recorrente pela prática de um crime de incêndio florestal por negligência para além de configurar uma precipitação do Tribunal a quo decorrente de uma análise coartada das provas produzidas, importou a violação declarada das regras da experiência comum e as demais inerentes à valoração de prova, maxime dos depoimentos e violou o Princípio in dubio pro reo.
H)  Compulsado o teor e conteúdo do Relatório de Ocorrência de Incêndio elaborado pelos Bombeiros Voluntários (...) – fls. 61 a 63, resulta que na Quinta da (…), (…), (…) em 02 de Abril de 2015 se verificou um incêndio pelas 14h36m, que os Bombeiros saíram do quartel pelas 14h39m e chegaram ao local pelas 15h30m; que estiveram no local as corporações de Bombeiros de (…), (…), (…), um veículo da GNR que procederam a combate, extinção, rescaldo e vigilância de incêndio de natureza rural – mato e que os Bombeiros abandonaram o local pelas 18h10m e chegaram ao quartel pelas 18h35m, o que foi corroborado pelos depoimentos dos Bombeiros que se deslocaram ao local de incêndio – (…) – Depoimento prestado em Audiência de Julgamento de dia 15 de Março de 2017 e gravado através de sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática utilizada pelo Tribunal com início pelas 16h02m e termo pelas 16h10m, cfr. Ata de Audiência de Julgamento de fls… nas passagens [00:09:55] a [00:10:15] e de (…) - Depoimento prestado em Audiência de Julgamento de dia 15 de Março de 2017 e gravado através de sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática utilizada pelo Tribunal com início pelas 16h10m e termo pelas 16h29m, cfr. Ata de Audiência de Julgamento de fls… nas passagens de [00:01:22] a [00:01:45], [00:03:15], [00:03:19], [00:08:36] a [00:09:09].
I) Ora, do Relatório de Ocorrência de Incêndio de fls. 61 a 63, aliado aos depoimentos dos Bombeiros (…) e (…) (parcialmente transcritos e evidenciados em H) - b) do n.º 3 do art. 413º do CPP) resulta de forma cristalina que a ocorrência de incêndio se verificou na Quinta da (…), (…), pelas 14h36m, o que impõe uma alteração ao quadro factológico provado mediante aditamento de facto com a seguinte redação: - Os bombeiros foram chamados para comparecer na Quinta da (…), (…), em 02 de Abril de 2015 pelas 14h36m em virtude de incêndio.
J) Mal andou, também, o Tribunal a quo ao decidir que o Arguido era proprietário da Quinta da (…) sita na (…), na qual se encontrava implantada uma casa com um forno em anexo; mais decidiu que a mesma se encontrava desabitada e como tal, em seu redor tinha vegetação espontânea, essencialmente pasto e mato – pontos 1 e 2 do quadro factológico provado, pois fê-lo desacompanhado de qualquer elemento probatório pois, não foram carreados para os presentes autos quaisquer documentos que de per si atestassem a propriedade e a qualidade de proprietário do aqui Recorrente; assim como não se alcançou da prova testemunhal, de forma determinante, a qualidade de proprietário do Arguido, bem como a existência de uma casa e a verificação de vegetação espontânea junto da casa.
K) Outrossim, resultou da prova testemunhal, designadamente dos depoimentos dos Srs. Agentes da GNR (…) Depoimento prestado em Audiência de Julgamento de dia 15 de Março de 2017 e gravado através de sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática utilizada pelo Tribunal com início pelas 15h04m e termo pelas 15h24m, cfr. Ata de Audiência de Julgamento de fls… nas passagens [00:09:42] a [00:10:06] e de (…) - Depoimento prestado em Audiência de Julgamento de dia 15 de Março de 2017 e gravado através de sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática utilizada pelo Tribunal com início pelas 15h24m e termo pelas 15h45m, cfr. Ata de Audiência de Julgamento de fls… nas passagens [00:05:14] a [00:05:18] que a Quinta X (...) foi arrendada pelo aqui Recorrente.
L) Ademais, resulta dos depoimentos da testemunha – (…), aliado aos depoimentos de (…), (…) e (…), todos prestados em Audiência de Julgamento de dia 15 de Março de 2017 e gravados através de sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática utilizada pelo Tribunal (cfr. Ata de Audiência de julgamento de fls…) nas passagens [00:04:35] a [00:05:00]; [00:03:15] a [00:04:29]; [00:02:34] a [00:03:16]; [00:01:59] a [00:03:19] respetivamente, que o local se encontrava cuidado junto da casa, em ruínas, bem como próximo do forno; tendo inclusive, sido efetuada limpeza do local.
M) Donde, em virtude de prova testemunhal enunciada em K) e L) - b) do n.º 3 do art. 413º do CPP, designadamente dos depoimentos de (…), (…), (…), (…), e (…) se impõe alteração à factualidade dada como provada nos pontos 1 e 2 do quadro factológico – os quais deverão ter a seguinte redação: 1. O arguido A. é arrendatário de um terreno rústico onde se encontra implantada uma casa em ruínas, denominada Quinta da (…), sita na localidade da (…), área desta comarca.
2.A referida casa tem um forno em anexo e, o local encontrava-se limpo, sem mato e pasto.
N) No que concerne à origem do incêndio decidiu o Tribunal a quo que o mesmo se iniciou no forno, que se encontrava queimado, assim como o terreno adjacente ao mesmo e que progrediu de forma ascendente, para tanto e com vista a apurar a origem do incêndio é imprescindível ater-nos aos depoimentos prestados em Audiência de Julgamento realizada em 15 de Março de 2017, maxime aos depoimentos de (…) - Depoimento prestado em Audiência de Julgamento de dia 15 de Março de 2017 e gravado através de sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática utilizada pelo Tribunal com início pelas 16h10m e termo pelas 16h29m, cfr. Ata de Audiência de Julgamento de fls… [00:02:00] a [00:05:08], de (…) – Depoimento prestado em Audiência de Julgamento de dia 15 de Março de 2017 e gravado através de sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática utilizada pelo Tribunal com início pelas 16h02m e termo pelas 16h10m, cfr. Ata de Audiência de Julgamento de fls… [00:01:59] a [00:03:33], de (…) – Depoimento prestado em Audiência de Julgamento de dia 15 de Março de 2017 e gravado através de sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática utilizada pelo Tribunal com início pelas 15h55m e termo pelas 16h02m, cfr. Ata de Audiência de Julgamento de fls… de [00:00:29] a [00:00:41], [00:01:29] a [00:03:05], [00:03:37] a [00:04:29], [00:08:30] e [00:08:33], de (…) – Depoimento prestado em Audiência de Julgamento de dia 15 de Março de 2017 e gravado através de sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática utilizada pelo Tribunal com início pelas 15h45m e termo pelas 15h55m, cfr. Ata de Audiência de Julgamento de fl… de [00:03:27] a [00:05:40], de (…) – Depoimento prestado em Audiência de Julgamento de dia 15 de Março de 2017 e gravado através de sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática utilizada pelo Tribunal com início pelas 15h24m e termo pelas 15h45m, cfr. Ata de Audiência de Julgamento de fls… de [00:02:28] a [00:13:48], [00:16:21] a [00:16:58], [00:18:13] a [00:19:40] e de (…) – Depoimento prestado em Audiência de Julgamento de dia 15 de Março de 2017 e gravado através de sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática utilizada pelo Tribunal com início pelas 15h04m e termo pelas 15h24m, cfr. Ata de Audiência de Julgamento de fls… de [00:00:49] a [00:05:00], [00:06:50] a [00:09:08], [00:09:19] a [00:11:23], [00:12:59] a [00:13:36], [00:18:38] a [00:19:00].
O) Ora, cotejado o conteúdo dos aludidos depoimentos e analisados ao detalhe de forma ponderada, cuidada e com a parcimónia exigível, não se pode concluir que o incêndio tenha tido a sua origem/inicio num forno anexo a uma casa, com efeito:
- depoimento de (…), Bombeiro da Corporação de Bombeiros Voluntários (...) resultou que foi o primeiro a chegar ao local, que quando chegou viu um incêndio ativo com alguma extensão (metros) e que, atendendo ao sentido de progressão do incêndio (sentido (...) ) o mesmo ter-se-á iniciado numa fase anterior à habitação, acrescenta que não se recorda de no local ter visto um forno.
- depoimento da testemunha (…) (bombeiro voluntário), esclareceu que, quando chegou ao local o incêndio já se encontrava extinto, que no local existiam umas casas velhas tipo palheiro/barracão e que não viu nenhum forno.
- depoimento da testemunha (…) disse que quando chegou ao local já estava “tudo apagado” e que tinha ardido um cabeço próximo das casas esclarecendo que não se recordava onde ficava localizado o forno ou melhor, se existia um forno.
- depoimento do (…) resultou que quando chegou ao local estava ardido um cabeço e desconhece a origem do incêndio, acrescentando que local onde passou, junto das casas nada estava queimado, apenas depois do caminho para cima do forno.
P) Com efeito, dos referidos depoimentos não se extrai de forma clara, exata e enxuta que o incêndio terá tido o seu início num forno, tanto mais que os próprios bombeiros, nem sequer verificaram a existência de um forno no local, apenas atestaram que o incêndio se propagou no sentido (...) pelo que se terá iniciado antes das habitações.
Q) Aliados aos aludidos depoimentos há que ponderar os testemunhos dos Srs. Agentes da GNR, concretamente o depoimento do Sr. (…) que esclareceu o Tribunal que chegou ao local pelas 16h00m, 16h00 e pouco; no momento viu poucos focos de incêndio, não se recordando com precisão se o arguido ou se o seu colega lhe terão dito algo sobre um forno; afirma que viu um forno numa zona desviada das habitações, mas não viu se havia sinais de fogo junto do forno, confirma que desconhece a origem do incêndio e como se propagou e (…) esclareceu de forma perentória que não sabe se e quem ateou fogo ao forno, apenas sabe que, quando chegou ao local o Arguido encontrava-se no mesmo e lhe terá dito que ateou fogo ao forno, reforçando que não sabe se foi ou não o Arguido. Esclareceu que esteve próximo do forno, porém não olhou lá para dentro e não viu se dentro do forno havia lenha ou algum combustível.
R) Donde, não resulta demonstrado, a contrario do preconizado pelo Tribunal a quo que o incêndio teve origem no forno, que do mesmo saíram labaredas e faúlhas que atearam fogo, que existiam combustíveis finos e médios em redor do forno, sob pena de violação das regras inerentes à produção de prova e respetiva valoração.
S) No que concerne à responsabilidade pelo incêndio, concluiu o Tribunal a quo que a mesma era do aqui Recorrente porquanto, segundo invoca, este terá informado os Srs. Agentes da GNR – (…) e (…) de que teria sido o primeiro a chegar ao local, terá solicitado ajuda à Testemunha C ( ...) e assumiu que havia procedido a limpeza do forno – foco de incêndio, efetuando queima do mesmo.
T) Apenas uma análise menos cuidada e ponderada dos aludidos depoimentos poderia permitir tal conclusão, maxime no que concerne ao agente, pois do depoimento de (…) – Depoimento prestado em Audiência de Julgamento de dia 15 de Março de 2017 e gravado através de sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática utilizada pelo Tribunal com início pelas 15h04m e termo pelas 15h24m, cfr. Ata de Audiência de Julgamento de fls… de [00:00:00] a [00:19:00], resultou que chegou ao local acompanhado pelo seu colega (…), a partir das 16h00m referiu que, a essa hora o arguido se encontrava no local e lhe disse que tinha começado a queimar o forno e propagou-se; acrescenta, aliás que o Arguido nada mais disse, concluiu que não sabe se foi o arguido; disse também que esteve perto do forno mas que não olhou para dentro do forno, não sabe se estava ou não queimado; referiu ainda que, para além do arguido estava presente, também uma senhora; de (…) – Depoimento prestado em Audiência de Julgamento de dia 15 de Março de 2017 e gravado através de sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática utilizada pelo Tribunal com início pelas 15h24m e termo pelas 15h45m, cfr. Ata de Audiência de Julgamento de fls… de [00:00:01] a [00:19:46] resultou que quando chegou ao local pelas 16h00m, 16h00 e pouco o Arguido se encontrava na Quinta da (…), assim como os bombeiros e tratores com grades e não se recordava se lhe foi dito pelo arguido ou pelo colega algo relacionado com o forno, ou se nada lhe foi dito; esclareceu que viu um forno mas que não viu se havia sinais de fogo junto ao forno, não viu se o forno estava queimado; do depoimento de (…) – Depoimento prestado em Audiência de Julgamento de dia 15 de Março de 2017 e gravado através de sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática utilizada pelo Tribunal com início pelas 15h55m e termo pelas 16h02m, cfr. Ata de Audiência de Julgamento de fls… de [00:00:01] a [00:09:40] resultou que que o arguido lhe ligou a solicitar ajuda porque tinha a quinta arder e fê-lo entre as 15h00m, 15h30m; que se deslocou ao local mais tarde, mas quando chegou estava o incêndio praticamente apagado e não falou com o Arguido e, aliados ao do relatório de Ocorrência de fls. 61 a 63, apenas se poderá ter por confirmada a presença do Arguido na Quinta da (…) no dia 02 de Abril de 2015 pelas 16h00m pois, não foi produzida qualquer prova que demonstrasse que pelas 15h00, 15h30m, aquando do telefonema o Arguido já se encontra-se no local, que foi o primeiro a chegar ao local e que se encontrava sozinho.
U) Circunstância esta corroborada pelo depoimento de (…) – Depoimento prestado em Audiência de Julgamento de dia 15 de Março de 2017 e gravado através de sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática utilizada pelo Tribunal com início pelas 15h45m e termo pelas 15h55m, cfr. Ata de Audiência de Julgamento de fls… de [00:00:44] a [00:02:35], bem como pelo depoimento de (…) - Depoimento prestado em Audiência de Julgamento de dia 15 de Março de 2017 e gravado através de sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática utilizada pelo Tribunal com início pelas 16h10m e termo pelas 16h29m, cfr. Ata de Audiência de Julgamento de fls… de [00:02:00] a [00:05:08] de [00:05:28] a [00:06:20].
V) Dos aludidos depoimentos não se alcança que o arguido tivesse sido o primeiro a chegar ao local, outrossim que apenas a partir das 16h00m foi visto no local e que estava, acompanhado de uma Senhora, pelo que, de tais circunstâncias não se conclui que o Arguido estivesse no local pelas 14h50m e que tivesse colocado lenha no interior do forno e lhe tivesse ateado fogo, conforme resulta do ponto 3 do quadro factológico provado porque, diretamente, não foi efetuada prova concludente de tal facto.
W) Com efeito, a prova é apreciada de acordo com as regras da experiência comum e livre convicção do julgador nos termos do preceituado no art. 127º do CPP todavia, tal liberdade não pode importar nem significar uma decisão irracional, puramente emocional e subjetiva, ou seja, a livre apreciação da prova exige uma apreciação critica e racional fundada nas regras da experiência comum, da lógica, da ciência, para permitir objetivar e motivar a convicção do julgador, o que permitirá ao Tribunal socorrer-se de prova indiciária (indireta), isto é, de um conjunto de elementos: vestígios, suspeitas, presunções, sinais, indicações suficientes e bastantes que permitam concluir pela responsabilidade de um determinado agente por um determinado crime.
X) Sem embargo, as regras gerais da experiência comum não poderão ser contrariadas e, apenas será admitida prova indireta, inclusive através de presunção judicial desde que, por um lado, seja possível estabelecer uma relação direta e segura, claramente percetível e sem necessidade de elaboradas conjeturas entre o facto base, resultante de prova direta e o facto desconhecido (facto objeto de prova indireta e/ou por presunção, não se permitindo nem admitindo, com vista a estabelecer essa relação saltos lógicos ou premissas indemonstradas – devendo a presunção conduzir a um facto real desconhecido, isto é, deverão ser conhecidas as circunstâncias que permitem a presunção, sem que, concomitantemente se verifiquem circunstâncias de facto ou sejam de admitir hipóteses consistentes que permitam por em causa o resultado atingido por esta via e, sempre com respeito pelo Princípio in dubio pro reo.
Y) In casu ao decidir-se pela presença do arguido pelas 14h50m no local onde ocorreu o incêndio, está a admitir-se conjeturar à margem de um raciocínio lógico, objetivo e motivável, porquanto não é possível estabelecer uma relação direta e segura sem estabelecer conjeturas insustentadas, tanto mais que resultou diretamente dos depoimentos de (…) – agente da GNR, maxime ao minuto 00:06:58 que o arguido estava acompanhado por uma senhora e do depoimento de (…) – Bombeiro, do minuto 00:03:15 ao 00:06:20 que foi o primeiro a chegar, que se recorda de posteriormente haver mais gente no local mas não sabe quem, não se recordando nem reconhecendo o aqui Recorrente.
Z) Estas circunstâncias permitem a hipótese, consistente, de que o Arguido não se encontrava sozinho e que o primeiro a chegar ao local foi o Bombeiro (…) que, posteriormente viu mais gente, que não sabe identificar, nem reconhece o Arguido, no local onde ocorreu o incêndio, logo, colocam em causa a fidedignidade do resultado da presunção e abrem a porta à violação do Princípio in dubio pro reo.
AA) Donde, nem por via de prova indireta e/ou indiciária se poderá concluir que o Arguido estava no local onde ocorreu o incêndio pelas 14h50m pela simples circunstância de ter sido visto no local às 16h00m e ter efetuado uma chamada telefónica pelas 15h30m a solicitar ajuda no combate ao incêndio e a circunstância de o Arguido não se encontrar sozinho no local também não permite sustentar que terá sido o responsável por propagar incêndio, pelo que, atento o exposto não é permitido ao Tribunal a quo concluir pela presença do Arguido no local antes das 16h00m, assim como não é permitido concluir que tenha sido este o responsável pela propagação de incêndio, pois as circunstâncias evidenciadas criam uma dúvida razoável quanto à autoria do crime de incêndio florestal que, desde logo imporia o funcionamento e aplicação do In Dubio Pro Reo a consequente absolvição do aqui Recorrente.
BB) Acresce que, mesmo admitindo-se a valoração do depoimento das testemunhas Agentes da GNR – (…) e (…), o que, naturalmente não se concebe, na parte em que depõem acerca de conversa, diga-se, informal, alegadamente ocorrida com o Arguido no dia da ocorrência, a verdade é que tal facto, em face da fundamentação supra também não é idóneo a permitir a conclusão e prova de que o Arguido colocou lenha no interior do forno e lhe ateou fogo pois, os próprios afirmam que viram o forno porém não viram se no mesmo existiam sinais de fogo e nem sequer olharam para dentro do mesmo – (…) do minuto 00:004:18 ao 00:04:27 e (…) do minuto 00:12:50 ao 00:13:00, o que, aliado aos demais depoimentos transcritos e citados, maxime dos Bombeiros (…) e (…) que nem sequer verificaram a existência de um forno, não permite, de forma exata e sem qualquer margem para dúvidas, razoáveis, concluir que dentro do forno foi colocada lenha, que foi o Arguido que a colocou e que lhe ateou fogo outrossim e mais uma vez, acionar o mecanismo de salvaguarda processual – Principio in dubio pro reo.
CC) Sem embargo, a contrario do preconizado na Sentença de fls…os depoimentos das testemunhas (…) e (…), e, diga-se, essencialmente o depoimento de (…), atendendo à circunstância, verificada, da pouca precisão de memória e exatidão da forma como o depoente (…) obteve informação, na parte em que relatam factos que reproduzem conversa com o Arguido não poderão importar a sua valoração como prova bastante para proceder a condenação. - [00:02:22] a [00:03:16], [00:10:16] a[00:10:43] pois, a conversa transcrita não é mais do que uma conversa, usualmente designada de informal e que ancorou, de forma irremediável, a decisão do Tribunal a quo de condenação do aqui Recorrente, porém, fê-lo desacompanhada de outras provas que pudessem permitir a conclusão de que, de facto o Arguido se encontrava no local às 14h50m, que colocou lenha no forno e que lhe ateou fogo, tanto mais que o Arguido lançou mão do Direito ao Silêncio, pois as conversas informais “(…) mantidas entre órgãos de policia criminal e o arguido não podem ser (validamente) valoradas, sejam quais forem as condições e o tempo processual da sua obtenção, nelas se incluindo, consequentemente, as verificadas antes daquele obter a descrita qualidade de sujeito processual. (…) – Cfr. Ac. Tribunal da Relação de Coimbra de 04.02.2015 – Proc. n.º 53/13.1GDFND.C1, relator Jorge França, in www.dgsi.pt.
DD) Ora, foi no âmbito do preceituado no n.º1 e al. b) do n.º2 do art. 249º do CPP, que os Srs. Agentes da GNR obtiveram, por parte do Arguido a informação de que teria sido este que ateou fogo ao forno e que o mesmo se propagou, pelo que os seus depoimentos incidiram sobre matérias permitidas, todavia a aludida informação/relato impunha a comunicação ao aqui Recorrente de que nesse momento assumiria a qualidade de Arguido e, como tal beneficiaria dos direitos preceituados nos n.º 1 do art. 59º e n.º 2 do art. 58º, ambos do CPP, o que não sucedeu, uma vez que apenas veio a ser constituído Arguido em 29 de Junho de 2015, cfr. fls. 11 a 14; mais, tal conversa nem foi reproduzida em Auto de Notícia de fls. 3, nem de Ocorrência de fls. 35; apenas foi feita menção em 22 de Outubro de 2015 a fls 36 a 38 em Auto de Declarações de (…) e (…).
EE) A omissão de tal formalidade “(…) implica que as declarações prestadas pela pessoa visada não possam sem utilizadas como prova contra ela (…).” - Cfr. Ac. Tribunal da Relação de Coimbra de 04.02.2015 – Proc. n.º 53/13.1GDFND.C1, relator Jorge França, in www.dgsi.pt.
FF) No mesmo sentido decidiu o Tribunal da Relação do Porto – Ac. de 21.07.2011, in www.dgsi.pt: “(…) Ora, se a inquirição, no processo, de uma pessoa suspeita da prática de um crime, com violação ou omissão das formalidades previstas nos nºs 1 a 3 do artigo 58.º, implica, por exigência das garantias de defesa, que as declarações prestadas pela pessoa visada não possam ser utilizadas como prova contra ela, não se divisa qualquer razão plausível para que uma conversa informal com uma pessoa que ainda não tem o estatuto de arguido nem tem, por isso e nomeadamente, o direito de ser assistida por defensor, ou tendo tal estatuto não foi assistida por defensor (conversa essa, aliás, tida, sabe-se lá, em que circunstâncias, não sendo até de excluir uma errada interpretação das palavras da pessoa visada), não tenha o mesmo tratamento. Assim, as chamadas “conversas informais” dos arguidos com os agentes policiais, antes de serem constituídos arguidos, não podem ser valorizadas em sede probatória. De outra forma estaríamos a subverter o espírito da lei constitucional e mesmo a agir em fraude à lei ordinária se, porventura, sobrestássemos na constituição de arguido, com o mero fito de, desse modo, o arredar do benefício daquelas garantias e, dessa forma, obter provas incriminatórias contra ele. (…) Ou seja, logo que existam fundadas suspeitas da autoria do crime, a pessoa em causa deve de imediato ser constituída arguido a fim de, no benefício de todas as suas prerrogativas processuais (artº 61º, CPP), poder livremente recusar-se a prestar declarações ou, prestando-as, poder ser posteriormente com elas confrontado (artºs 141º, 4, b) e 357º, 1, b), ambos do CPP). Se é hoje possível confrontar o arguido com as declarações prestadas de modo informado perante a autoridade judiciária e com a assistência de defensor, não é menos verdade que pesem embora as limitações impostas pela lei, mesmo assim, essas declarações não valem como confissão, antes são objecto de livre apreciação e se assim é perante declarações prestadas com todas essas garantias pelo arguido constituído, por que razão hão-de ter o mesmo tratamento as declarações prestadas antes dessa constituição, ainda que formais, sendo que deixa de ser compreensível a valoração dessas declarações se prestadas através de ‘conversas informais’. Estas, pura e simplesmente não valem por si, não podem ser validamente valoradas, sejam quais forem as condições e o tempo processual em que forem obtidas. (…). O que está em causa, em suma, são as «diligências de investigação» (ou melhor, os resultados através delas obtido) levadas a cabo pelos agentes da autoridade na sequência das informações colhidas, mesmo de quem venha no futuro a adquirir a qualidade de arguido, e não o teor dessas informações, isoladamente consideradas, pois que assim, nenhum valor probatório autónomo detêm, (…)” pelo que a ‘confissão’ do Recorrente reproduzida em audiência pela testemunha – (…), agente da GNR, não pode ser valorada como meio de prova, por força do que dispõem os artºs 356º, 7, 129º e 355º, todos do CPP, porque desacompanhada de qualquer prova concludente.
GG) Pois, são os próprios que afirmam que viram o forno porém não viram se no mesmo existiam sinais de fogo e nem sequer olharam para dentro do mesmo – (…) do minuto 00:004:18 ao 00:04:27 e (…) do minuto 00:12:50 ao 00:13:00, o que, aliado aos demais depoimentos transcritos e citados, maxime dos Bombeiros (…) e (…) que nem sequer verificaram a existência de um forno, não permite, de forma exata e sem qualquer margem para dúvidas, razoáveis, concluir que dentro do forno foi colocada lenha, que foi o Arguido que a colocou e que lhe ateou fogo, donde os pontos 3 a 5 do quadro factológico provado padecem de vicissitudes e foram erradamente julgados, devendo, em virtude de um ponderação cuidada de:
(…).
Ser considerados como não provados, nos termos e fundamentos invocados, permitindo-se apenas a prova de que no dia 02 de Abril de 2015 ocorreu um incêndio na Quinta da (…), (…).
HH) Assim, em face do invocado o quadro factológico provado deverá apresentar as seguintes alterações:
Aditamento:
- Os bombeiros foram chamados para comparecer na Quinta da (…), (…), em 02 de Abril de 2015 pelas 14h36m em virtude de incêndio;
Alterações:
Provado que:
1.O arguido (…) é arrendatário de um terreno rústico onde se encontra implantada uma casa em ruínas, denominada Quinta da (…), sita na localidade da (…), área desta comarca.
2.A referida casa tem um forno em anexo e, o local encontrava-se limpo, sem mato e pasto.
3. No dia 02 de Abril de 2015 ocorreu um incêndio na Quinta da (…), (…).
Não provado:
Pontos 4 a 10.
II) Mais, os Pontos 6 a 10 do quadro factológico provado, foram importados da Acusação Pública de fls… e Pronúncia de fls… e, em sede de Julgamento nenhuma prova foi produzida acerca dos mesmos, assim como não se encontram sustentados em prova documental, pelo que deverão ser dados como não provados.
JJ) Ora, atentas as vicissitudes decorrentes do quadro factológico provado e que, sob pena de violação dos princípios inerentes à apreciação de prova, à sua valoração preconizados nos art. 127º do CPP e do Principio in dubio pro reo, importam a sua alteração nos termos alegados – não prova dos factos constantes dos pontos 1 a 10 do quadro factológico - a verdade é que não se encontram preenchidos os elementos quer do tipo objetivo, quer do tipo subjetivo do crime de incêndio florestal por negligência - n.ºs 1 e 4 do art. 274º do CP e art. 15º do CP e, como tal, o Recorrente deverá ser absolvido.
KK) Sem embargo e, naturalmente sem conceder, mesmo que se entendesse que se encontravam preenchidos os elementos do tipo objetivo do crime de incêndio florestal em virtude de o arguido ter ateado fogo a lenha dentro do forno e as faúlhas terem provocado um incêndio na Quinta da (…), (…), pelas 14h50m no dia 02 de Abril de 2015, a verdade é que atento o Relatório de Ocorrência de fls. 61 a 63, tal conduta seria inidónea a permitir a condenação pela ocorrência – incêndio, verificado em 02 de Abril de 2015 na Quinta da (…) porquanto, o mesmo ter-se-á iniciado anteriormente e no que se consegue apurar pelas 14h36m e, mesmo considerando que o Arguido ateou fogo nas circunstâncias de tempo, lugar e modo, a verdade é que não se encontram reunidos os elementos do tipo subjetivo que importam a culpa e a sua consequente condenação.
LL) Concretamente e não descurando o facto provado no ponto 13 que considera que o risco de incêndio no dia 02 de Abril de 2015 para o concelho do (…) era elevado, a verdade é que, nos termos e para os efeitos da Portaria n.º 180/2015 de 19 de Junho o mesmo se encontrava excluído do período critico que, no ano de 2015 vigorou de 1 de Julho a 30 de Setembro - donde, sendo apenas exigido dentro do período critico medidas e/ou cautelas especiais de prevenção contra incêndios, fora deste, e na utilização de um bem e/ou equipamento – forno a lenha, idóneo à confeção de bens alimentares toda e qualquer cautela especial, a não ser fora do âmbito e do fim de utilização do forno não seria exigível ao Arguido.
MM) Para além de que, fora do período critico e ponderada a classe de risco de incêndio que varia entre o reduzido e o máximo, mesmo nos casos em que a classe de risco é elevado, são permitidas a realização de queimas, bem como a utilização de fogareiros, conforme se alcança do sítio na internet do Instituto Português do Mar e da Atmosfera  - https://www.ipma.pt/pt/ambiente/risco.incendio/#0#0509, donde, se conclui que é permitida a utilização de um forno a lenha para o fim a que o mesmo se destina, pelo que, tal utilização atendendo ao critério do bom pai de família, sem a utilização de meios e/ou equipamentos que provocassem e/ou intensificassem a propagação de incêndio, não importa, de per si a violação do dever de cuidado, nem importaria a exigência de utilização de meios e /ou equipamentos e/ou adoção de medidas como de se uma queima se tratasse, designadamente molhar o terreno adjacente.
NN) Aliás, as medidas e precauções adicionais resultaram da limpeza da Quinta da (…) preconizada pelo Arguido e confirmada por todas as testemunhas inquiridas em Audiência de Julgamento de 15 de Março de 2017 maxime por (…) essencialmente nas passagens [00:03:26] a [00:04:29], (…) - [00:02:35] a [00:03:16] e (…) na passagem [00:05:00)], e, por conseguinte o aqui Recorrente não agiu com falta de cuidado, aliás, nem a mesma resultou demonstrada nos termos e condições referidos na Sentença de fls….
OO) Com efeito, cotejada a prova documental junta aos autos e os depoimentos produzidos em audiência de julgamento e transcritos supra, da mesma não se extrai a quantidade de lenha que o Recorrente teria colocado no forno e que a mesma seria excessiva de molde a provocar/intensificar um incêndio; bem como não resulta do quadro factológico provado qualquer facto que impute ao Arguido tal circunstância, pelo que, conclui-se que o Arguido não se constituiu autor material na forma consumada de um crime de incêndio florestal p. e p. n.º 1 e 4 do art. 274º e al. a) do art. 15º do CP.
PP) Qualquer outra decisão que importe o preenchimento dos elementos do tipo objetivo e subjetivo do crime de incêndio florestal comprime intoleravelmente as garantias de defesa do Arguido inquinando de inconstitucionalidade material a norma da al. d) do n.º1 do art. 61º do CPP, porque viola os Princípios Constitucionais de Presunção de Inocência do Arguido e In Dubio Pro Reo – art. 32º da CRP, na medida em que, permite a condenação do Arguido única e exclusivamente com base em declarações que reproduzem o conteúdo de diligências de investigação recolhidas nos termos do art. 249º do CPP, desacompanhadas de elementos probatórios determinantes a consolidar factos, consentindo a supressão do direito ao silêncio do Arguido; ou seja, uma interpretação imponderada, baseada única e exclusivamente na permissibilidade dos depoimentos das testemunhas que promoveram as diligências de investigação, gera uma aplicação inconstitucional por não conformada com a presunção de inocência e com a imposição ao julgador de pronúncia favorável ao arguido quando as declarações se encontram desacompanhadas de elementos de prova adicionais.
QQ) Pelo que a Sentença padece de vício referido na al. b) do n.º2 do art. 410º do CPC e viola o preceituado no art. 127º e 249º, ambos do CPC e é materialmente inconstitucional por contrária ao princípio de Defesa Do Arguido na modalidade de Direito ao Silêncio e In Dubio Pro Reo – art. 32º da CRP.

Termos em que, Vossas Excelências, deverão dar provimento ao presente recurso, alterando o quadro factológico nos termos invocados, declarando o vicio de contradição insanável entre a fundamentação e a decisão, revogando a Sentença e substituindo-a por outra que absolva o Arguido da prática do crime, fazendo assim a costumada JUSTIÇA!

O recurso foi objecto de despacho de admissão.

O Ministério Público respondeu ao recurso, concluindo o seguinte:
1. O tribunal a quo fez uma adequada valoração dos preceitos legais, tendo andado bem ao condenar o arguido (…) pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de incêndio florestal, p. e p. pelos arts. 274º, nos 1 e 4 e 15º, al. a) do CP, na pena única de 200 dias de multa, à taxa diária de 7,50€, num total de 1500,00 €. 
2. Na verdade, o tribunal a quo fez uma adequada e acertada valoração da prova e uma correcta subsunção dos factos ao Direito, que não merece qualquer reparo, nem existe qualquer nulidade que a invalide.
3. Da prova documental e testemunhal produzida em julgamento resulta evidente e sem margem para qualquer dúvida que o arguido, no dia 02/04/2015, em dia de risco elevado de incêndio, na Quinta da (…), na (…), ateou fogo a um forno exterior, não tomando as devidas precauções para que as chamas e faúlhas não ateassem fogo ao pasto e mato circundante, como sucedeu, causando dessa forma um incêndio, preenchendo dessa forma os elementos objectivos e subjectivo do tipo legal do crime de incêndio florestal.
4. As necessidades de prevenção geral e especial são acentuadas.
5.  Face ao exposto, concluímos que, a douta decisão recorrida deve ser mantida, por não ter violado quaisquer preceitos legais ou constitucionais, não devendo merecer provimento o recurso interposto pelo arguido.


V. Ex.as, Senhores Juízes Desembargadores, no entanto, decidirão e farão JUSTIÇA

Nesta Relação, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que, salvo ressalva quanto à hora do incêndio em que o recurso deve proceder, no mais deve improceder o recurso.

Cumprido o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não ocorreu réplica.

Efectuado o exame preliminar e corridos os vistos legais foi realizada audiência, cumprindo apreciar e decidir.


***

            II. Fundamentação

A documentação em acta das declarações e depoimentos prestados oralmente na audiência de julgamento determina que este Tribunal, em princípio, conheça de facto e de direito (cfr. artigos 363° e 428º nº 1 do Código de Processo Penal).

Mas o concreto objecto do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da correspondente motivação, sem prejuízo das questões do conhecimento oficioso.

Vistas as conclusões do recurso, as questões a apreciar são as seguintes:

- Se pode ser valorado como meio de prova depoimento de testemunha sobre o que ouviu dizer ao arguido em momento anterior à sua constituição nessa qualidade e à existência de processo;

- Se ocorre erro de julgamento da matéria de facto, devendo ser alterada nos termos indiciados pelo recorrente com a sua consequente absolvição;

- Se a sentença recorrida padece do vício a alínea b) do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal;

- Se os factos provados não integram a prática pelo arguido do crime por que foi condenado.

Com vista à apreciação das referidas questões consignam-se os fundamentos de facto da decisão recorrida que são os seguintes:

FACTOS PROVADOS

DA ACUSAÇÃO PUBLICA:

1.

O arguido (…) é proprietário de um terreno rústico onde se encontra implantada uma casa, denominada Quinta X (...) , sita na localidade da (…), área desta Comarca.

2.

A referida casa tem um forno em anexo e, mercê de estar desabitada, tinha vegetação espontânea ao seu redor, designadamente pasto e mato.

3.

No dia 02.04.2015, cerca das 14h50m., o arguido, que se deslocou àquele local, colocou lenha no interior do forno e ateou-lhe o fogo.

4.

O arguido ateou o fogo ao forno sem ter assegurado previamente a limpeza dos combustíveis existentes na área adjacente, bem assim sem ter tomado quaisquer medidas de precaução adicionais, como molhar todo o terreno adjacente.

5.

As labaredas e as faúlhas saídas do forno atearam fogo aos combustíveis finos e médios, dispostos de forma horizontal e vertical, existentes em redor do forno que, associados à elevada temperatura que se fazia sentir e à reduzida humidade do ar, provocou um foco de incêndio que se propagou de forma rápida pelo terreno circundante.

6.

O incêndio, assim originado, consumiu uma área aproximada de 1 ha de terreno, composto por carvalhos, pinheiros e mato de regeneração natural, pertencentes ao próprio arguido, causando-lhe prejuízos de valor ainda não apurado.

7.

Apenas devido à rápida intervenção de 20 bombeiros de diversas corporações, designadamente do (…), (…), (…) e (…), que durante 3 horas e 45 minutos combateram o incêndio, se impediu que as chamas alastrassem e destruíssem as matas circundantes, como casas existentes noutras propriedades rústicas adjacentes, os quais tinham valor não determinado mas muito superior a 10.000,00 €.

8.

Atuou o arguido de forma livre, mas imponderada e imprudente, pois sabia que ao atear o fogo ao forno da forma acima descrita poderia provocar um incêndio florestal, como provocou, atuando, assim, com falta de cuidado, tendo-se convencido que o mesmo não ocorreria.

9.

O incêndio resultou exclusivamente da falta de cuidado do arguido, o qual podia e devia ter impedido se observasse todas as regras de precaução nas circunstâncias concretas, designadamente queimando menor quantidade de lenha no forno, efetuar a limpeza de todos os combustíveis existentes em redor do forno e molhar completamente o terreno adjacente.

10.

O arguido sabia, também, que tal conduta lhe era proibida e punida pela lei penal como crime.

DAS CONDIÇÕES PESSOAIS E ECONOMICAS DO ARGUIDO:

11.

a.

No plano financeiro, o arguido descreve uma situação sócio-económica estável, referindo que recebe um ordenado fixo, de 1500 euros líquidos, bem como o cônjuge, profissional de medicina interna na ( ...) . Tem encargos com o pagamento do empréstimo bancário, do colégio das filhas, entre outras despesas, na ordem de 1700 euros mensais.

b.

O arguido, natural de (…), vive no concelho de (…) e mantém ligações familiares e profissionais naquela região, sendo que os pais e irmãos vivem em (…). O pai do arguido é responsável pela exploração agro-pecuária do negócio dirigido pelo arguido, que requereu ao Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, I.P. (IFAP) apoio concedido a agricultores a título do Regime de Pagamento Base (RPB), assente na produção biológica de animais.

c.

O arguido e o seu núcleo familiar, constituído pelo casal e duas filhas, de cinco e um ano de idade, vive há cerca de seis na (…), tendo o casal adquirido habitação com recurso a empréstimo bancário. A interacção familiar processa-se em moldes gratificantes e, do referido, o arguido valoriza os laços de proximidade com as filhas, conciliando os projectos profissionais e de lazer de forma a acompanhar as rotinas familiares.

d.

No que se refere à ocupação dos tempos livres, o arguido, convive com a família, deslocando-se regularmente à sua zona de proveniência, (…). Aí, ocupa-se na quinta que arrendou na (…) /(…), referindo que gosta de praticar os desportos de caça e equitação. Despende ainda algum tempo livre para correr diariamente e praticar surf.

12.

O arguido não tem antecedentes criminais.

DAS CIRCUNSTÂNCIAS APURADAS EM SEDE DE AUDIÊNCIA FINAL :

13.

No dia 2 de abril de 2015, a classe de risco de incêndio florestal, no concelho (...) , era elevada.

FACTOS NÃO PROVADOS:

Inexistem factos não provados.

MOTIVAÇÃO:
(…)

Da alegada valoração de prova proibida:

Na sentença recorrida foram valorados depoimentos de dois agentes da GNR sobre declarações que ouviram do arguido quando se deslocaram ao local do incêndio, no sentido de que esse evento teve origem em queima que efectuou num forno. Declarações produzidas aos agentes antes da existência de qualquer processo e, portanto, antes da constituição de arguido.

Contesta o recorrente a legalidade de tal meio de prova, argumentando que deveria ser de imediato constituído arguido e como tal beneficiaria dos respectivos direitos (artigos 58º e 59º do Código de Processo Penal) e que a omissão de tal formalidade implica que as declarações não possam ser utilizadas.

Começamos por referir que a situação em causa não se reconduz à previsão do artigo 59º, nº 1 do Código de Processo Penal que pressupõe a audição formal, em processo já existente, de pessoa na qualidade de testemunha no decurso da qual surge a suspeita de ter cometido crime.

A questão em causa nos autos de declaração informal aos agentes da autoridade antes da existência de processo foi tratada no Ac. do STJ de 15-02-2007 (proc. n.º 06P4593) publicado em www.dgsi.pt, onde se refere que podemos considerar adquirido, para o que agora importa, por um lado, que os agentes policiais não estão impedidos de depor sobre factos por eles detectados e constatados durante a investigação e, por outro lado, que são irrelevantes as provas extraídas de “conversas informais” mantidas entre esses mesmos agentes e os arguidos, ou seja, declarações obtidas à margem das formalidades e das garantidas que a lei processual impõe.

Pretenderá, assim, a lei impedir, com a proibição destas “conversas”, que se frustre o direito do arguido ao silêncio, silêncio esse que seria “colmatado” ilegitimamente através da “confissão por ouvir dizer” relatada pelas testemunhas. A partir da constituição do arguido enquanto tal, ele assume um estatuto próprio, com deveres e direitos, entre os quais, o de não se auto-incriminar. A partir de então, as suas declarações só podem ser recolhidas e valoradas nos estritos termos indicados na lei, sendo irrelevantes todas as conversas ou quaisquer outras provas recolhidas informalmente.

Contudo, de forma diferente se passam as coisas quando se está no plano da recolha de indícios de uma infracção de que a autoridade policial acaba de ter notícia. Compete então às autoridades, nos termos do artigo 249º do CPP, praticar “os actos necessários e urgentes para assegurar os meios de prova”, entre os quais, “colher informações das pessoas que facilitem a descoberta dos agentes do crime”. Estas “providências cautelares” são fundamentais para investigar a infracção, para que essa investigação tenha sucesso. E daí que a autoridade policial deva praticá-las mesmo antes de receberem ordem da autoridade judiciária para investigar (art. 249º, nº 1).

Nesta fase não há ainda inquérito instaurado, não há ainda arguidos constituídos. É uma fase de pura escolha informal de indícios, que não é dirigida contra ninguém em concreto. As informações que então forem recolhidas pelas autoridades policiais são necessariamente informais, dada a inexistência de inquérito. Ainda que provenham de eventual suspeito, essas informações não são declarações em sentido processual, precisamente porque não há ainda o processo (pode até não vir a haver, como por exemplo se o crime for semi-público e não for apresentada queixa).

Completamente diferente é o que se passa com as ditas “conversas informais” ocorridas já durante o inquérito, quando há arguido constituído, e se pretende “suprir” o seu silêncio» em audiência de julgamento «por depoimentos de agentes policiais testemunhando a “confissão” informal ou qualquer tipo de declaração prestada pelo arguido à margem dos formalismos impostos pela lei processual para os actos a realizar no inquérito».

O que o artigo 129º do CPP proíbe são estes testemunhos que visam suprir o silêncio do arguido, não os depoimentos de agentes de autoridade que relatam o conteúdo de diligências de investigação, nomeadamente a prática das providências cautelares a que se refere o artigo 249º do CPP.

Com conexão com esta matéria é, aliás, recorrente a citação do posterior Acórdão do STJ de 12.12.2013 (Proc. n.º 292/11.0JAFAR.E1.S1) publicado no mesmo sítio, que reforçou o mesmo entendimento, onde se refere, entre o mais, que “(…)

- O depoimento de órgão de polícia criminal pode assumir conformação diversa consoante o momento e as circunstâncias a que se reporta.

- As denominadas conversas informais com o arguido reconduzem-se: a) as afirmações percecionadas pelo órgão de polícia criminal, enquanto cidadão comum, em momentos da vida quotidiana e nas exatas circunstâncias em que qualquer cidadão pode escutar tais declarações; b) as afirmações proferidas por ocasião ou por causa de atos processuais de recolha de declarações; c) as conversas tidas com um órgão de polícia criminal no decurso de atos processuais de ordem material, de investigação no terreno ou em ações de prevenção e manutenção da ordem pública em que aqueles são confrontados com o crime.

- O agente de órgão de polícia criminal não pode ser inquirido como testemunha sobre o conteúdo de declarações formais que estão no processo ou de declarações informais que, devendo estar no processo por imposição legal, efetivamente não estão.

- Para além destas situações existe uma ampla probabilidade de realidades extra processuais em que a colaboração do arguido, por atos e palavras, surge como instrumento adequado da investigação criminal e, muitas vezes, integrado num ato processual válido e relevante.

- Não há qualquer impedimento ou proibição de depoimento que incida sobre aspetos, orais ou materiais, descritivos ou impressivos, narrativos ou conclusivos, que a lei não obriga a estar registados em auto ou, ainda, relativamente a diligências ou meios de obtenção de prova que tenham autonomia material e jurídica, quer quanto ao meio de prova que geram, quer quanto a afirmações não retratáveis em auto que o arguido tenha proferido na ocasião da realização de diligências e meios de obtenção de prova.

- Constitui um meio de prova válido, por se mostrar alheio ao âmbito de tutela dos arts. 129.º e 357.º do CPP, o depoimento prestado pela testemunha pertencente a órgão de polícia criminal relativo às indicações do arguido nas diligências externas a que se procedeu”.

A decisão recorrida não deixou, como se lhe impunha, de se  pronunciar fundadamente sobre a legalidade do meio de prova em questão, mais invocando jurisprudência do Tribunal Constitucional no sentido da livre valoração de tal tipo de depoimento mesmo que o arguido em audiência se tenha remetido ao silêncio por inexistir violação do direito de defesa, o que naturalmente resulta de, estando presente, ter podido exercer o contraditório de modo integral. 

Em face do exposto, no caso dos autos, tendo o arguido relatado espontaneamente aos agentes da autoridade, antes da existência de processo e, consequentemente, antes da constituição daquele na dita qualidade, a valoração dos depoimentos das duas referidas testemunhas, ao narrarem em audiência o que ouviram dizer ao arguido, não viola as normas em que se baseia a tese argumentativa do recorrente, ou qualquer outra de índole processual penal ou constitucional.

Do alegado erro de julgamento da matéria de facto:

O recorrente alega que ocorre erro de julgamento da matéria de facto no que respeita aos factos provados da decisão recorrida nºs 1 a 10 porque entende que a prova no seu conjunto impunha decisão diversa, bem como pretende o aditamento de outros factos que não constam daquela, entendendo que o Tribunal a quo violou na sua análise e valoração da prova as regras da experiência e o disposto no artigo 127º do Código de Processo Penal, para além do princípio in dubio pro reo.

Começa por especificar que devia ser aditado o seguinte facto provado “Os Bombeiros foram chamados para comparecer na Quinta da (…), (…), em 2 de Abril de 2015, pelas 14.36 horas em virtude de incêndio” com base no que consta do relatório de ocorrência de fls. 61 a 63, aliado aos depoimentos dos Bombeiros (…) e (…).

Liga este pedido ao vício de contradição insanável de fundamentação que alega com fundamento em que consta provado no ponto 3, que o ateamento do fogo ocorreu cerca das 14,50 Horas e consta da fundamentação da convicção do Tribunal, por referência ao relatório de ocorrência elaborado pelos bombeiros, que estes verificaram o incêndio pelas 14,36 horas. Merecerá o vício alegado referência específica.

Este facto que se pretende aditar não pode ser considerado, nos termos do artigo 368º, nº 2 do Código de Processo Penal, como relevante para a resposta às questões enunciadas no preceito e de onde se extrai quais são os factos relevantes para a decisão da causa porque deles depende qualquer aspecto da subsunção jurídica a efectuar e que, por isso, devem constar da decisão factual, como provados ou não provados. O recorrente confunde o que sejam factos instrumentais que apenas relevam porque são meio de prova dos factos efectivamente relevantes para a boa decisão da causa.

A hora a que os bombeiros se deslocaram ao local do incêndio apenas releva na medida em que permita estabelecer a hora do próprio incêndio, sendo inócuo consigná-lo nos factos provados porque dele não resulta qualquer consequência jurídica.

Não vislumbramos, por isso, que o facto em causa deva ser aditado à matéria de facto provada.

No que respeita ao facto provado nº 1 pretende o arguido a respetiva alteração para que passe a constar que o arguido é arrendatário da Quinta aí mencionada e não proprietário, como consta do facto provado.

Entende que impõem decisão nesse sentido os depoimentos das testemunhas(…) e (…), (…), (…) e (…).

Do depoimento das referidas testemunhas não resulta com rigor que o arguido fosse proprietário ou arrendatário da quinta, apenas que foi este que se apresentou como o responsável pelo local. Em rigor o que resulta de tais depoimentos é o que o arguido era a pessoa que fruía esse prédio rústico e será essa alteração que deve ser produzida, embora irrelevante para qualquer aspecto jurídico da causa, mas certamente a mais rigorosa em face da prova produzida.

No que respeita ao ponto 1, no sentido de se consignar que a casa mencionada se encontrava em ruínas e do ponto 2 dos factos provados no sentido de que o local em redor do forno se encontrava limpo, sem mato e pasto, invoca o recorrente o teor dos depoimentos das testemunhas (…) e (…), (…), (…) e (…).

Confrontados os referidos depoimentos, verificamos que as testemunhas que revelam conhecimento fundado, (…) e (…), referem que andaram no local a limpar o terreno, mas referem também que não foram limpos os cabeços que tinham pedra, porque não cabiam lá os tractores, e que se situam perto do forno. Aliás, o recorrente transcreve esses conteúdos probatórios. Assim, o que resulta dos depoimentos é que efectivamente existia vegetação perto do forno. Não vislumbramos, pois, razão para alterar a factualidade provada.

Quanto à casa mencionada, de nenhum dos referidos depoimentos resulta que a casa estivesse em ruínas, antes que se encontrava velha. Em todo o caso, trata-se de aspecto irrelevante para a decisão da causa o estado dessa construção.

Não vislumbramos erro de julgamento que deva ser objecto de correcção.

No que concerne aos pontos 3, 4 e 5 dos factos provados, bem como aos factos subjectivos a que se reportam os pontos 8 a 10, desenvolve o recorrente um evidente esforço argumentativo, escalpelizando a prova produzida, nomeadamente a oral da qual efectivamente não se poderia extrair com suficiente certeza que o incêndio teve origem no forno (apenas um dos bombeiros referiu a sua dedução nesse sentido porque os vestígios do fogo assim indicavam e não porque tenha verificado o próprio forno) e que foi o arguido a atear lenha no forno, se nos abstraíssemos dos depoimentos dos agentes da autoridade sobre o que ouviram do arguido quando se deslocaram ao local.

Mas foi esse meio de prova que efectivamente sedimentou a convicção do Tribunal nos termos que constam da motivação da decisão recorrida, tratando-se de meio de prova legal.

E analisada essa prova à luz das regras da experiência não vislumbramos motivo para por em causa a credibilidade desses depoimentos, como não vislumbramos motivos para duvidar da explicação que o arguido apresentou aos agentes expontaneamente. Se não correspondesse à verdade é evidente que o arguido não teria dado essa explicação.

Entendemos que esse meio de prova é o necessário e suficiente para fundamentar a convicção do Tribunal sobre a causa do incêndio e sobre o facto de ter sido o arguido a provocá-lo inadvertidamente, sem que se divise violação dos princípios probatórios que o recorrente convoca, nomeadamente o princípio in dubio pro reo, posto que a prova consente e impõe a certeza expressa na decisão de facto, não se suscitando dúvida que devesse ser resolvida a favor do arguido.

   

O recorrente quanto aos factos provados 6 e 7 não oferece prova que imponha decisão diversa da recorrida, sendo certo que implicitamente apenas se deve considerar como devidamente impugnado o segmento do facto 6 em que se refere “o incêndio assim originado” e que merece o mesmo destino que a impugnação dos factos dos factos 3 a 5.

Em suma e sem embargo do que se mencionará a seguir a propósito da alegada contradição insanável de fundamentação, não se reconhece nenhum relevante erro de julgamento da matéria de facto, apenas  importando rectificar o que consta do facto provado nº 1 sobre a propriedade do prédio rústico.

Da alegada contradição insanável de fundamentação

Já acima se mencionou que o recorrente alega existir uma contradição insanável de fundamentação, vício do artigo 410º, nº 2, alínea b) do Código de Processo Penal, porque consta da decisão recorrida que o arguido colocou lenha no forno e ateou-lhe fogo pelas 14.50 horas, assim como consta que os bombeiros verificaram o incêndio resultante dessa acção pelas 14.36 horas.

A contradição é manifesta, mas o facto de o arguido ter impugnado a decisão proferida sobre matéria de facto, admitindo expressamente que essa alteração possa ser produzida (cfr. entre o mais a conclusão KK) e de a contradição ser sanável por simples consulta do relatório de ocorrência elaborada pelos bombeiros, permite a este Tribunal saná-la, como decorre do disposto no artigo 431º do Código de Processo Penal.

Embora a alteração da hora a que foi ateada a lenha no forno constitua uma alteração não substancial dos factos descritos na decisão recorrida, nada obsta à mesma sem cumprimento do disposto no artigo 424º, nº 3 do Código de Processo Penal porque deriva do que o próprio arguido alegou em recurso.

Assim, os factos provados 1 e 3 passam a ter a seguinte redacção:

1. O arguido A. usufruía de um terreno rústico onde se encontra implantada uma casa, denominado Quinta da (…), sito na localidade de (…), área desta Comarca.

2. No dia 02.04.2015, em momento aproximado das 14.30 horas, o arguido, que se deslocou àquele local, colocou lenha no interior do forno e ateou-lhe o fogo.

   

Por força desta alteração factual não existem consequências jurídicas a extrair, não podendo elas fundar a pretensão de absolvição do recorrente.

 

Da qualificação jurídica

Entende o recorrente que os factos provados não são susceptíveis de integrar a prática pelo arguido do imputado crime de incêndio, porque não ocorreu violação de dever de cuidado.

Para tanto alega que no período em causa não eram exigíveis cautelas especiais da prevenção de incêndios, acrescendo que apenas utilizou um forno a lenha, trata-se de actividade permitida, que não exige molhar o terreno adjacente e não se apurou que quantidade de lenha colocou no forno, se seria excessiva.

A tese do recorrente na realidade consiste na negação do conceito penal de negligência constante do artigo 15º do Código Penal no sentido de que age com negligência quem, por não proceder com o cuidado a que, segundo as circunstâncias, está obrigado e de que é capaz, representa como possível a realização de um facto punível mas actua sem se conformar com essa realização ou não chega a representar essa possibilidade.

Quando o texto legal se refere o cuidado a que segundo as circunstâncias está obrigado, refere-se especialmente às situações em que se exercem actividades perigosas, como é o caso de atear fogo em circunstâncias em que se possa propagar. O dever de cuidado incide sempre especialmente sobre quem cria a situação de perigo, independentemente de uma expressa previsão legal nesse sentido, bastando o disposto no referido preceito que precisamente estipula um dever geral de cuidado no exercício de qualquer actividade da qual possa resultar perigo de lesão de bens jurídicos. Esse é o fundamento da culpa negligente e respectiva imputação penal.

Ora a própria propagação do incêndio é demonstrativa de que o arguido não empregou os cuidados que devia empregar para evitar o resultado verificado, porque se os tivesse empregue o incêndio não teria ocorrido e eles podiam ter-se restringido à vigilância do forno enquanto ardia.

Em suma importa afirmar que a factualidade provada integra objectiva e subjectivamente a tipicidade do crime imputado ao arguido, importando manter a sua condenação e que a decisão recorrida não revela interpretação desconforme à constituição de qualquer preceito constitucional. 


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III. Decisão

Nestes termos acordam em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido, mantendo o dispositivo da decisão recorrida.

Pelo seu decaimento em recurso condena-se o recorrente em custas, fixando a taxa de justiça em quatro UC (cfr. artigo 513º, nº 1 do Código de Processo Penal).


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Coimbra, 8 de Maio de 2019

Texto elaborado e revisto pela relatora

Maria Pilar de Oliveira (relatora)

Maria José Nogueira (adjunta)