Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3980/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: LEI TEMPORÁRIA (QUEIXA)
PERDA DE COISA RELACIONADA COM O CRIME
Data do Acordão: 01/25/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGO 2º, N.º 4, DO C. PENAL E ARTIGO 109º, DO C. P. PENAL
Sumário: I- Se a lei antiga estipulava que, para permitir a perseguição criminal, não se tornava necessário que o titular do interesse jurídico formulasse queixa e a nova lei já o exige, o procedimento iniciado sob a égide da lei antiga, mais intensa o seu iter persecutório, deve ser ilaqueado e o procedimento criminal ser declarado extinto, porque mais favorável ao arguido, independentemente das vicissitudes processuais que ocorreram.
II- Mesmo não se verificando todos os elementos de que depende a existência do crime, a mercadoria apreendida que se encontrava em contravenção às regras que regem a propriedade industrial deve ser declarada perdida a favor do Estado.
Decisão Texto Integral: Acordam os juízes que constituem este colectivo, na secção criminal, do tribunal da Relação de Coimbra, em:
I. – Relatório.
O digno magistrado do Ministério Público, na comarca de Leiria, acusou os recorrentes “A...” e B..., com os sinais identificativos constantes de fls.86, da prática, em autoria material, dos crimes p. e p. nos arts.260º, al. a) e 264º, nº2, com referência aos arts. 193º e 264º, nº1, al b), do Código da Propriedade Industrial.
Na sequência da acusação deduzida, a ofendida/assistente “C...”, deduziu pedido cível contra os arguidos, pedindo o pagamento de uma indemnização, pelos prejuízos ocasionados pela contrafacção dos produtos aprendidos à firma arguida, uma quantia de 266.334,00 euros, acrescidos dos juros á taxa legal.
Remetido o inquérito para o tribunal de julgamento, o Exmo. Senhor Juiz, em diserto e sagaz despacho, temos de reconhecer, independentemente da bondade da solução a que se alçou, considerou que com a entrada em vigor do novo Código da Propriedade Industrial (DL 36/2003, de 5 de Março), e nomeadamente do seu art. 329º, que passou a estatuir que “o procedimento por crimes previstos neste Código depende de queixa”, e pela aplicação do princípio da lei ou regime mais favorável, deveria o procedimento criminal ser considerado extinto, por o regime hodierno ser aquele que, concretamente, mais favorece os arguidos. Abonando-se em jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, mas reconhecendo a existência de posições jurisprudenciais antinómicas, o Exmo Senhor Juiz, em desinência, remata pela aplicabilidade, ao caso, do regime decorrente da novel legislação, vindo a determinar o arquivamento dos autos. No mesmo despacho, o Exmo. Juiz viria a considerar declarados perdidos a favor do Estado os produtos que haviam sido apreendidos, por reputar estarem contrafeitos e serem produto de acto ilícito. Não deixou de julgar extinta a instância cível, por inutilidade superveniente da lide.
É da decisão que se deixou resumida que recorrem, tanto o a assistente, “C...”, na parte em que foi julgado extinto o procedimento criminal contra os arguidos, e os arguidos, do troço da decisão que declarou perdidos a favor do Estado os objectos apreendidos.
Relativamente ao recurso da assistente, e depois de na motivação, ter citado jurisprudência que considera infirmar a tese perfilhada pelo Exmo Juiz, conclui que o tribunal a quo não podia ter mandado arquivar o procedimento instaurado, porque, o crime por que os arguidos foram acusados, assumia a natureza pública quando foi impulsionada a acção penal, não devendo relevar para efeitos de aplicação do regime mais favorável o facto de posteriormente a isso ter sido alterada a condição de procedibilidade, com a necessidade de impulso processual por parte do lesado na sua esfera de interesses. Aliás, a assistente constituiu-se, oportunamente assistente, no dia 17 de Março de 2003, o que demonstra o seu interesse na perseguição criminal do feito por parte do Estado, a quem se associou para o predito fim. Ficaria, assim, suprida a eventual (expressa) falta de denúncia por parte da lesada.
Pede que, no provimento do recurso, seja revogada a decisão em crise e substituída por outra que ordene o prosseguimento dos autos.
No atinente ao recurso dos arguidos (cujo objecto atina com a perda dos objectos apreendidos), defluem a motivação, em síntese apertada, pela forma seguinte: - A perda de objectos reveste a natureza de medida preventiva e de reacção penal, substanciando uma penalização decorrente de uma qualquer actividade criminosa; não tendo chegado a apreciar-se a responsabilidade criminal dos arguidos, não é possível imputar aos arguidos qualquer ilícito de natureza criminal, pelo que tendo decidido em contrário ao exposto o tribunal violou o art. 109ºdo C. Penal e o art. 32º da Constituição.
Na comarca, o digno agente do Ministério Público está com o assistente na procedência do seu pedido, e está com o Exmo. Senhor Juiz no atinente ao segmento do despacho em que declarou perdidos a favor do Estado os objectos contrafeitos.
Considerando que o recurso do assistente merece provimento, o preclaro Procurador-Geral Adjunto, neste tribunal, é de parecer que, depois de ser julgado procedente esse recurso, deverá ficar prejudicado o conhecimento do recurso dos arguidos.
Os recursos interpostos interpelam o tribunal para a pronúncia das seguintes questões:
- Aplicação ou não da lei posterior que imprime à natureza do ilícito uma feição semi-pública, ao invés do que sucedia quando o procedimento criminal foi desencadeado, que atribuía natureza pública ao mesmo tipo de ilícito;
- Possibilidade de ser decretada a perda de objectos do crime (num crime de contrafacção), a favor do Estado, ainda que o procedimento criminal haja sido declarada extinto.
II. – Fundamentação.
II. A. – Sucessão de leis penais. Aplicabilidade da lei mais favorável.
Os arguidos mostram-se acusados por factos praticados, ou ocorridos, em Julho de 2002, à data sancionados por normação jurídico-penal que promanava de legislação aprovada em diploma (DL nº 16/95, de 24 de Janeiro), que girava sob a designação de Código da Propriedade Industrial.
Esta normação induzia a desnecessidade de manifestação de vontade, por parte do titular juridico-penalmente protegido, para perseguir os ilícitos criminais que estabeleciam sanções penais às condutas violadoras das previsões incriminatórias que nela eram estabelecidas.
O mesmo feixe de comportamentos antijurídicos veio a ser integrado em normação adrede publicada em 5 de Março de 2003 (DL nº 36/2003).
As condutas antijurídicas surpreendidas aos arguidos haviam sido integradas na previsão normativa dos preceitos incriminadores contidos nos artigos 260º, al. a) do art. 260º e 264º, nº2, com referência aos arts. 193º e 264º, nº1, al. a) do primício diploma (não se curará, hic et nunc, de escrutinar a justeza da subsunção jurídica efectuada na acusação, mas sempre se dirá, en passant , que está incorrecta), enquanto que actualmente as mesmas condutas são previstas no art. 324º do derradeiro diploma legal.
Para as normas incriminatórias que se considera deverem ter sido aquelas que terão sido violadas pelas condutas antijurídicas detectadas – art. 264, nº 2 do DL 16/95 e 324º da novel regulamentação - as sanções previstas são similares – pena de prisão até um ano ou multa até 120 dias. (A concorrência desleal, conduta que aos arguidos era imputada, que na anterior legislação constituía ilícito de natureza penal –art. - 260º, nº1, al. a) – passou na novel regulamentação a revestir a natureza de ilícito contra-ordenacional – cfr. 331º do DL nº36/2003, de 5 de Março.
Não suscitaria dúvidas a aplicação da lei nova no atinente à infracção ás regras de concorrência leal que aos arguidos é imputada, dado que, deixando de assumir natureza penal, reverteu à situação de ilícito contra-ordenacional. A densidade jurídico-penal e valoração ético-normativa e social que o legislador entendia dever ser aquela que se justificava para sancionamento de comportamentos desta natureza, ter-se-á alterado de modo a qualificar esses mesmos comportamentos como condutas de desvalor ético-social menos intenso e de gravidade inferior, pelo que aos arguidos deveria, se viessem a ser julgados, ser aplicada a nova legislação.
Já quanto ao ilícito de natureza penal – art. 264, nº2, do DL nº16/95 e art. 324º do DL nº36/2003, que, revestindo a mesma natureza jurídico-penal nas duas legislações, não se suscitaria dúvida quanto á aplicação das normas incriminatórias.
A questão suscita-se, como bem refere Senhor Juiz, no douto despacho sob impugnação, quando para este tipo de ilícito a lei antiga estipulava que, para permitir a perseguição criminal se tornava necessário que o titular do interesse jurídico não formulasse queixa, ou manifestasse, expressamente, a sua vontade em sancionar a conduta que atingia especialmente o seu feixe de interesses, e a nova legislação o exige – cfr. art. 329º do DL. nº 36/03, de 5 de Março (anote-se que o Decreto Lei nº 65/95 foi expressamente revogado, por norma revogatória adrede, no art. 15º do Decreto Lei nº 36/03, de 5.3).
A irretroactividade das leis penais está constitucionalmente estabelecida no número quatro do artigo 29º da Constituição da República Portuguesa, quando estatui que “ninguém pode sofrer penas ou medidas de segurança mais graves do que as previstas no momento da correspondente conduta ou da verificação dos respectivos pressupostos, aplicando-se retroactivamente as leis penais de conteúdo mais favorável ao arguido”.
O princípio da irretroactividade congraça-se com o princípio da não ultractividade da lei (non ultrattività della lege) delimitando, os dois, a validade da lei no tempo e outorgam remontar ao princípio superior que se costuma indicar com o mote latino tempus regit actum, o qual implica que a eficácia da lei seja circunscrita ao tempo em que esta está em vigor. (Neste sentido Francesco Antolisei, in Manuale di Diritto Penale, Giuffré Editore, Milano, 1997, pag. 102.) Para Ivo Caraccioli o fundamento da irretroactividade da lei prende-se com a exigência de certeza em que a própria lei deve inspirar-se. (Cfr. Ivo Caraccioli, in Manuale di Diritto Penale, Parte Generale, Cedam, Verona, 1998, pag.84).
Em resposta à questão do que deve se considerada lei mais favorável (Cosa vuol dire “più favorevole”) estes autores (Cfr. op. loc. cit. Pags. 107 e 99, respectivamente.) referem que no escrutínio a efectuar não deve contar somente a espécie ou a medida da pena (por exemplo se passa de reclusão para multa ou então de reclusão maior a reclusão menor) devendo considerar-se também (ainda) todos os demais elementos que concorram para compor a inteira disciplina de facto, assim as circunstâncias agravantes e atenuantes, penas acessórias, medidas de segurança, maior ou menor amplitude dos benefícios aplicáveis, e assim por diante.
Esta doutrina configura-se incontornável para as normas que regem no quadro do direito penal material ou substantivo.
Já se torna controverso que esse regime se aplique aos institutos processuais conexos com a lei penal e que aqueles possam conferir a estas (às leis penais) um carácter de diverso rigor. “Segundo a opinião preferível, a questão (il quesito) deve ser resolvido afirmativamente e, portanto, deve considerar-se mais favorável aquela lei que a perseguição do crime exige queixa (querela)”. (Neste sentido Francesco Antolisei, in op. loc.cit. pag 109, que refere idêntica posição para G. Battaglini, in Il Diritto di querela, Bologna, 1939,pag.68 e Mantovani, Diritto Penale, p.121, resalvando para este autor a situação de a parte ofendida ter participado (abbia dato querela) e a nova lei puna o facto mais gravemente. )
Não se desconhecendo a doutrina expressa quanto a esta matéria desenvolvida pelo preclaro professor Taipa de Carvalho (Apud “Sucessão de Leis no Tempo”, Américo A. Taipa de Carvalho, Coimbra Editora, pag. 299 e segs.), dir-se-á que não a acolhemos, e não por ela se mostrar incorrecta quanto à concreta questão que inere, mas por considerarmos que a repercussão da lei nova não se pode percutir somente nos efeitos processuais e endógenos do procedimento adjectivo, traduzido na possibilidade de desistência ou não de queixa, mas, outrossim, se deverá escrutar a ontologia axiológico-normativa do legislador quando incute diversa natureza jurídico-procedimental a uma determinada pressuposição jurídico-penal.
Como o próprio preclaro Professor defende, normas existem que, pela sua percussão nos fenómenos jurídico-penais, não podem restringir ou confinar a regular os procedimentos, mas outrossim se intrometem e vertem a sua influência normativa conformadora nos instrumentos e modelações substantivas do direito penal. Se assim é, então não podemos deixar de extrair consequências mais anchas e de maior intensão e profundidade relativamente aos efeitos percucientes que uma norma processual de conteúdo material injunge na regulamentação normativa de um determinado segmento do direito sancionatório.
Temos para nós que o legislador, na legislação publicada no Decreto Lei 36/2003, de 5 de Março, quis alterar a mundividência jurídico-normativa para este sector da regulação vida e giro da actividade comercial. Como se notou supra, o legislador modificou a natureza de ilícitos, alterou as normas sancionatórias e as previsões jurídicas relativamente, conferindo uma conformação jurídico-normativa na quase totalidade do espectro normativo que regia para este sector da vivência societária.
A esta luz teremos que admitir que o legislador quis densificar, caracterizar e qualificar diversamente os comportamentos antijurídicos que previsivelmente passariam a constar desta nova regulamentação jurídica. Uma distinta mundividência dos interesses planteados, de como deveriam ser protegidos, e a forma como o deveriam ser, entrou no âmago do legislação adrede, convocando novas leituras jurídico-penais aos sujeitos destinatários das normas, que deveriam ter apreendido este novo projectar societário da sensibilidade legislativa assumida.
Repontar-se-á, mas então o que fazer aos procedimentos que se haviam iniciado sob a égide da lei juridicamente mais protectiva e confinada, por mais intensa na sua feição persecutória. Do nosso ponto de vista, e aqui vamos mais além dos meros efeitos procedimentares, que o distinto Professor faz derivar do facto de a lei nova introduzir a necessidade de participação ou queixa ou ainda acusação particular para impulsionar o procedimento, e defendemos, como parece ser a posição da doutrina italiana, supra citada, que o procedimento iniciado sob a égide da lei antiga mais intensa no seu iter persecutório, deve ser ilaqueado e o procedimento criminal ser declarado extinto. Poder-se-á dizer que esta solução fere os interesses, a tranquilidade e a consciência do titular do interesse jurídico-penal protegido, que sob o abanico da anterior legislação tinha logrado prosseguir com a perseguição dos eventuais infractores desses interesses e que, desta forma deixa de poder persegui-los, ao não ter accionado atempadamente o mecanismo da queixa. Ou ainda que o titular do interesse em questão deveria ter sido informado da alteração produzida no ordenamento, para em tempo útil poder exercitar o seu direito de queixa.
Admitimos que assim pudesse suceder, só que as alterações da legislação são publicadas e ninguém se pode escusar com o desconhecimento da lei. Com mais acuidade no caso de que nos ocupamos, dado que a assistente tinha manifestado interesse em acompanhar a acusação pública e deveria ter atentado nas alterações, manifestando expressamente a sua vontade de prosseguir com a acção penal incoada.
Nem releva para o caso, dado que a questão terá que se decidir no plano jurídico-normativo e dos princípios, que a assistente, por esta manifestação, já expressa, tenha incutido a ideia da sua vontade de perseguir os infractores e de ser ressarcida dos prejuízos que a sua eventual conduta danosa possa ter ocasionado no seu património. A lei nova apresenta-se mais favorável, como procurámos demonstrar, e deverá ser aplicada, independentemente, das vicissitudes processuais que ocorreram.
II. – B. Perda dos produtos da infracção.
A decisão sob impugnação decidiu que deveria ser declarada perdida a favor do Estado a mercadoria aprendida nos presentes autos, por considerar que, ainda que ninguém possa ser punidos por factos criminalmente relevantes, sempre essa mercadoria poderia vir a ser utilizada “para cometimento futuro de novos factos ilícitos típicos”.
Deste decretado perdimento divergem os arguidos, por considerar que a perda de objectos reveste a natureza de medida preventiva e de reacção penal, substanciando uma penalização decorrente de uma qualquer actividade criminosa; não tendo chegado a apreciar-se a responsabilidade criminal dos arguidos, não é possível imputar aos arguidos qualquer ilícito de natureza criminal, pelo que tendo decidido em contrário ao exposto o tribunal violou o art. 109ºdo C. Penal e o art. 32º da Constituição.
A perda de mercadoria que havia sido apreendida foi decretada, pelo tribunal, ao amparo do disposto no art.109º do Cód. Penal, que impõe a declaração de perda, a favor do Estado, dos objectos que tenham servido ou estejam destinados a servir para a prática de um facto ilícito, quando “pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos”.
Hodiernamente, o diploma que rege para as violações das condutas antijurídicas e ilícitas na área da propriedade industrial, prevê especificamente o destino a atribuir aos objectos apreendidos – cfr. Art.330º do DL nº 36/03, de 5.3..
Nos termos deste preceito “são declarados perdidos a favor do Estado os objectos em que se manifeste um crime previsto neste Código (…).
Para o regime geral, estabelecido no Código Penal, ensina o Professor Figueiredo Dias “quando o processo penal corra contra pessoa determinada, a melhor doutrina parece ser a de considerar que o pressuposto da perda não é necessariamente a prática de um crime, mas a simples verificação de um facto ilícito-típico. (…) Torna-se necessária a verificação de todos os elementos de que depende a existência de um crime, com a ressalva dos requisitos relativos à culpa do agente”. ( Neste sentido Jorge Figueiredo Dias, Direito Penal Português II, As Consequências Jurídicas do Crime, Noticias Editorial, pag.619) No mesmo sentido parece ir o ensinamento de Hans-Heinrich Jescheck quando enumera os pressupostos da confiscação dos objectos e produtos resultantes de uma actividade ilícita e refere que “o autor ou o partícipe deve, para além disso (además), ter conseguido com o delito ou como consequência do delito um proveito patrimonial”. (Hans-Heinrich Jescheck, Tratado de Derecho Penal, vol.II, pag.1099 e segs.)
Sendo a “confiscação”, na terminologia espanhola, uma medida de carácter reparador relativamente aos benefícios obtidos indevidamente, por virtude de uma actividade ilícita, parece-nos de meridiano entendimento que, o decretamento de perda, só possa ser declarado quando ocorra uma concreta conduta antijurídica e ilícita a ser imputada a um facto ilícito por que alguém tenha sido juridico-penalmente responsabilizado e condenado. (Quanto à natureza jurídica da perda de bens e produtos a favor do Estado, ou a chamada confiscação como é classificada na terminologia espanhola, cfr. Hans-Heinrich Jescheck, op. loc.cit., p.1009.)
Isto mesmo parece ser o que se depreende do ensinamento de Figueiredo Dias quando na obra citada escreve:”tratando-se de facto imputável, não basta a prática de um ilícito-típico – mesmo no sentido amplo em que supra 735, vimos dever ser entendida a expressão como pressuposto de aplicação de uma medida de segurança de internamento -, antes se torna necessária a sua condenação pela prática de um crime…” (Op.loc.cit. pag.506.), pois para esses requisitos nos remete no capítulo em que trata dos requisitos a que têm que obedecer a perda de objectos e produtos de uma actividade ilícita.
Os arguidos não foram condenados pela prática de um qualquer facto ilícito típico, tendo, tão só, sido acusados de desenvolver uma actividade comercial, reputada de ilícita, por lesiva dos sãos e escorreitos princípios da concorrência, mediante um comportamento desviado relativamente ao proceder e a um agir ético – socialmente alinhado e arrimado aos valores e regras vertidas nos comandos jurídico-penais.
Não tendo sido proferido veredicto de subsunção das condutas imputadas a concretas e determinadas previsões juridico-penalmente relevantes, que pudessem referenciá-las como tipicamente ilícitas, poderia, à luz da doutrina que se deixou expressa supra, depreender-se que aos arguidos poderia vir a ser devolvida a mercadoria que lhes foi apreendida.
Não nos parece que, face aos contornos e à conformação constitutiva do material apreendido possa deixar de ser declarado perdido a favor do Estado. É que de acordo com exames efectuados à mercadoria apreendida esta encontra-se em contravenção às regras que regem para a área da propriedade industrial, não sendo licita a sua colocação em circulação e/ou no mercado, por violadora de preceitos que resguardam e salvaguardam o direito de o titular de uma marca ou patente não ser confrontado com uma outra, que pela configuração ostensiva, possa causar confusão, divertindo, deste modo, o direito á exclusividade que a patente lhe confere. A mercadoria apreendida está em contravenção com as regras de direito da propriedade industrial, pelo que não pode ser devolvida, sob pena de se poder, potencialmente, estar a fomentar a colocação no mercado de mercadoria que está confirmado, pericialmente, estar em contravenção com um direito legalmente protegido e tutelado, o direito à marca registada ou à patente.

III. – Decisão.
Na defluência do expendido, decidem os juízes que constituem este colectivo, na secção criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra, em:
- Julgar, os recursos interpostos pela assistente e pelos arguidos, improcedentes, confirmando, desta forma, o douto despacho sob impugnação;
- Condenar a assistente e os arguidos nas custas, fixando-se a taxa justiça em seis (6) UCs, para cada um.


Coimbra, 25 de Janeiro de 2003.