Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
509/04.7TBSCD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ORLANDO GONÇALVES
Descritores: SANÇÃO ACESSÓRIA
REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO A EXECUÇÃO
Data do Acordão: 10/01/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE SNTA COMBA DÃO – 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: UNANIMIDADE
Legislação Nacional: ARTIGOS 32.º, N.º1, 5 E 10 DA C.R.P. E 61.º, N.º1, AL. B),119º,120º DO C.P.P, 142º,143º CE
Sumário: 1. Constitui violação dos artigos 32.º, n.º1, 5 e 10 da C.R.P. e 61.º, n.º1, al. b) do C.P.P.a revogação da suspensão de execução da sanção acessória de inibição de conduzir e respectiva quebra da caução, sem antes ter dado possibilidade ao arguido de se pronunciar sobre aquela promoção.
2. A falta de audição do arguido em caso de revogação da suspensão de execução da sanção acessória de inibição de conduzir, não se encontra cominada como nulidade insanável no art.119.º do C.P.P. ou em outra disposição legal, nem como nulidade dependente de arguição, quer no art.120.º do C.P.P., quer em outra disposição legal.
3. O vício apontado á decisão recorrida por não ter ouvido a arguida antes de decretar a revogação da suspensão de execução da sanção acessória de inibição de conduzir configura uma simples irregularidade, que nos termos do art.123.º , n.º1, do Código de Processo Penal só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar , quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado.
Decisão Texto Integral: Acordam , em Conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

Relatório

Por despacho de 15 de Fevereiro de 2008 ( folhas 57 a 59 ) proferido pelo Ex.mo Juiz do 2.º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Santa Comba Dão, foi determinada a revogação da suspensão da execução da sanção acessoria de inibição de conduzir aplicada à arguida MR , e o consequente cumprimento da inibição de condução pelo período de 60 dias , bem como a quebra da caução de boa conduta, no valor de 800 euros prestada pela arguida nos presentes autos.

Inconformada com o douto despacho de 15 de Fevereiro de 2088 ele interpôs recurso a arguida MR, concluindo a sua motivação do modo seguinte:
I. A recorrente foi condenada por douta sentença transitada em julgado em 6 de Outubro de 2004, na sanção acessória de inibição de condução pelo período de 60 dias, suspensa pelo período de 18 meses, com a condição de pagamento de caução de 800 euros a título de caução de boa conduta.
II. Em aplicação literal do n.º 1 e 2 do art. 143.º do Código da Estrada (na redacção vigente à data dos factos), foi revogada a suspensão da sanção acessória, o que determina o cumprimento da inibição de condução pelo período de 60 dias, bem como a quebra da caução de boa conduta, no valor de 800 euros.
III. Sucede que a arguida não praticou nenhuma infracção estradal em 8 de Outubro de 2005 e, como tal, não foi condenada no Processo n.º 126/06.7TBMMN, pela prática em 8.10.2005, de uma contra-ordenação grave por excesso de velocidade.
IV. Como melhor resulta da decisão recorrida, esta foi proferida sem que à recorrente fosse permitido o exercício do direito ao contraditório e defesa, em violação do n.º 1, n.º 5 e n.º 10, do art. 32.º da Constituição. Ademais
V. Em aplicação literal do n.º 1 e 2 do art. 143.º do Código da Estrada (na redacção vigente à data dos factos), a douta sentença conclui que ... parece que, tanto a revogação... deve ser automaticamente declarados pelo julgador...
VI. Salvo o devido respeito e melhor opinião, é errónea a interpretação literal, na medida em que falta de cumprimento das condições da suspensão, quando interpretada pelo critério fixado no art 55.º do Código Penal (aplicável por decorrência do art. 32.º do Dec. Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro), por si só, não impõe a imediata revogação da suspensão.
VII. Como tal, a decisão automática, afronta directamente o n.º 1 do art 205.º, da Constituição, quando garante que as decisões dos Tribunais, que não sejam de mero expediente, são fundamentadas, ou seja devem evidenciar no contexto em que foram proferidas, as razões que as sustentam.
VIII. Por isso, decorridos mais de dois anos e meio sobre a prática de infracção estradal, sem que haja notícia de qualquer outra conduta ilícita da arguida, o cumprimento da sanção acarreta dano superior ao efeito cominatório, por impossibilidade da arguida, enquanto médica, manter a necessária mobilidade para exercício da profissão.
IX. Consequentemente, tendo sido negado à arguida a possibilidade de exercer o contraditório e defesa, deve a decisão recorrida considerar-se nula, por violação do n.º 1, n.º 5 e n.º 10, do art. 32.º da Constituição, enfermando da mesma nulidade, por falta de fundamentação nos termos impostos pelo n.º 1 do art.205.º da Constituição, pelo que, desta forma,
Deverá a douta decisão recorrida ser revogada mantendo-se, em consonância, a anterior suspensão pelo período de 18 meses, da sanção acessória da inibição de condução, bem como caução de boa conduta, assim se fazendo a habitual JUSTIÇA

Por despacho de 26 de Março de 2008, o Ex.mo Juiz , ao abrigo do disposto no art. 380.º, n.ºs 1, al. b) e 3 do C.P.P., determinou a correcção da primeira página do despacho proferido em 15 de Fevereiro de 2008 ( folhas 57) de modo que onde se lê “ 8.10.2005”, dever-se-á ler “ 8.6.2005”.

O Ministério Público na Comarca de Santa Comba Dão respondeu ao recurso interposto pela arguida pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

O Ex.mo Procurador Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso e manutenção da decisão recorrida.

Colhidos os vistos , cumpre decidir.

Fundamentação

O despacho recorrido ( já com a rectificação decidida no despacho de 26 de Março de 2008) tem o seguinte teor:
« A arguida MR, por sentença transitado em julgado em 06.10.2004, foi condenado na sanção acessória de inibição de condução pelo periodo de 60 dias, suspensa no sua execução pelo periodo de 18 meses, pela prática, em autoria material, de uma contra-ordenação grave prevista nos artigos 139, nºs 1 e 2 e 146 alinea b) do Código da Estrada.
A supra referida suspensão da execução da sanção acessória de inibição de condução aplicada à arguida, ficou contudo, sujeita à condição de “ a arguida proceder ao pagamento da quantia de € 800 (oitocentos euros) a título de caução de boa conduta,…”
Compulsados os autos verifica-se que a arguida MR voItou ser condenada, no processo n.º 126/06.7TBMMN, pela prática em 8.6.2005 de uma contra-ordenação grave por excesso de velocidade, na sanção acessória de inibição de condução pelo periodo de 60 dias, suspensa na sua execução pelo período de 12 meses.
Aberta vista ao Ministério Publico, veio o mesmo a fls. 56, promover em douto despacho que, ao abrigo do artigo 143, nº l e 2 do Código da Estrada (na sua redacção anterior), se revogasse a suspensão de execução da sanção acessória de inibição de condução pelo periodo de 60 dias, aplicada nos presentes autos e, ainda se determinasse a quebra do caução prestada.
Cumpre decidir.
Nos termos do artigo 143, nº1 e 2 do Código da Estrada (na sua anterior redacção, mas que em nada veio a ser alterado pelo novo 142 do Código da Estrada) “nº1 - A suspensão da execução da sanção de inibição de conduzir é sempre revogada se, durante o respectivo periodo, o infractor cometer contra-ordenação grave ou muito grave, ou praticar factos sancionados com a proibição ou inibição de conduzir ou cassação do título de condução. nº2 – A revogação determina o cumprimento da sanção cuja execução estava suspensa e a qurebra da caução, que reverte a favor da entidade que tiver determinado a suspensão.”
Assim, parece que, tanto a revogação da suspensão da execução do sanção acessória de inibição de condução, como a quebra de caução, devem ser automaticamente declarados pelo julgador sempre que se verifique que, durante o período de suspensão, o arguido voltou a praticar, pelo menos, nova contra-ordenação grave.
Por todo o exposto, e de acordo com o promovido pelo Ministério Público, determino:
- a revogação da suspensão da sanção acessoria, o que determina o cumprimento da inibição de condução pelo período de 60 dias.
- a quebra da caução de boa conduta, no valor de 800 euros, prestada pela arguida nos prestes autos.
Notifique, devendo a arguida ser ainda notificada, após o trânsito deste despacho, para em 10 dias, apresentar a sua licença de condução secretaria deste Tribunal, ou em qualquer posto policial, sob pena de não o fazendo incorrer na prática de um crime de desobediência e ser determinada a apreensão daquela carta/licença (artigo 500, nºs. 2 e 3, do Código de Processo Penal). ».

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O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação. ( Cfr. entre outros , o acórdão do STJ de 19-6-96 , no BMJ 458º , pág. 98 ).
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso .
No caso dos autos , face às conclusões da motivação da recorrente MR as questões a decidir são as seguintes :
- se a decisão recorrida violou os princípios do contraditório e do direito à defesa , a que aludem os n.ºs 1, 5 e 10 do art.32.º da C.R.P.; e
- se violou, ainda, o princípio da fundamentação da decisão a que alude o n.º 1 do art. 205.º da C.R.P.
Passemos ao conhecimento da primeira questão.
O processo contra-ordenacional é um dos processos sancionatórios que mais se aproxima , atenta a natureza do ílicito em causa, do processo penal.
Embora não exista uma estrita equiparação entre processo contra-ordenacional e processo penal existem princípios comuns a ambos os processos , como o da audiência e correlativa defesa do arguido.
Isso mesmo resulta do art.32.º da Constituição da República Portuguesa, que estatui nomeadamente o seguinte:
« 1. O processo criminal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso.
5. O processo criminal tem estrutura acusatória, estando a audiência de julgamento e os actos instrutórios que a lei determinar subordinados ao princípio do contraditório.
10. Nos processos de contra-ordenação, bem como em quaisquer processos sancionatórios, são assegurados ao arguido os direitos de audiência e defesa.».
O direito a todas as garantias de defesa estabelecido no n.º1 deste art.32.º , é um preceito condensado e com um conteúdo vago, que quer significar que ao arguido devem ser dados os instrumentos processuais necessários a poder contrariar , ao longo do processo, as posições do Ministério Público e do assistente. Os restantes números deste preceito são afloramentos daquele n.º 1.
Os princípios do contraditório, da audiência e da correlativa defesa, significam, em termos suscintos, que ninguém deve ser condenado sem previamente lhe ter sido dada a possibilidade de ser ouvido.
De acordo com estes princípios nenhuma prova deve ser aceite na audiência, nem nenhuma decisão , mesmo que interlocotória, deve ser tomada pelo Juiz , sem que previamente tenha sido dada ampla e efectiva possibilidade ao sujeito processual contra o qual é dirigida de a discutir, de a contestar e de a valorar.
Como afloramento daquela preceito constitucional estatui o art. 61.º, al. b) do Código de Processo Penal – aplicável ao processo de contra-ordenação – que o arguido goza , em especial, do direito de « Ser ouvido pelo tribunal ou pelo juiz de instrução sempre que eles devam tomar qualquer decisão que pessoalmente o afecte;».
O art.143.º do Código da Estrada , aprovado pelo DL n.º 114/93, de 3 de Maio, na redacção do DL n.º 265-A/2001, de 28 de Setembro, vigente à data dos factos e da suspensão da execução da sanção de inibição de conduzir , estatuia o seguinte:
« 1. A suspensão da execução da sanção de inibição de conduzir é sempre revogada se, durante o respectivo período, o infractor cometer contra-ordenação grave ou muito grave, ou praticar factos sancionados com proibição ou inibição de conduzir ou cassação do título de condução.
2. A revogação determina o cumprimento da sanção cuja execução estava suspensa e a quebra da caução , que reverte a favor da entidade que tiver determinado a suspensão.».
A suspensão da execução da sanção de inibição de conduzir, na redacção actualmente vigente, do Código da Estrada – que lhe foi dada pelo DL n.º 44/2005, de 23 de Fevereiro - e que entrou em vigor a 23 de Março de 2005 – consta agora do art.142.º, mas, materialmente, não se alterou o seu regime.
Do exposto resulta que antes de aplicada uma coima ou uma sanção acessória deve ser dada a possibilidade ao arguido de se pronunciar sobre a contra-ordenação que lhe é imputada. De igual modo, lhe deve ser dada a possibilidade de se pronunciar quando se perfila a eventual revogação da suspensão da execução da sanção acessória de inibição de conduzir.
Resulta dos autos que , no presente caso, a arguida MR foi condenada neste processo , por decisão de 20 de Setembro de 2004, pela prática de contra-ordenação grave , por condução com execesso de velocidade , na sanção acessória de inibição de conduzir pelo período de 60 dias, que lhe foi suspensa pelo período de 18 meses, condicionada ao pagamento da quantia de € 800 a título de caução de boa conduta.
A arguida prestou a caução de boa conduta.
Pela prática , em 8 de Junho de 2005, de uma nova contra-ordenação grave , por condução com execesso de velocidade, veio a arguida MR a ser condenada no processo 126//06.7TBMMN , na sanção acessória de inibição de conduzir pelo prazo de 1 ano , mediante prestação de caução de boa conduta no valor de € 500.
Considerando que a arguida foi condenada por uma contra-ordenação grave cometida durante o período de suspensão da sanção acessória de inibição de conduzir aplicada nos presentes autos, o Ministério Público promoveu, ao abrigo do art.143.º, n.º 1 do Código da Estrada , a revogação daquela suspensão e a quebra da caução prestada.
O Tribunal da Relação entende que o respeito do princípio do contraditório e da audição da arguida, como emanação das garantias de defesa em processo contra-ordenacional , impunha que, perante a promoção do Ministério Público, de revogação da suspensão de execução da sanção acessória de inibição de conduzir e quebra da caução, fosse dada a possibilidade à arguida Maria Rosário de sobre a mesma se pronunciar.
Tendo o Tribunal recorrido decidido revogar a suspensão de execução da sanção acessória de inibição de conduzir e respectiva quebra da caução, sem antes ter dado possibilidade à arguida de se pronunciar sobre aquela promoção, entendemos que foram violados os art.s 32.º, n.º1, 5 e 10 da C.R.P. e 61.º, n.º1, al. b) do C.P.P..
Importa agora retirar as consequências dessa violação.
Nos termos do art.118.º do Código de Processo Penal , a violação ou a inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei ( n.º 1), sendo que nos casos em que a lei não cominar a nulidade , o acto ilegal é irregular ( n.º2).
A falta de audição do arguido em caso de revogação da suspensão de execução da sanção acessória de inibição de conduzir, não se encontra cominada como nulidade insanável no art.119.º do C.P.P. ou em outra disposição legal, nem como nulidade dependente de arguição, quer no art.120.º do C.P.P., quer em outra disposição legal.
O vício apontado á decisão recorrida por não ter ouvido a arguida antes de decretar a revogação da suspensão de execução da sanção acessória de inibição de conduzir configura uma simples irregularidade, que nos termos do art.123.º , n.º1, do Código de Processo Penal só determina a invalidade do acto a que se refere e dos termos subsequentes que possa afectar , quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio acto ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum acto nele praticado.
Para além destes curtos prazos para arguição da irregularidade , importa realçar que n.º2 deste preceito acrescenta que pode ordenar-se oficiosamente a reparação de qualquer irregularidade , no momento em que da mesma tomar conhecimento, quando ela puder afectar o valor do acto praticado.
O despacho recorrido, não se enquadrando em nenhuma das situações mencionadas na segunda parte do n.º9 do art.113.º do C.P.P., apenas tinha de ser notificado ao mandatário constituido pela arguida.
O mandatário constituido pela arguida foi notificado do despacho recorrido por via postal registada que lhe foi remetida em 18 de Fevereiro de 2008 , pelo que se tem como notificado do despacho recorrido a 21 de Fevereiro.
Apenas no dia 12 de Março de 2008 e, no próprio requerimento de interposição do recurso, é que veio invocar a violação do princípio do contraditório e do direito à defesa por não ter sido ouvido antes de ser proferido o despacho em causa.
A concessão de um novo prazo para interposição de recurso, na sequência da correcção dum lapso material relativo a uma data, determinada no despacho de 26 de Março de 2008 ( folhas 82), nada tem que ver com o prazo para a arguição da irregularidade por falta de audição da arguida.
Não tendo a arguida MR invocado perante o Juiz , a irregularidade em causa , no prazo de 3 dias após ter sido notificada do despacho recorrido, que teve lugar em a 21 de Fevereiro de 2008 , a mesma ficou sanada.
Passemos agora à segunda questão.
O art.205.º, n.º1 da Constituição da República Portuguesa estatui que as decisões que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei.
Por sua vez , o art. 97.º n.º 5 do Código de Processo Penal, aplicável ao processo de contra-ordenação por força do disposto no art.41.º, n.º 1 do RGCOC, estatui que os actos decisórios são sempre fundamentados , devendo ser especificados os motivos de facto e de direito da decisão.
No dizer do Prof. Germano Marques da Silva a fundamentação dos actos é imposta pelos sistemas democráticos , permitindo “ a sindicância da legalidade do acto , por uma parte , e serve para convencer os interessados e os cidadãos em geral acerca da sua correcção e justiça , por outra parte , mas é ainda um importante meio para obrigar a autoridade decidente a ponderar os motivos de facto e de direito da sua decisão, actuando por isso como meio de autodisciplina .” - Cfr. Curso de Processo Penal” , Vol. III, 2ª ed. , pág. 294.
A falta de fundamentação dos actos decisórios , quando não tenha tratamento específico previsto na lei , constitui irregularidade, submetida ao regime do art.123.º do C.P.P..
Caso de tratamento específico é o da falta de fundamentação da sentença que importa nulidade, nos termos do art.379.º, n.º1, al. a), do C.P.P.. – cfr. neste sentido, na doutrina, Cons. Maia Gonçalves, Código de Processo Penal anotado, 9ª edição, Almedina, pág. 264 e Prof. Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal , U.C. Editora, pág. 273.
No presente caso a arguida MR defende que o despacho recorrido padece de falta de fundamentação porque é errónea a aplicação literal dos n.ºs 1 e 2 do art. 143.º do Código da Estrada , na medida em que a falta de cumprimento das condições da suspensão , quando interpretada pelo critério fixado no art.55.º do Código Penal , aplicável por decorrência do art.32.º do DL n.º 244/95, de 14 de Setembro, por si só, não impõe a imediata revogação da suspensão.
Vejamos.
O art. 55 do Código Penal estabelece as consequências da falta de cumprimento das condições da suspensão da execução da pena de prisão.
A suspensão da execução da pena de prisão é uma pena de substituição da pena de prisão, constituindo entre nós a mais importante das penas de substituição.
A pena de suspensão da execução da pena de prisão não se confunde com as penas acessórias , - penas estas que pressupõem a condenação em pena principal – pois as consequências e os seus fins não são os mesmos.
Enquanto o Código Penal prevê no art.56.º a revogação da suspensão da execução da pena de prisão, ou no art. 55.º a aplicação de outras medidas como consequência por falta de cumprimento dos pressupostos que a condicionaram , já o art.69.º do Código Penal , ao estabelecer a sanção acessória de proibição de conduzir veículos com motor, não prevê em lado algum a possibilidade desta sanção ser objecto de suspensão da sua execução, nem consequentemente de revogação ou substituição por outras medidas.
O Código da Estrada ao estatuir no art.143.º, n.ºs 1 e 2 do Código Penal , que a suspensão da execução da sanção de inibição de conduzir é sempre revogada se, durante o respectivo período, o infractor vier cometer contra-ordenação grave ou muito grave, ou praticar factos sancionados com proibição ou inibição de conduzir ou cassação do título de condução, não deixa qualquer margem a considerar que existe uma omissão sobre esta questão a regular por norma de direito penal , por remissão do art.32.º do RGCOC.
Deste modo, concluir que a decisão recorrida não se encontra fundamentada porque não atendeu ao disposto no art.55.º do Código Penal aquando da revogação da suspensão da execução da sanção de inibição de conduzir , designadamente ao facto de terem decorrido mais de 2 anos sobre a prática da infracção estradal e da inibição afectar a mobilidade da arguida , que é médica, não tem razão de ser.
Da decisão recorrida resulta que a arguida, durante o período de suspensão, voltou a praticar, pelo menos, nova contra-ordenação grave, no processo n.º 126/06.7TBMMN, em 8.6.2005 , tendo sido condenada aí , por excesso de velocidade, na sanção acessória de inibição de condução pelo periodo de 60 dias, suspensa na sua execução pelo período de 12 meses. Por tal facto, e tendo em atenção o disposto no art.143.º, n.º 1 e 2 do Código da Estrada , o Tribunal procedeu à revogação da suspensão da sanção acessoria e consequente cumprimento da inibição de conduzir pelo período de 60 dias, bem como a quebra da caução de boa conduta, no valor de 800 euros, prestada pela arguida MR.
O cidadão com uma cultura média entende , sem dificuldade acrescida, a razão, o motivo, pelo qual foi decretada a revogação da suspensão, pelo que não padece a decisão recorrida de falta de fundamentação.
Mesmo que o despacho recorrido padecesse dessa irregularidade, e não padece, a mesma encontrava-se sanada, uma vez que não foi arguido o vício no prazo de 3 dias a que alude o art.123.º, n.º1 do Código de Processo Penal , mas sim ao fim de 20 dias, com a interposição do recurso da decisão recorrida.
Deste modo não pode proceder o recurso.

Decisão

Nestes termos e pelos fundamentos expostos acordam os juízes deste Tribunal da Relação em negar provimento ao recurso interposto pela arguida MR, e manter o despacho recorrido.
Custas pela recorrente, fixando em 7 UCs a taxa de justiça.

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(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art.94.º, n.º 2 do C.P.P.).

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Coimbra,