Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
808/05.0TACBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: MOURAZ LOPES
Descritores: CRIME DE BURLA
CRIME DE FALSIFICAÇÃO MEDIDA DE COACÇÃO
ELEMENTOS DO TIPO RECURSO SOBRE A MATÉRIA DE FATO
REEXAME DOS PRESSUPOSTOS DA MEDIDA DE COACÇÃO
Data do Acordão: 01/13/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 30º, Nº2, 217º,Nº1, 218º,Nº1. 256º, Nº1. AL.A) DO CP E 193ºE 194º DO CPP
Sumário: 1.Quando impugna a decisão da matéria de facto, o recorrente deve indicar: a) os factos impugnados; b) a prova de que se pretende fazer valer; c) identificar ainda o vício revelado pelo julgador aquando da sua motivação na livre apreciação da prova
2. O reexame da matéria de facto não visa a realização de um novo julgamento, mas apenas sindicar aquele que foi efectuado, despistando e sanando os eventuais erros procedimentais ou decisórios cometidos e que tenham sido devidamente suscitados em recurso

3.Não é admissível, salvo no âmbito do recurso extraordinário de revisão, juntar novos documentos em sede de recurso para daí extrair conclusões

4.Indícios «fortes» é algo mais que indícios «suficientes» estabelecido nos artigos 283º n.º 1 e n.º 2 e 308º n.º 1 e n.º 2, ambos do CPP, ou seja, é mais que possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada uma pena.

5. O princípio de fundamentação que, na sequência do principio constitucional da obrigatoriedade da fundamentação das decisões, estabelecido no artigo 205º da CRP, também se aplica ao regime legal do reexame, alteração e extinção das medidas, previsto nos artigos 212º a 214º do CPP.

6.Na situação em apreciação o juízo a que se aludiu sobre os «indícios fortes», o fumus comissi delicti, obviamente que está justificado na factualidade que consta na sentença proferida pelo Tribunal.

7.A factualidade que consta na sentença dada como provada – pese embora, na data, não ter ainda transitado – configura sem qualquer dúvida a dimensão factual exigida para a aplicação da medida de coacção agora aplicada. Factos e naturalmente a sua dimensão probatória.

Decisão Texto Integral: I. RELATÓRIO.

No processo Comum n.º …/05.0TACBR.C1 o arguido FF veio interpôr recurso das decisões proferidas no processo referentes:

i) à decisão que o sujeitou à medida coactiva de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, determinando, para o efeito que o arguido deve fixar residência – e dela não se ausentar, anão ser por razões médicas/hospitalares do próprio ou para cumprimento de deveres processuais e/ou legais – na Rua …, Coimbra;

 ii) à decisão que o condenou como autor material, em concurso efectivo de infracções, de um crime de burla qualificada, p. e p. pelos arts. 217°, n°1 e 218°, n°1, de um crime de falsificação de documento na forma continuada, p. e p. pelas disposições combinadas dos arts. 30º, n° 2 e 256°, n°1, al. a), de um crime de burla na forma continuada, p. e p. pelas disposições combinadas dos arts. 30°, n° 2 e 217° n°1, de um crime de falsificação de documento na forma continuada, p. e p. pelas disposições combinadas dos arts. 30°, n° 2 e 256°, n°1, al. d) e de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256°, n°1, al. d), todos do Código Penal, nas penas parcelares de 2 anos e 6 meses de prisão, de 1 ano de prisão, de 1 ano e 3 meses de prisão, de 1 ano de prisão e de 9 meses de prisão, respectivamente, sendo em cúmulo jurídico de penas na pena única e global de 4 (quatro) anos de prisão efectiva; no pagamento de 4 UC de taxa de justiça, acrescida do que deriva do disposto no art.° 13°, n° 3, do Dec. Lei n° 423/91 de 30 de Outubro e bem assim nos demais encargos do processo; e ainda no que respeita aos pedidos de indemnização civil deduzidos, sendo o da “L… , S.L.” parcialmente e o da “P… Lda.” totalmente, no pagamento à 1ª a quantia total de € 7.474,50, acrescida dos juros moratórios vencidos e vincendos sobre os parciais de € 2.737,00 e € 4.387,50, desde 10.05.2005 e desde 10.06.2005, respectivamente, até efectivo e integral pagamento, às taxas legais comerciais sucessivamente aplicáveis supra referidas, e a pagar à 2ª a quantia de € 4.925,97, acrescida de juros moratórios vencidos e vincendos desde 18.05.2005 até efectivo e integral pagamento, à taxa de 9% ao ano; do restante peticionado vai o arguido expressamente absolvido para além das custas destes pedidos pelos demandantes e arguido, na proporção do respectivo vencimento/decaimento.

O recorrente concluiu, nas motivações que apresentou, nos seguintes termos

a) no que respeita à decisão relativa à medida de coacção:

Primeira: O despacho recorrido não cumpre todos os requisitos cumulativos enunciados no número 4 do artigo 194° do Código de Processo Penal.

Segunda: O despacho recorrido não apresenta factos concretos que fundamentem a aplicação ao Arguido de uma medidas de coacção privativa da liberdade.

Terceira: O despacho recorrido, por não cumprir todos os requisitos legais deverá ser considerado nulo, na parte denominada “ reexame da situação coactiva do arguido FF…,o que se requer.

Quarta: Consequentemente o despacho recorrido deverá ser considerado inválido na parte denominada “ reexame da situação coactiva do arguido FF…:”.

Caso V.  Exas. assim não entendam, sem se prescindir

Quinta: Deverá ser aplicada outra medida de coacção ao Arguido não privativa da liberdade, o que se requer.

Sexta: Impugna-se a parte do despacho recorrido denominada “ da situação coactiva do arguido FF..:” pois a medida de coacção obrigação de permanência na habitação deverá ser considerada desadequada, desnecessária e desproporcional, o que se requer.

Sétima: Deverá ser considerado que dado o estado de saúde do Arguido não existe concreto e actual perigo de fuga, o que se requer.

Oitava: Deverá ser considerado que não existe real perigo de continuação da actividade criminosa por banda do Arguido, dados os factos remontarem há mais de quatro anos e não existir qualquer processo penal contra o Arguido por ilícitos cometidos nos últimos anos, o que se requer.

Nona: Deverá ser aplicada ao arguido a medida de coacção prevista no artigo 198° do Código de Processo Penal, o que se requer.

Decima: Caso se entenda existir perigo de fuga, para cautelar o cumprimento dos deveres processuais deverá ser cumulada ao Arguido a proibição de se ausentar do país sem autorização, o que se requer.

Decima Primeira: Caso se entenda necessário, o Arguido deverá ser obrigado a entregar o seu passaporte à ordem dos presentes autos».

b) No que respeita à decisão condenatória:

Primeiro. Deverá ser considerado como provado que o Arguido conheceu a testemunha AA no âmbito da actividade profissional de ambos, num cliente comum, o que se requer.

Segundo. Deverá ser considerado como não provado que o Arguido intitulando-se representante da sociedade “A…, Lda.”, contactou a testemunha AA para obter informações acerca das condições comerciais e produtos fornecidos pela P… Lda. No decorrer da referida representação o Arguido efectuo três encomendas à P…, Lda., o que se requer.

Terceiro. Deverá ser dado como provado que Arguido em representação da sociedade “A.. Lda.” facultou à testemunha AA. dados que permitiram a abertura de ficha de cliente, o que se requer.

Quarto. Deverá ser dado como provado que perante tal facto e depois dos representantes da P,…Lda., terem apurado que a “A…, Lda.” tinha boas referências no mercado, e estando a contratar com um representante desta sociedade, não lhes causaria qualquer problema em fornecer os produtos que a sociedade lhes solicitou, o que se requer.

Quinto. Deverá ser dado como provado que a P… Lda., informou o Arguido que era prática corrente o primeiro pedido de fornecimento de produtos ser feito por escrito, como tal, o Arguido a 19.11.2004 enviou-lhe, via fax, o documento a fis 13 do apenso, que aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais, onde fez constar a identificação da sociedade que representava, a “António Gonçalves Nunes Pereira, Lda.”, o que se requer.

Sexto. Deverá ser dado como provado que os produtos fornecidos pela P… Lda., foram entregues conforme solicitado, tendo-se seguido novo pedido de mais produtos nos mesmos termos, os quais também foram entregues, vindo o Arguido a efectuar o seu pagamento em representação da sociedade “A…, Lda.”, usando para o efeito cheque cuja cópia consta de fis. 27 do apenso, o que se requer.

Sétimo. Deverá ser dado como provado que o Arguido cumpriu as obrigações comercias que estavam a seu cargo, como tal, os representantes da P…, Lda. não viram qualquer inconveniente em Fevereiro de 2005 aceitar uma nova encomenda que o Arguido em representação da sociedade “A--- Lda.”realizou. No decorrer do ano de 2005 a P… Lda alterou o preço dos seus produtos, pelo que o Arguido foi informado dessa alteração, tal como consta do documento junto a fis. 29 do apenso, o que se requer.

Oitavo. Deverá ser dado como provado que o Arguido efectuou nova encomenda à P… Lda., como estavam perante uma norma relação comercial, os produtos encomendados foram fornecidos, produtos descriminados na factura junta a fis 31 do apenso, tendo sido descarregados na “F… Lda”, o que se requer.

Nono. Deverá ser dado como provado que no decorrer da relação comercial estabelecida entre o Arguido e a P… Lda. foi emitida uma factura com vencimento a 60 dias, ou seja, com vencimento em 18.05.2005, o que se requer.

Décimo. Deverá ser dado como não provado que o Arguido nunca foi representante da sociedade “A… Lda.”, e que esta sociedade nunca efectuo encomendas à P….Lda., nem nunca recebeu os produtos encomendados pelo Arguido em seu nome, o que se requer.

Décimo primeiro. Deverá ser considerado como não provado que os demais produtos fornecidos pela P… Lda., pagos, foram descarregados e entregues a pessoas a quem o Arguido havia previamente pedido para os receber, o que se requer.

Décimo segundo. Deverá ser dado como provado que a terceira factura emitida pela P…. Lda. não foi paga na data do seu vencimento nem em data posterior, o descarregamento dos produtos descritos na factura foram descarregados na “F…. Lda.”, o que se requer.

Décimo terceiro. Deverá suprir-se o teor do ponto C-X do acórdão recorrido dos factos considerados provados e remete-lo para os factos considerados não provados, o que se requer.

Décimo quarto. Deverá o teor do ponto C-XI do acórdão recorrido passar a integrar os factos considerados como não provados, o que se requer.

Décimo quinto. Deverá o teor do ponto C-Xll do acórdão recorrido passar a fazer parte dos factos considerados como não provados, o que se requer.

Décimo sexto. Deverá ser dado como provado que no início do mês de Março de 2005 o Arguido, utilizando a denominação comercial T Casa — … Construções, contactou o chefe de vendas da sociedade L….L., com sede em Espanha, solicitando-lhe informações sobre os produtos que esta comercializava, após o que manifestou interesse em querer adquirir algum material, o que se requer.

Décimo sétimo. Deverá ser dado como provado que no dia 7 de Março de 2005 o Arguido mandou elaborar a nota de encomenda junta a fis. 14, a qual se dá por inteiramente reproduzida para todos os efeitos legais, encomendando à L….L. material sanitário no montante de € 2700,00 que seria pago através de cheque pré- datado a 60 dias, o que se requer.

Décimo oitavo. Deverá ser dado como provado que face ao teor dos documentos juntos a fis. 15, 20, 22, 24, 346, 347 e 348 dos autos, a utilização da abreviatura Lda., no documento junto aos autos a fis. 14, se trata de mero lapso de escrita, o que se requer.

Décimo nono. Deverá ser dado como provado que o Arguido utilizava na a denominação comercial T… Construção, no âmbito da sua actividade comercial, o que se requer.

Vigésimo. Deverá ser dado como provado que na sequência da relação comercial citada, no dia 9 de Março de 2005 o Arguido elaborou ou mandou elaborar o documento junto a fis. 15 que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, remetendo-o à L….L. via fax, fornecendo dados para facturação e comunicava que logo que fosse remetida a respectiva factura seria enviado o cheque para pagamento dos equipamentos adquiridos, o que se requer.

Vigésimo primeiro. Deverá ser dado como provado que os representantes da L….L. enviaram os produtos encomendados pelo Arguido para a morada que este forneceu, o que se requer.

Vigésimo segundo. Deverá ser considerado como provado que no dia 21 de Março de 2005 o Arguido elaborou ou mandou elaborar o documento junto a fis. 22 que aqui se dá por reproduzido para todos os efeitos legais, enviou-o via fax à L---.L., encomendando novos produtos, referindo que estes seriam pagos através de cheque pré-datado a 60 dias, o que se requer.

Vigésimo terceiro. Deverá ser considerado como não provado que o Arguido tinha intentos menos sérios quanto à L…..L., e, que ardilosamente os convenceu que era merecedor de toda a confiança, o que se requer.

Vigésimo quarto. Deverá ser considerado como provado que para pagamento da mencionada factura o Arguido enviou à L….L. cheque junto a fis. 41, titulado pelo Arguido e sacado sobre o Banco de Valência, datado de 10.06.2005, no valor de € 4387,50, no qual foi aposto carimbo da denominação comercial utilizada pelo Arguido, o que se requer.

Vigésimo quinto. Deverá ser dado como provado que as torneiras fornecidas pela L….L ao Arguido eram de origem chinesa e tinham qualidade duvidosa, o que se requer.

Vigésimo sexto. Deverá ser considerado como provado que o Arguido devolveu parte dos produtos fornecidos pela L….L. à procedência no dia 11 de Abril de 2005,0 que se requer.

Vigésimo sétimo. Deverá o teor do ponto C-XXV do acórdão recorrido ser subtraído dos factos considerados provados, passando a integrar os factos considerados não provados, o que se requer.

Vigésimo oitavo. Deverá o conteúdo do ponto C-XXVI do acórdão recorrido passar a integrar os factos considerados não provados, o que se requer.

Vigésimo nono. Deverá o conteúdo do ponto C-XXVII do acórdão recorrido passar a integrar os factos considerados não provados, o que se requer.

Trigésimo. Deverá o conteúdo do ponto C-XX VIII do acórdão recorrido passar a integrar os factos considerados não provados, o que se requer.

Trigésimo primeiro. Atento os factos que deverão ser considerados provados e os que deverão ser considerados não provados, o Arguido deverá ser absolvido dos pedidos de indemnização cível apresentamos pelas alegadas ofendidas, devendo estes ser considerados improcedentes por não provados o que se requer.

Trigésimo segundo. Deverá a decisão em crise proferida pelo douto tribunal a quo ser revogada e substituída por outro que proceda à alteração dos factos dados como provados e não provados nos termos supra e absolva o Arguido Fernando Jorge dos Santos Alves, o que se requer»

O Ministério Público pronunciou-se pela improcedência de ambos os recursos interpostos.

De igual modo a demandante cível Li...L. veio pronunciar-se pela improcedência do recurso interposto pelo arguido relativo à decisão condenatória.

Neste Tribunal da Relação o Exmo. Senhor Procurador Geral-Adjunto pronunciou-se, igualmente, pelo não provimento de ambos os recursos.

Em resposta o arguido pronunciou-se pela procedência dos recursos que interpôs.

                                                           *

II. FUNDAMENTAÇÃO

            Sendo dois os recursos que importa conhecer, as questão a decidir, face às conclusões efectuadas pelo recorrente na suas motivações, sustentam-se no seguinte:

- recurso do acórdão final: erro de julgamento e insuficiência de prova para a condenação do arguido.

- recurso da medida de coação: nulidade do despacho por não indicar os elementos referidos no artigo 194º n.º 4 do CPP, não justificação da medida por ausência de verificação de perigo de fuga e substituição da medida por outra menos restritiva.

                                                           *

Conhecendo, em primeiro lugar do recurso da decisão final, (até porque da sua procedência ou não poderá decorrer um não conhecimento do recurso da medida de coacção) importa verificar que da audiência de julgamento resultaram provados e não provados os seguintes factos:  

I — Em meados do mês de Julho de 2004 o arguido, intitulando-se representante da sociedade “A…, Lda.” contactou a testemunha AJ id. a fls. 73 do apenso, a qual é comercial da sociedade “P…Lda.”, para obter informações sobre as condições comerciais e produtos fornecidos por esta empresa;

II — Nessa sequência, no dia 23 de … de 2004, o arguido, fazendo-se passar por representante da sociedade “A… Lda.”, firmou com a sociedade “P…. Lda.” um acordo comercial, tendo para o efeito fornecido todos os elementos referentes àquela sociedade, nomeadamente número de contribuinte e morada, tal como consta do documento junto a fls. 12 do apenso que aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais;

III — Perante tal facto, e sobretudo depois de os representantes da “P… Lda.” terem apurado que a “A…, Lda.” tinha boas referências no mercado, convenceram-se que estavam a contratar com um representante desta sociedade e que não lhes adviriam quaisquer problemas se lhes fornecessem os produtos solicitados;

IV — Ainda assim a “P…. Lda.”, depois de informar o arguido que iria proceder ao fornecimento dos produtos pedidos, exigiu que o primeiro pedido fosse efectuado por escrito, pelo que a 19/11/2004 o arguido diligenciou pela remessa àquela sociedade do fax junto a fis. 13 do apenso, que aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais, onde fez constar a identificação da “A.., Lda.” como sendo a expedidora de tal documento mediante o qual era feita a encomenda dos produtos pretendidos;

V — Assim, os produtos foram entregues conforme solicitado, tendo-se seguido novo pedido de mais produtos feito nos mesmos termos, os quais também foram entregues, vindo o arguido a efectuar o pagamento dos mesmos, no valor total de € 759,97, através do cheque cuja cópia consta de fis. 27 do apenso, cheque esse titulado pelo seu pai M.. embora o pagamento tivesse sido feito em nome da “A…., Lda.”;

VI — Com este comportamento o arguido conseguiu criar nos representantes da “P… Lda.” a convicção de que se tratava de um cliente fiável e que merecia crédito, pelo que quando em Fevereiro de 2005 o arguido voltou a contactar esta sociedade comercial com vista a efectuar novas encomendas, logo tal pedido foi aceite, mas, por decorrer já o ano de 2005 e ter havido alteração de preços, veio-se a elaborar novo acordo comercial, tendo para o efeito o arguido, mais uma vez, fornecido todos os elementos referentes à “A…. Lda.”, nomeadamente número de contribuinte e morada, tal como consta do documento junto a fls. 29 do apenso que aqui se dá por inteiramente reproduzido para todos os efeitos legais;

VII — Logo após, o arguido efectuou nova encomenda mas desta vez de maior quantidade de material; contudo, como os representantes da “P….Lda.” haviam sido convencidos pelo arguido que se tratava de uma normal relação comercial, de imediato acederam em lhe facultar os produtos solicitados, os quais se encontram discriminados na factura junta a fls. 31 do apenso, que aqui se dá por inteiramente reproduzida para todos os efeitos legais, e que importaram no total de € 4.925,97, tendo os mesmos sido entregues, conforme indicações do arguido, na Rua … nesta Cidade e comarca de Coimbra, o que ocorreu no dia 18/03/2005;

VIII — Na verdade, os representantes da “P…Lda.”, desconhecendo os intentos do arguido e convencidos de que este era merecedor de toda a confiança, autorizaram a entrega imediata da mercadoria confiantes de que o arguido a iria pagar, razão pela qual, e só por isso, permitiram que a factura referente à aquisição daqueles bens se vencesse apenas dali a 60 dias, ou seja em 18/05/2005;

IX — Contudo a mencionada factura não foi paga nem nessa data nem posteriormente e só após a realização de diversas diligências levadas a cabo pelos representantes da “P…, Lda.” é que estes vieram a apurar que o arguido não era nem nunca foi representante da “A…. Lda.” e esta sociedade nunca efectuou encomendas à “P… Lda.” nem nunca recebeu os produtos encomendados pelo arguido em seu nome, sendo que os mesmos foram descarregados e entregues a pessoas a quem o arguido havia previamente pedido para os receberem, sendo que o local onde foram entregues os produtos pela “P…. Lda.” no dia 18/03/2005 é a sede da sociedade ‘F… Lda.” que recebeu esse material por solicitação do arguido tendo-lho depois entregue a ele;

X — Ao actuar da forma descrita, por um lado o arguido quis ardilosamente criar a aparência de que efectuaria o pagamento dos produtos que fez seus, e, assim, obter um beneficio ou vantagem que não obteria de outra forma e a que sabia não ter direito, assim causando à “P… Lda.” um prejuízo de montante equivalente, propósito com que a havia contactado e obtido a entrega dos produtos;

XI — Por outro lado, ao mencionar os dados de identificação da “A… Lda.” nos acordos comerciais que subscreveu e no fax que elaborou para encomendar produtos, bem sabendo que não era representante dessa sociedade, agiu o arguido, prevendo a possibilidade de tais menções serem aceites como válidas, conformando-se com tal possibilidade, com o propósito concretizado de criar a aparência de que actuava em nome da citada sociedade da qual se arrogou representante, convencendo os representantes da “P… Lda.” que o teor dos documentos em causa correspondia à real vontade das partes que neles foram identificadas, consciente de que, dessa forma, causaria, como causou, uma diminuição patrimonial à “P.. Lda.”, que cumpriu integralmente a prestação a que se havia obrigado, assim obtendo um beneficio que lhe não era devido e que, de outra forma, não lograria obter;

XII — O arguido agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal;

XIII — No início do mês de Março de 2005 o arguido, intitulando-se representante de uma sociedade auto-denominada “T… - , Lda.” contactou o chefe de vendas da sociedade “Li.L”, com sede em Espanha, solicitando-lhe informações sobre os equipamentos que esta comercializa, após o que manifestou interesse em lhes adquirir algum material;

XIV — Assim, no dia 7 de Março de 2005, o arguido elaborou ou mandou elaborar a nota de encomenda junta a fis. 14, a qual se dá por inteiramente reproduzida para todos os efeitos legais, mediante a qual encomendou à “L.L.” o material sanitário aí descrito no montante total de € 2.700,00 que seria pago através de cheque pré-datado a 60 dias, condição esta que havia exigido previamente como condição para efectuar a dita encomenda;

XV — Nessa sequência, no dia 9 de Março de 2005, o arguido voltou a elaborar ou mandou elaborar o documento junto a fis. 15, que aqui também se dá por reproduzido, o qual igualmente remeteu à “L….L.” via fax e onde informava os dados para facturação e comunicava que logo que fosse remetida a respectiva factura seria enviado o cheque para pagamento dos equipamentos adquiridos; todavia, o número de contribuinte aí indicado é titulado pelo arguido e não pela auto-denominada “T… Lda.”;

XVI — Deste último facto os representantes da “L.L.” não se aperceberam, tal como o arguido tinha previsto como possível por aqueles serem de nacionalidade espanhola, pelo que os mesmos, convencidos que estavam pelo arguido de que estavam a contratar com um representante da “T… Lda.” e que não lhes adviriam quaisquer problemas se lhe fornecessem os produtos solicitados, decidiram enviar o dito material para a morada que o arguido lhes indicou como sendo a da “T,, Casa”, o que afinal não correspondia à verdade pois esta alegada sociedade nunca existiu e aquela morada mais não era do que a residência do arguido;

XVII — Com efeito, o mencionado material veio a ser entregue pela “L.L.” na Rua…, nesta Cidade e comarca de Coimbra acompanhada da factura emitida de acordo com as indicações dadas pelo arguido;

XVIII — Ainda nesse dia 9 de Março de 2005 mais uma vez o arguido emitiu ou mandou emitir o documento junto a fis. 20, o qual igualmente aqui se reproduz, e enviou-o via fax à “Li L.” para informar esta sociedade de que para pagamento do material que tinham enviado se expedia um cheque pré-datado a descontar o dia 10 de Maio de 2005, o que efectivamente veio a acontecer, recebendo a “L.L.” o cheque junto a fis. 21, cheque esse titulado por M., pai do arguido, e no qual foi aposto um carimbo da inexistente como Sociedade “T.., tendo sido o arguido a assiná-lo uma vez que é o segundo titular da conta a que tal título de crédito diz respeito;

XIX — Com este comportamento o arguido conseguiu criar nos representantes da “L….L.” a convicção de que se tratava de um cliente fiável e que merecia crédito, pelo que quando a 27 de Março de 2005 o arguido voltou a remeter via fax a esta sociedade comercial o documento que elaborou ou mandou elaborar e que está junto a fis. 22, que aqui se reproduz, logo tal pedido foi aceite, tendo para o efeito o arguido, mais uma vez, exigido que o respectivo preço fosse pago através de cheque pré-datado a 60 dias, referenciando também a dita “T… com a morada correspondente à sua residência e o telefone correspondente ao da residência de M…., seu pai;

XX — Satisfazendo o pedido do arguido, a “L...L.” diligenciou pela entrega do material pedido, o qual se encontra discriminado na factura junta a fls. 24 e que importou no total de € 4.387,50, o qual veio a ser entregue no dia 20 de Abril de 2005 na Rua…, nesta Cidade e comarca de Coimbra, acompanhada da factura emitida de acordo com as indicações dadas pelo arguido, conforme resulta do teor do documento de fls. 23 que aqui também se reproduz;

XXI — Na verdade, os representantes da “L…L.”, desconhecendo os intentos do arguido e convencidos de que este era merecedor de toda a confiança, autorizaram a entrega imediata da mercadoria confiantes de que o arguido a iria pagar, razão pela qual, e só por isso, permitiram que a factura referente à aquisição daqueles bens se vencesse apenas dali a 60 dias, ou seja em 10/06/2005;

XXII — Para pagamento da mencionada factura o arguido enviou a “l.L.” o cheque junto a fis. 41, cheque esse titulado pelo arguido e sacado sobre o Banco de Valencia, e no qual foi aposta a data de 10/06/2005, o valor de € 4.387,50 e um carimbo da inexistente como Sociedade “T…

XXIII — Sucede porém que, por carta remetida via fax, a pedido do arguido, o titular da conta (Mário Alves — pai do arguido) dirigiu-se ao banco sacado solicitando o não pagamento do cheque datado de 10 de Maio de 2005 alegando que o mesmo se devia considerar extraviado, pelo que, tendo a “L.L.” apresentado tal título a pagamento, viria a ser devolvido em O 1/06/05 com a menção “cheque revogado por vício na formação da vontade”, verificação feita no serviço de compensação do Banco de Portugal em Lisboa, conforme carimbo aposto no verso do cheque junto a fls.2 1;

XXIV — Acresce que o cheque junto a fis. 41 titulado pelo arguido e sacado sobre o Banco de Valencia, e no qual foi aposta a data de 10/06/2005 e o valor de € 4.387,50, foi pela “L.L.” apresentado a pagamento nessa data e nessa instituição bancária, mas foi igualmente devolvido sem pagamento em 15/06/2005 com a menção de que a respectiva conta se encontrava encerrada, conforme carimbo aposto no verso do cheque junto a fls. 41;

XXV — Ao actuar da forma descrita, por um lado o arguido quis ardilosamente criar a aparência de que efectuaria o pagamento dos produtos que fez seus, e, assim, obter um beneficio ou vantagem que não obteria de outra forma e a que sabia não ter direito, assim causando à “L...L.” um prejuízo de montante equivalente, propósito com que a havia contactado e obtido a entrega dos produtos;

XXVI — Por outro lado, ao mencionar dados de identificação não correspondentes à alegada sociedade “T…, Lda.” nos documentos que elaborou ou mandou elaborar e que enviou via fax para encomendar produtos, bem sabendo que essa sociedade não existia, agiu o arguido, prevendo a possibilidade de tais menções serem aceites como válidas, conformando-se com tal possibilidade, com o propósito concretizado de criar a aparência de que actuava em nome de uma verdadeira sociedade da qual se arrogou representante, convencendo os representantes da “L….L.” que o teor dos documentos em causa era verdadeiro, consciente de que, dessa forma, causaria, como causou, uma diminuição patrimonial à “L….L.”, que cumpriu as prestações a que se havia obrigado, assim obtendo um beneficio que lhe não era devido e que, de outra forma, não lograria obter;

XXVII— Ao ordenar a subscrição da carta que foi remetida à Caixa de Crédito Agrícola, cujo conteúdo sabia não corresponder inteiramente à realidade, agiu o arguido, prevendo a possibilidade de a menção relativa ao extravio do cheque junto a fis. 21 ser aceite e motivo de devolução sem pagamento, conformando-se com tal possibilidade, com o propósito de obstar ao pagamento de tal título de crédito, o que conseguiu;

XXVIII — O arguido agiu livre e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal;

XXIX — Até à data, a referenciada “P…, Lda.” continua desembolsada do montante da dita factura datada de 18/03/2005, e bem assim dos produtos aí mencionados;

XXX — Com a devolução do cheque aludida no facto XXIII, a “L,….L.” sofreu um prejuízo patrimonial de € 2.737,00;

XXXI — Em vista de obter cobrança deste montante e bem assim do de € 4.387,50 aludido no facto XXIV, deslocou-se de Valência a Portugal em vista de descobrir o arguido, o administrador da “L---L.”, Vicente …. o qual realizou despesas suportadas por essa sociedade de montante não concretamente apurado;

XXXII — O arguido já respondeu e foi condenado pela prática dos crimes de desobediência, abuso de confiança continuado, burla qualificada, falsificação de documento e descaminho ou destruição de objectos colocados sob poder público, cumprindo presentemente pena à ordem deste último (P.C.S. n° 24/03.6TACBR do 1° Juízo Criminal de Coimbra);

XXXIII — O arguido tem vivido ultimamente em C…, dedicando-se a actividade empresarial com características não concretamente apuradas, mas que tem constituído a sua fonte de rendimento;

XXXIV — Por se ter ausentado do país sem deixar morada ou contacto em concreto, o arguido foi declarado contumaz nos autos, a qual veio a ser declarada cessada aquando da sua detenção para cumprimento de pena à ordem autos de P.C.S. n° 24/03.6TACBR e logo que conhecida tal situação nos presentes.

                                                           *

Factos não provados com interesse para a decisão da causa:

- que no contacto inicial com a testemunha A… o arguido tivesse alegado ter interesse em adquirir tais produtos com vista a aplicar numas obras a cargo da “A.., Lda.”;

- que tivesse sido o arguido a dirigir a carta via fax ao banco solicitando o não pagamento do cheque datado de 10 de Maio de 2005;

- que a falta de pagamento do devido pelo arguido à firma “L..L.” causou transtorno à ofendida que havia planificado o pagamento das suas diversas obrigações com o recurso às verbas que o arguido se comprometeu a pagar;

-que desse modo a dita firma ficou colocada numa posição dificil perante os seus credores;

- que as despesas de deslocação do administrador desta firma a Portugal tivessem ascendido ao concreto montante de € 2.800,00».

Para a prova da factualidade o tribunal motivou a sua decisão nos seguintes termos:

«A convicção do tribunal assentou numa apreciação crítica e global de toda a prova produzida no seu conjunto, sendo de destacar:

- que quanto aos ilícitos tendo por ofendida a firma “P… Lda.”, o arguido sustentou basicamente que actuou a pedido e a mando da referida sociedade “A… Lda.” e/ou por ordem da mesma, mas tal circunstância não resultou de todo apurada, desde logo pela ausência de prova documental ou testemunhal que comprovasse essa legítima “representação” por parte do arguido que o mesmo invocava, acrescendo que as testemunhas A..e PR ( empregado comercial e director comercial da dita “P…”, respectivamente), circunstanciaram o ocorrido em que foram intervenientes e/ou interlocutores do arguido, confirmando em traços gerais consentâneos com os constantes da acusação o ocorrido e mais esclarecendo a 1ª dessas testemunhas que o arguido havia chegado a invocar ser “filho” do sócio- gerente da dita “A… Lda.” para melhor “compor o quadro”, pelo que, na medida em que a testemunha JL (representante legal da firma “F….A” onde teve lugar o descarregamento em causa), embora afirmando desconhecer qual o rumo dado à mercadoria pelo arguido, que apenas por favor a este foi por si autorizada ser depositada/armazenada nessas instalações, também apontou para uma actuação de menor lisura por parte do arguido, o que aparecia claramente indiciado pela prova documental constante dos actos corporizando a actuação do arguido nesse particular, se concluiu por convicção da prática de tal factualidade nos termos que ficaram consignados, afinal quase integralmente positiva, com excepção do aspecto menos seguro que transitou para os factos não provados;

- que quanto aos ilícitos tendo por ofendida a firma “L.L.”, o arguido sustentou, em síntese, que apenas o l fornecimento por esta correu bem, o mesmo não sucedendo com o 2°, pois começaram a surgir reclamações dos clientes quanto à qualidade das “torneiras” em causa, o que sucedeu volvidos 2 ou 3 meses sobre os fornecimentos, do que perante tal firma, tendo-lhe sido dito por esta que se iria resolver, e que o administrador Vicente  se deslocaria de Valência para o efeito, e foi porque tal não sucedeu nem lhe foi emitida a nota de crédito que “cancelou” os 2 cheques ajuizados, mas acrescentando que nunca utilizou o nome “T…” como sendo uma sociedade; acontece que o arguido não conseguiu de todo convencer quanto ao que invocou, nem no aspecto dos defeitos das torneiras que alegou existir (aliás o confronto feito em audiência foi nesta parte perfeitamente inconclusivo), nem em ter feito oportuna reclamação (não juntou qualquer prova documental nem outro elemento de prova em abono de tal, sendo certo que houve peremptória negação de tal ter ocorrido por parte das testemunhas Âla  e Vicente (G…da “L..”, respectivamente), nem sequer havia congruência quanto à data de “cancelamento” dos cheques corresponder com as reclamações dos clientes, acrescendo que o próprio não conseguiu explicar o teor literal do doc. 1 dos autos (a fis. 14, no qual aparecia a expressão “L.da” associada à “T…”), donde na medida em que as ditas testemunhas por parte de tal ofendida confirmaram genericamente o teor da participação crime, se veio a dar acolhimento quase integral a essa versão dos factos, por mais consentânea com o teor literal do conjunto dos docs. juntos, na sua interpretação com o que nos é dado pela experiência da vida e normalidade das situações (cf. art. 127° do C.P.Penal), sem prejuízo das correcções de pormenor que se fizeram quanto aos factos XXIII e XXVII, por ser o mais fiel face ao confronto do teor literal do doe. de fis. 71 com as declarações da testemunha MA… que constavam do auto de fis. 85/96 (precisamente o pai do arguido, testemunha que faltou à audiência, mas cujas declarações foram lidas nos termos do art. 356°, n°4 do C.P.Penal); por outro lado, também se introduziram correcções de pormenor quanto a aspectos relativos à “T…”, nos factos XVIII e XXII, por mais consentâneos com a convicção geral alcançada;

- que os antecedentes criminais do arguido resultaram do teor do seu C.R.C. que consta dos autos a fis. 171-176;

- que quanto às condições pessoais e sociais do arguido se atentou decisivamente no teor das declarações do próprio quanto à sua situação actual no plano profissional e económico;

- que os demais factos dados como não provados, resultaram ou da absoluta falta de prova ou da insuficiente consistência da que foi produzida, sem prejuízo da pontual necessária desconsideração face à convicção de sinal contrário alcançada».

                                      *

Decorre do disposto no art. 428.º, n.º 1, do CPP que as Relações conhecem de facto e de direito, sendo que, segundo o art. 431.º “sem prejuízo do disposto no artigo 410.º, a decisão do tribunal de 1ª instância sobre matéria de facto pode ser modificada: a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que lhe serviram de base; b) Se a prova tiver sido impugnada, nos termos do n.º 3, do artigo 412.º; ou c) Se tiver havido renovação da prova.”

Por sua vez e de acordo com o art. 412.º, n.º 3, “Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida; c) As provas que devem ser renovadas”.

Acrescenta-se no seu n.º 4 que “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 364, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.”

Ou seja o recorrente deve indicar a) os factos impugnados; b) a prova de que se pretende fazer valer; c) identificar ainda o vício revelado pelo julgador aquando da sua motivação na livre apreciação da prova.

Efectuadas estas considerações, o que decorre das alegações efectuadas pelo arguido e, sobretudo, das suas conclusões, é um pedido de impugnação da matéria de facto, ao abrigo do disposto no artigo 412º, nº3 e 4, e não uma alegação de erro notório de prova a que se alude no artigo 410º do CPP. Ou seja o objecto do recurso, que o recorrente deveria ter precisamente identificado, sustenta-se na reapreciação da prova sendo, por isso, nessa vertente que o recurso será apreciado, como aliás é (bem) sublinhado no parecer do Exmo Senhor Procurador Geral-Adjunto nesta Relação.

Deve começar por referir-se que é jurisprudência uniforme que o reexame da matéria de facto não visa a realização de um novo julgamento, mas apenas sindicar aquele que foi efectuado, despistando e sanando os eventuais erros procedimentais ou decisórios cometidos e que tenham sido devidamente suscitados em recurso – vejam-se os Ac. do STJ de 16.6.2005, Recurso n.º 1577/05), e de 22.6.2006 do mesmo Tribunal.

O recurso do arguido é efectuado em função de uma diversa interpretação que o recorrente faz das provas produzidas e sobre as quais o tribunal fundou a sua convicção mas também, em função de provas documentais novas que agora junta e que não foram juntas nem, obviamente, apreciadas em devido tempo.

O recorrente começa as suas longas alegações de recurso pondo em causa a decisão do tribunal, através da junção de novos documentos que, no seu entender põem em causa a matéria de facto provada, no que respeita ao segmento da prova referente aos factos relativos à firma P… Lda.

Conforme é legalmente estabelecido e também jurisprudência uniforme a junção de documentos no regime processual penal vigente tem o seu momento próprio, ou seja as fases de inquérito e instrução, podendo, excepcionalmente serem juntos até ao encerramento da audiência de julgamento, desde que se alegue e prove a impossibilidade de terem sido anteriormente juntos: cf. artigo 165º e Ac STJ de 30.11.1994 in CJ (STJ) T.II, III, p. 262 e Ac. RC de 7.5.2008 proc. 50/06.3GCCTB (in www.dgsi.pt).

Não é de todo admissível, salvo no âmbito do recurso extraordinário de revisão, juntar novos documentos em sede de recurso para daí extrair conclusões sobre a matéria de facto provada.

Cai, por isso, pela base a impugnabilidade da matéria de facto que o recorrente pretende agora pôr em causa com os novos documentos.

            Quanto ao mais, o recorrente limita-se a efectuar uma diversa valoração dos meios de prova utilizados pelo tribunal, não os questionando directamente, nomeadamente na sua validade. Ou seja, o que decorre das suas alegações é uma diversa valoração dos meios de prova em que o Tribunal não sustentou a sua decisão que, curiosamente, o próprio Tribunal, na decisão teve o cuidado de referir como não sendo por si valoradas, nomeadamente as declarações prestadas pelo arguido a propósito das suas relações comerciais com a ofendida P… Lda em que teria actuado em representação da sociedade A… Lda e não utilizando o nome desta empresa «nos acordos comerciais que subscreveu e no fax que leborou para encomendar produtos, bem sabendo que não era representante dessa sociedade», como se diz na sentença.

            A fundamentação da motivação de facto é sobre esta questão muito clara - ausência de prova documental ou testemunhal que comprovasse essa legítima “representação” por parte do arguido que o mesmo invocava, acrescendo que as testemunhas A..e PR ( empregado comercial e director comercial da dita “PEGACOL”, respectivamente), circunstanciaram o ocorrido em que foram intervenientes e/ou interlocutores do arguido, confirmando em traços gerais consentâneos com os constantes da acusação o ocorrido e mais esclarecendo a 1ª dessas testemunhas que o arguido havia chegado a invocar ser “filho” do sócio- gerente da dita “A, Lda.” para melhor “compor o quadro”.

            Da prova produzida em audiência, nomeadamente das testemunhas ouvidas sobre a matéria bem como da documentação junta aos autos, a afirmação reiterada do arguido de que quem «contratava com a P…l Lda era a sociedade “A.. Lda» e não o arguido em nome próprio, mas sim em representação» não está minimamente provada.

            Importa reconhecer, no entanto, que sobre esta questão constata-se na decisão uma contradição que pese embora não ter relevância significativa no que respeita à imputação dos factos ao arguido e às consequências jurídicas daí advindas, é narrativamente incongruente e nesse sentido deve ser corrigida. Trata-se da parte final do ponto VII da sentença (tendo os mesmos sido entregues, conforme indicações do arguido, na Rua .., e comarca de Coimbra, o que ocorreu no dia 18/03/2005) e da parte final do ponto IX («o local onde foram entregues os produtos pela “P… Lda.” No dia 18/03/2005 é a sede da sociedade ‘F…Lda»).

            Conforme decorre da prova produzida, nomeadamente de acordo com a prova testemunhal produzida na audiência (testemunhas An JL gravação) a descarga foi efectuada na sede da F…a Lda.

            Assim sendo altera-se a decisão recorrida, eliminado do ponto VII, a frase «tendo os mesmos sido entregues, conforme indicações do arguido, na R… n° , nesta Cidade e comarca de Coimbra, o que ocorreu no dia 18/03/2005».

                                                                       *

            No que respeita aos factos provados relacionados com a empresa L…L., mais uma vez o arguido limita-se a efectuar uma diversa interpretação da prova produzida e sobre a qual o Tribunal efectuou uma valoração ponderada e expressa na motivação da decisão, sem invocar «concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida».

            Toda a construção que efectua nas alegações de Recurso sobre esta matéria é sustentada na sua versão (sublinhado nosso) da prova produzida e não em provas concretas, erradamente avaliadas e precisamente identificadas, que permitam em sede de recurso, outra decisão.

            E sobre a sua versão o Tribunal, na motivação da sentença, efectuando uma análise correctíssima da valoração negativa que nestes casos deve ser feita, para que não fiquem dúvidas sobre o fundamento da decisão, foi muito claro: «o arguido não conseguiu de todo convencer quanto ao que invocou, nem no aspecto dos defeitos das torneiras que alegou existir (aliás o confronto feito em audiência foi nesta parte perfeitamente inconclusivo), nem em ter feito oportuna reclamação (não juntou qualquer prova documental nem outro elemento de prova em abono de tal, sendo certo que houve l ter ocorrido por parte das testemunhas Âla  e Vicente  (…. da “Li…”, respectivamente), nem sequer havia congruência quanto à data de “cancelamento” dos cheques corresponder com as reclamações dos clientes, acrescendo que o próprio não conseguiu explicar o teor literal do doc. 1 dos autos (a fis. 14, no qual aparecia a expressão “L.da” associada à “T…”), donde na medida em que as ditas testemunhas por parte de tal ofendida confirmaram genericamente o teor da participação crime, se veio a dar acolhimento quase integral a essa versão dos factos, por mais consentânea com o teor literal do conjunto dos docs. juntos, na sua interpretação com o que nos é dado pela experiência da vida e normalidade das situações».

            A clareza das razões do tribunal dispensa outros comentários. A decisão sobre a prova nesta parte não é arbitrária, está correctamente justificada e nesse sentido não merece qualquer censura. Por outro lado o recorrente não apresenta, como lhe é imposto, nem demonstra nenhum outro elemento de prova produzida em audiência que contradiga as afirmações efectuadas pelo tribunal e as provas em que este se sustentou.

            Sublinhe-se que, também no que respeita a estes factos (referentes à L..L.), o recorrente vem mais uma vez sustentar a suas afirmações discordantes em relação aos factos provados em documentos que apenas junta no recurso e que, exactamente pelos mesmos motivos referidos a propósito dos factos da P… Lda, não são aqui e agora, admissíveis.

            Em face do exposto e não obstante a alteração da matéria de facto do acórdão proferido em primeira instância que se referiu e que em nada colide com a responsabilidade criminal e civil apurada, é de manter a decisão condenatória integralmente, improcedendo, por isso, o recurso da decisão final.

                                                                       *

            Recurso da medida de coacção.

            Para apreciação do recurso importa, antes de mais atentar no teor do despacho que se impugna:

«Reexame da situação coactiva do arguido FF

Por acordão proferido no pretérito dia … de .., o arguido foi condenado nestes autos pela prática em concurso efectivo de crimes de burla e falsificação em 4 anos de prisão efectiva.

É certo que esse acordão ainda não se mostra transitado em julgado, mas o mesmo já sofreu outras condenações anteriormente (nos autos de P.C.C, n° …/04.5TDLSB foi igualmente condenado em 4 anos de prisão, ainda por cumprir, cf. fls. 398), sendo que tem estado em cumprimento de uma outra pena de 6 meses de prisão (P.C.S.n9 24/03.6TACBR - cf. fls. 398), com término para o próximo dia 17 de Setembro.

O mesmo tem residido nos últimos anos em C…, onde tem desenvolvido actividade empresarial, conforme resultou apurado na audiência e acordão dos presentes autos.

Neste conspecto, é legítimo afirmar que existe concreto e actual perigo de fuga, para além de real perigo de continuação da actividade criminosa atenta a apurada personalidade do arguido, se não for restringida a sua soltura próxima. em ordem a que sejam assegurados os seus deveres processuais perante estes autos, relativamente aos quais o juízo da sua culpabilidade á resulta de uma condenaçâo judicial.

Nos autos foi propugnada pelo Exmo. Magistrado do MP a sua sujeição a medida coactiva de obrigação de permanência na habitação, acompanhada da instalação dos meios técnicos de controlo. -

Por outro lado, o arguido consentiu expressamente em tal (cf. fis. 4271L e a DGRS ínforma estarem reunidas as condições necessárias à garantia da efectividade de uma tal medida (cf. fis. 416 a 422).

Assim, para satisfação das exigências processuais de natureza cautelar que se fazem sentir no caso vertente, e, porque resultam, também integralmente preenchidos os requisitos a que alude a Lei n 122/99 de 20 de Agosto, nos termos do relatório solicitado aos serviços competentes para o efeito, em sede de reexame da situação coactiva do arguido, nos termos dos arts. 1910, 1922, 193 194 2010 e 204 ais. a) e c), todos do C.P.Penal e bem assim do art. 32 da Lei n 122/99 citada, decide-se sujeitar o arguido à medida coactiva de obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica, determinando, para o efeito, que o arguido deve fixar residência - e dela não se ausentar, a não ser por razões médicas/hospitalares do próprio ou para cumprimento de deveres processuais e/ou legais - na Rua da Casadinha, Pedrulha, Coimbra.

Esta decisão deverá ser executada logo que tenha lugar a soltura do arguido à ordem dos autos de P.C.S.n 24/03.6TACBR do 1 Juízo Criminal de Coimbra, e instalados que estejam os meios de vigilância electrónica.

Comunique aos serviços da D.G.R.S.-E.V.E. Coimbra (cf. fis. 416), para cumprimento em conformidade, cumprindo ser passados e executados os mandados de libertação do arguido em consonância, o que deve ser comunicado ao E.P.C. e dito j9 Juízo Criminal de Coimbra (cf. fls. 398).,

Notifique, sendo ainda o arguido nos expressos termos e advertência constante para o prescrito no art. 8 n da Lei n 12:2/99 citada, ficando ainda a DGRS autorizada a informar o OPC competente em caso de incumprimento grave da medida pelo arguido.

Demais DN»

                                                                       *

            A aplicação de uma qualquer medida de coacção reconduz-se estruturalmente à demonstração de uma dupla dimensão, decorrente, por um lado, de um juízo de indiciação da prática de certo crime e por outro de exigências cautelares de prevenção (fumus comissi delicti e pericula libertatis». É isso que está normativamente estabelecido no regime dos artigos 192º e seguintes do CPP.

            A proferição deste duplo juízo de concretização da possibilidade de aplicação da medida de coacção sendo, com excepção do «termo de identidade e residência», efectuado pelo juiz, exige uma avaliação dos pressupostos legais onde se sustenta a aplicabilidade da medida, não podendo prescindir da avaliação do conjunto de «indícios» existentes que sustentam a possibilidade da restrição.

No âmbito do primeiro requisito está em causa entender e aplicar o critério da avaliação dos indícios.

Indícios que envolvem qualquer elemento probatório, de qualquer natureza que demonstrem a aparência provável da responsabilidade do arguido em ordem ao facto ou factos pelos quais se procede. Por outro lado é inequívoco que tais indícios devem resultar de resultados probatórios que permitam deduzir por uma razoável probabilidade, quer da subsistência dos factos quer da culpabilidade da pessoa envolvida no inquérito

            O CPP estabelece a diferenciação entre a «prisão preventiva», a «obrigação de permanência na habitação» e a «proibição de permanência, de ausência ou de contactos», onde se exige a existência de «fortes indícios» e a «caução», «obrigação de apresentação periódica» e «suspensão do exercício de funções, de profissão e de direitos», onde o CPP exige a verificação de «indícios» da prática de um crime, para sustentar a aplicabilidade de uma dessas qualquer medida.

Ou seja logo na indiciação dos factos que sustentam a aplicação de uma medida de coacção é reflectida, inequivocamente, a vertente da proporcionalidade que horizontalmente percorre todo o domínio das medidas de coacção. As medidas mais fortes, no sentido das que maior restrição impõem aos direitos fundamentais, devem ser sustentadas por um maior grau de exigência na sua aplicabilidade.

Na razão de ser do conceito de «indícios fortes», pode encontrar-se na necessidade que o legislador sentiu em restringir, ab initio, a aplicação das medidas, pelo desvalor que as mesmas trazem insíta, assim concretizando o princípio da proporcionalidade, sendo que a existência de fortes indícios «estreita o juízo de probabilidade de prática dos factos, que se deverá aproximar da certeza» (cf. neste sentido José Manuel Araújo de Barros, «Critérios da prisão Preventiva», RPCC, Ano 10, Fascículo 3, pág. 422).

Indícios «fortes» é algo mais que indícios «suficientes» estabelecido nos artigos 283º n.º 1 e n.º 2 e 308º n.º 1 e n.º 2, ambos do CPP ou seja é mais que possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada uma pena.

            No âmbito do segundo requisito (exigências cautelares de prevenção) valem os princípios da necessidade, adequação e proporcionalidade normativamente estabelecidos no artigo 193º do CPP.

            Sabido que, com excepção do termo de identidade e residência, apenas ao Juiz é atribuída a competência para aplicara medidas de coacção, o artigo 194º, sobretudo com a revisão de 2007, densifica a exigência da fundamentação do despacho de aplicação das medidas de coação, fulminando, aliás a sua não fundamentação com a nulidade – cf. número 4 do artigo citado.

            Princípio de fundamentação que, na sequência do principio constitucional da obrigatoriedade da fundamentação das decisões, estabelecido no artigo 205º da CRP, também se aplica ao regime legal do reexame, alteração e extinção das medidas, previsto nos artigos 212º a 214º do CPP.

            Efectuadas estas considerações atente-se nas razões invocadas pelo recorrente relativas à nulidade do despacho que reexaminou a sua situação e determinou que ficasse sujeito à obrigação de permanência na habitação.

            Importa no entanto e num primeiro momento verificar que até à aplicação da medida o arguido estava a cumprir uma pena de prisão (que terminou no dia 17 de Setembro, segundo os elementos que constam no processo – vidé despacho de fls. 388 e 473).

            Pese embora o modo formal diferenciado em que está elaborado, o despacho que aplica a medida de coacção é muito claro ao referir que factos que razões levam à aplicação da medida ao arguido.

            Quanto ao juízo de indiciação fáctica o arguido recorrente parece não querer ver que o despacho assenta o seu juízo nos factos (sublinhado nosso) que constam na sentença que proferiu e que o condenou como autor material de dois crimes de burla qualificada e três crimes de falsificação, na pena única de 4 anos de prisão. É isso que decorre do despacho quando se refere «Por acordão proferido no pretérito dia 27 de Julho, o arguido foi condenado nestes autos pela prática em concurso efectivo de crimes de burla e falsificação em 4 anos de prisão efectiva.

É certo que esse acordão ainda não se mostra transitado em julgado, mas o mesmo já sofreu outras condenações anteriormente (nos autos de P.C.C, n° …/04.5TDLSB foi igualmente condenado em 4 anos de prisão, ainda por cumprir, cf. fls. 398), sendo que tem estado em cumprimento de uma outra pena de 6 meses de prisão (P.C.S.n9 24/03.6TACBR - cf. fls. 398), com término para o próximo dia 17 de Setembro».

            Na situação em apreciação o juízo a que se aludiu sobre os «indícios fortes», o fumus comissi delicti, obviamente que está justificado na factualidade que consta na sentença proferida pelo Tribunal.

            A factualidade que consta na sentença dada como provada – pese embora, na data, não ter ainda transitado – configura sem qualquer dúvida a dimensão factual exigida para a aplicação da medida de coacção agora aplicada. Factos e naturalmente a sua dimensão probatória. Apenas para que não restem dúvidas trata-se de factos que implicaram o juízo condenatório do arguido numa pena única de 4 anos de prisão.

            Numa situação processual como a dos autos, em que já foi proferida uma sentença condenatória, ainda que não transitada, é nela (e nos factos juridicamente relevantes que nela constam, bem como nas provas que os sustentam) que incide o juízo indiciário «forte» que possibilita a aplicação de medidas de coacção.

            Questão diferente prende-se com os factos relativos à segunda dimensão do juízo de aplicação de uma medida de coacção, ou seja o pericula libertatis, no caso assente no perigo de fuga e no perigo de continuação da actividade delituosa idêntica, se em liberade.

            Ora neste domínio, o Tribunal no despacho sub judice, é igualmente suficiente (embora, diga-se, nada tivesse a perder se fosse mais preciso e exaustivo).

            O tribunal funda a sua convicção factual no perigo de fuga essencialmente no facto de o arguido ter sido condenado numa pena de prisão efectiva nestes autos, quando ainda está a cumprir uma pena de prisão, para além de ter estado ausente em C.. nos últimos anos onde continuava a exercer actividade. É isso que decorre do teor do despacho: «Por acordão proferido no pretérito dia 27 de Julho, o arguido foi condenado nestes autos pela prática em concurso efectivo de crimes de burla e falsificação em 4 anos de prisão efectiva.

É certo que esse acordão ainda não se mostra transitado em julgado, mas o mesmo já sofreu outras condenações anteriormente (nos autos de P.C.C, n° …/04.5TDLSB foi igualmente condenado em 4 anos de prisão, ainda por cumprir, cf. fls. 398), sendo que tem estado em cumprimento de uma outra pena de 6 meses de prisão (P.C.S.n9…TACBR - cf. fls. 398), com término para o próximo dia 17 de Setembro.

O mesmo tem residido nos últimos anos em C.. onde tem desenvolvido actividade empresarial, conforme resultou apurado na audiência e acordão dos presentes autos.

Neste conspecto, é legítimo afirmar que existe concreto e actual perigo de fuga, para além de real perigo de continuação da actividade criminosa atenta a apurada personalidade do arguido, se não for restringida a sua soltura próxima».

            Recorde-se que não pode omitir-se que o Tribunal efectuou uma remissão directa para factos que constam na sentença onde estriba, também, a sua decisão. Entre tais factos (provados na sentença) está que o arguido se ausentou do País «sem deixar morada ou contacto em concreto» e foi «declarado contumaz nos autos, a qual veio a ser declarada cessada aquando da sua detenção para cumprimento de pena à ordem autos de P.C.S. n° 24/03.6TACBR»

            Em conclusão, a arguição da nulidade suscitada pelo recorrente por inexistência de factos no despacho sub judice que fundamentem a aplicação de uma medida de coacção, carece de qualquer sentido.

                                                                       *

O arguido pretende ainda que seja aplicada outra medida de coacção, que não privativa da liberdade, pois «a medida de coacção obrigação de permanência na habitação deverá ser considerada desadequada, desnecessária e desproporcional», devendo «ser aplicada ao arguido a medida de coacção prevista no artigo 198° do Código de Processo Penal», eventualmente cumulada com «a proibição de se ausentar do país sem autorização»

Para tanto o arguido invoca que face ao seu estado de saúde não existe concreto e actual perigo de fuga, que os factos remontam há mais de quatro anos e não existe qualquer processo penal contra o Arguido por ilícitos cometidos nos últimos anos.

Como se referiu as razões justificativas relativas ao periculum libertatis em que se fundou a decisão do Tribunal radicam essencialmente no perigo de fuga e no perigo de continuação da actividade delituosa. Quanto ao primeiro, o tribunal entendeu – e bem – que a obrigação de permanência da habitação é suficiente para acautelar essa situação, enquanto não transitar a decisão que aplicou ao arguido uma pena de prisão.

As razões de saúde que o arguido invoca – que sustenta em dois documentos clínicos efectuados em 24.10.2008, 6.12.2008 e 6.1.2009 – nada referem em concreto (para além de os documentos terem quase um ano e identificarem situações que ocorreram então) que permita concluir nos termos que pretende – que essa doença o impossibilita de fuga (ou, na sua expressão, «que a probabilidade de fuga de Portugal é bastante diminuta»).

Quanto à continuação da actividade delituosa do tipo de crimes em causa – burla qualificada e falsificação de documentos -  apenas importa constatar que mesmo a situação em que está neste momento (obrigação de permanência na habitação com vigilância electrónica) podendo dificultar o perigo dessa continuação não poderá de todo impedi-lo.  Aliás o arguido sustenta essa impossibilidade de continuação da actividade delituosa no facto de até agora não a ter tido («quando não a teve nos últimos anos»). Ora o juízo forte indiciador, a que nos referimos e está concretizado na sentença, mostra exactamente o contrário.

Assim sendo não existe qualquer razão para, também quanto a este recurso, dar provimento ao requerido.

III. DECISÂO.

Pelo exposto acordam os Juízes desta Relação em alterar a decisão condenatória eliminado do ponto VII, a frase «tendo os mesmos sido entregues, conforme indicações do arguido, na Rua Padre…. Cidade e comarca de Coimbra, o que ocorreu no dia 18/03/2005».

No mais julgam-se improcedentes os recursos, confirmando-se integralmente as duas decisões recorridas.    

            Fixa-se a taxa de justiça devida pelo recorrente em 10 Ucs (Artº 87º nº 1 b) e 3 CCJ).

            Notifique.

            Processado por computador e revisto pelo primeiro signatário (artigo  94º nº 2 CPP).

            Coimbra, 13 de Janeiro de 2010

                                                           Mouraz Lopes

                                                           Félix de Almeida