Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
429.073YRCBR
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS BARREIRA
Descritores: ESCUSA
Data do Acordão: 01/16/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: S. PEDRO DO SUL
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: DEFERIDO O PEDIDO DE ESCUSA
Legislação Nacional: ARTIGO 43º CP
Sumário: 1. A proximidade familiar e pessoal com a família directa do arguido configura, o motivo sério e grave, objectivamente considerado, que justifica o deferimento da escusa.
A“desconforto” pessoal que, num contexto familiar, o julgamento propiciaria ao requerente, o conhecimento de tal situação não deixaria de induzir um sério risco de a sua intervenção ao nível do julgamento ser vista com suspeita
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra


I – RELATÓRIO

No processo comum singular n.º 94/06.5GASPS, do T. J. da Comarca de S. Pedro do Sul, o Ex. mo Senhor Juiz titular do processo veio pedir a dispensa de intervir em causa pendente, alegando, em síntese:
“Preparando-me para sanear os autos, nos termos do art.º311º do CPP, verifiquei que o arguido é filho de uma minha prima, A... E pese embora com o arguido não mantenha contactos, de todo o modo existe com aquela uma relação de proximidade, designadamente de frequência mútua de lares.
Ora, para além do “desconforto” pessoal que, num tal contexto familiar, o julgamento me propiciaria, o conhecimento de tal situação não deixaria de induzir um sério risco de a minha intervenção ao nível do julgamento ser vista com suspeita, precisamente ante a “proximidade” pessoal com a família directa do arguido.
E sendo que a função exige não somente seriedade, mas também aparência de seriedade, afigura-se-me que a concreta situação dos autos é adequada a poder gerar um sentimento de desconfiança relativamente à minha imparcialidade.
Termos em que requeiro a V. Ex. as se dignem escusar-me de intervir nos ditos autos de processo comum.”

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O Ex. mo Senhor Procurador-Geral-Adjunto defende o deferimento do pedido de escusa.

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Corridos os vistos legais e efectuada a conferência, cumpre apreciar e decidir.
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II – FUNDAMENTAÇÃO. OS FACTOS
Resulta dos autos, designadamente dos documentos juntos, com interesse para a decisão do incidente de escusa suscitado pelo Senhor Juiz, o seguinte:
O arguido B..é filho de C.. e D..e reside em Lugar de Monsanto, Figueiredo das Dornas.
Está acusado da prática de um crime de injúria agravada, p. e p. pelos art.s 181º, n.º1 e 184º, por referência à al. j), do n.º 2, do art.º 132º, todos do C. Penal.
O requerente E.., M. mo Juiz titular do processo, é casado com F.., filha de G.., sendo este, por sua vez filho de H.. e I..).
Por sua vez, J..é filha de K.. e L.., sendo que esta, por sua vez, é filha de H.. e I..).
Assim, o arguido é filho de uma prima, por afinidade, do M. mo Juiz titular do processo, J...
Pese embora o M.mo Juiz requerente com o arguido não mantenha contactos, de todo o modo existe com aquela (a mãe do arguido) uma relação de proximidade, designadamente de frequência mútua de lares, que distam cerca de 10 km, ou seja, cerca de 10 minutos em veículo automóvel, sobretudo durante a Primavera/Verão e em dias de cerimónias e/ou quadras festivas (fiéis defuntos, período natalício), bem como em visitas à avó materna do arguido, por motivos de saúde desta, que reside com a sua filha, a mãe do arguido.

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III – FUNDAMENTAÇÃO. O DIREITO
Pretende o M. mo Juiz que seja julgado procedente, por provado, o incidente de escusa/dispensa, e, em consequência, que seja substituído nos autos por outro(a) magistrado(a) Judicial.

Quid Juris?
Dispõe o art.º43º do C. P. Penal:
“1. A intervenção de um juiz no processo pode ser recusada quando correr o risco de ser considerada suspeita, por existir motivo, sério e grave, adequado a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade.
2. Pode constituir fundamento de recusa, nos termos do n.º1, a intervenção do juiz noutro processo ou em fases anteriores do mesmo processo fora dos casos do artigo 40.º
4. O juiz não pode declarar-se voluntariamente suspeito, mas pode pedir ao tribunal competente que o escuse de intervir quando se verifiquem as condições dos nºs 1 e 2.”
Assim, a lei exige que os motivos adequados a gerar desconfiança sobre a imparcialidade do juiz sejam sérios e graves.
Ora, a imparcialidade do juiz e do tribunal, numa perspectiva subjectiva, pressupõe a determinação ou a demonstração sobre aquilo que um juiz pensa no seu foro interior perante um certo dado ou circunstância, e se guarda, em si, qualquer motivo para favorecer ou desfavorecer o interessado na decisão. A imparcialidade subjectiva presume-se (Ac. Do Supremo Tribunal de Justiça de 24.09.2003, Proc.ºn.º03P2156).
A seriedade e a gravidade do motivo causador do sentimento de desconfiança sobre a imparcialidade do juiz só são susceptíveis de conduzir à recusa ou escusa do juiz quando objectivamente consideradas. Não basta um puro convencimento subjectivo por parte de um dos sujeitos processuais para que tenhamos por verificada a suspeição. E também não basta a constatação de qualquer motivo gerador de desconfiança sobre a imparcialidade do juiz, sendo necessário que o motivo seja grave e sério – AC. da Relação de Lisboa, de 04.11.2004, Proc.º 873/2004, e AC. da Relação de Coimbra, de 10.07.1996, C.J., Ano 1996, Tomo IV, pág.62.
Identicamente, e explicando mais em pormenor:
“A gravidade e seriedade do motivo, de que fala a lei, hão-de ser aferidas em função dos interesses colectivos, mormente de bom funcionamento das instituições em geral e da justiça em particular, não bastando que uma avaliação pessoal de quem quer (…) o leve a não confiar na actuação concreta do magistrado ou magistrados recusados. A não ser assim, ver-nos-íamos confrontados a cada passo com pedidos de recusa motivados por suspeições mais ou menos devidas à particular susceptibilidade ou ao grau de tolerância de cada um ou mesmo à especial idiossincrasia de cada indivíduo. Com a agravante de que, num processo, o juiz tem de tomar atitudes que, ou por se dirigirem à disciplina da marcha processual, ou por se conexionarem com decisões que tem de tomar em ordem à solução dos problemas concretos que vão surgindo, frequentemente desagradam às partes ou aos sujeitos processuais intervenientes. Essas atitudes e tomadas de decisão revestem sempre um cunho de autoridade, ínsito à própria função (e com isto, excluímos, evidentemente, casos excepcionais de abuso de poderes que a lei lhe confere), cuja firmeza fere muitas vezes a natureza especialmente sensível de certos intervenientes ou os seus interesses próprios, confundidos voluntária ou involuntariamente com os interesses da justiça, e assim esses intervenientes poderiam ser tentados a suscitarem o incidente da recusa, sem um real fundamento objectivo. Isto levaria, obviamente, à paralisia do sistema.
Por conseguinte, o motivo apresentado tem de ser sério e grave, objectivamente considerado, isto é, do ponto de vista do cidadão médio, que olha a justiça como uma instituição que tem de merecer confiança” – Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 26.02.04, Proc.º nº 4429/03-5.
Ora, in casu, entendemos que, os motivos alegados são sérios, já que, para além do “desconforto” pessoal que, num tal contexto familiar, o julgamento propiciaria ao requerente, o conhecimento de tal situação não deixaria de induzir um sério risco de a sua intervenção ao nível do julgamento ser vista com suspeita, precisamente ante a “proximidade” pessoal com a família directa do arguido.
Face ao exposto, e sem mais considerações, por desnecessárias, no caso dos autos, afigura-se-nos que, das circunstâncias invocadas pelo M. mo Juiz é (objectivamente) de prever se suscitem dúvidas quanto à sua imparcialidade de julgador, quer entre os sujeitos processuais, quer entre os cidadãos médios – bonus pater familae – de entre uma determinada comunidade.
Por conseguinte, e concluindo:
A prosseguir a intervenção do M. mo Juiz nos autos, a mesma seria adequada a gerar desconfiança sobre a sua imparcialidade de julgador.
Assim, por se manifestar fundado, decide-se deferir o incidente requerido e, em consequência, conceder a escusa ao M. mo Juiz Titular do Processo n.º 94/06.5GASPS-A, pendente no T. J. da Comarca de S. Pedro do Sul, nos termos do disposto nos art.s 43º, n.ºs 1, 2 e 4, e 45º, n.ºs 1, 4 e 5, ambos do C. P. Penal.

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IV – DECISÃO

Face ao exposto, em conferência, na Secção Criminal deste Tribunal da Relação, decidem os Juízes:
- Conceder a escusa requerida pelo M. mo Juiz.
- Ordenar, em consequência, que o M. mo Juiz na titularidade do processo n.º 94/06.5 GASPS, remeta os referidos autos ao juiz que, de harmonia com as leis de organização judiciária, deva substituí-lo – art.º 46º, do C. P. Penal –, para prosseguir os seus trâmites normais até final.
Sem custas.