Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5964/10.3TBLRA-Q.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: CARLOS MOREIRA
Descritores: NOTIFICAÇÕES ELECTRÓNICAS
PRAZO
PRESUNÇÃO LEGAL
Data do Acordão: 02/07/2012
Votação: MAIORIA COM * VOT VENC
Tribunal Recurso: LEIRIA 3º C
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTS.150, 254 Nº5 CPC, 21-A Nº5 DA PORTARIA Nº 114/2008 DE 6/2
Sumário: 1 - O artº 21º-A nº5 da Portaria 114/2008 de 06 de Fevereiro consagra uma mera presunção iuris tantum, passível de ilisão nos termos gerais e para além dos limites do nº6 do artº 254º do CPC, pelo que, se ilidida, a data da notificação é a data – anterior ou posterior à consagrada na presunção -, na qual se provar ter a expedição sido feita – artº 254º nº5 do CPC.

2 - Este entendimento não é discriminatório e prejudicial, relativamente à via postal, antes evita discriminação para com esta, pois que a adesão dos mandatários à notificação via electrónica não é impositiva, mas opcional e é certo que os seus meios são muito mais céleres e fidedignos, sendo consabido que com a expedição o conhecimento do ato notificado fica imediatamente ao alcance do notificando, o que já não se verifica com a via postal.

Decisão Texto Integral: ACORDAM EM CONFERENCIA.

1.

Por decisão do relator não foi admitido o recurso, por extemporaneidade.

Para tanto, e nuclearmente, foi considerado que:

«Emerge dos autos - por informação da recorrente: cfr. fls.21 - que ela foi notificada do despacho impugnado em 18.05.2011, por via electrónica.

Tal notificação presume-se feita no próprio dia – artº 254º nº5 do CPC.»

2.

A recorrente insurgiu-se contra tal despacho invocando o disposto no artº 21º-A nº5 da Portaria 114/08 de 06.02.

Aduzindo que, ex vi de tal segmento normativo, deve ter-se por notificada em 23.05.2011, pelo que, tendo o recurso dado entrada em 13.06.2011, e sendo o respetivo prazo de 15 dias, praticou o ato ainda tempestivamente, posto que no 3º dia útil, ao abrigo do artº 145º nº5 do CPC.

3.

Foi pedida informação ao tribunal recorrido no sentido de enviar comprovativo da data de interposição do recurso e certificar a data da  expedição da notificação da decisão recorrida a que alude a elaboração de fls.39.

Tendo o tribunal  junto comprovativo de que o recurso foi interposto em 13.06.2011.

E informado «que a notificação a que alude a elaboração de fls.39 (ref.6150309), foi efetuada a 18/05/2011, ficando nessa data disponível  electronicamente…».(sublinhado nosso).

4.

Apreciando.

4.1.

Preceitua o artº 150º nº1 do CPC que «os atos processuais que devam ser praticados por escrito pelas partes são apresentados a juízo preferencialmente por transmissão eletrónica de dados…valendo como data da prática…a da respetiva expedição»

Estatui o artº 254º do CPC:

1. Os mandatários são notificados por carta registada …(ou) pessoalmente…

2. Os mandatários das partes que pratiquem atos processuais pelo meio previsto no nº1 do artº 150º, ou que se manifestem nesse sentido, são notificados nos termos definidos na Portaria prevista no nº1 do artº 138º-A.

3. A notificação postal presume-se feita no terceiro dia posterior ao do registo, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não seja.

5. «A notificação por transmissão eletrónica de dados presume-se feita na data da expedição».

6. As presunções estabelecidas nos números anteriores só podem ser ilididas pelo notificado provando que a notificação não foi efectuada ou ocorreu em data posterior à presumida, por razões que lhe não sejam imputadas.

E prescreve o artº 21º-A nºs 4 e 5 da Portaria 114/2008 de 06 de Fevereiro que:

4 - As notificações às partes em processos pendentes são realizadas por transmissão electrónica de dados, na pessoa do seu mandatário, quando:

a) O mandatário se tenha manifestado nesse sentido através do sistema informático CITIUS; ou

b) O mandatário tenha enviado, para o processo, qualquer peça processual ou documento através do sistema informático CITIUS.

5. O sistema informático Citius assegura a certificação da data de elaboração da notificação presumindo-se feita a expedição no terceiro dia útil posterior ao da elaboração, ou no primeiro dia útil seguinte a esse,  quando o final do prazo termine em dia não útil».

Vejamos.

4.2.

A lei dá preferência às notificações via eletrónica.

Mas elas, não são obrigatórias, apenas se verificam se o mandatário às mesmas aderir.

Continuam, pois, a subsistir outros tipos de notificações, vg. as operadas por via postal.

Para estas tem plena e única validade o estatuído nos citados nºs 1, 3 e 6 do artº 254º.

Para aquelas importa, para além do estatuído neste preceito, atentar  ainda no preceituado nas disposições da citada Portaria, máxime do seu artº 21º-A.

Perante estas duas normas – artº 254º e 21º-A – verifica-se que estamos perante duas presunções.

A de que a notificação se presume feita  na data da expedição – 254º  nº5-.

E a de que esta se presume feita no terceiro dia útil posterior ao da elaboração, ou no primeiro dia útil seguinte a esse  quando o final do prazo termine em dia não útil – 21º-A.

Aquela, do 254º, apenas pode ser ilidida nos acanhados e estritos termos do nº6.

Isto porque se reporta à efetiva comunicação do ato em si mesmo, posto que reportado ao facto que lhe subjaz.

Já esta não sofre limitações neste especial conspeto.

Trata-se, efetivamente, de uma presunção iuris tantum, ou seja, que pode ser ilidida nos termos gerais.

Isto porque o artº 21º-A respeita a este fato – expedição – que é suposto consubstanciar, servir de suporte e transmitir a comunicação/ notificação.

Assim a presunção pode ser ilidida provando-se que tal facto- expedição – ocorreu em data posterior ou anterior à presumidamente consagrada.

Tal é, aliás, a regra, em sede de direito presuntivo, sendo as presunções iuris et iure excecionais, apenas ressumbrando se for essa a vontade adrede manifestada pelo legislador ou tal conclusão for clara e meridianamente alicerçada no texto o no contexto da norma ou, inequivocamente, noutros elementos hermenêuticos.

Na verdade  se o legislador do artigo 21-A nº5  entendesse que a dilação temporal nele consagrada era sempre de respeitar, não diria que a notificação se presume feita, bastando dizer-lhe que a notificação considera-se feita.

Importa, pois, aqui chamar à colação o disposto no artº 9º nºs 2 e 3 do CC.

4.3.

Nem - se se provar que a expedição foi efetivada em data anterior à presumida -, daqui resultando qualquer discriminação relativamente às notificações operadas por via postal.

Primus porque, como se disse, o mandatário apenas adere a este tipo de notificações se o entender - artºs 254º nº2 do CPC e 21-A nº 4 da Portaria.

Assim, se a ela aderirem e usufruírem dos seus benefícios, também têm de arcar com as suas exigências acrescidas: ubi comodum, ibi incomodum.

Não podem é ter os benefícios da notificação eletrónica –mais célere – e, ainda, cumularem-nos com as vantagens que a lei apenas atribui à notificação postal.

Como aconteceria, no caso (real e que nos apareceu num processo) em que o mandatário, para aproveitar o máximo prazo possível, pede o suporte informático dos depoimentos das testemunhas antes do dia final da dilação da presunção (demonstrando assim que teve conhecimento da decisão anteriormente a tal dia) e depois, para interpor o recurso, quer aproveitar-se de tal dilação.

Secundus porque nos encontramos perante duas realidades (via postal/via eletrónica),  as quais, se assumem de metodologia e modus operandi  diversos.

Efetivamente enquanto que aquela, porque opera de forma indireta, já que exige a intermediação de terceiros, se vislumbra mais morosa e falível, esta, porque existe uma relação direta entre notificante e notificado, e devido à certeza e eficácia dos seus instrumentos (software/hardware) implica uma transmissão de dados muito mais célere (automática e instantânea) e fidedigna.

Discriminação para com a via postal e benefício injustificado da via eletrónica existiria se, provando-se que, nesta, o notificando teve conhecimento do ato antes do decurso do prazo decorrente da presunção do artº 21º-A, continuasse a beneficiar do prazo mais dilatado desta, sendo certo que, por via de regra, a expedição coincide com a expedição, e, esta, com o conhecimento imediato do ato.

 O que, na via postal, já não acontece, pois que se verifica sempre, o decurso, pelo menos, de um ou dois dias, entre o envio da carta e a sua receção.

Porque tal é conveniente para todos ou quase todos os intervenientes processuais, normalmente não se levanta a questão sobre a efetiva data da   expedição, e, assim, da concretização da notificação, antes, por defeito, se aceitando a dilação decorrente da presunção.

Admitimos e aceitamos que, no silêncio partes, assim seja, e o juiz não despolete oficiosamente a questão, até porque o funcionamento da presunção acarreta uma certa estabilidade e rotina de procedimentos.

Mas se, por qualquer motivo, a questão for suscitada, então importa averiguar da real data da expedição.

Se tal presunção não for ilidida ela emerge com as legais consequências, nos termos invocados pela recorrente.

Se o for, é evidente que tem de atender-se à data em que se provar ter sido a expedição efetivada. Entendimento este que, aliás, se mostra mais consonante com a clamada e almejada celeridade.

4.40.

In casu.

A questão apenas foi despoletada porque a recorrente alegou a fls. fls.21, que foi notificada do despacho impugnado em 18.05.2011, por via electrónica-,  tendo-se entendido tal asserção no sentido de que  a efetiva notificação– ie com tomada de conhecimento do teor da decisão - se verificou nesta data.

 O que, naturalmente, apenas poderia suceder se a data da elaboração coincidisse com a da expedição.

Uma vez que a recorrente veio invocar a presunção estabelecida no citado artº 21º-A, este tribunal ad quem solicitou ao tribunal recorrido informação sobre a data da expedição.

Este informou no sentido supra plasmado.

E bem interpretada tal asserção da 1ª instancia – e apesar de a Sra. Juíza a quo não ter cumprido com rigor o nosso despacho anterior de certificação da data da expedição –, tem de concluir-se que esta se verificou na data da elaboração.

Decorrentemente  foi operada a ilisão.

Ou seja, provou-se, que, afinal, a alusão da recorrente à sua notificação em 18 de Maio,  tem mesmo o significado que da sua literalidade resulta, ie, que  em tal data ela tomou conhecimento da decisão, pois que nela a expedição efetivamente se verificou.

Consequentemente, emerge plenamente a eficácia do estatuído no artº artº 254º nº5 do CPC, pelo que tem de concluir-se que a notificação foi efetuada não em 23 de Maio, mas em 18 de Maio.

Nesta conformidade, e admitindo a própria ré que o prazo de recurso é de 15 dias, o termo do mesmo ocorreu em 02 de Junho, pelo que tendo  o recurso dado entrada em 13 de Junho, obviamente que  o seu prazo,  mesmo com a extensão permitida pelo artº 145º nº5 do CPC, já se encontrava ultrapassado.

5.

Sumariando.

I -O artº 21º-A nº5 da Portaria 114/2008 de 06 de Fevereiro consagra uma mera presunção iuris tantum,  passível de ilisão nos termos gerais e para além dos limites do nº6 do artº 254º do CPC, pelo que, se ilidida, a data da notificação é a data – anterior ou posterior à consagrada na presunção -, na qual se provar ter a expedição sido feita – artº 254º nº5 do CPC.

II –Este entendimento não  é discriminatório e prejudicial, relativamente à via postal, antes evita discriminação para com esta,  pois que a adesão dos mandatários à notificação  via eletrónica não é impositiva, mas opcional e é certo que os seus meios são muito mais céleres e fidedignos, sendo consabido que com a expedição o conhecimento do ato notificado fica imediatamente ao alcance do notificando, o que já não se verifica com a via postal.

6.

Deliberação.

Termos em que se acorda, na confirmação da decisão do relator, não admitir o recurso, por extemporâneo.

Carlos Moreira ( Relator )

Moreira do Carmo ( Declaração de voto: Registo o voto de vencido e a explicação sobre a forma de funcionamento da plataforma do Citius e acesso às respectivas notificações. Não olvido que as presunções constantes dos Arts.254 nº5 CPC, 21-A da Portaria 114/08 e anteriormente art.1º nº4 do DL 14/76, só podem ser ilididas pelo notificando, mas, atenção, só se a notificação ocorrer em data posterior à presumida. Não posso, no entanto, ignorar, fechar os olhos à declaração do Sr. Advogado que foi notificado em 18.5.

Por isso, desde esta data tinha que correr o prazo do recurso.

Assim, voto concordantemente a decisão e sua fundamentação ).

Carlos M. G. de Melo Marinho ( Voto vencido, nos termos da declaração anexa )


Voto de vencido
Votei vencido a decisão da qual esta declaração constitui anexo, pelas razões que sinteticamente alinho:
1. €€O Artigo 21.º-A €Portaria n.º 114/2008, de 06 de Fevereiro – diploma que veio regular vários aspectos da tramitação electrónica dos processos – estabeleceu uma arquitectura de notificações digitais não assente em qualquer envio de conteúdos mas no depósito de dados electrónicos numa página de Internet, em  http://citius.tribunaisnet.mj.pt – cf. respectivo n.º 1;
2. O sistema informático CITIUS – que corresponde à denominação oficial dessa arquitectura garante, aí e por essa via, exclusivamente, a disponibilização automática e consulta dos conteúdos que por tal sistema se visam transmitir;
3. Os destinatários da informação não a recebem, assim, realmente, antes têm que assumir a iniciativa de a ela aceder, de alguma forma prevendo a possibilidade da sua disponibilização;
4. Tais utilizadores são, para o efeito, sujeitos a um prévio processo de registo sendo que, só após o mesmo, nos termos do estabelecido no n.º 3 do art. 4.º da referida Portaria, lhes «são entregues os elementos secretos, pessoais e intransmissíveis que permitem o acesso à área reservada do sistema informático CITIUS»;
5. Esta metodologia, assumida no pioneiro sistema de desmaterialização processual luso, não gera contactos imediatos e a celeridade normalmente associados às novas tecnologias da informação e comunicação porquanto, se bem que a informação seja de imediato disponibilizada, nada garante que a mesma seja também de imediato acedida, antes dependendo das rotinas, agendas e métodos de trabalho dos destinatários;
6. Sob um tal contexto – caracterizado por a informação ser enviada para o exterior sem se saber quando atingiu o destinatário – o legislador decidiu estabelecer um prazo de compensação das assimetrias de contacto com a informação, ou seja, um lapso em que ficicionou o «toque» com o receptor da comunicação;
7. Por assim ser é que o n.º 5 do referenciado art. 21.º-A veio estatuir que: «O sistema informático CITIUS assegura a certificação da data de elaboração da notificação, presumindo-se feita a expedição no terceiro dia posterior ao da elaboração, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o final do prazo termine em dia não útil»;
8. Este prazo tem, consequentemente, natureza idêntica ao correspondente à chamada «dilação postal» erigida pelo n.º 3 do art. 1.º do DL 121/76, de 11.03 – aí, procurava-se, homogeneizar e produzir certeza e segurança face à heterogeneidade e assimetria temporal da distribuição postal; no novel regime, pretende-se atingir os mesmos objectivos; só a fonte de incerteza é distinta, a saber, a heterogeneidade do acesso aos dados electronicamente depositados;
9. Por razões de justiça, com o intuito de evitar assimetrias, a permanente discussão de concretas circunstancias de contacto, constantes perdas de celeridade, o invariável cotejo da realidade com a ficção normativa e como a actividade do julgador colocada sob uma permanente pulsão de busca de factos que afastassem a presunção, o n.º 4  do apontado artigo do diploma de 1976 estatuía que «A presunção do n.° 3 só pode ser ilidida pelo avisado ou notificado quando o facto da recepção do aviso ou notificação ocorra em data posterior à presumida, por razões que não lhe sejam imputáveis, requerendo no processo que seja requisitada aos correios informação sobre a data efectiva dessa recepção»;
10. É, para o efeito sob avaliação, idêntica a «luz»sob a qual deve ser avaliada a «dilação electrónica» constante da referida norma de 2008 – só o notificando pode ilidir a presunção; é a mesma lógica de protecção dos direitos das partes e de tutela, afinal, do princípio do contraditório que funda, também, a figura do justo impedimento reconhecida no art. 146.º do Código de Processo Civil, acolhida em todos os ordenamentos dos Estados-Membros da União Europeia e integrando, de alguma forma, transversalmente, a cultura jurídica ocidental, não apenas emergente do Direito Continental ou Civil mas também do Direito Anglo-saxónico ou Comum;
11. Neste domínio, existe identidade de razão de decidir com a que motivou a afirmação vertida no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido em 09.04.2008 no processo n.º 206/06.9TACDN-A.C1 – ainda que em matéria penal e sob um contexto normativo não coincidente –  in http://www.dgsi.pt, com o seguinte teor: «a data presumida só pode ser afastada a pedido e no interesse do notificado e nunca em seu desfavor, caso pretenda demonstrar que a notificação não chegou a ser efectuada ou que ocorreu em data posterior à presumida, por razões que lhe não sejam imputáveis».

*
Face ao exposto, decidiria em sentido diametralmente oposto ao maioritariamente assumido e, consequentemente, não rejeitaria o recurso com o fundamento invocado.
*

Carlos M. G. de Melo Marinho