Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
582/11.1TBCNT.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: SÍLVIA PIRES
Descritores: PERITAGEM
REMUNERAÇÃO
PERITOS
RECTIFICAÇÃO DE SENTENÇA
Data do Acordão: 11/18/2014
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE CANTANHEDE - 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PARCIALMENTE REVOGADA
Legislação Nacional: ARTº 17º, Nº 4 E TABELA IV DO REGULAMENTO DAS CUSTAS PROCESSUAIS; 613º E 614º DO NCPC
Sumário: I – A taxa de remuneração das peritagens varia em razão da complexidade e dificuldades da perícia realizada, podendo ser determinada em função das caracterís­ticas e dificuldades do serviço realizado ou do número de páginas do relatório, contendo as conclusões da peritagem, consoante os casos.

II - Segundo a tabela IV, mencionada no n.º 4 do art.º 17º do R. C. P., a remuneração por serviço pode ser fixada entre 1 e 10 UC, enquanto a remuneração por página será feita a 1/10 de UC por página.

III - Os valores máximos da tabela em causa, sem qualquer cláu­sula de salvaguarda, não permitem atribuir uma remuneração minimamente propor­cional ao serviço prestado em perícias que exijam para a sua realização conhecimen­tos técnicos que só determinadas profissões é que detêm, pela especificidade de que se revestem, ou que apresentem dificuldades resultante das análises a efectuar.

IV - A norma em causa ao fixar limites máximos de baixo valor, sem possibi­litar do juiz arbitrar montante superior, viola o princípio da proporcionalidade, o qual no domínio do processo civil tem expressão específica na exigência constitucional do processo justo e equitativo (art.º 20.º, n.º 4, da C.R.P.), na medida que em que não possibilita que a remuneração a atribuir aos intervenientes acidentais num processo não seja justa e proporcional ao serviço prestado.

V - A rectificação da sentença é permitida nos termos dos art.º 613º e 614º do Novo C. P. Civil, quanto se verifique a existência de um erro material devido a lapso manifesto.

VI - O erro material é uma modalidade de erro na declaração que dispõe de um regime específico – art.º 249º do C. Civil –, podendo ser corrigido quando revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que esta é feita.

Decisão Texto Integral:
Acordam na 3ª secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra

A Autora intentou a presente acção ordinária, contra a Ré, pedindo a con­denação da mesma a pagar-lhe a quantia global de €466.558,99, acrescida de juros de mora, à taxa legal, então de 4% ao ano, desde a citação e até efectivo e integral pagamento.

Para fundamentar a sua pretensão alegou, em síntese:

- Em 31/12/2008 celebrou com a Ré um contrato de seguro de perdas de exploração.

- No dia 04/02/2010 ocorreu um incêndio acidental nas suas instalações industriais que determinou a interrupção da sua actividade - abate de coelhos e aves e ao seu adequado embalamento -, ficando impedida de a exercer em resultado do sinistro.

- Sem a oposição da Ré, a Autora optou pela subcontratação de um outro matadouro que não tinha equipamento para desmanchar os animais abatidos, ficando a Autora obrigada, além de pagar um valor fixo por cada animal abatido, também à cedência da pele de coelho à entidade contratada, tendo a cotação deste sub-produto vindo a subir progressivamente durante o ano de 2010.

- Acordou um período de 5 meses de indemnização com a Ré por ter ficado impossibilitada de vender como coelho desmanchado os 330.030 coelhos abatidos naquela situação, o que lhe trouxe, por um lado, diminuição de despesas e, por outro lado, aumento das mesmas, tal como lhe causou diminuição dos lucros, por não ter podido vender as peles, nem as carcaças desmanchadas.

- O volume de vendas seria de mais €445.019,51, se não existisse aquela situação, a qual implicou, por outro lado, uma diminuição de consumo do material de embalagem necessária, no montante de €40.544,00, tendo a Autora pago à outra empresa € 0,40 por cada coelho abatido, despendendo €132.012,00 nisso e €12.525,60 nas deslocações dos seus trabalhadores às instalações desse outro matadouro, além de ter gasto as verbas de €31.920,00, €20.085,00 e €9.392,03, respectivamente, com transporte de animais vivos, carcaças e serviços de embalagem, vigilância e assistência técnica, poupando em consumo de energia, taxas de abate e de recolha e ainda amortizações, uma verba de €68.851,12.

- Tem por isso direito a ser indemnizada com a quantia global de €541.558,99, mas deduzindo a quantia de €75.000,00, entretanto paga pela Ré, por conta, reclama o montante de €466.558,99.

A Ré contestou, reconhecendo a sua obrigação de indemnização, discor­dando, no entanto, do seu cômputo, alegando que a Autora, em conformidade com as cláusulas do contrato de seguro, não a informou previamente das despesas prove­nientes da deslocalização da actividade.

Concluiu que a acção deverá ser julgada de acordo com a prova feita em audiência.

Foi ordenada a realização de perícia colegial para verificar os prejuízos, receitas e despesas, cujo relatório constitui  fls. 172 e segs.

Os peritos que procederam à diligência … 

Foi, por despacho proferido a 16.5.2013, fixada a remuneração aos peritos nos seguintes termos:

Fixo a remuneração devida aos Srs. Peritos em conformidade com dis­posto no artigo 17.º e Tabela IV do RCP, sendo cada página à razão de 1/10UC e 2UC a título de deslocações.

Os peritos nomeados pelo tribunal e pela Ré, inconformados com o despa­cho que lhes fixou a remuneração, interpuseram recurso, formulando as seguintes conclusões:

Concluem pela procedência do recurso, pedindo que  seja proferida deci­são que ordene o pagamento a cada um dos peritos recorrentes da quantia de € 3.060,00.

Veio a ser proferida sentença que julgou a acção nos seguintes termos:

Termos em que julgo parcialmente provada e procedente a presente acção ordinária e condeno a Ré A…, S.A., a pagar à Autora L…, S.A., a quantia de duzentos e cinquenta mil cento e trinta euros (€250.130,00), acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação.

Proferida a sentença a Autora, além de ter formulado pedido de rectifica­ção, interpôs recurso da mesma, apresentando as respectivas alegações.                           

A Ré pronunciou-se pelo indeferimento do pedido de rectificação formu­lado pela Autora e interpôs recurso de apelação, formulando as seguintes conclusões:

A Autora respondeu, defendendo a confirmação do decidido.

Na sequência de pedido de rectificação da sentença apresentado pela Autora a mesma foi alterada, passando a condenação a ser da Ré a pagar à Autora «a quantia de trezentos e oitenta e dois mil cento e quarenta e um euros e cinquenta e sete cêntimos (€382.141,57)» (mantendo-se no mais - acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação).

Na sequência da decisão que rectificou a sentença proferida a Ré veio, nos termos do disposto no art.º 614º, n.º 2, do C. P. Civil, complementar as suas alegações de recurso, nos seguintes moldes:

Conclui pedindo que o despacho rectificativo da sentença seja dado sem efeito, mantendo-se a sentença proferida por não padecer de qualquer erro material.

A Autora respondeu, defendendo a confirmação da sentença proferida com a rectificação efectuada, desistindo do recurso por si interposto.

1. Do objecto dos recursos interpostos

A Ré no recurso que interpôs, além do mais, revela a sua discordância quanto à decisão da matéria de facto, pretendendo que, após reapreciação da prova produzida, sejam alteradas as respostas dadas aos quesitos formulados na base instrutória sob os n.º 6º a 13º, julgando-se não provados os factos deles constantes.

Para fundamentar a sua pretensão a Ré convoca os depoimentos prestados pelas testemunhas ...

No que respeita às testemunhas a recorrente alega que os respectivos depoimentos se encontram gravados através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática em uso no Tribunal (H@bilus Media Studio), transcrevendo excertos dos mesmos, sem, no entanto os localizar na gravação respectiva.

Nos termos do art.º 685º-B, n.º 1 e 2, do C. P. Civil [1], o recorrente que impugne a decisão da matéria de facto em processos onde foi efectuado o seu registo, tem o ónus de, nas alegações, especificar os pontos de facto concretos que considera incorrectamente julgados e os concretos meios probatórios constantes dos autos ou do registo da prova que considera determinantes da alteração pretendida, sob pena de rejeição do mesmo.

A especificação dos concretos meios probatórios constantes da gravação deve ser acompanhada da indicação do local onde na gravação constam aqueles, com referência ao assinalado na acta, nos termos do art. 522º-C, n.º 2, do C. P. Civil.

Deste modo, não basta aos recorrentes atacar a convicção que o julgador for­mou sobre cada uma ou sobre a globalidade das provas para provocar uma alteração da decisão da matéria de facto, mostrando-se necessário que cumpra os ónus de especifica­ção impostos pelos n.º 1 e 2 do art.º 685º-B do C. P. Civil, devendo ainda proceder a uma análise critica da prova de molde a demonstrar que a decisão proferida sobre cada um dos concretos pontos de facto que pretende ver alterados, não é possível, não é plausível ou não é a mais razoável.

No caso em apreço os Recorrentes, transcrevendo excerto dos depoimen­tos prestados em audiência de discussão e julgamento que, na sua perspectiva, são aptos a provocar a modificação pretendida, limitaram-se a discordar das respostas dadas sem cumprirem o ónus de especi­ficação imposto pelo n.º 2 do art.º 685º-B do C. P. Civil, ou seja, não identificam os depoimentos das testemunhas, indicando as passa­gens exactas da gravação em que se funda a sua impugnação, sendo certo que tendo a mesma sido efectuada digitalmente, no sistema H@bilus Media Studio conforme da acta consta, tal era possível, nem fazem qualquer análise crítica dos meios de prova que, em seu entender, provocam as alterações por si pretendidas.

Assim, considerando que as alegações da Ré não dão satisfação às men­cionadas exigências legais, nos termos expostos, rejeita-se o recurso por si inter­posto no que se refere à impugnação da matéria de facto.

Por este motivo e considerando que o objecto dos recursos é delimi­tado pelas conclusões, há que apreciar as seguintes questões:

No recurso deduzido pelos peritos:

a) A remuneração aos peritos deve ser fixada no montante total de € 3.060,00 para cada um?

No recurso interposto pela Ré:

b) Não deve ser admitida a rectificação da sentença?

c) A indemnização pelos lucros cessantes deve ser calculada segundo a fórmula constante da cláusula 55ª, ponto 3.1.1. do contrato de seguro?

2. Do recurso da decisão que fixou a remuneração dos peritos

Da decisão que fixou a remuneração aos peritos em cada página à razão de 1/10UC e 2UC a título de deslocações, interpuseram recurso os peritos …, pretendendo a sua alteração, tendo em consideração a complexidade do trabalho desenvolvido, o número de deslocações que tiveram de fazer, o custo de mercado das auditorias e a especificidade dos conhecimentos exigidos, alegando, em suma, que apenas o valor de € 2.856,00, acrescido do reembolso das despesas com as deslocações é compatível com o serviço prestado por cada um deles.

Com interesse para a apreciação da questão colocada cumpre julgar pro­vada a ocorrência dos seguintes factos:

1 – A perícia ordenada pelo tribunal foi colegial e teve como objecto, em síntese apertada, a determinação do impacto das perdas sofridas pela Autora com a impossibilidade de utilizar as suas instalações para o abate de coelhos, tornando necessária a análise e tratamento da facturação da mesma.

2 – Os peritos foram unânimes em atribuir ao trabalho desenvolvido o valor de 48 UC.s, valor que engloba:

- estudo do processo

- reuniões de trabalho entre os peritos

- elaboração do relatório, face aos elementos recolhidos do relatório

- gastos administrativos.

3 – O relatório pericial é composto de 22 páginas, constituindo a 1ª delas a capa.

A fixação da remuneração aos peritos que intervenham nos processos está regulada no art.º 17º do Regulamento das Custas Processuais, o qual dispõe:

1 - As entidades que intervenham nos processos ou que coadjuvem em quaisquer dili­gências, salvo os técnicos que assistam os advogados, têm direito às remunerações previstas no presente Regulamento.

2 - A remuneração de peritos, tradutores, intérpretes, consultores técnicos e liquidatá­rios, administradores e entidades encarregadas da venda extrajudicial em qualquer processo é efectuada nos termos do disposto no presente artigo e na tabela iv, que faz parte integrante do presente Regulamento.

3 - Quando a taxa seja variável, a remuneração é fixada numa das seguintes modalida­des, tendo em consideração o tipo de serviço, os usos do mercado e a indicação dos interessados:

a) Remuneração em função do serviço ou deslocação;

b) Remuneração em função do número de páginas ou fracção de um parecer ou relatório de peritagem ou em função do número de palavras traduzidas.

4 - A remuneração é fixada em função do valor indicado pelo prestador do serviço, desde que se contenha dentro dos limites impostos pela tabela IV, à qual acrescem as despesas de transporte que se justifiquem e quando requeridas até ao encerramento da audiência, nos termos fixados para as testemunhas e desde que não seja disponibilizado transporte pelas partes ou pelo tri­bunal.

….

A taxa de remuneração das peritagens varia em razão da complexidade e dificuldades da perícia realizada, podendo ser determinada em função das caracterís­ticas e dificuldades do serviço realizado ou do número de páginas do relatório, contendo as conclusões da peritagem, consoante os casos.

Segundo a tabela IV, mencionada no n.º 4 do art.º 17º do R. C. P., a remuneração por serviço pode ser fixada entre 1 e 10 UC, enquanto a remuneração por página será feita a 1/10 de UC por página.

Na apresentação da respectiva nota de honorários os peritos, limitando-se a fazer referência aos items acima assinalados, sem qualquer concretização fáctica, exceptuando o número de deslocações, concluíram por uma remuneração de 48 UC.

A decisão recorrida reduziu o montante indicado pelos peritos, fixando-o em 1/10 UC por cada página e 2 UC de despesas com deslocações.

No presente recurso os peritos recorrentes defendem que a sua remunera­ção deveria ser fixada em 28 UC (1 UC por página), não contestando o valor atri­buído como compensação para as despesas de deslocação.

Do exposto decorre que a remuneração aos peritos prevista pelo R. C. Pro­cessuais e Tabela IV não permite que o seu pagamento seja superior, quando fixada por serviço, a 10 UC, e quando fixada em atenção às paginas do relatório, em 1/10UC, por página.

No caso que nos ocupa estamos perante uma perícia que exigiu para a sua realização conhecimentos específicos da área da contabilidade, recolha e tratamento de dados, tendo sido realizada por revisores oficiais de contas, revelando-se manifes­tamente insuficientes os valores máximos previstos naquela tabela para remunerar de uma forma minimamente condigna o serviço prestado.

Na verdade, os valores máximos da tabela em causa, sem qualquer cláu­sula de salvaguarda, não permitem atribuir uma remuneração minimamente propor­cional ao serviço prestado em perícias que exijam para a sua realização conhecimen­tos técnicos que só determinadas profissões é que detêm, pela especificidade de que se revestem, ou que apresentem dificuldades resultante das análises a efectuar para o universo dos quesitos formulados.

A norma em causa ao fixar limites máximos de baixo valor, sem possibi­litar do juiz arbitrar montante superior, viola o princípio da proporcionalidade, o qual no domínio do processo civil tem expressão específica na exigência constitucional do processo justo e equitativo (art.º 20.º, n.º 4, da C.R.P.), na medida que em que não possibilita que a remuneração a atribuir aos intervenientes acidentais num processo não seja justa e proporcional ao serviço prestado.

Este juízo de inconstitucionalidade já foi proferido pelo Tribunal Constitu­cional no Acórdão n.º 656/14 [2] que considerou violar a exigência de proporcionali­dade contida no artigo 18º, n.º 2, da C.R.P., a norma do artigo 17º, n.º 1 a 4 do Regulamento das Custas Processuais (conjugado com a Tabela IV do mesmo Regulamento) no sentido de que «o limite superior de 10 UCs é absoluto, impedindo a fixação de remuneração do Perito em montante superior».

Daí que, nos termos do art.º 204º da C. R. P., se recusa a aplicação da norma constante nos n.º 2 e 4 do art.º 17º do R. C. P. e tabela IV anexa ao mesmo, no segmento em que impede a fixação de remuneração aos peritos em montantes superiores aos que constam da referida tabela, por violação do direito a um processo justo e equitativo consagrado no art.º 20º, n.º 4, da C.R.P..

Tendo em consideração o tipo de peritagem efectuada no presente pro­cesso, afigura-se como mais adequada a remuneração pelo serviço prestado.

Afastados que estão os limites referidos no R. C. P. quanto à remuneração aos peritos, considerando o valor reclamado pelos mesmos neste recurso – 28 UC –, e os demais elementos acima mencionados, não tendo as partes colocado em crise o valor indicado por qualquer outro fundamento que não fosse a existência de limites legais, nem possuindo o tribunal elementos que nos permitam concluir que o valor peticionado é exagerado, deve a sua remuneração ser fixada em 28 UC, mantendo-se a decisão recorrida na parte em que lhes atribuiu o montante de 2 UC a título de despesas com deslocações.

Por estas razões deve este recurso ser julgado procedente, alterando-se a decisão recorrida em conformidade.

                        3. Do recurso interposto pela Ré

3.1. Da rectificação da decisão

Após prolação da sentença a Autora, invocando que a mesma padecia de manifesto erro de cálculo, consubstanciando erro material, veio nos termos do disposto nos art.º 666º, n.º 2, 667º, n.º 1 e 669º, todos do C. P. Civil, requerer a sua rectificação nos seguintes termos:

1º A Autora atribuiu à acção um valor de 466.558,99€.

2º A Autora peticionou a condenação da Ré no pagamento da quantia líquida de

541.558,99€ do que a Ré, por conta, lhe pagou já 75.000,00€.

3º Esta quantia líquida, na petição inicial, foi calculada do resultado da soma das

parcelas de

a) 132.012,00€ (entre outros os art. 57º a 59º da p. i., reflectidos nos factos nºs 4, 6, 7, 9, 10, 11 e 18 seguindo aqui a numeração da sentença)

b) 241.228,00€ (entre outros o art. 38º p. i., reflectido no facto nº 20 da sentença)

c) 203.791,51€ (entre outros o art. 53º p. i., reflectido no facto nº 12, 13, 14 e 21 da sentença)

d) 12.525,60€ (entre outros o art. 65º p. i., reflectido no facto nº 24 da sentença)

e) 31.920,00€ (entre outros o art.66º p. i., reflectido no facto nº 25 da sentença)

f) 20.085,00€ (entre outros o art. 66º p. i., reflectido no facto nº 25 da sentença)

g) 9.392,03€ (entre outros o art. 67º p. i., reflectido no facto nº 26 da sentença) abatida das parcelas de

h) 40.544,00€ (entre outros o art. 55º p. i., reflectido no facto nº 22 da sentença)

i) 68.851,12€ (entre outros o art. 70º p. i., reflectido no facto nº 27 da sentença)

4º Recalcados os valores supra apura-se, agora, um valor global líquido de 541.559,02€ (sendo a inóqua diferença de 0,03€ aqui detectada resultante da omissão, aquando do cálculo na petição inicial, dos 0,03€ da verba de 9.392,03€ …)

5º Dos factos provados nos autos, emergem os seguintes valores:

a) 132.012,00€

b) 131.913,00€

c) 203.791,51€

d) 12.525,60€

e) 31.920,00€

f) 20.085,00€

g) 9.392,03€

sendo os valores a abater de

h) 28.826,00€

i) 55.671,57€

6º A ora notificada sentença concluiu não se afigurar duvidosa a interpretação feita pela Autora, com apoio na cláusula 3.4 do art. 55º das condições contratuais gerais a fls. 51.

7º E, mais adiante, no resumo das perdas e despesas decorrentes do sinistro, no período aí referido, acordado entre as partes, concluiu ainda que a Autora apresenta um prejuízo global de 409.627,14€.

Ora,

8º e sempre com o devido respeito, há lapso nesse aí calculado montante global.

9º Tal lapso, que é evidenciado pelo acima alegado, decorre dos factos provados, e, salvo melhor opinião, decorre ainda dos fundamentos à própria decisão ora notificada, decorre de erro de cálculo no montante do prejuízo global sofrido pela Autora, que é no valor de 541.639,14 € … e não no valor aí referido de 409.627,14€, com as consequentes inexactidões que daí decorrente, culminadas no valor final que a Ré foi condenada a pagar à Autora.

10º Na sentença, seguramente por lapso, no cálculo desse valor global, não se atentou na verba de 132.012,00€ que resulta evidenciada supra na al. a) do nº 5 deste articulado …

11º Na sentença conclui-se que:

“ … Consequentemente, entre perdas e despesas decorrentes do sinistro, no período acordado entre as partes, a Autora apresenta um prejuízo global de € 409.627,14.

...“

e, mais adiante, que

“ … Feitas as contas, o valor residual com que a Ré há-de ressarcir a Autora é, por arredondamento, de € 250.130.

...“

e, já no seu segmento decisório,

“ … Termos em que julgo parcialmente provada e procedente a presente acção ordiná­ria e condeno a Ré … a pagar à Autora … a quantia de duzentos e cinquenta mil cento e trinta euros (€250.130), acrescida de … “

12º Os sublinhados são nossos. E correspondem ao que, em concreto, aqui se reclama.

13º No apuro da verba de 409.627,14 € supra apenas se terá atentado nas verbas cons­tantes das alíneas b), c), d), e), f) e g) do nº 5 supra …

14º Em suma, a sentença ora notificada padece de manifesto erro de calculo, com a conse­quente inexactidão que daí decorre, o que consubstancia erro material cuja rectificação aqui se requer no seguinte sentido:

· “ … Consequentemente, entre perdas e despesas decorrentes do sinistro, no período acordado entre as partes, a Autora apresenta um prejuízo global de € 541.639,14. ...“

· “ … Feitas as contas, o valor residual com que a Ré há-de ressarcir a Autora é de € 382.141,57 ...“

· “ … Termos em que julgo parcialmente provada e procedente a presente acção ordi­nária e condeno a Ré … a pagar à Autora … a quantia de trezentos e oitenta e dois mil cento e quarenta e um euros e cinquenta e sete cêntimos (€382.141,57), acrescida de …

A Ré pronunciou-se no sentido desta rectificação não ser admitida, ale­gando que a decisão não padece de qualquer erro material, defendendo nas suas alegações complementares que o valor não considerado inicialmente na sentença – € 132.012,00 – referente à quantia que a Autora alegou, no art.º 51º da p. inicial, ter despendido para pagamento ao matadouro pelo abate dos coelhos, foi por si impug­nado no art.º 22º da contestação, não tendo sido, não obstante, levado à base instrutó­ria e, consequentemente, não julgado nem provado nem não provado.

Vejamos:

 A Autora peticionou a condenação da Ré, conforme resulta da p. inicial, no montante global de € 466.558,99 – depois de deduzido o montante de € 75.000,00 já pago e o referente aos custos que deixou de suportar –, resultante dos valores indemnizatórios peticionados, nos quais engloba o de € 132.012,00 referente a despesas com a contratação do matadouro.

Na decisão recorrida foi julgado que a Autora tinha direito a ser indemni­zada de todos os prejuízos que para si resultaram do incêndio, no valor de € 409.627,14, assim integrado:

- € 131.913,00 – diminuição do volume de negócios com a venda de carne de coelho desmanchado de  Fevereiro a Junho de 2013;

- € 203.791,51 – lucro não obtido com a venda das peles de coelho de Fevereiro a Junho de 2013;

- € 12.525,60 – despesas com o transporte de trabalhadores;

- € 52.005,00 – despesas no transporte do coelho vivo e carcaça

- € 9.392,03 – despesas em serviços de embalagem, vigilância e assistência técnica.

Resulta manifesto que não foi considerado, por mero lapso, qualquer montante referente à despesa com a contratação do matadouro.

O montante de € 132.012,00 referente a despesas com a contratação do matadouro foi alegado pela Autora como prejuízo resultante do incêndio ocorrido nas suas instalações, conforme resulta do por si alegado no art.º 59º da p. inicial, tendo sido impugnado pela Ré no art.º 22º sua contestação. Em consequência desta posição das partes quanto ao alegado foram elaborados os seguintes quesitos que mereceram a resposta de provados:

1º - Em consequência e por causa do referido em D, F e H a Autora con­tratou o abate de coelho junto de um outro matadouro nacional, para obtenção de produto e sua colocação no mercado, nomeadamente junto dos seus habituais clientes?

3º - A Autora acordou na entrega ao matadouro de um valor fixo de € 0,40 por cada coelho abatido?

10º - De Fevereiro de 2010 a Junho de 2010 a Autora abateu 330.030 coelhos?

Da resposta positiva a estes quesitos resulta claro que para a Autora nos termos do acordado com o matadouro que contratou, atenta a quantidade de coelho abatido, resultou a obrigação de pagamento de € 132.012,00 (€ 0,40 x 330.030).

Na decisão que rectificou a decisão considerou-se a este respeito:

A Autora veio requerer a rectificação da sentença, alegando lapso no cálculo da verba global de despesas e prejuízos que sofreu com o sinistro mencionado nos autos.

Afigura-se que tem razão, decorrendo o erro de cálculo da omissão da verba de €132.012 alegada no artº 59º da P.I., que não passou à Base Instrutória e poderia ter sido ali incluída no quesito 3), a exemplo do que foi feito quanto a diversos montantes noutros quesitos.

Verifica-se que multiplicando o valor de €0,40 do quesito 3) pelo montante de 330.030 coelhos, do quesito 10), se encontra o resultado de €132.012 alegado pela Autora.

Somando este valor ao montante de €409.627,14, encontramos €541.639,14.

Abatendo a esse valor a quantia de €159.497,57, de pagamento da Ré por conta e pou­panças de despesas, achamos o resultado alegado pela Autora, de €382.141,57.

Pelo exposto, defiro o requerido pela Autora, nos termos dos nºs 2 e 3 do artº 613º e dos nºs 1 e 2 do artº 604º do novo Cód. Proc. Civil, determinando que na sentença, a fls. 262 everso, se efectuem as seguintes rectificações:

A rectificação da sentença é permitida nos termos dos art.º 613º e 614º do Novo C. P. Civil, já aplicável a este incidente, quanto se verifique a existência de um erro material devido a lapso manifesto.

O erro material é uma modalidade de erro na declaração que dispõe de um regime específico – art.º 249º do C. Civil –, podendo ser corrigido quando revelado no próprio contexto da declaração ou através das circunstâncias em que esta é feita.

Para que se possa rectificar exige-se que o erro seja manifesto, ou seja, que resulte do próprio contexto do documento ou das circunstâncias da declaração.

O lapso manifesto ou o erro material verificar-se-ia se a juíza tivesse escrito coisa diversa da que queria escrever, se o teor da decisão não coincidisse com o que a juíza tinha em mente escrever, se do próprio conteúdo da decisão ou dos termos que a precederam se depreendesse claramente que se escreveu manifes­tamente coisa diferente do que se queria escrever. [3]

No caso em análise é patente que estamos perante um erro material, pois, confrontando os fundamentos de facto da sentença com a decisão, verificamos que aqueles não estão em plena sintonia com esta e que o teor da decisão não coincide inteiramente com aquilo que o juiz queria exprimir.

Assim, o juiz decidiu indemnizar todos os prejuízos que a Autora sofreu em consequência do incêndio sofrido nas suas instalações e com a consequente deslocalização do exercício da sua actividade, contabilizando os seguintes prejuízos:

- € 203.791,51 – lucro não obtido com a venda das peles de coelho de Fevereiro a Junho de 2013;

- € 131.913,00 – lucro não obtido com a venda da carne de coelho des­manchado;

- € 12.525,60 – despesas com o transporte de trabalhadores;

- € 52.005,00 – despesas no transporte do coelho vivo e carcaça

- € 9.392,03 – despesas em serviços de embalagem, vigilância e assistência técnica.

Só por lapso foi omitido o prejuízo de € 132.012,00 referente a despesas que a Autora teve com a contratação do matadouro.

O argumento de que este prejuízo só poderia resultar de um facto alegado que não foi quesitado e, consequentemente, não foi julgado, não colhe, porquanto provou-se o acordo da Autora com o matadouro referente ao preço unitário do abate dos coelhos bem como o número de animais abatidos, Assim, este prejuízo encon­trava-se demonstrado, dependendo somente a sua quantificação de uma simples operação aritmética. A sua não consideração inicial resultou de um lapso manifesto que a lei permite que se rectifique.

Assim, revela-se admissível a rectificação operada, não havendo qualquer censura a fazer neste aspecto.

3.2. Dos factos

3.3. Do direito aplicável

A sentença recorrida considerou como lucros cessantes que a Autora dei­xou de auferir em resultado do incêndio a perda dos proventos resultantes da venda da carne de coelho, no valor apurado de € 131.913,00, e da venda das peles de coelho, no valor de € 203,791,00.

O apuramento do valor destas perdas resultou das respostas aos quesitos 12.º e 13.º

A Ré defende que o contrato de seguro não garante a quebra comercial havida no período do sinistro, mas apenas a perda do lucro proporcional à redução do volume de negócios determinada pelo sinistro e/ ou encargos permanentes suple­mentares de exploração que visem a limitação da redução do volume do negócio no período do sinistro, concluindo que a indemnização devida, só podia ser calculada com base nos pressupostos contidos nas CGA, nos art.º 1º e 3.1.1. do art.º 55º, perfazendo a sua globalidade o montante de € 126.963,83, respeitando € 53.041,23 à perda do lucro bruto.

Na decisão recorrida, considerou-se, a este respeito:

A interpretação do contrato de seguro em causa deve ser baseada nas regras estatuídas pelos artigos 236º e 238º do Código Civil e pelos artigos 10º e 11º do regime jurídico das cláusulas contratuais gerais, previsto no D.L. nº 446/85, de 25/10. Assim, o Ac. do STJ de 17/4/2011, proc. 450/05-TCFUN.L1.S1, em www.dgsi.pt.

Por conseguinte, ainda que houvesse alguma dúvida interpretativa, prevaleceria o sentido mais favorável à Autora, enquanto aderente ao contrato de seguro – artº 11º, nº 2, do citado regime jurídico.

No entanto, não se afigura duvidosa a interpretação feita pela Autora, com apoio na cláusula 3.4 do artº 55º das condições contratuais gerais, a fls. 51, que prevê os ajustamentos por flutuações das variáveis a considerar e qualquer circunstância ou variação, que antes ou depois do sinistro, pudesse afectar o volume de negócios, apesar da interpretação feita em contraponto pela Ré, que apela ao volume de negócios de referência, respeitante ao mesmo período no ano imediatamente anterior ao sinistro, conforme definição constante do artº 1º, a fls. 32.

A questão a apreciar radica na interpretação que se fizer daquilo que as partes convencionaram ser indemnizável no âmbito do contrato de seguro quanto à perda de lucros.

Enquanto que para a Autora essa indemnização é equivalente ao valor das quebras comerciais efectivamente sofridas, para a Ré a mesma resultará da pondera­ção obrigatória dos elementos previamente fixados, estando os mesmos consagrados, em seu entender, na cláusula 55ª, 3.1.1..

Lidas as condições gerais da apólice do contrato em causa resulta claro que a Ré se comprometeu a indemnizar a Autora pela quebra real do volume de negócios em consequência de qualquer sinistro abrangido pelo mesmo.

O disposto na cláusula 55ª das condições gerais aponta o método para determinar esse prejuízo, o qual, contudo, não é rígido, estando sujeito a correcções, visando o apuramento real dos prejuízos efectivamente sofridos em consequência de um sinistro ocorrido, conforme resulta do disposto no ponto 3.4. da cláusula 55ª.

Ora, tendo resultado provado, com fundamento na perícia efectuada, qual foi efectivamente o montante correspondente à perda efectiva de lucro da Autora em consequência do sinistro abrangido pelo âmbito de cobertura do contrato de seguro, não há qualquer razão para aplicarmos o critério constantes do n.º 3.1.1, uma vez que este segundo o clausulado está sujeito a ajustamentos que têm por único objectivo determinar, de forma tão precisa, quanto possível, os resultados que o Segurado teria conseguido obter durante o período correspondente se o sinistro não tivesse ocorrido.

Ora, resultou provado:

20. [12] A venda das partes e quantidades dos 330.030 coelhos, indicadas no documento de fls. 66 a 81 (venda do coelho desmanchado), teria permitido à Autora um acréscimo no seu volume de negócios estimado de €131.913,00.

21. [13] Se não fosse o incêndio, a Autora teria podido vender as peles dos 330.030 coelhos, aos preços das cotações referidas em 13 e 14, durante o período de Fevereiro de 2010 a Junho de 2010 (a Autora teria obtido um proveito global não inferior a €203.791,51).

Assim, provada a perda real de lucro da Autora em consequência do incêndio sofrido, no montante de € 335.704,51, é este o valor que a Ré, a título de perda de volume de negócios, deve indemnizá-la, não merecendo, pois, qualquer censura a decisão recorrida.

Decisão:

Face ao exposto decide-se:

a) julgar procedente o recurso interposto pelos peritos … e, em consequência, alterar a decisão proferida a fls. 273, fixando-se a remuneração a cada um destes peritos em 28 UC, a que se somam 2 UC, por despesas com deslocações.

b) Considerar válida a rectificação da sentença operada pelo despacho de fls. 312.

b) julgar improcedente o recurso interposto pela Ré e, em consequência, confirmar a sentença rectificada.

Sem custas o recurso interposto pelos peritos.

Custas do recurso interposto pela Ré, por esta.

Coimbra, 18 de Novembro de 2014.

Sílvia Pires (Relatora)

Henrique Antunes

Artur Dias

[1] Na redacção em vigor na data da interposição do recurso.

[2]  Acessível em www.tribunalconstitucional.pt.

[3] Ac. do S. T. J. de 12.2.2014, relatado por Gonçalves Rocha.