Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
49/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. COELHO DE MATOS
Descritores: RENDA
CORRECÇÃO EXTRAORDINÁRIA E ACTUALIZAÇÃO
Data do Acordão: 04/20/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: LEIRIA
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE
Legislação Nacional: ARTIGOS 6.º A 8.º, 11.º A 15.º DA LEI N.º 48/85, DE 20 DE SETEMBRO
Sumário:

1. As rendas degradadas, primeiro corrigem-se pela aplicação cumulada dos respectivos factores de correcção anual até atingir o patamar estabelecido para o respectivo factor global e depois actualizam-se com a aplicação dos respectivos coeficientes anuais.
2. A primeira correcção extraordinária a fazer logo em 1986, no primeiro ano de vigência da Lei n.º 46/85, de 20/09, devia aplicar o factor constante da tabela anexa II;
3. Quem assim fez, então, no ano seguinte aplicaria uma vez e meia o montante do coeficiente de actualização, publicado para vigorar no mesmo ano, e assim sucessivamente até atingir a correcção global prevista no artigo 11.º e respectiva tabela anexa I.
4. Mas quem assim não fez e só posteriormente procede à actualização extraordinária, então vai regular-se pelo que diz o n.º 2 do artigo 12.º, ou seja, vai aplicar os factores de correcção extraordinária constantes das tabelas que, em cada ano, o Governo publicar em Portaria. É por aí que se regula, dado que as Portarias trazem as tabelas com os factores de correcção actualizados e acumulados e os que se devem aplicar nesse ano.
Decisão Texto Integral:
Acordam na 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra

1. AA demandou, na comarca de Leiria, BB, para que seja decretado o despejo urbano identificado na petição inicial, que lhe havia sido arrendado para habitação e se condene a ré a pagar-lhe a quantia de 18.900$00 correspondente ao montante das rendas em dívida.
Alega, em síntese, que, mercê da correcção extraordinária da renda, notificou a ré de que tinha a pagar a renda mensal de 21.561$00 a partir de Janeiro de 2001, sendo que esta só pagou a quantia de 2.661$00. Daí o fundamento do pedido pela falta de pagamento de rendas.

2. A ré contestou, opondo que, após a notificação da correcção efectuada pela autora, lhe respondeu que da aplicação do factor resultante da Portaria n.º 1062-B/2000, por ela mesma invocada, resultava a renda mensal de 2.661$00 e não de 21.561$00.
Todavia, e por mera cautela, depositou condicionalmente a quantia pedida, acrescida de 50%.
Considerando que a questão era só de direito, a sra. Juiz conheceu de mérito no saneador, absolvendo a ré do pedido.
A autora não se conforma e apela a esta Relação, concluindo:
1) A correcta interpretação do n.º 2 do artigo 12.º da Lei n.º 46/85, estipula que os factores anuais de correcção extraordinária referidos constarão da tabela a publicar anualmente pelo Governo.
2) Os factores de correcção extraordinária das rendas referidas no artigo 11° da Lei n.º 46/85, de 20 de Setembro, actualizados nos termos do n.º1 do artigo 12° da mesma Lei pela aplicação do coeficiente 1.022 fixado pela Portaria n.º 1062-B/2000, de 31 de Otrtubro, são os constantes da tabela I anexa à presente portaria.
3) O montante correcto da renda actual é de 21.561 $00
4) Caso assim não se entenda, o factor de correcção a aplicar a partir de Janeiro de 2001, nos termos do n.º 4 do artigo 12.º da Lei n.º 46/85, de 20.09, este não seria 1.033, mas uma vez e meia esse valor, que seria, 1.5495, de acordo com o que o Meretíssimo Juíz refere na página 4 da douta sentença, que "os factores a aplicar no primeiro ano de correcção são os constantes da tabela anexa e nos anos subsequentes, os factores anuais de correcção serão iguais a uma vez e meia o montante do coeficiente de actualização, publicado para vigorar no mesmo ano - até que se atinja a correcção global".
5) E que se aplicaria esse factor de correcção, ao montante da renda base.


3. A apelada contra-alegou em defesa do julgado. Estão colhidos os vistos legais. Cumpre conhecer e decidir, tendo em conta que a decisão assentou nos seguintes factos:
1) A autora é dona e legítima proprietária de um prédio urbano composto de rés-do-chão para comércio, 1° e 2° andares para habitação, situado em Leiria na Rua da Graça n° 12, 14,16,18 e 20, com a área coberta de 109 m2, inscrito na matriz sob o artigo 1394.º e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n° 1694.
2) O anterior proprietário, pai da Autora, deu de arrendamento por contrato verbal, o 2° andar Esquerdo do edifício acima mencionado, situado na Rua da CC em Leiria, ao Sr . DD, em 1965, arrendamento esse celebrado pelo prazo de um ano, renovável por iguais períodos de tempo.
3) O Sr. DD faleceu no dia 05 de Outubro de 2000, no estado de casado com BB, a quem se transmitiu o arrendamento.
4) O local dado de arrendamento destinava-se a habitação do falecido inquilino e da agora Ré.
5) Em Dezembro de 2000 a renda mensal era de 2 576$00.
6) A Ré procedeu ao depósito da renda pelo montante de 2.661$00.
7) A Ré procedeu condicionalmente ao depósito da renda peticionada (21.561$00) acrescida de 50% (10.780$50), no montante global de 29.680$50.


4. Em síntese, entendeu a sra. Juiz que era de aplicar o factor de correcção anual 1.033, constante da tabela III da Portaria n.º 1062-B/2000, de 31 de Outubro, à última renda fixada, que era de 2.576$00, o que dá, como produto, a quantia de 2.661$00.
A autora, como se colhe das suas conclusões alegatórias, entende que se aplica o factor 8,37, constante da tabela I e assim obteria a quantia de 21.561$00. Ou então uma vez e meia o coeficiente de actualização previsto no n.º 4 do artigo 12.º da Lei n.º 48/85, de 20 de Setembro, constante da tabela II da referida Portaria, ou seja, um e meio sobre 1.022, o que daria 1.5495.
Mas não tem razão. Como discorre a sra. Juiz, na sua douta sentença, as rendas de prédios urbanos para habitação anteriores a 1 de Janeiro de 1980 estiveram congeladas até à entrada em vigor da Lei n.º 48/85, de 20 de Setembro que veio pôr em prática um sistema de correcção extraordinária e de actualização das rendas referentes aos contratos celebrados antes dessa data (cfr. artigos 6.º a 8.º e 11.º a 15.º).
Previa-se, então, no artigo 11.º, que "as rendas dos prédios arrendados para habitação anteriormente a 1 de Janeiro de 1980 podem ser corrigidas na vigência do contrato pela aplicação dos factores de correcção extraordinária referidos ao ano da última fixação da renda, constantes da tabela anexa" (anexo I).
Mas logo dizia o artigo 12.º n.º 1 que "a correcção extraordinária das rendas far-se-à anual e sucessivamente até que os factores anuais referidos nos n.º 3 e 4 acumulados atinjam os valores indicados na tabela mencionada no artigo anterior, actualizados pela aplicação dos coeficientes previstos no n.º 2 do artigo 6.º".
Significa isto que a correcção extraordinária das rendas não pode ser feita uno actu, naturalmente para evitar o inconveniente de aumentos bruscos para os inquilinos; a sua execução é gradual, devendo realizar-se anual e sucessivamente até ser atingida a correcção global, resultante da aplicação do factor global de correcção extraordinária previsto na tabela anexa I, referida no artigo 11.º.
E o que dizem os n.º 3 e 4 do artigo 12.º é o seguinte: n.º 3 - "os factores a aplicar no primeiro ano de correcção extraordinária são os constantes da tabela anexa" (anexo II - factores de correcção para o primeiro ano). E o n.º 4 diz: "nos anos subsequentes, os factores anuais de correcção serão iguais a uma vez e meia o montante do coeficiente de actualização, publicado para vigorar no mesmo ano, até que se atinja a correcção global".
Ora, isto quer dizer o quê? Quer dizer que:
i) a primeira correcção extraordinária a fazer logo em 1986, no primeiro ano de vigência da Lei n.º 46/85, de 20/09, devia aplicar o factor constante da tabela anexa II;
ii) quem assim fez, então, no ano seguinte aplicaria uma vez e meia o montante do coeficiente de actualização, publicado para vigorar no mesmo ano, e assim sucessivamente até atingir a correcção global prevista no artigo 11.º e respectiva tabela anexa I.
Mas quem assim não fez e só posteriormente procede à actualização extraordinária, então vai regular-se pelo que diz o n.º 2 do artigo 12.º, ou seja, vai aplicar os factores de correcção extraordinária constantes das tabelas que, em cada ano, o Governo publicar em Portaria. É por aí que se regula, dado que as Portarias trazem as tabelas com os factores de correcção actualizados e acumulados e os que se devem aplicar nesse ano.
Convém ter a noção de que factores de correcção e coeficientes de actualização são coisas distintas. A correcção extraordinária traduz uma intenção de repor ou recuperar o valor das rendas que o legislador presume se encontrem depreciadas pelo efeito da inflação. A filosofia subjacente a esta correcção é a de propiciar o restabelecimento do valor que a renda tinha aquando da celebração do contrato e que havia sido fixada por mútuo consenso de ambas as partes - senhorio e inquilino. Ao passo que a actualização visa manter o valor da renda estabelecida, ou já corrigida. ( cfr. Lei das rendas para Habitação, de António dos Santos Lessa, Almedina, 1986, pág. 17. )
Daí que as rendas degradadas, primeiro corrigem-se pela aplicação cumulada dos respectivos factores de correcção anual até atingir o patamar estabelecido para o respectivo factor global e depois actualizam-se com a aplicação dos respectivos coeficientes anuais.
Tenha-se, entretanto, em conta que este regime de correcção extraordinária resultante dos citados artigos 11.º e 12.º da Lei n.º 46/85, de 20/09 se mantém enquanto tiver aplicação, após a entrada em vigor do actual Regime de Arrendamento Urbano (RAU), por força do disposto no artigo 9.º do Dec. Lei n.º 321-B/90, de 15 de Outubro.
Se no caso dos autos só agora se procede à correcção extraordinária (e não à actualização, porque esta pressupõe aquela), então será de aplicar o respectivo factor de correcção constante do anexo III da Portaria n.º 1062-B/2000, de 31 de Outubro, que contém os factores a aplicar no ano civil de 2001, com referência ao ano da última fixação da renda, anterior ao início da correcção extraordinária. Esse factor é 1.033, uma vez que é suposto a última fixação de renda ser anterior a 1973, já que apenas se alega que o contrato de arrendamento vem de 1965 e a renda nunca foi corrigida.
Por isso no 1.º ano da correcção extraordinária (2001) aplica-se o factor 1.033 à renda de 2.576$00, o que perfaz a quantia de 2.661$00. Nos anos seguintes vão-se aplicando os factores da tabela que a Portaria referir ao n.º 4 do artigo 12.º da Lei n.º 46/85 (na Portaria n.º 1062-B/2000, de 31 de Outubro é a tabela III), ou da tabela de factores acumulados, se for caso disso (que na Portaria n.º 1062-B/2000, de 31 de Outubro é a tabela II), aplicados à última fixação de renda, até se atingir o patamar definido pelo factor da tabela que a Portaria refere ao artigo 11.º da Lei n.º 46/85, de 20/09 - factor global - (na Portaria n.º 1062-B/2000, de 31 de Outubro é a tabela I). E assim se vai fazendo a correcção extraordinária iniciada no ano de 2001 que, como acima se afirmou, não se faz duma só vez.
Por conseguinte, se porventura a autora pretendeu exigir o pagamento da renda corrigida, já que fez apelo ao factor 8,37 da tabela anexa I, da Portaria n.º 1062-B/2000, de 31 de Outubro, então era assim que teria de proceder. Mas se apenas pretendeu actualizar a renda que vigorava no último mês, então teria de aplicar o coeficiente de actualização 1,022 prevista na Portaria n.º 1062-A/2000 da mesma data (31 de Outubro/2000) e não os factores de correcção previstos na já referida Portaria n.º 1062-B/2000, em obediência ao disposto no artigo 32.º do RAU.
Esta é uma acção de despejo com fundamento na falta de pagamento de rendas devidas, partindo do pressuposto de que se trataria da renda mensal resultante da aplicação do factor 8,37 à renda de 2.576$00, que daria a renda mensal de 21.561$00. Como tal não é possível e também se não sabe se a autora faz a correcção extraordinária ou a actualização, (porque não alega uma nem outra; apenas apresenta uma renda obtida como produto da aplicação de um determinado factor) o que resta é apenas a certeza de que não existe fundamento de despejo e a acção deve improceder, pura e simplesmente.


5. Decisão
Por todo o exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, em consequência do confirmam a decisão recorrida.
Custas a cargo da apelante.
Coimbra,