Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
97/19.0T8PNH-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS BARREIRA
Descritores: ESGOTAMENTO DO PODER JURISDICIONAL
PLANO DE PAGAMENTO
CORREÇÃO
Data do Acordão: 01/20/2020
Votação: DECISÃO SINGULAR SUMÁRIA
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DA GUARDA – JUÍZO COMP. GENÉRICA DE PINHEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 613º, NºS 1 E 3, E 616º, Nº 2 DO NCPC; 256º, NºS 3, 4 E 5 DO CIRE.
Sumário: I - Com a prolação de uma sentença ou, por força do disposto no n.º 3 do artigo 613.º do Código do Processo Civil, com a prolação de um despacho, o juiz profere uma decisão sobre uma determinada questão que lhe é suscitada, realizando, dessa forma, o “acto final de cumprimento do seu dever de julgar” (cfr. ALBERTO DOS REIS, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 127, e ANTUNES VARELA, in Manual de Processo Civil, 2.ª edição, pág. 684), ficando, por isso, imediatamente esgotado o seu poder jurisdicional quanto à matéria decidida (artigo 613.º, n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil).

II - Não pode consequentemente o juiz, por sua iniciativa, alterar a decisão (sentença ou despacho) depois de proferida, quer na decisão, quer nos seus fundamentos que a suportam, os quais constituem com ela um todo incindível.

III - Nos termos do artigo 616.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, “não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença [ou do despacho] quando, por manifesto lapso do juiz: a) tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos; b) constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.”.

IV - Ou seja, na preocupação da realização efetiva e adequada do direito material e na perspetiva de que será mais útil à paz social e mais prestigiante para a administração da justiça corrigir que perpetuar um erro jurídico, é permitido, atualmente, ao julgador não só rectificar os erros materiais (artigo 614.º, n.º 1 do Código de Processo Civil), como ainda reformar de mérito a sua decisão.

V - O art.º 256.º do CIRE consigna o seguinte: “5 - As eventuais modificações ou acrescentos a que o devedor proceda nos termos dos nºs 3 e 4 serão notificadas, quando necessário, aos credores para novo pronunciamento quanto à adesão ao plano, entendendo-se que mantêm a sua posição os credores que nada disserem no prazo de 10 dias.”

VI - Quando há modificações ou acrescentos a que o devedor proceda nos termos dos nºs 3 e 4, as mesmas serão notificadas, quando necessário, aos credores para novo pronunciamento quanto à adesão ao plano.

VII - Se os mesmos, assim notificados, nada disserem no prazo de 10 dias, entende-se que mantêm a sua posição já expressa anteriormente nos autos.

VIII - Estamos, pois, perante uma situação em que o silêncio tem valor declarativo, nos termos do art.º 218.º do C. Civil.

Decisão Texto Integral:










                                      DECISÃO SUMÁRIA  

I – RELATÓRIO

No âmbito dos presentes autos n.º 97/19.0T8PNH-A, com a sua apresentação à insolvência, vieram os requerentes L... e M..., nos termos e para os efeitos do disposto nos artigos 251° e ss. do C.I.R.E., apresentar simultaneamente o plano de pagamentos de fls. 2 e ss., cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

Em conformidade com o despacho ali (processo principal) proferido, o Tribunal suspendeu os autos de insolvência, até decisão do presente incidente.

Simultaneamente, cfr. despacho deste apenso, ordenou-se a citação dos credores, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 256.º, n.º 1 e n.º 2 do C.I.R.E..

Na sequência das referidas citações, pronunciaram os seguintes credores acerca do plano e nos seguintes termos:

- a Autoridade Tributária que veio, apenas, pronunciar-se favoravelmente ao plano por nada ter a opor-lhe face à manutenção do plano prestacional vigente ao abrigo do PERES;

- I..., Unipessoal, Lda, atenta a cessão de créditos efectuada veio votar desfavoravelmente o plano, propondo o pagamento de metade do montante em dívida em 100 prestações mensais no valor de 140,95€;

- P... Company, atenta a cessão de créditos efectuada veio votar desfavoravelmente o plano, cifrando o seu crédito na quantia global de 256.251,22€

Notificados os devedores, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 256º, nº 4, do C.I.R.E., os mesmos aceitaram, em parte, as alterações propugnadas e apresentaram novo plano de pagamentos, devidamente retificado, em função de parte das solicitações dos credores.

Na sequência desta alteração, e notificados os credores em conformidade com o disposto no nº 5 do art.º 256º do C.I.R.E, nada mais sobreveio.

Na sequência, foi, em 11.11. 2019, decidido:

“Decorre do artigo 257º do C.I.R.E. que, se nenhum credor tiver recusado o plano de pagamentos, ou se a aprovação de todos os que se oponham for objeto de suprimento, o plano é tido por aprovado (cfr. nº 1).

Em face de todo o exposto:

a) Tem-se por aprovado o plano de pagamentos apresentado pelos devedores com as ref.ªs ... com as correcções introduzidas – ref.ª ..., cujos termos se dão por integralmente reproduzidos;

b) homologa-se por sentença, o aludido plano, ao abrigo do disposto no art.º 259º, nº 1 do C.I.R.E., condenando os intervenientes a cumpri-lo nos seus precisos termos e sem prejuízo do disposto no art.º 260º do C.I.R.E..

Valor do incidente: o do ativo, a ser fixado na ação principal (art.º 301°, in fine, do C.I.R.E.).

Sem custas autonomizáveis (nos termos do disposto no art.º 303º do C.I.R.E., a atividade processual relativa ao incidente de plano de pagamentos não é in casu objeto de tributação autónoma).

Registe e notifique (cfr. art.º 259º. nº 2 do C.I.R.E.).

Após trânsito, conclua os autos principais (art.º 259º, nº 1do C.I.R.E.).”

Posteriormente, em 25.11.2019, foi proferido o seguinte despacho:

Veio a credora P... COMPANY reagir contra a sentença homologatória do plano de pagamentos, sustentando, em síntese, que tal decisão só pode dever-se a manifesto lapso pois resulta cristalinamente dos autos, não só que a credora é titular de mais de dois terços do valor total dos créditos relacionados (e efectivamente devidos) pelos Requerentes e recusou expressamente, ab initio, o plano de pagamentos em apreço (cfr. requerimento com a ref.ª Citius n.º ...), como resulta que quando notificada, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 256.º, n.º 5 do CPC, para se pronunciar sobre as modificações ao plano propostas pelos Devedores nada disse, mantendo, por conseguinte, a sua posição inicial de expressa recusa do Plano – idem artigo 256.º, n.º 5 do CPC. Ademais, em momento algum, a oposição manifestada pela ora Reclamante foi – ou poderia ser – objecto de suprimento, atento o peso/a proporção do seu crédito no valor global do passivo dos Devedores, a saber:

a) Autoridade Tributária: €38.063,32 – cfr. req. ref.ª Citius ...;

b) I..., Unipessoal, Lda.: €14.095,70 – cfr. req. ref.ª Citius...;

c) P...Company: €256.251,22 – cfr. req. ref.s Citius ...

Conclui que a decisão de homologação do plano de pagamentos, após a expressa recusa do credor maioritário, só pode dever-se a manifesto lapso pelo requer a sua rectificação por forma a que da mesma passe a constar que, tendo o credor maioritário recusado expressamente o plano, deve o mesmo ter-se por não homologado nos termos previstos no artigo 257.º, n.º 1, primeira parte do CIRE (a contrario).

Vejamos.

Dispõe o art.º 614º, nº 1, do actual CPC que “se a sentença omitir o nome das partes, for omissa quanto a custas, ou contiver erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexactidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto, pode ser corrigida por simples despacho, a requerimento de qualquer das partes ou por iniciativa do juiz”.

Não estando em causa nos presentes autos a omissão do nome das partes ou a omissão quanto a custas, o que importa saber é se a sentença proferida contém ou não um qualquer erro material que possa ser rectificado ao abrigo da norma citada.

Refira-se, desde já, que o erro material não pode ser confundido com o erro de julgamento, sendo que apenas o primeiro pode ser corrigido por simples despacho; o erro de julgamento não é susceptível de rectificação ao abrigo da norma supra citada, apenas podendo ser reparado por via de recurso.

A propósito da distinção entre erro material e erro de julgamento, ensina o Prof. Alberto dos Reis o seguinte: “O erro material dá-se quando o juiz escreveu coisa diversa do que queria escrever, quando o teor da sentença ou despacho não coincide com o que o juiz tinha em mente exarar, quando, em suma, a vontade declarada diverge da vontade real…O erro de julgamento é espécie completamente diferente. O juiz disse o que queria dizer; mas decidiu mal, decidiu contra lei expressa ou contra os factos apurados. Está errado o julgamento. Ainda que o juiz, logo a seguir, se convença de que errou, não pode socorrer-se do art.º 667º para emendar o erro” – cf. Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Reimpressão, pág. 130 (negrito nosso).

Como se sabe, com a prolação de uma sentença ou, por força do disposto no n.º 3 do artigo 613.º do Código do Processo Civil, com a prolação de um despacho, o juiz profere uma decisão sobre uma determinada questão que lhe é suscitada, realizando, dessa forma, o “acto final de cumprimento do seu dever de julgar” (cfr. ALBERTO DOS REIS, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, pág. 127, e ANTUNES VARELA, in Manual de Processo Civil, 2.ª edição, pág. 684), ficando, por isso, imediatamente esgotado o seu poder jurisdicional quanto à matéria decidida (artigo 613.º n.ºs 1 e 3 do Código de Processo Civil).

Não pode consequentemente o juiz, por sua iniciativa, alterar a decisão (sentença ou despacho) depois de proferida, quer na decisão, quer nos seus fundamentos que a suportam, os quais constituem com ela um todo incindível.

Ainda que, logo a seguir ou passado algum tempo, se arrependa, por adquirir a convicção de que errou, não pode emendar o seu suposto erro. Para ele a decisão fica sendo intangível.

Este princípio do auto-esgotamento do poder jurisdicional do juiz, que tem por base a necessidade de assegurar a estabilidade das decisões dos tribunais, não é absoluto, já que sofre de algumas limitações.

Com efeito, para certos defeitos da sentença a lei admite que o juiz possa corrigir o que de imperfeito ela contenha. Só quando não possam ser emendados por essa via, que se traduz numa especial prorrogação do poder jurisdicional do juiz, é que se faz apelo a outra solução, consistente no recurso para tribunal hierarquicamente superior, a fim de este remediar os defeitos que porventura se encontrem na sentença.

O aperfeiçoamento das decisões judiciais a efectuar pelo próprio julgador concretiza-se através dos mecanismos previstos nos artigos 613.º, n.º 2, 614.º, 615.º  e 616.º do Código de Processo Civil, isto é, através da rectificação de erros materiais, do suprimento de nulidades ou da reforma da decisão, todas elas nos termos legalmente previstos.

No primeiro dos apontados casos, entre os defeitos susceptíveis de rectificação, contempla o artigo 614.º do Código de Processo Civil como supra referimos a omissão do nome das partes, a omissão quanto a custas ou a alguns dos elementos previstos no n.º 6 do artigo 607.º daquele diploma, os erros de escrita ou de cálculo ou quaisquer inexactidões devidas a outra omissão ou lapso manifesto.

Por outro lado, merece ainda ser destacado que, nos termos do artigo 616.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, “não cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença [ou do despacho] quando, por manifesto lapso do juiz: a) tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos; b) constem do processo documentos ou outro meio de prova plena que, só por si, impliquem necessariamente decisão diversa da proferida.”. Ou seja, na preocupação da realização efectiva e adequada do direito material e na perspectiva de que será mais útil à paz social e mais prestigiante para a administração da justiça corrigir que perpetuar um erro jurídico, é permitido, actualmente, ao julgador não só rectificar os erros materiais (artigo 614.º, n.º 1 do Código de Processo Civil), como ainda reformar de mérito a sua decisão.

Note-se, porém, que este expediente fica limitado aos casos em que da decisão (sentença ou despacho) não cabe recurso, pelo que nesta norma ainda se encontra uma importante manifestação do princípio do dispositivo, que onera as partes com a obrigação processual de interpor recurso para obter a dita reforma de mérito da decisão proferida (quanto tal mecanismo seja admissível) e, por outro lado, uma importante manifestação da ideia do processo civil enquanto processo de partes e da preclusão dos actos quando não exercidos atempadamente (pese embora a reforma do processo civil, operada em 1 de Setembro de 2013, tenha modelado o processo civil como um processo menos preclusivo, dando preferência à Justiça material em detrimento da Justiça processual).

Ora, salvo melhor opinião e face ao espelhado na sentença, a verdade é que o Tribunal não ponderou devidamente que ao silêncio do credor, após a notificação prevista no n.º 5 do art.º 256.º do CIRE, a lei atribui o significado de manter a sua recusa à homologação do plano.

Erro pelo qual nos penitenciamos, mas que honestamente não podemos enquadrar em qualquer erro material que seja susceptível de rectificação, isto é, tal erro não se pode identificar com qualquer erro de escrita, qualquer erro de cálculo, qualquer omissão ou qualquer inexactidão devida a alguma omissão ou lapso manifesto, tratando-se de um erro de julgamento. E, neste sentido, não é susceptível aquela sentença de ser rectificada nos termos requeridos (por aplicação do disposto no artigo 614.º do Código de Processo Civil).

Em face do exposto e pelas razões supra apresentadas, indefere-se a requerida rectificação.

Sem custas.

Notifique.”


Inconformada com a decisão proferida em 11/11/2019 de homologação do plano de pagamentos, e, posteriormente, deste despacho de 25/11/2019, que indeferiu o pedido de retificação da mesma, veio a credora P... Company interpor o presente recurso de apelação, pretendendo a sua revogação – por violação do disposto nos artigos 256.º, n.º 5, 257.º, n.ºs 1 e 2, al. a), 258.º e 259.º, n.º 1, todos do CIRE – e substituição por outra que não homologue o plano de pagamentos apresentado nos autos.

Para o efeito, apresenta a motivação do recurso e as respetivas conclusões nos seguintes termos:
...

Os recorridos não responderam ao recurso.

Oportunamente, em 08.01.2020, foi proferido douto despacho de recebimento do recurso nos seguintes termos:

“Por ser legal, tempestivo e porque para tanto dispõe de legitimidade, admite-se o recurso interposto por P... Company nos presentes autos, que é de apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, tudo nos termos do disposto no artigo 14º, n.º 6 al. b) do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, bem como artigos, 647 n.º2 e 638 n.º1 do Código de Processo Civil, todos do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 17º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas.

Notifique.”

Nesta Relação foi, oportunamente, admitido o recurso e mantida a sua espécie, efeito e regime de subida fixados pela 1ª Instância, nada obstando ao seu conhecimento.

O Ex.mo Sr. Relator entendeu que a questão a dirimir é simples, sendo, por isso, caso de proferir decisão sumária – art.ºs 652.º, n. º1, al. c) e 656.º, ambos do C. P. Civil.

Cumpre, pois, em sede de decisão sumária, apreciar e decidir.

II – FUNDAMENTAÇÃO

1. Delimitação do objeto do recurso

É pelas conclusões das alegações do recurso que se afere e delimita o seu objeto – cfr. designadamente, as disposições conjugadas dos art.s 5.º, 635.º, n.ºs 3 e 4, 639.º, n.ºs 1, 2 e 3, e 640.º, n.ºs 1, 2 e 3, todos do C. P. Civil – sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.

Face às conclusões da motivação do recurso, a única questão a decidir é a seguinte:
Saber se a decisão recorrida deve ser revogada – por violação do disposto nos invocados art.ºs 256.º, n.º 5, 257.º, n.ºs 1 e 2, al. a), 258.º e 259.º, n.º 1, todos do CIRE – e substituída por outra que não homologue o aludido plano de pagamentos apresentado nos autos.

2. Os Factos e Circunstancialismo relevantes

Os Factos e Circunstancialismo relevantes para a boa decisão da causa são os que defluem do antecedente Relatório e que se dão aqui por reproduzidos.

3. O Direito

Como consignámos supra, face às conclusões da motivação do recurso, a única questão a decidir é a seguinte:

Saber se a decisão recorrida deve ser revogada – por violação do disposto nos invocados art.ºs 256.º, n.º 5, 257.º, n.ºs 1 e 2, al. a), 258.º e 259.º, n.º 1, todos do CIRE – e substituída por outra que não homologue o aludido plano de pagamentos apresentado nos autos.

Relativamente à única questão colocada (Saber se a decisão recorrida deve ser revogada – por violação do disposto nos invocados art.ºs 256.º, n.º 5, 257.º, n.ºs 1 e 2, al. a), 258.º e 259.º, n.º 1, todos do CIRE – e substituída por outra que não homologue o aludido plano de pagamentos apresentado nos autos.), entendemos que assiste a razão à recorrente.

           Com efeito, resulta apurado nos autos que a ora recorrente P... veio, a 28/08/2019, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 256.º, corrigir as informações relativas aos seus créditos não aderindo ao plano de pagamento proposto e alegando que o saldo daquela sobre os devedores é de 256.251,22€ - cfr. requerimento com a referência citius ...

Por outro lado, notificada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 256.º, n.º 5 do CIRE (cfr. notificação de 27/09/2019, com a referência citius ...), para se pronunciar quanto à adesão ao (novo) plano apresentado, nada disse.

Ora, este art.º 256.º, no que ora nos interessa, consigna o seguinte:

“5 - As eventuais modificações ou acrescentos a que o devedor proceda nos termos dos nºs 3 e 4 serão notificadas, quando necessário, aos credores para novo pronunciamento quanto à adesão ao plano, entendendo-se que mantêm a sua posição os credores que nada disserem no prazo de 10 dias.”

Quer dizer:

Quando há modificações ou acrescentos a que o devedor proceda nos termos dos nºs 3 e 4, as mesmas serão notificadas, quando necessário, aos credores para novo pronunciamento quanto à adesão ao plano.

Se os mesmos, assim notificados, nada disserem no prazo de 10 dias, entende-se que mantêm a sua posição já expressa anteriormente nos autos.

Estamos, pois, perante uma situação em que o silêncio tem valor declarativo, nos termos do art.º 218.º do C. Civil.

Ora, decorre dos autos que nunca ou em circunstância alguma a P... deu o seu assentimento a qualquer plano de pagamentos, antes, pelo contrário, a ele se opôs logo no inicialmente proposto.

Por outro lado, como bem salienta a recorrente, em momento algum a oposição por si manifestada foi – ou poderia ser - objecto de suprimento, atento o peso/proporção do seu crédito no valor global do passivo dos devedores, já que representa mais de 2/3 do valor global relacionado:

a) Autoridade Tributária: 38.063,32€

b) I..., Unipessoal, LDA: 14.095,70€

c) P... Company: 256.251,22€

Assim, nos termos do art.º 258.º, n.º 1, do CIRE, não poderia haver lugar ao suprimento da aprovação do plano por parte da P..., já que o plano não foi aceite por credores cujos créditos representam mais de 2/3 do valor global relacionado (ou seja, o crédito da ora recorrente é superior a 2/3 do total dos créditos relacionados.).

Por conseguinte, in casu, a homologação do referido plano de pagamentos pelo Tribunal a quo, como bem reconhece o mesmo, não se apresenta como um manifesto lapso/ erro de escrita (lapsus linguae), mas sim como um erro de julgamento, isto é, no essencial, estamos perante uma errada aplicação da lei no caso concreto.

Daí que a rectificação pretendida pela ora recorrente tenha sido indeferida, uma vez que o tribunal a quo - não obstante admitir que “não ponderou devidamente que ao silêncio do credor, após a notificação prevista no nº 5 do art.º 256º do CIRE a lei atribui o significado de manter a sua recusa à homologação do plano” -, entendeu não ter poder para a alteração do erro, considerando que o expediente previsto nos artigos 614º do CPC, está limitado às hipóteses em que não cabe recurso.

E bem a nosso ver.

Por conseguinte e em suma: face ao exposto, o plano não foi validamente aprovado, pelo que não poderia ter sido homologado.

Donde resulta que, tendo sido homologado o referido plano, ao assim decidir, a sentença recorrida enferma de erro de julgamento, porquanto violou, designadamente, o disposto nos invocados art.ºs 256.º, n.º 5, 257.º, n.ºs 1 e 2, al. a), 258.º e 259.º, n.º 1, todos do CIRE.

Pelo que, consequentemente, a mesma não pode subsistir.

Assim, face ao exposto, e sem mais considerações, deve o recurso ser julgado procedente e, porque a decisão recorrida viola, designadamente, o disposto nos invocados art.ºs 256.º, n.º 5, 257.º, n.ºs 1 e 2, al. a), 258.º e 259.º, n.º 1, todos do CIRE., deve a mesma ser revogada e substituída por outra que não homologue o referido plano de pagamentos.

Resumindo e concluindo:
Face ao exposto, e sem mais considerações, julga-se procedente o recurso e, porque a decisão recorrida viola, designadamente, o disposto nos invocados art.ºs 256.º, n.º 5, 257.º, n.ºs 1 e 2, al. a), 258.º e 259.º, n.º 1, todos do CIRE., deve a mesma ser revogada e substituída por outra que não homologue o referido plano de pagamentos.

IV – DECISÃO

Face ao exposto, na 1.ª Secção Cível do Tribunal desta Relação, decido:

I – Julgar procedente o recurso.

II – Revogar a decisão recorrida e, em consequência, ordenar a sua substituição por outra que não homologue o plano de pagamentos apresentado nos autos.

Sem custas autonomizáveis – art.º 303.º do CIRE.

                                                               Coimbra, 20 de janeiro de 2020