Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2055/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARTUR DIAS
Descritores: ADVOGADO; CERTIDÃO
Data do Acordão: 10/12/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE POMBAL
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTº 1º DO DEC. LEI Nº 28/2000, DE 13/03; ARTºS 199º, 1052º E 1326º DO CPC; ARTº 225º, Nº 1 DO CSC.
Sumário: I- A competência atribuída pelo Dec. Lei nº 28/2000, de 13/03, às entidades indicadas nos nºs 1 e 3 do respectivo artº 1º é idêntica à que o artº 171º do Código do Notariado antes atribuía exclusivamente aos Notários, nada permitindo dela excluir os documentos emanados das entidades públicas. II- Salvo diferente estatuição do contrato de sociedade (artº 225º, nº 1 do CSC), a transmissão por morte de quotas sociais, inexistindo acordo dos herdeiros, faz-se através de partilha em processo de inventário e não através de acção de divisão de coisa comum.
III- Sendo indevidamente usada a acção de divisão de coisa comum, há erro na forma do processo e, porque nenhum acto processual pode ser aproveitado, impõe-se a absolvição dos RR. da instância.
Decisão Texto Integral: Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:


1. RELATÓRIO
A.... e mulher B..., ele empresário e ela doméstica, residentes na Av. Comendador Raul Tomé Feteira, nº 20, 3100 – 863 Guia, Pombal, intentaram acção especial de divisão de coisa comum contra C... e marido D...e E..., sociedade comercial por quotas, com sede em Guia, Pombal, visando a divisão das quotas sociais de que eram titulares F... e mulher G... na sociedade R..
Para tanto, alegaram, em síntese, que o A. A... e a R. C... são os únicos e universais herdeiros de seus pais, já falecidos, F... e mulher G..., os quais eram titulares, o primeiro, de uma quota de esc. 5.500.000$00, e a segunda, de uma quota de esc. 2.000.000$00, na sociedade comercial E...; e que, não pretendendo os AA. manter a indivisão, nem havendo acordo com os RR. para a mesma, não lhes restou outra alternativa senão o recurso ao tribunal.
Com a petição inicial juntaram os AA., para além de outros documentos, fotocópias – certificadas “nos termos do artº 1º, nºs 2, 3 e 4, do D. L. nº 28/2000, de 13/03”, pelo respectivo mandatário, Dr. Gualter Santos – de certidões de duas escrituras de habilitação de herdeiros lavradas no Cartório Notarial de Soure.
Os RR. contestaram, arguindo a ilegitimidade da R. E..., por não ter interesse na acção nem contra ela ter sido formulado qualquer pedido, e erro na forma do processo, por as quotas em causa, conjuntamente com muitos outros bens, fazerem parte das heranças ainda indivisas dos falecidos Orlindo e Emília, sendo o inventário o processo adequado.
Os AA. responderam pugnando pela legitimidade da R. sociedade e sustentando que o processo é o apropriado.
Por despacho de fls. 84 a 86, foram mandadas desentranhar e entregar aos apresentantes as fotocópias das certidões das escrituras de habilitação certificadas pelo mandatário dos AA., ao qual se não reconheceu competência para fazer a certificação.
Ainda pelo mesmo despacho, deu-se razão aos RR. no tocante ao invocado erro na forma do processo e, considerando-se não ser aproveitável sequer a petição inicial, foram os RR. absolvidos da instância.
Irresignados, os AA. interpuseram recurso que foi admitido na 1ª instância como apelação, mas corrigido nesta Relação para agravo.
Na alegação apresentada os recorrentes formularam as conclusões seguintes:
1a) O DL n° 28/00, de 13 de Março, introduziu mecanismos de simplificação de actos, atribuindo competência aos advogados, para a conferência de fotocópias, com os originais dos documentos.
2a) Como o DL n° 244/92, de 29 de Dezembro conferiu aos advogados, competência para certificação em conformidade de fotocópia, com os originais que sejam apresentados para esses efeitos.
3a) No caso, os documentos certificados, referem-se a duas escrituras públicas lavradas no Cartório Notarial de Soure, a certificação obedeceu a todos os requisitos estatuídos no art. 1°, n° 1 e 3 do citado DL n° 244/92.
4a) A certificação de tais documentos, ocorreu por entidade com competência para o efeito.
5ª) Os AA., por isso, não praticaram incidente ou processado anómalo.
6ª) Não haverá fundamento para que fosse ordenado o desentranhamento dos autos daqueles documentos.
7a) Como não havia lugar à tributação de 1,5 U de taxa de justiça, por custas de incidente.
8a) O n° 2 do art. 11° do pacto social da Sociedade Comercial por Quotas, denominada Orlindo Crespo Pedrosa, Lda prevê: No caso de morte, os herdeiros do falecido, procederão à divisão da quota entre eles ou nomearão um que a todos represente na Sociedade enquanto a quota se mantiver indivisa.
9a) Os falecidos Orlindo e Emília eram sócios da dita sociedade, tendo cada um uma quota na participação do capital social, respectivamente, de 5.500.000$00 e 2.500.000$00.
10a) O A. marido e a R. mulher, são os únicos herdeiros dos falecidos Orlindo e Emília, conforme habilitação notarial junta.
11a) Os mesmos não estão de acordo, quanto à divisão daquelas quotas sociais dos pais, ainda indivisas.
12a) As quotas são susceptíveis de divisão.
13a) A forma de processo de divisão de coisa comum ou em comunhão de quaisquer direitos previstos, é o especial, cujo regime está contido nos arts. 1.052 e ss. do CPC.
14a) Os AA. pretendem respeitar a condição convencionada e estabelecida no pacto social.
15ª) A divisão em causa, de quotas sociais, não implica, nem teria de se realizar, necessariamente, em partilha judicial ou extrajudicial, das heranças deixadas por óbito dos ascendentes Orlindo e Emília.
16a) Também, os preceitos ou comandos legais aplicáveis, não o determinaram ou impõem.
17a) Ainda que assim se não entendesse, sem condescender ou conceder, o erro cometido na forma de processo, importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados.
18ª) A douta decisão proferida, não fez a correcta e boa observância dos ditames legalmente previstos.
19a) Por erro de interpretação e/ou aplicação não foram, por isso, devidamente considerados, de entre outros, os comandos dos arts. 221°, 225° do CSC; arts. 1.412, n° 1, 1.413, n° 1 do CC; arts. 199, 1.052 e ss. do CPC; DL n° 28/00, de 13 de Março e DL n° 244/92, de 29 de Dezembro.
Os recorridos não responderam.
Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
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2. QUESTÕES A SOLUCIONAR
Tendo em consideração que, de acordo com os artºs 684º, nº 3 e 690º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, é pelas conclusões da alegação do recorrente que se define o objecto e se delimita o âmbito do recurso, constata-se que à ponderação e decisão deste Tribunal foram colocadas duas questões: (1) uma é a de saber se o mandatário dos AA. tinha ou não competência para certificar as fotocópias das certidões das escrituras públicas de habilitação de herdeiros; (2) outra é a de saber se houve ou não erro na forma de processo e, no caso afirmativo, se era ou não possível aproveitar quaisquer actos.
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3. FUNDAMENTAÇÃO
3.1. De facto
Os elementos de facto relevantes para a decisão são os que resultam do relatório antecedente, que aqui se dá por reproduzido, e ainda os seguintes:
3.1.1. A fls. 7 e 8 dos autos encontra-se junta fotocópia de certidão Extraída, em 04/07/1990, de fls. 75-vº a 76 do Livro de Notas para Escrituras Diversas nº 135. de uma escritura pública de habilitação de herdeiros, lavrada no dia 04/07/1990, no Cartório Notarial de Soure, de acordo com a qual os únicos e universais herdeiros de Orlindo Crespo Pedrosa, falecido no dia 02/03/1990, são a viúva, Emília Teodósio Pedrosa, e os filhos, Maria Celeste Teodósio Crespo Pedrosa Duarte e António Teodósio Crespo Pedrosa;
3.1.2. A fls. 10 e 11 dos autos encontra-se junta fotocópia de certidão Extraída, em 17/05/1994, de fls. 36-vº a 37-vº do Livro de Notas para Escrituras Diversas nº 166-B. de uma escritura pública de habilitação de herdeiros, lavrada no dia 17/05/1994, no Cartório Notarial de Soure, de acordo com a qual os únicos e universais herdeiros de Emília Teodósio Pedrosa, falecida no dia 13/03/1994, são os filhos, Maria Celeste Teodósio Crespo Pedrosa Duarte e António Teodósio Crespo Pedrosa;
3.1.3. A conformidade das fotocópias referidas nos dois pontos anteriores com os originais encontra-se certificada, a fls. 6 e 9, respectivamente, pelo ilustre mandatário dos AA.;
3.1.4. Das certificações consta, além do mais, a declaração de que as fotocópias estão conformes com os originais, o local (Pombal), a data (1 de Fevereiro de 2001), o nome e assinatura do autor das certificações (Dr. Gualter Santos), o carimbo profissional deste e a seguinte frase: “Fotocópia certificada, com o valor do documento original, nos termos do art. 1º, nºs 2, 3 e 4, do D. L. nº 28/2000, de 13/03”;
3.1.5. Na Conservatória do Registo Comercial de Pombal, com o nº 109/901026, encontra-se matriculada a sociedade comercial por quotas “Orlindo Crespo Pedrosa, Lda”, cujo objecto é a exploração da indústria e comércio de madeiras, com o capital social de esc. 49.879,79 euros, representado por três quotas, uma de 12.469,95 euros, pertencente ao A. António Teodósio Crespo Pedrosa, outra de 27.433,88 euros que pertenceu a Orlindo Crespo Pedrosa e a terceira de 9.975,96 euros, que pertenceu a Emília Teodósio Pedrosa;
3.1.6. Do registo consta que as quotas que foram de Orlindo Crespo Pedrosa e de Emília Teodósio Pedrosa pertencem, em comum e sem determinação de parte ou direito, a António Teodósio Crespo Pedrosa e a Maria Celeste Teodósio Crespo Pedrosa Duarte;
3.1.7. De acordo com o nº 2 do artº 11º do pacto social da sociedade “Orlindo Crespo Pedrosa, Lda”, no caso de morte, os herdeiros do falecido procederão à divisão da quota entre eles ou nomearão um que a todos represente na sociedade, enquanto a quota se mantiver indivisa”;
3.1.8. As heranças abertas por óbito de Orlindo Crespo Pedrosa e Emília Teodósio Pedrosa não foram ainda objecto de partilha e delas fazem parte, além das quotas sociais referidas nos pontos antecedentes, outros bens.
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3.2. De direito
3.2.1. Competência para certificar a conformidade dos documentos com os respectivos originais
Como do respectivo preâmbulo consta, o Decreto Lei nº 28/2000, de 13/03, com vista a introduzir mecanismos de simplificação na certificação de actos, admitindo formas alternativas de atribuição de valor probatório a documentos, deu competência para a conferência de fotocópias a entidades que reúnem, no entender do legislador, condições para, com maior rapidez, facilitar o acesso dos particulares a esse serviço, garantindo simultaneamente o rigor e a certeza dos actos praticados.
Nesse sentido, estipula o artº 1º do indicada diploma legal:
1- Podem certificar a conformidade de fotocópias com os documentos originais que lhes sejam apresentados para esse fim as juntas de freguesia e o operador de serviço público de correios, CTT-Correios de Portugal, S. A.
2- Podem ainda as entidades referidas no número anterior proceder à extracção de fotocópias dos originais que lhes sejam presentes para certificação.
3- Querendo, podem as câmaras de comércio e indústria reconhecidas nos termos do Decreto-Lei n.° 244/92, de 29 de Dezembro, os advogados e os solicitadores praticar os actos previstos nos números anteriores.
4- Em concretização das faculdades previstas nos números anteriores, é aposta ou inscrita no documento fotocopiado a declaração de conformidade com o original, o local e a data de realização do acto, o nome e assinatura do autor da certificação, bem como o carimbo profissional ou qualquer outra marca identificativa da entidade que procede à certificação.
5- As fotocópias conferidas nos termos dos números anteriores têm o valor probatório dos originais.
Na decisão recorrida, após referência ao artº 1º do Dec. Lei nº 28/2000, à natureza e valor probatório das escrituras públicas e ao estatuído nos artºs 164º, nº 1 do Cód. de Notariado e 383º, nº 1, 384º e 387º, nº 1 do Cód. Civil, escreveu-se:
“Assim sendo, afigura-se que está excluída do n.° 1, do art.° 1.° do Decreto-Lei n.° 28/2000, de 13 de Março, a possibilidade de as juntas de freguesia, o operador do serviço público de correios, “CTT - Correios de Portugal, S.A.”, as câmaras de comércio e indústria reconhecidas nos termos do Decreto-Lei n.° 244/92, de 29 de Dezembro, os solicitadores e os advogados certificarem fotocópias com documentos arquivados em repartições notariais ou em quaisquer outras repartições públicas.
Acresce que não se vislumbra como pode uma dessas entidades atestar que certificou uma fotocópia com o respectivo original quando este, por definição, se encontra arquivado numa repartição notarial ou noutra repartição pública.
Sempre se dirá que tal dificuldade será ainda mais evidente quando, como acontece no presente caso, a repartição notarial onde se encontra arquivado o original do documento se situa numa localidade diferente daquela outra onde, alegadamente, o teor de uma fotocópia teria sido com ele confrontada.
Nem se diga que o texto do art.° 1.°, n.° 1, do referido diploma tem que ser interpretado em termos hábeis permitindo o entendimento segundo o qual as entidades aí definidas poderiam certificar a conformidade de fotocópias com qualquer documento que lhe fosse apresentado para esse fim, fosse este o próprio original, uma certidão ou uma mera fotocópia.
(...)
Ora, como resulta de forma inequívoca da conjugação dos vários preceitos legais citados, o legislador reservou a expressão “originais” para os objectos tal como foram elaborados pelo homem com o fim de reproduzir ou representar uma pessoa, coisa ou facto e que não sejam reproduções ou imitações, embora sejam susceptíveis de serem representados ou imitados.
Deste modo, a certificação dos documentos juntos ocorreu por entidade que não possui competência para o efeito.”
Os recorrentes discordam.
E, a nosso ver, com razão.
Com efeito, salvo sempre o devido respeito, nem a letra nem o espírito do artº 1º do Dec. Lei nº 28/2000 permitem a interpretação restritiva feita na decisão sob recurso.
A ser dada à expressão “originais” a interpretação ali defendida, o alcance do Dec. Lei nº 28/2000 ficaria reduzido à atribuição às entidades nele referidas de competência para certificarem fotocópias de documentos particulares, já que os originais dos documentos públicos se encontram guardados nos respectivos Serviços, não se vislumbrando qual a vantagem, quer em termos de facilidade de acesso, quer em termos de rapidez, em, sendo isso possível, transportar esses originais, para certificação, às instalações das entidades em causa ou em, com a mesma finalidade, providenciar a deslocação destas aos Serviços referidos.
A expressão “originais” não pode, pois, deixar de ser entendida apenas como os documentos dos quais foram extraídas as fotocópias apresentadas pelos interessados para efeitos de certificação, incluindo, obviamente, os documentos emitidos pelas entidades públicas.
A competência atribuída pelo Dec. Lei nº 28/2000 às entidades indicadas nos nºs 1 e 3 do respectivo artº 1º é idêntica à que o artº 171º do Cód. do Notariado antes atribuía exclusivamente aos notários, nada permitindo dela excluir os documentos emanados das entidades públicas No sentido indicado, cfr. Acórdãos da Relação de Lisboa de 20/06/2002 (Relator: Des. Urbano Dias), 20/06/2002 (Relator: Des. Moreira Camilo), 26/09/2002 (Relatora: des. Tereza Prazeres Pais) e de 04/12/2003 (Relator: Des. Farinha Alves, todos em www.dgsi.pt/jtrl.
Não encontrámos qualquer decisão dos tribunais superiores em sentido contrário..
A certificação feita pelo mandatário dos AA. limita-se a declarar a conformidade das fotocópias com as certidões que lhe foram apresentadas, sendo que estas, por sua vez, provam a existência das escrituras respectivas no Cartório, Livro e Folhas indicados. Valor probatório que, mercê do nº 5 do artº 1º do Dec. Lei nº 28/2000, se transfere para as fotocópias conferidas.
Contrariamente ao entendimento expresso na decisão recorrida, afigura-se-nos que o mandatário dos AA. tinha competência para as certificações que fez, não havendo razões para o desentranhamento e entrega aos apresentantes dos documentos juntos de fls. 6 a 11, os quais deverão permanecer nos autos.
Nesta parte reconhece-se, portanto, razão aos recorrentes.
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3.2.2. Forma do processo
Di-lo a decisão sob recurso, temo-lo como certo e seguro – e os recorrentes não parecem pô-lo em causa – que a comunhão pressuposto da acção de divisão de coisa comum e a comunhão pressuposto do inventário são realidades distintas.
A acção de divisão de coisa comum, regulamentada nos artºs 1052º e seguintes do Cód. Proc. Civil, traduz a adjectivação do direito de exigir a divisão, conferido pelo artº 1412º do Cód. Civil aos comproprietários e, sem prejuízo do disposto especialmente para cada um deles, aos comungantes de quaisquer outros direitos a cuja comunhão sejam aplicáveis, nos termos do artº 1404º, as regras da compropriedade.
O inventário, regulamentado nos artºs 1326º e seguintes do Cód. Proc. Civil, é o processo judicial através do qual qualquer co-herdeiro ou o cônjuge meeiro, inexistindo acordo de todos os interessados ou nos casos previstos no artº 2102º, nº 2 do Cód. Civil, tem o direito de exigir a partilha da herança.
O direito dos herdeiros e do cônjuge meeiro relativamente aos bens da herança não pode ser confundido com a figura da compropriedade nem integra uma situação de comunhão à qual, ao menos no tocante à forma de a extinguir, as regras daquela sejam aplicáveis.
É questão indiscutível e indiscutida que os herdeiros e o cônjuge meeiro têm direito a uma quota ideal da herança, sem que tenham necessariamente direito a uma quota ideal de todos e cada um dos bens que a compõem. Com efeito, teoricamente, a quota ideal de cada um dos interessados na herança, em função da partilha, tanto pode vir a ser integrada por uma quota ideal de todos e cada dos bens, como pela totalidade de alguns dos bens, como até exclusivamente por tornas.
Antes da partilha não há compropriedade. Depois da partilha é que a poderá haver, como resulta do que se afirmou e expressamente prevê o artº 1052º, nº 2 do Cód. Proc. Civil, ao aludir a «compropriedade que tenha origem em inventário judicial».

No caso de a herança ser integrada, total ou parcialmente, por títulos de crédito – aí se incluindo, além da acções e obrigações, as quotas dos sócios nas sociedades por quotas – continua a ser o inventário o processo apropriado para a partilha, como resultava dos artºs 1337, nº 1 e 1338º, nº 1, al. e) do Cód. Proc. Civil, na redacção anterior ao Dec. Lei nº 227/94, de 08/09 e resulta actualmente, ainda que de forma menos clara, dos artºs 1345º, nº 1 e 1346º, nº 3, al. b) do mesmo diploma legal.
Contudo, o artº 225º, nº 1 do Código das Sociedades Comerciais (CSC) prevê que o contrato de sociedade pode estabelecer que, falecendo um sócio, a respectiva quota não se transmita aos sucessores do falecido, podendo também condicionar a transmissão a certos requisitos, mas sempre com observância do disposto nos números seguintes. E, nesses números, começa por impor-se que, em tal caso, a sociedade deve, no prazo de 90 dias e sob pena de a quota se considerar transmitida, amortizar, adquirir ou fazer adquirir por terceiro a quota do sócio falecido, estabelecendo-se, depois, as regras relativas à aquisição da quota e as sanções para a sua inobservância.
De resto, a possibilidade de transmissão da quota através de partilha resulta também do disposto no artº 221º, nº 1 do CSC – que os recorrentes, cremos que sem razão, invocam para sustentarem tese contrária – onde se preceitua que uma quota só pode ser dividida mediante amortização parcial, transmissão parcelada ou parcial, partilha ou divisão entre contitulares Se a contitularidade resultar de chamamento à mesma herança, em caso de falta de acordo, a quota será (eventualmente) dividida por partilha; se resultar de compropriedade, a quota será dividida através de acção de divisão de coisa comum., devendo cada uma das quotas resultantes da divisão ter um valor nominal de harmonia com o disposto no artigo 219.°, n.° 3.

Se bem entendemos o raciocínio dos recorrentes, defendem eles que, no caso em apreço, a cláusula inserta no nº 2 do artº 11º do pacto social da sociedade “Orlindo Crespo Pedrosa, Lda”, conjugada com os artºs 221º, nº 1 e 225º, nº 1 do CSC, determinaria que, faltando o acordo dos respectivos herdeiros, a divisão das quotas dos falecidos Orlindo Crespo Pedrosa e Emília Teodósio Pedrosa devesse ser efectuada através de acção de divisão de coisa comum e não, conjuntamente com os demais bens da herança, através de inventário.
Já atrás se fez referência às normas corporizadas pelos artºs 221º, nº 1 e 225º, nº 1 do CSC, afigurando-se-nos que nenhum contributo ou achega adiantam a favor da tese defendida pelos recorrentes.
E o mesmo nos parece suceder com a cláusula integrada pelo nº 2 do artº 11º do pacto social da sociedade “Orlindo Crespo Pedrosa, Lda”, onde se determina que “no caso de morte, os herdeiros do falecido procederão à divisão da quota entre eles ou nomearão um que a todos represente na sociedade, enquanto a quota se mantiver indivisa”.
O termo «divisão», usado na transcrita cláusula – que deve ser interpretada de acordo com as regras previstas nos artºs 236º e seguintes do Cód. Civil – não pode ser entendido em sentido restrito, por forma a excluir a possibilidade de a quota ser, em partilha, adjudicada por inteiro a um dos herdeiros, antes devendo ser interpretado em sentido lato, abrangendo aquela possibilidade.
As quotas sociais dos pais do A. marido e da R. mulher na sociedade “Orlindo Crespo Pedrosa, Lda” são, a par dos demais, bens (títulos de crédito) das heranças daqueles, a relacionar e partilhar, conjuntamente, na falta de acordo, através de inventário judicial.
Concordamos, pois, nesta parte, com a decisão recorrida sendo convicção nossa que os AA., ao usarem a acção de divisão de coisa comum e não o inventário, incorreram em erro na forma de processo.

O erro na forma de processo, previsto no artº 199º do Cód. Proc. Civil, importa unicamente a anulação dos actos que não possam ser aproveitados, devendo praticar-se os que forem estritamente necessários para que o processo se aproxime, quanto possível, da forma estabelecida pela lei, não devendo, porém, aproveitar-se os actos já praticados, se do facto resultar uma diminuição de garantias do réu.
Como resulta de quanto foi já escrito, a forma de processo estabelecida na lei, atenta a pretensão dos AA., é a do processo de inventário, o qual deve ser requerido pelos interessados directos na partilha ou pelo Ministério Público, quando a herança seja deferida a incapazes, ausentes em parte incerta ou pessoas colectivas (artº 1327º, nº 1 do Cód. Proc. Civil). E no requerimento, com o qual deve ser junto documento comprovativo do óbito do autor da sucessão, terá de ser indicado quem deve, nos termos da lei civil, exercer as funções de cabeça de casal (artº 1338º, nº 1 do Cód. civil).
No caso dos autos não resulta seguro que os AA., para além da divisão das quotas sociais, pretendam a partilha da totalidade da herança, ao que acresce que não foi indicado a qual dos herdeiros legais deveria, de acordo com as regras do artº 2080º do Cód. Civil, ser deferido o cargo de cabeça de casal.
Por isso, concorda-se com a decisão recorrida também na parte em que considerou que “os requisitos que a lei processual civil estabelece para o requerimento em processo de inventário são manifestamente incompatíveis com aqueles outros exigidos para a petição inicial em acção de divisão de coisa comum, não podendo esta aproveitar-se para a subsequente tramitação daquele”.
E, face à incontornável anulação da totalidade dos actos processuais praticados, incluindo a petição inicial, a absolvição dos RR. da instância impunha-se (artºs 493º e 494º do Cód. Proc. Civil).

Nesta segunda parte, falta razão aos recorrentes.

Resta, pois, rematar no sentido de que as conclusões da alegação dos recorrentes procedem numa parte e improcedem noutra, o que conduz ao provimento parcial do agravo e à revogação, também parcial, da decisão recorrida.
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4. DECISÃO
Face ao exposto, acorda-se em conceder provimento parcial ao agravo e, consequentemente, em, confirmando-a na parte restante, revogar a decisão recorrida na parte em que ordenou o desentranhamento e entrega aos apresentantes dos documentos juntos de fls. 6 a 11 dos autos.
Custas pelos recorrentes, na proporção de metade, estando os recorridos isentos quanto à metade restante, nos termos da al. g) do nº 1 do artº 2º do Cód. Custas Judiciais.
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Coimbra,