Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1516/98.2JGLSB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: COMPETÊNCIA TERRITORIAL
TRIBUNAIS DA RELAÇÃO
Data do Acordão: 02/18/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CALDAS DA RAINHA E ALCOBAÇA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: TERRITORIALMENTE INCOMPETENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 426 E 426-A DO CPP 1 DO ART. 21º ,47º E 56º DA LEI Nº 3/99, DE 13 DE JANEIRO − LEI DE ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DOS TRIBUNAIS JUDICIAIS (LOFTJ)
Sumário: Cumprindo apreciar um recurso de uma decisão de um Tribunal, pertencente ao Distrito Judicial de Lisboa, após reenvio, nos termos dos arts. 426 e 426-A do CPP, para novo julgamento, o Tribunal de 2ª instância competente para o efeito será o que superintende naquele Distrito e não o da Relação de Coimbra que superintende em distrito judicial diferente daquele onde se insere o tribunal recorrido.
Decisão Texto Integral: Processo nº 1516/98.2JGLSB.C1 do 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca de Caldas da Rainha.
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Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
No processo supra identificado no qual são arguidos, C... e F... , foi pelos mesmos interposto recurso do acórdão dos autos, ambos o endereçando aos “Venerandos Juízes Desembargadores do Tribunal da Relação de Coimbra”.
Porém, o recurso foi remetido ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.
Este Venerando Tribunal excepcionou a sua competência territorial, em sede de questões prévias, por entender que o Tribunal competente era o da Relação de Coimbra.
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Os recursos foram motivados.
Os Magistrados do Mº Pª, em ambas as Instâncias, apresentaram resposta e parecer, respectivamente.
Foram colhidos os vistos e realizada a conferência.
Cumpre conhecer.
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Entendemos que se verifica questão prévia que obsta ao conhecimento do recurso por este Tribunal de Relação.
Competência territorial:
Não é o facto de os recursos virem dirigidos ao “Venerando Tribunal da Relação de Coimbra”, que torna este Tribunal territorialmente competente.
Os presentes autos são originários da comarca de Alcobaça, em cujo Tribunal os arguidos foram julgados e condenados.
Interpuseram recurso para este Tribunal da Relação de Coimbra, onde se deliberou determinar o reenvio, nos termos dos arts. 426 e 426-A do CPP, para novo julgamento.
Baixados os autos à comarca de Alcobaça, e no cumprimento do art. 426-A do CPP, os autos foram remetidos ao Tribunal de Caldas da Rainha, que por sua vez os remeteu ao Tribunal de Leiria, que não se considerou o tribunal geograficamente mais próximo.
Na sequência do conflito negativo de competência, o Venerando Supremo Tribunal de Justiça considerou competente para o novo julgamento o Tribunal de Caldas da Rainha, com os seguintes fundamentos:
"Dispõe o artigo 426°-A, n° 1, do CPP que "quando for decretado o reenvio do processo, o novo julgamento compete ao tribunal, de categoria e composição idênticas às do tribunal que proferiu a decisão recorrida, que se encontrar mais próximo".
Esta norma estabelece, pois, um regime específico de competência para o novo julgamento, no caso de ter sido decretado o reenvio nos termos do artigo 426° do CPP.
A ratio ínsita na disposição - que constitui apenas uma norma especifica de competência territorial- contém simultaneamente um pressuposto e uma finalidade: o pressuposto é uma diferente composição do tribunal que há-de apreciar a questão objecto de reenvio, de modo a prevenir os riscos de pré-juízos em relação à matéria da causa; a finalidade é a de a atribuição de competência respeitar, no maior limite possível, a continuidade ou contiguidade territorial, que apenas se compreende e justifica pelas razões de ordem prática que ditam a competência territorial, ligadas à proximidade dos factos e à conveniência para os sujeitos e intervenientes processuais implicados.
O tribunal que se encontra mais próximo é, desde logo, um outro tribunal de categoria e composição idêntica que exista na mesma comarca; só no caso de não existir é que o reenvio se fará para tribunal "que se encontrar mais próximo" de outra comarca.
Mas, sendo assim, e constituindo a norma do n° 1 do referido artigo 426°-A do CPP, uma disposição autónoma de competência, que reconforma no seu espaço de intervenção a competência em razão do território, a interpretação e a consequente aplicação tem que partir desta função que lhe é assinalada.
A competência em razão do território, a par da matéria, é, porém, uma das competências de base, directa, imediata e primeiramente estabelecidas para os tribunais base da organização judiciária - os tribunais de primeira instância, e especificamente o tribunal de comarca - artigos 21°, nº 3 e 62, nº 1, da Lei nº 3 /99, de 13 de Janeiro.
O artigo 426°-A do CPP dispõe, como se referiu, que a competência territorial é reenviada para o tribunal "que se encontrar mais próximo” do tribunal que proferiu a decisão afectada e cujos vícios determinaram o reenvio. Este critério de proximidade é exclusivamente territorial e geográfico: o tribunal mais próximo é aquele (se não for outro da mesma comarca) cuja sede se situar em local mais próximo da sede do tribunal que proferiu a decisão invalidada".
(…)
"As competências da relação, que são essencialmente da ordem da hierarquia, intervêm, por isso, no plano territorial, em segunda leitura: não é a competência territorial da relação (o distrito judicial - artigo 210, n° 1, da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro) que determina a competência de tribunal de comarca; ao contrário, é a competência territorial primária do tribunal de comarca, determinada segundo as leis de processo, que há-de fixar quais os feitos que, por serem da competência de um dado tribunal integrado num distrito judicial, serão em segunda linha hierárquica e em caso de recurso, da competência do respectivo tribunal da relação".
Também assim entendíamos o disposto no art. 426-A do CPP.
Já não entendemos como se entendeu na Relação de Lisboa que aquele Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça “fixou, desde logo (Volume XX, fl.6039, § 4) o critério a ser seguido para o Tribunal de Relação a intervir, posteriormente, no caso de eventual recurso”
Em primeiro lugar, não vemos um Tribunal a decidir para futuro e na suposição de que poderia vir a haver conflito de competência.
Em segundo lugar, entendemos que não resulta daquele Acórdão do STJ o concluído no Acórdão da Relação de Lisboa: O paragrafo especifico que é referido, ao indicar que as competências da Relação são essencialmente da ordem da hierarquia e no plano territorial se determina que não é a competência da Relação que determina a competência do tribunal de comarca, mas ao contrário é a competência territorial primária do tribunal de comarca que determinada segundo as leis de processo, há-de fixar os feitos que serão em segunda linha hierárquica e em caso de recurso, da competência do respectivo tribunal da Relação, é apenas resposta a questão suscitada naquele conflito, pelo Tribunal de Caldas da Rainha que considerava que o art. 426-A do CPP ordena o reenvio para tribunal mais próximo de idêntica categoria, mas dentro do mesmo Distrito Judicial.
O que o STJ disse foi que, independentemente da Relação a vir a ser competente (por ser a competência primária do tribunal de comarca que a determina), no caso de reenvio o critério de proximidade a observar é o geográfico.
Assim que a entender-se que aquele Acórdão do STJ fixou o critério de competência a ser seguido para o Tribunal da Relação a intervir em caso de recurso, o critério é o contrário do que se entendeu na Relação de Lisboa.
Ou seja, fixada a competência territorial do tribunal de comarca, segundo as leis de processo (art. 426-A do CPP) e que foi o Tribunal das Caldas da Rainha (distrito judicial de Lisboa), é esta “que há-de fixar quais os feitos que, por serem da competência de um dado tribunal integrado num distrito judicial, serão em segunda linha hierárquica e em caso de recurso, da competência do respectivo tribunal da relação”.
A competência primária referida tem de ser a competência da 1ª Instância e não a competência primeira no processo.
Houve redefinição de competência territorial por força do reenvio ordenado e do disposto no art. 426-A do CPP, passando a ser a competência territorial primária a do Tribunal judicial de Caldas da Rainha, e é em função desta que fica definida a competência hierárquica seguinte, deixando de vigorar as regras dos arts. 19 e seguintes do CPP.
Nem podia ser de outro modo, dado que a Relação de Coimbra não tem jurisdição na área do Tribunal da comarca das Caldas da Rainha.
Sobre a competência territorial, prescreve o nº 1 do art. 21º da Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro − Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais (LOFTJ) − que os Tribunais da Relação têm competência no respectivo distrito judicial.
No sentido do que vimos referindo, se pronunciou o Ac. Rel. Lx. de 1-06-05, Proc. 1951/05 -3ª Secção, que refere: “A competência dos Tribunais da Relação define-se, indirectamente pela dos tribunais integrantes da respectiva área de jurisdição”.
Também no Recurso n.º 1156/06-5, desta Relação de Coimbra se decidiu que: “A competência dos Tribunais da Relação define-se antes, indirectamente, pela competência dos Tribunais recorridos que integram o respectivo Distrito Judicial – cfr. Mapa I Anexo ao Regulamento da LOFTJ e artigos 1º e 2º do dito Regulamento.
Aliás só o âmbito territorial dos Tribunais de Comarca é definido expressamente pela lei – cfr. art. 1º, n.º4 do mesmo Regulamento. Sendo assim a área dos Distritos Judiciais é definida, indirectamente, pela dos Tribunais de Comarca que os integram.
Havendo que interpretar o art. 21º, n.º1 da LOFTJ em conjugação com tais disposições, em conformidade com a razão de ser da lei de que os Tribunais da Relação reapreciam decisões dos Tribunais de 1ª instância.
Com efeito, nos termos do art. 47º, n.º1 da LOFTJ “Os Tribunais da Relação são, em regra, tribunais de 2ª instância”.
E como tal compete-lhes “Julgar recursos” – cf. artigo 56º, n.º1, al. a) da LOFTJ. Ou seja reapreciar decisões proferidas pelos Tribunais de 1ª instância da sua área geográfica. E não julgar, em primeira instância, os factos correspondentes. Daí a sua competência seja definida em função dos Tribunais de 1ª instância recorridos ou que proferem as decisões a reapreciar e não pelo local onde os factos são praticados”.
Cumprindo apreciar um recurso de uma decisão de um Tribunal, pertencente ao Distrito Judicial de Lisboa, o Tribunal de 2ª instância competente para o efeito será o que superintende naquele Distrito e não o da Relação de Coimbra que superintende em distrito judicial diferente daquele onde se insere o tribunal recorrido.
Neste sentido decidiu, em caso idêntico, o recente Acórdão do STJ de 04.05.2006, proferido no Processo n.º 781/06 – 5ª Secção daquele Tribunal, em resolução de conflito de competência suscitado no recurso n.º 3104/05 do Tribunal de Relação de Coimbra.
E, da mesma forma no Ac. do STJ de 04-02-09, no proc. Nº 938/07.4TYLSB.C1: “Com efeito, segundo ressalta do disposto nos artigos 1º e 2º do Regulamento da LOFTJ, a competência territorial dos tribunais da relação é fixada indirectamente através dos tribunais situados na área do respectivo distrito judicial,
Assim sendo, à relação do respectivo distrito compete julgar dos recursos das decisões proferidas pelos tribunais aí sedeados”.
Assim, para apreciar uma decisão do Tribunal Judicial das Calda da Rainha, é competente o Tribunal da Relação de Lisboa.
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Nestes termos acorda-se em julgar o Tribunal da Relação de Coimbra territorialmente incompetente para conhecer do presente recurso, interposto de uma decisão do Tribunal Judicial das Caldas da Rainha.
Sem custas.
Notifique.
Após trânsito em julgado desta decisão diligenciar-se-á pela resolução do conflito de competência.
Coimbra,
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