Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3556/06.0TBLRA-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: RECLAMAÇÃO DE CRÉDITOS
ACÇÃO EXECUTIVA
PATROCÍNIO JUDICIÁRIO
PEDIDO DE APOIO JUDICIÁRIO
INTERRUPÇÃO DE PRAZO PROCESSUAL
Data do Acordão: 04/08/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE LEIRIA - 1º JUÍZO CÍVEL
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 24º, Nº 4, DA LEI Nº 34/2004,DE 29/07; 60º, Nº 2, DO CPC
Sumário: I – Nos termos do artº 24º, nº 4, da Lei nº 34/2004, de 29/07 (que regula o regime de acesso ao direito e aos tribunais), quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência da acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo.

II - Assim, para que um prazo processual em curso fique interrompido e um interessado possa intervir assistido por mandatário forense, basta que, antes do decurso desse prazo, dê entrada em tribunal, onde corre essa acção, de documento comprovativo de ter solicitado a nomeação de patrono oficioso no âmbito do apoio judiciário.

III – Nos termos do artº 60º, nº 2, do CPC, no apenso de verificação de créditos o patrocínio de advogado só é necessário quando seja reclamado algum crédito de valor superior à alçada do tribunal da comarca e apenas para apreciação dele.

IV – É entendimento pacífico que no apenso de reclamação e de verificação de créditos o patrocínio judiciário só se torna obrigatório nos casos em que exista litígio sobre algum dos créditos reclamados, ou seja, tal patrocínio não é obrigatório para a reclamação dos créditos em si, mas tão só para a sua impugnação, para a resposta à mesma e para os seus termos posteriores (e pressupondo que o valor de algum dos créditos reclamados exceda o valor da alçada do tribunal de comarca).

Decisão Texto Integral: Acordam neste Tribunal da Relação de Coimbra
I- Relatório
1. A..., na qualidade de executada, interpôs recurso da sentença que reconheceu e graduou os créditos proferida nos autos de reclamação de créditos que correm os seus termos, por apenso à execução comum autuada nº 3556/06.0TBLRA, no 1º Juízo Cível do Tribunal da Comarca de Leiria.

2. Recurso esse que foi recebido como apelação, tendo a apelante concluído as correspondentes alegações nos seguintes termos:
I - Por d. sentença de fls. decidiu o Exmo. Juiz a quo dar como verificados os créditos reclamados pelo Ministério Publico em nome da Fazenda Nacional no montante global de € - 38.577,02;
II - A referida sentença foi fundamentada no facto de a ora alegante, não ter deduzido oposição à reclamação de créditos. Sucede porém que
III – Nos termos do N. 2 do Art. 60º do C.P.C e porque os créditos reclamados eram de valor superior à alçada do tribunal de comarca, era obrigatória a constituição de advogado pela executada, mas
IV - Facto é que aquando da sua notificação da reclamação de créditos sub judice, em 14 de Março de 2007, o ora alegante ainda não havia constituído advogado, e
V – Por não ter compreendido o alcance da notificação na parte que referia “se o(s) valor(es) do(s) crédito(s) impugnado(s) for superior à alçada do tribunal de comarca é obrigatória a constituição de advogado (art.º 60º n.º 1 e 2 do CPC)”, e
VI - Porque não tinha dinheiro que lhe permitisse custear uma consulta jurídica dirigiu-se, em 29 de Março de 2007 à Segurança Social de Leiria onde requereu que lhe fosse concedido apoio judiciário nas modalidades de nomeação de patrono e dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos do processo.
VII – Sendo tal pedido foi deferido, e a Segurança Social informado o tribunal desse facto em 03 de Maio de 2007, sendo que
VIII - A delegação de Leiria da Ordem dos Advogados procedeu à nomeação do defensor oficioso em 14 de Maio de 2007.
IX - Tendo o ora signatário sido notificado da referida nomeação no dia 16 de Maio de 2007.
X - Verifica-se pois que a constituição – obrigatória - de advogado no processo sub judice apenas ocorreu em 16 de Maio de 2007, contudo
XI - Nessa data já havia sido proferida sentença de verificação e graduação de créditos, a qual foi notificada à executada em 21 de Maio de 2007, nunca o defensor nomeado, ora signatário, foi notificado da mesma, pelo que
XII - Aquando da constituição de advogado já há muito havia precludido o prazo para impugnação dos créditos reclamados,
XIII - Ora, como ensina Manuel de Andrade: “ A lei considera que, tratando-se de causas de certo tipo ou de certo valor, é do interesse público e do interesse das próprias partes que estas sejam representadas em juízo por profissionais do foro: do interesse publico, porque a boa administração da justiça exige que o pleito seja conduzido de modo competente, praticando as partes, em termos adequados, os actos processuais da sua responsabilidade, do interesse das próprias partes, porque a estas faltam, em regra, conhecimentos técnicos necessários à boa condução da causa e falta, seguramente, a serenidade desinteressada que essa boa condução do litigio exige “ - in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1956, pg. 85
XIV - E não existem dúvidas que ao dirigir-se à Segurança Social para que lhe fosse nomeado defensor oficioso a ora alegante pretendia fazer valer-se dos seus direitos e designadamente impugnar os créditos reclamados pela Fazenda Nacional, sendo que
XV - Tal direito foi-lhe negado ao ser proferida a sentença sub judice, é que
XVI - A ora alegante, no decorrer do prazo para impugnação dos créditos reclamados, encontrava-se à espera que a Segurança Social lhe concedesse apoio judiciário para que lhe fosse nomeado advogado, e
XVII - Facto é que a para que o processo prosseguisse os seus trâmites normais, e designadamente para que os créditos fossem verificados e graduados pelo Juiz a quo - como foram - era necessário que a ora alegante tivesse representada por advogado ( cfr. N. 1 e 2 do Art. 60 do C.P.C ). Acresce que
XVIII - Ao proceder-se à verificação e graduação dos créditos sem que a ora alegante tivesse advogado constituído violou-se o seu direito fundamental de Acesso ao direito e tutela Jurisdicional efectiva consagrado no Art. 20 da Constituição da República Portuguesa.
Sem prescindir, dir-se-á por ultimo que
XIX - Face ao teor da notificação recebida, nunca se poderá considerar que a executada bem sabia que tinha que constituir de imediato advogado, não obstante
XX - E porque nunca lhe foi estabelecido nenhum prazo para o efeito – em violação do disposto
no Art. 33 do C.P.C – a ora alegante decidiu, por si, procurar ajuda jurídica tendo-se dirigido à Segurança Social para que lhe fosse nomeado advogado.
XXI - Verifica-se pois que houve por parte do Tribunal a quo defeituosa interpretação e aplicação da Lei e designadamente dos Arts. 33º; 60º ambos do C.P.C e do Art. 20 da C.R.P
Termos em que R. a V.Exas seja dado provimento ao presente recurso, e, em consequência, seja, nos termos do Art. 33 do C.P.C, a d. sentença revogada e substituída por outra que absolva a executada da instância.

3. A Digna Magistrada do MºPº contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso e pela manutenção do julgado.

4. Corridos que foram os vistos legais, cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.
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II- Fundamentação
A) De facto.
Com interesse para a compreensão e decisão do presente recurso importa atender aos seguintes factos (extraídos das peças e documentos que acompanharam os presentes autos) a dar como assentes:
1. O processo de execução para pagamento de quantia certa referido no nº 1 do ponto I, foi instaurado, na qualidade de exequente, por B..., contra A..., na qualidade de executada e devedora na quantia ali reclamada.
2. Após a penhora dos bens móveis ali levada a efeito, a Digna Magistrada do MºPº, veio, à luz do artº 865 do CPC, por apenso à sobredita execução reclamar os seguintes créditos da Fazenda Nacional:
a) Um, no montante de € 1.797,97, proveniente de dívida do imposto Especial do Álcool do ano de 1997, acrescido dos respectivos juros de mora, contados desde 12/10/98, no montante de € 143, 83;
b) Outro, no montante de € 33.921,47, provenientes de imposto sobre bebidas alcoólicas do ano de 1997, acrescido dos respectivos juros de mora, contados desde 12 de Outubro de 1998, no montante de € 2 713, 75.
3. Datada de 13/3/2007, foi enviada carta registada, com AR, à executada a notificá-la da apresentação daquela reclamação (tendo ali sido identificado o processo e o tribunal a que respeitava), constando ainda do teor dessa carta o seguinte:
a) Que ficava ainda a executada notificada para, no prazo de 15 dias, a contar dessa notificação, impugnar, querendo, os créditos reclamados.
b) Que esse prazo era contínuo, suspendendo-se, no entanto, durante as férias judiciais e que terminando em dia que os tribunais estiverem encerrados, se transferia então esse prazo para o primeiro dia útil seguinte.
c) Efeito cominatório: Na falta de impugnação dos créditos, considerar-se-ão reconhecidos os créditos e as respectivas garantias reais.
d) Constituição de mandatário: Se o valor dos créditos impugnados for superior à alçada do tribunal da comarca é obrigatória a constituição de advogado (artº 60, nºs 1 e 2 do CPC).
c) Juntam-se para os efeitos legais.
4. O AR dessa carta de notificação foi assinado em 15/03/2007.
5. Em 04/05/2007, foi proferida sentença na qual se reconheceu, por não terem sido impugnados, desde logo os créditos reclamados, tendo-se depois passado à graduação desses créditos e do crédito exequendo, nos termos em que ali se deixaram exarados.
6. Em 03/05/2007 deu entrada na secretaria do tribunal, o documento de fls. 14/16, emanado do Centro Distrital de Segurança Social de Aveiro, notificando o tribunal de que, na sequência de requerimento ali apresentado para o efeito em 29/03/2007, fora ali proferida decisão (que foi junta), em 24/04/2007, a conceder à executada o beneficio de apoio judiciário nas modalidades de dispensa de pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo (a que se reportam os presentes autos) e bem assim de nomeação de patrono e pagamento dos honorários ao mesmo.
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B) De direito.
É sabido que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se fixa e delimita o seu objecto.
Ora, compulsando as conclusões das alegações do presente recurso verifica-se que a apelante não ataca directamente a sentença proferida sobre o mérito da causa, antes se insurgindo contra questões procedimentais ou processuais. No fundo, alega que não percebendo totalmente o alcance do teor da notificação que recebeu do tribunal mas pretendendo deduzir impugnação aos créditos reclamados, e não dispondo de condições económicas para constituir advogado, dirigiu-se à Segurança Social solicitando que lhe fosse concedido apoio judiciário nas modalidades de dispensa de pagamento de custas e bem assim de nomeação de patrono, o que lhe veio a ser deferido. Porém, quando lhe foi nomeado o requerido patrono já havia decorrido o prazo legal para deduzir a impugnação aos créditos reclamados, tendo entretanto também já sido proferida sentença a reconhecer e a graduar os mesmos. Pelo que lhe foi negado o seu direito de defesa, sendo certo ainda que sendo no caso obrigatória a constituição de advogado, não deveria ter sido proferida a referida sentença sem se mostrar constituído nos autos advogado a favor da ora apelante.
Como decorre da matéria factual acima descrita, facilmente se verifica que a notificação à executada/ora apelante (então sem mandatário constituído nos autos) a dar-lhe conta da apresentação da reclamação de créditos, pelo MºPº em representação da Fazenda Nacional, e para, querendo, dela se defender, foi feita com a estrita observância do ritualismo legal estipulado para o efeito (cfr., nomeadamente, artºs 866, nºs 1 e 2, 255, nº 1, e 235 do CPC).
Convém ainda salientar que – como decorre igualmente da matéria factual supra descrita - quando a apelante se dirigiu à Segurança Social a fim de solicitar o apoio judiciário nas modalidades acima referidas (sendo certo que o poderia ainda ter feito na modalidade de consulta jurídica) já o fez no último dia dos 15 legalmente previstos, e que lhe foram indicados, para poder apresentar a sua defesa, e particularmente para deduzir impugnação à aludida reclamação de créditos.
Não obstante tal, para que tal prazo ficasse inutilizado e pudesse desfrutar da plenitude do prazo legal concedido para o efeito, a fim de puder organizar a sua defesa devidamente assistido por mandatário forense, bastaria tão só que, antes do decurso do referido prazo, tivesse feito dar entrada no tribunal, onde corre a acção em causa, documento comprovativo de ter solicitado a nomeação de patrono oficioso no âmbito de apoio judiciário. Na verdade, dispõe, a esse propósito, o artº 24, nº 4, da Lei nº 34/2004 de 29/7 (que regula o regime de acesso ao direito e aos tribunais) que “quando o pedido de apoio judiciário é apresentado na pendência da acção judicial e o requerente pretende a nomeação de patrono, o prazo que estiver em curso interrompe-se com a junção aos autos do documento comprovativo da apresentação do requerimento com que é promovido o procedimento administrativo”.
Ora, não tendo a executada/apelante feito juntar aos autos, durante o prazo legal incurso para deduzir impugnação aos créditos reclamados, documento comprovativo da apresentação de requerimento a solicitar a nomeação de patrono no âmbito do apoio judiciário, aquele prazo legal continuou a decorrer, sem se interromper, pelo que quando tal prova foi junta já muito havia decorrido o referido prazo, pelo que nada impedia que tivesse sido proferida, nos termos em que o foi, a sentença recorrida.
Diga-se ainda que, tal como resulta do artº 6 do Código Civil, a ignorância da lei não justifica a falta do seu cumprimento e nem isenta as pessoas das sanções (incluindo as processuais) nelas previstas.
Defende ainda a apelante (expressa ou implicitamente) que dado estar-se perante uma situação em que é obrigatória a constituição de advogado, não poderia ter sido proferida sentença sem tal constituição se mostrar efectuada, e, consequentemente, não poderia o srº juiz a quo desde logo ali considerar como reconhecidos os créditos reclamados.
Dispõe o artigo 60, nº 2, do CPC que “no apenso de verificação de créditos, o patrocínio de advogado só é necessário quando seja reclamado algum crédito de valor superior à alçada do tribunal da comarca e apenas para apreciação dele.”
Na interpretação que vem sendo feita de tal normativo, vem constituindo entendimento praticamente pacífico que no apenso de reclamação e verificação de créditos o patrocínio judiciário só se torna obrigatório nos casos em que exista litígio sobre algum dos créditos reclamados, ou seja, tal patrocínio não é obrigatório para a reclamação dos créditos em si, mas tão só para a sua impugnação, para a resposta à mesma e para os seus termos posteriores (e pressupondo sempre, naturalmente, e como primeiro requisito, que o valor de algum dos créditos reclamados exceda o valor da alçada do tribunal de comarca). Pelo que não havendo impugnação dos créditos, funciona o princípio do cominatório pleno consagrado no artº 868, nº 4, do CPC, no sentido de automaticamente se terem por reconhecidos os créditos reclamados.
Vem também constituindo entendimento pacífico que, por um lado, o citado artº 60 constitui uma norma especial em relação à norma geral do artigo 30 do CPC e, por outro lado, que essa norma especial não derroga a al. c) do último normativo, onde se estatui, nomeadamente, a obrigatoriedade de constituição de advogado nos recursos (independentemente do tipo de causa ou processo a que digam respeito).
Vidé a tal propósito, e no sentido defendido, o prof. Lebre de Freitas, in “A Acção Executiva, 4ª ed., Coimbra Editora 2004, págs. 134 e 319”; o cons. Amâncio Ferreira, in “Curso de Processo de Execução, 2005, 8ª. ed., Almedina, págs. 64 e 314/315”; o cons. Lopes Cardoso, in “Manual da Acção Executiva, 3ª ed., págs. 147 e 518” e cons. Rodrigues Bastos, in “Notas aos Código de Processo Civil, vol. 1º, pág. 172”.
Logo, e não obstante os créditos reclamados pelo MºPº ultrapassarem claramente o valor da alçada do tribunal da 1ª instância, não tendo sido deduzida, no prazo legal fixado para o efeito, qualquer impugnação aos créditos reclamados, não só não se tornava então obrigatória a existência de patrocínio judiciário como nenhum obstáculo legal existia a que fosse proferida, como foi, sentença de reconhecimento (e graduação) daqueles créditos.
Por fim, diremos ainda que, face a tudo o exposto, não vislumbramos que tenha sido violado no caso qualquer preceito constitucional, e nomeadamente o direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional consagrado no artº 20 da nossa Carta Fundamental e que foi invocado pela apelante.
Termos, pois, em que se julga improcedente o recurso, confirmando-se a sentença da 1ª instância.
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III- Decisão
Assim, em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença da 1ª instância.
Custas pela apelante – muito embora se deve tomar em atenção que a mesma goza, até ao momento, do benefício de apoio judiciário, além de outra, em tal modalidade.
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Baixados os autos à 1ª instância, deverão oportunamente os autos ser conclusos ao srº juiz do processo a fim de fixar os honorários ao ilustre patrono nomeado à executada/apelante no âmbito do apoio judiciário.
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Coimbra, 2008/04/08