Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
48/07-4GAAFE.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ISABEL VALONGO
Descritores: AUTORIA - CUMPLICIDADE
CRIME DE DETENÇÃO DE ARMA ILEGAL
CONCURSO REAL
Data do Acordão: 07/01/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE SANTA COMBA DÃO – 2º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 27º CP, 86º, 1 ALS. C) E D) 5/06-23/2
Sumário: 1. A autoria tem de definir-se, ao menos, como domínio de um dos âmbitos de configuração, decisão ou execução do facto, não sendo relevante o domínio per se, mas apenas enquanto fundamenta uma plena responsabilidade pelo facto. De todo o modo, a colaboração e a importância que reveste deve poder determinar suficientemente o se e o como da execução do facto.
2. A cumplicidade diferencia-se da co-autoria pela ausência do domínio do facto; o cúmplice limita-se a facilitar o facto principal, através de auxílio físico (material) ou psíquico (moral), situando-se esta prestação de auxílio em toda a contribuição que tenha possibilitado ou facilitado o facto principal ou fortalecido a lesão do bem jurídico cometida pelo autor.
3. Atento o bem jurídico protegido com o crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelo art. 86º, nº1, als. c) e d) da Lei 5/2006, de 23/2 não é acrescido o âmbito de protecção jurídica prosseguida com tal incriminação, pelo facto de em vez de um tipo de arma, o arguido deter consigo outras armas, não podendo assim considerar-se a existência de um crime por cada arma detida, ainda que no caso se trate, por um lado, de munições e, por outro, de uma embalagem de aerossol.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção (5.ª) Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.
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I – Relatório.
1.1. Imputando-lhes os factos constantes da acusação de fls. 986 a 1000 (4º vol), o Ministério Público requereu a submissão a julgamento dos arguidos
1-M…, solteiro, chapeiro, residente na Rua S… em Alijó, actualmente preso preventivamente no E. P. de Bragança.
2- V..., solteiro, feirante, natural de Mirandela, residente em Mirandela.
3- O..., solteira, feirante, natural de Póvoa de Lanhoso e residente em Mirandela;
4-D..., casada, empregada de balcão, nascida no Brasil, actualmente presa preventivamente no E.P. de Santa Cruz do Bispo.
5 - C..., divorciado, natural de Lisboa, residente na R…, Bragança.
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Efectuado o julgamento e proferido o acórdão os arguidos V..., O... e D..., vieram interpor recurso do acordão proferido a 12-11-2008, de fls 1729 a 198 ( 7º Volume), que decidiu:
Transcrição
(…)
a) Absolver o arguido M...da prática de um crime de detenção ilegal de arma que lhe vinha imputado.
b) Condenar o mesmo arguido, em concurso real e efectivo, como co-autor de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21º,nº1, do D.L. 15/93, de 22/1, com referência às Tabelas IB, anexa a tal diploma legal, na pena de 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão, ( para o qual se convola o crime de tráfico agravado, p. e p. pelo art.24º,al c), do mesmo diploma, que lhe vinha imputado), autor de um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 2º, nº1, al.a) e nº3,al.l), 3º,nº2,al.h) e 86,nº1,al.d), da Lei 5/2006, de 23/2, na pena de 9 (nove) meses de prisão e co-autor de um crime de passagem de moeda falsa, p. e p. pelo art.265º,nº1,al.a), do C.Penal, na pena de 1(um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
c) Condenar o arguido V..., em concurso real e efectivo, como co-autor de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21, nº1, do Dec. Lei 15/93, de 22.01, com referência às Tabela IB, anexa a tal diploma legal, para o qual se convola o crime de tráfico agravado, p. e p. pelo art. 24, al.c), do D.L. citado, que lhe vinha imputado na acusação pública, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão e de um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 3º,nºs 3 e 6,al.a) e 86, nº1,al.c), da Lei 5/2006, de 23/2, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.
d) Condenar a arguida O..., em concurso real e efectivo, como co-autor de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.21,nº1, do Dec. Lei 15/93, de 22.01, com referência às Tabela IB, anexa a tal diploma legal, para o qual se convola o crime de tráfico agravado, p. e p. pelo art. 24,al.c), do D.L.citado, que lhe vinha imputado na acusação pública, na pena de 5 (cinco) anos de prisão e de um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 3º,nºs 3 e 6,al.a) e 86,nº1,al.c), da Lei 5/2006, de 23/2, na pena de 1(um) ano e 9 (nove) meses de prisão.
e) Condenar a arguida D..., como co-autora de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.21,nº1, do Dec. Lei 15/93, de 22.01, com referência às Tabela IB, anexa a tal diploma legal, para o qual se convola o crime de tráfico agravado, p. e p. pelo art. 24,al.c), do D.L.citado, que lhe vinha imputado na acusação pública, na pena de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão, a que acresce a pena acessória de expulsão pelo período de 8 anos.
f) (...)
g) Efectuar o cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas aos arguidos M..., V... e O... e, consequentemente, condenar o 1º na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão, o 2º na pena única de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão e a última na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
h) Condenar cada um dos arguidos nas custas do processo e, individualmente, na taxa de justiça que se fixa em 8 Uc, na procuradoria que se fixa em 1/2, e em 1% da taxa de justiça, o montante previsto no Art. 13º nºº3 do Dec. Lei 423/91, de 30.10.
i) Declarar perdido a favor do Estado todo o produto estupefaciente apreendido nos autos e, bem assim, a mala da arguida D...onde se encontrava parte do produto estupefaciente aprendido
j) Declarar perdidas a favor do Estado as armas apreendidas ao falecido J... e aos arguidos M…, V... e O... e, bem assim, as notas contrafeitas igualmente apreendidas.
l) Ordenar o levantamento da apreensão do veículo automóvel Volkswagen Passat, vermelho, matrícula 37-44-EF e demais objectos apreendidos à ordem dos presentes autos, respeitantes aos arguidos objecto dos presentes autos, com a consequente restituição a quem provar ser titular dos mesmos, devendo os arguidos, na posse de quem tal veículo e demais objectos foram encontrados, ser notificados para, no prazo máximo de 90 dias, querendo, proceder ao seu levantamento, comprovando que lhe pertence (art.186º,nº3, do C.P.P.), sem prejuízo de, decorrido um ano, serem os mesmos declarados perdidos a favor do Estado (nº4 do preceito legal citado).
m) Ordenar a entrega a cada dos arguidos M..., V... e D... dos respectivos passaportes.
n) Ordenar, nos termos do disposto no Art. 62º,nº 6 também do Dec. Lei citado, a destruição do produto estupefaciente apreendido, comunicando-se tal facto à Direcção Central da Polícia Judiciária.
o) Ordenar o cumprimento do disposto no Art. 64º nº2 do citado Dec. Lei 15/93.
p) Ordenar que, após trânsito, se remetam boletins à D.S.I.C. e se emitam mandados de detenção e condução dos arguidos V... e O... ao estabelecimento prisional.
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1.2. Das motivações tempestivamente apresentadas, extraíram eles, então, as conclusões seguintes:
1.2.1 - arguido V...
CONCLUSÕES:
I - I – O arguido V... foi condenado como autor material de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelos artigos 21º, nº1 do D.L. 15/93, de 22/Janeiro, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão,
Bem como, no crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelas disposições conjugadas dos artigos 3º, nº3 e 6, al. a) e 86º, nº1, al. c) da Lei 5/2006, na pena de 2 (anos) e 6 (seis) meses de prisão.
II – São fundamentos do recurso, os constantes do art.410º, nº1 e 2 al a) b) e c) do CPP, pelas razões melhor alegadas na motivação do presente recurso.
III – Como na motivação se aludiu, os factos dados como provados, a fls. 5 e ss. do douto Acórdão não o deverão ser, pelas razões e motivos aí expostos. Salvo o devido respeito, isto à luz da experiência comum e do princípio da livre convicção, que é sempre alicerçada na prova realizada em audiência de discussão e julgamento, conforme na motivação se alude.
Tendo o douto Tribunal a quo, violando os princípios da boa fé, da lógica e da experiência comum e o princípio da livre convicção, que é livre mas não arbitraria, com sustentabilidade sempre na prova produzida.
IV - Salvo o devido respeito, e é muito, não vislumbramos onde o douto Colectivo, pode fundamentar o facto de o recorrente ter decidido ir comprar produto estupefaciente ao Brasil. Sendo que a única prova, que terá levado o Tribunal a quo a considerar tal facto como provado, será a existência de conversa telefónica entre o recorrente e uma pessoa que veio a esclarecer-se, ser seu “irmão de sangue” (SIC), e a mulher deste, sua cunhada, W..., residentes no Brasil, pessoas que passam fome e a quem o arguido, mesmo sendo de condição económica pobre já ajudou por várias vezes, conjuntamente com os restantes irmãos, que são oito (8).
E não é, a existência de uma conversa telefónica entre familiares, que não faz directa ou indirectamente, qualquer alusão a drogas, e nem o recorrente, que nunca frequentou a escola, saberia ou teria capacidade para articular qualquer linguagem enigmática. Para a certeza dos Tribunais, que leve a uma convicção, embora livre, que não seja arbitrária, é preciso mais e muito mais.
V – Não é de acreditar que o co-arguido Pedro, que tem muito mais “manha”, astúcia, sabedoria no mundo do crime, com experiencia e traquejo (veja-se declarações das testemunhas de acusação transcritas), passador de moeda falsa, em quantidades bastante significativas, assalto a ourivesarias, iria ao Brasil para adquirir cocaína a troco de uma quantia monetária entre 1.500 a 2.000€?!!! Isso faria o arguido num dia, ao serviço do co-arguido, ora falecido, J..., conhecido por “Nazareno”.
VI - Para corroborar e dar consistência à veracidade das declarações do recorrente V..., será de salientar as declarações prestadas pela testemunha de acusação L....
Assim, Venerandos Desembargadores, ficamos esclarecidos, quanto ao modo e tempo em que o recorrente V... conheceu o co-arguido M..., mais conhecido por “Pedro”. Não devendo ser dados como provados os factos elencados sob o ponto 7, caso contrário, estaremos a violar os Princípios da boa fé, da experiencia comum, e da prova produzida em audiência de julgamento, entrando na fronteira da livre arbitrariedade.
VI - Igualmente, está por provar que as importâncias que, a O… enviou para o Brasil, se destinassem a compra de droga e pagamento a quem a transportasse. Aliás, conforme declarações prestadas pela arguida, que a transportou, esta seria paga pelo co-arguido Pedro cá em Portugal, se não na totalidade, em parte.
Razão pela qual, não se deverá dar como provado que as importâncias remetidas para o arguido M..., fosse para adquirir produto estupefaciente. Será de salientar a este respeito, as declarações prestadas pelo recorrente e que se encontram transcritas no presente recurso.
VII - Toda a factualidade da prova dada como provada, assenta exclusivamente nas declarações do arguido M.... Assim, não entendemos!
Como o douto Tribunal já não acredita nas declarações do arguido M... mas nas declarações da arguida D..., quanto ao acondicionamento e divisão/repartição da droga em diversas embalagens de produto estupefaciente.
Senão vejamos, o arguido M... afirma, que foi a arguida D...quem fez a repartição e introdução da mesma no ânus e vagina da arguida. Esta por sua vez, disse pormenorizadamente, que o arguido M... não saiu do seu quarto e introduziu as embalagens de produto estupefaciente do ânus e vagina da arguida,
VIII - O douto Tribunal, aquando da anaálise critica da prova para justificar a falta de verdade do arguido M... e para justificar a credibilidade das declarações da arguida D..., afirma:”…será por pudor que o arguido M... quanto a estes factos não diz a verdade…”. Ora, mais uma tentativa do douto Tribunal a quo para limpar, desresponsabilizar e desculpabilizar as atitudes e comportamentos do arguido M... e “bater” de forma discricionária no pobre, analfabeto, estúpido e burro do cigano V... e mulher.
IX - Por só termos a versão do arguido M... e do arguido V..., não deverá ser dado como provado o facto “…Aí chegados, o arguido V... pagou ao taxista a importância devida pela utilização do táxi, de valor não apurado…” uma vez que o taxista, arrolado como testemunha para esclarecer o facto não foi ouvido.
X - Pelos motivos já referidos na motivação, nada há que possa levar à conclusão de que a droga seria para os arguidos V... e O…, e não para o arguido M... (Pedro). Aliás, e sem prescindir do alegado supra, o arguido M... apelidava o aqui recorrente de “sócio”, bem como dizia, que o recorrente era seu sócio.
É ainda de realçar as declarações da arguida D...quanto a este factos, e que se encontram transcritas na motivação.
XI - Pelos motivos supra alegados, que reiteramos, não se poderão dar como provados que a droga foi adquirida pelos arguidos V... e O…, mas sim, pelo arguido M..., pois o recorrente, nem sequer se encontrava no Brasil aquando da aquisição da referida substância.
XII - É efectivamente verdade que a pistola semi-automática, marca “star” melhor identificada nos autos, é pertença do recorrente V..., que a havia comprado ao arguido M..., conforme as declarações por aquele prestadas em audiência de discussão e julgamento e não pertença da co-arguida O....
XIII - Como é sabido, o recorrente não tinha perfeito nem imperfeito conhecimento que não estava autorizado a que a sua filha que consigo residia e tinha o seu marido preso não pudesse colocar a arma no quarto do seu pai, para impedir que a mesma pudesse eventualmente ser achada pelo seu filho de 4 anos no seu quarto, local onde a arma se encontrava quando o seu marido foi preso.
Deste modo, não pode o recorrente ser punido pela guarda, manifestada e registada, propriedade do seu genro.
XIV - Como se constata pela leitura das declarações do recorrente V..., arguida D..., testemunhas de acusação e em particular, de A..., não se sabe como é que se pode dar como não provado que, a cocaína apreendida tivesse também sido adquirida pelo arguido M.... É o querer numa atitude de xenofobia, fazer real o brocado racista: “um olho no burro e outro no cigano”, e deixa-se fugir o ladrão!!!
XV - É de salientar o facto de o douto Tribunal, quanto à contestação do arguido M..., não ter dado como provado os seguintes factos:
- a casa onde as munições e o spray foram encontrados havia sido arrendada por uma amiga brasileira e que o spray e as munições ai encontradas tivessem sido ai deixados por um cidadão brasileiro que a visitou.
- que quem tenha induzido a cocaína no corpo da arguida D... e nos seus pertences tenha sido apenas esta que, para o efeito, chegou a obrigar o arguido M... a sair do quarto, que depois revistou para verificar se não ficara lá algum produto estupefaciente.
Somos levados à conclusão que o douto Tribunal só dá valor às declarações do astuto arguido M..., quando é para carregar no burro do cigano V... e já dá credibilidade às declarações daquele, quando não têm por implicação o arguido V....
XVI - Quanto à convicção do Tribunal ao contrário do que afirma ter valorado, as declarações prestadas pelo arguido M... e D..., é fácil chegarmos à conclusão que o Tribunal valorou apenas as declarações prestadas pelo arguido M... e não as da D..., pois, esta não corrobora de modo nenhum a tese do Tribunal que tem como responsável primeiro o cigano V..., pela aquisição do produto estupefaciente no Brasil.
XVII – Ao contrário do douto Tribunal, não se deverá aceitar como credíveis as declarações do arguido M..., quando afirma ter conhecido o recorrente V... nas feiras, quando são as declarações do recorrente corroboradas por uma testemunha de acusação, L..., supra transcritas, que afirma ter apresentado os arguidos na zona verde de Mirandela, junto a um café, contrariamente ao que ao facto provado a fls. 19 no ponto C) do douto Acordão. Como se vê foi o arguido M... que perguntou ao recorrente se não queria que lhe arranjasse cocaina a 20.000€/K.
XIX - Quanto à analise critica da prova o douto Tribunal mais não fez do que acolher as declarações e a tese do astuto arguido M.... E chegados aqui somos de parecer que oportuno é tecer o seguinte comentário, será que o criador e a criatura do monstro se confundem no astuto do arguido M... ou no burro do cigano V.... O cigano que o tribunal diz não ser “burro”, porque, embora nunca tenha andado na escola sabe ler e escrever?! Ou o astuto, arguido M..., que sabe ler e escrever, só porque andou na escola? E frequentou o liceu!
XX - É de salientar Venerandos desembargadores que no capitulo da análise critica da prova, o Tribunal usa o Principio das regras da experiência comum para dar mais credibilidade às declarações do arguido M... e assim, à tese prefigurada do Tribunal.
Aliás, difícil era dar credibilidade às declarações de um cigano em detrimento às declarações de um branco, letrado, pois, prefaciando Lombroso: Há pessoas que pelas suas características endógenas ou exógenas, corpóreas ou incorpóreas são possuidoras de características criminosas e se berrarem a sua inocência há que lhes não dar crédito para que o seu silêncio os condene.
XXI - Quanto à veracidade das declarações do arguido M..., quando afirma que a arguida D...não presenciou qualquer conversa telefónica da parte do M... a propor algum negócio ao V..., quando chegou ao aeroporto.
Mandará o bom senso fazer o seguinte comentário, chega uma arguida do Brasil, pela primeira vez com produto estupefaciente dentro do seu corpo a um aeroporto, onde existe autoridades espalhadas por cada esquina, arguida que sabe poder estar sujeita a muitos anos de cadeia, acompanhada por um arguido que com certeza não quereria estar muito próximo da sua colaboradora por motivos óbvios. E perguntamo-nos se o seu estado de espírito seria propicio a poder ouvir as conversas telefónicas que o arguido M... pudesse ter feito a propor algum negócio ao aqui recorrente.
XXII - E se o recorrente pagou a despesa do táxi ou parte desta porque o seu amigo M... (“sócio” no dizer deste), não tinha dinheiro para o fazer, quererá isto dizer que o produto estupefaciente que a D...trazia era só ou também do recorrente, V....
Venerandos Desembargadores, permitam-nos a expressão já velha: “Não é por ai que o gato vai às filhoses”.
XXIII - E se, Venerandos Desembargadores, alguém a pedido do arguido M..., compra um bilhete para a sua companheira D..., com dinheiro ou não, que o arguido tenha deixado nas mãos da arguida O..., isto quererá dizer que a pessoa que comprou o bilhete é responsável por eventual crime de tráfico do actor principal e da sua duplo, companheira?!
XXIV - Porque o douto Tribunal, achar estranho que o arguido, M..., que anda no crime de furtos, como andava (note-se que foi precisamente esse o motivo que deu causa à investigação), ligado a cidadãs brasileiras e que se fazia deslocar num veiculo de marca Audi 3 de matricula espanhola, traficante de moeda falsa, onde se sabe que as percentagens neste ramo de negócio rondam os 80% para o passador de rua, considere estranho o arguido ter deixado na posse da arguida O... cerca de 3.000€?!
XXV - Que dizer do vertido a fls. 28 do douto Acórdão, onde se relatam as tentativas que já no Brasil o arguido M... encetou no sentido de junto da testemunha A..., arranjar fornecedores de cocaína. Ora, diz-nos a experiência comum, se o arguido V... fosse responsável mor por este crime de tráfico, não faria sentido ter sido o arguido M... a contactar a testemunha de acusação, A..., do Brasil para Mirandela, isto porque, a testemunha A... é de Mirandela, conhecida desde infância do recorrente V....
À luz da lógica, e da experiência comum, se o V... tivesse o domínio do facto, ou seja, do negócio, não seria mais fácil este contactar a testemunha em Mirandela, pessoalmente, do que contacta-lo através do arguido M..., por telefone do Brasil para Portugal, isto não faz sentido para a tese do arguido M... e do douto Tribunal! É uma contradição em si mesmo.
XXVI - E Venerandos Desembargadores, como se aceitar de animo leve que o arguido, M... se deslocava ao Brasil para arranjar droga para o recorrente, a troco de uma comissão mísera de 1.500/2.000€, quando o arguido M... nos furtos pelos quais andava a ser investigado e no tráfico de moeda falsa, que adquiria à discrição é comummente sabido que auferia de compensações altamente vantajosas, muito superiores e sem ter que se sujeitar a ser condenado a muitos anos de cadeia.
XXVII - Que dizer do douto comentário exarado a fls. 29 do douto Acordão, paragrafo 2º, onde se diz “…É certo que em audiência de julgamento o arguido V... tentou convencer o Tribunal, sem contudo conseguir, no sentido de nada ter a ver com os actos de tráfico que lhe são imputados, alegando ter sido o arguido M... quem o tentou envolver no negócio em apreço…”.
Surrealismo é, Venerandos Desembargadores, o facto de o douto Tribunal, quanto às circunstâncias em que o recorrente conhecerá o M..., ter dado crédito às declarações do arguido M..., em detrimento das declarações prestadas pelo recorrente V..., corroboradas pela testemunha de acusação, L....
XXVIII - É de realçar, que o Tribunal considere estranho que o recorrente V... tivesse aguardado pelo fim da inquirição da testemunha para lembrar ao Tribunal que esta tinha conhecimento do modo como ambos os arguidos se haviam conhecido, sendo certo que quando inicialmente prestou declarações nada disso relatou ao Tribunal.
Ora, Venerandos Desembargadores, o recorrente afirmou aquando das suas declarações que havia uma testemunha de acusação que tinha conhecimento do modo como ambos os arguidos se haviam conhecido, tendo inclusive dito que tal pessoa se encontrava arrolada como testemunha no âmbito do presente processo.
XXIX - De igual forma, no que concerne à credibilidade das declarações prestadas pelo arguido M... e à tese por que o douto Tribunal na sua livre, pensamos nós, arbitrária convicção, sustenta, veja-se o seguinte: A fls. 32 do douto Acordão, no que concerne ao modo como o arguido C... conheceu o arguido M..., este diz ter conhecido aquele numa casa de alterne. O arguido C..., diz tê-lo conhecido numa casa de móveis em Bragança onde estava a trabalhar a testemunha A..., os quais os apresentou.
Ora, as declarações do arguido C... quanto a este facto, é corroborada pela testemunha A..., e não é que, saiba-se lá porque, uma vez mais, o douto Tribunal dá como verdade as declarações prestadas apenas pelo arguido M..., sem qualquer sustenção em qualquer meio de prova, ou seja, à revelia da prova produzida em julgamento.
XXX – O douto Acordão não faz o exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do Tribunal nos termos exigidos pelo disposto no art. 374º, nº2 do CPP, violando desta forma, esta norma legal.
XXXI – No tocante à detenção das armas, só temos a dizer, pelos motivos já referidos que o recorrente V..., apenas deverá ser julgado pelo prática de um crime de detenção ilegal de apenas uma arma, pistola, marca “star” e não pela detenção e guarda da caçadeira, propriedade de um seu genro, P..., detido no estabelecimento prisional de Izeda, arma manifestada e registada, que apenas se encontrava no quarto do recorrente, porque ali posta pela mulher do P..., U..., sua filha, para evitar que o seu filho de 4 anos de idade pudesse ter qualquer contacto com a mesma. Sendo assim, o recorrente, V..., proprietário da pistola “star” adquirida ao arguido ao M..., só o recorrente deverá ser punido pela detenção ilegal da arma e sua mulher, a arguida O... absolvida do mesmo.
XXXII - Um dos requisitos da sentença (art. 374º , nº2 in fine) é a realização do exame crítico das provas que servem para formar a convicção do Tribunal, e dizer-se a fls. 37 do douto Acordão: “…A convicção do Tribunal sobre os factos não provados, alicerçou-se na falta de consistência da prova sobre os mesmos produzida, em resultado, designadamente, de não terem sido produzidos outros elementos probatórios com força bastante para os sustentarem e de os produzir, a tal propósito, não terem apontado em tal sentido…”. É muito pouco, não basta dizer-se que se acredita mais nas declarações de um arguido do que nas de outro, que até são corroboradas por testemunhas, porque é nossa convicção que o arguido está a dizer a verdade, com isto entraríamos no domínio do arbitrário, contrário à lei em vigor, ou seja, já foi assim mas já o deixou de ser!!! E nem se argumente com o Principio da Livre Apreciação da Prova, porque este também tem limites.
XXXIII - Se se entendesse que o recorrente V... ao ter ido buscar à estação de serviço de Aguieira o arguido M..., a pedido deste e na hipótese de tudo levar a crer que o recorrente sabia que o seu amigo M... trazia produto estupefaciente do Brasil, auxiliado pela arguida D…, e mesmo assim, não se coibiu de o ajudar no transporte da mesma para Mirandela, então o ora recorrente terá cometido o crime de tráfico não como co-autor mas como cúmplice, pois, é punido como cúmplice quem dolosamente e por qualquer forma, prestar auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso, o que levaria a uma atenuação especial da pena.
XXXIV - Nada há nos autos que nos leve a crer que, o recorrente V... tivesse durante a decisão e execução dos factos por parte do arguido M..., o recorrente, V... tivesse o domínio funcional do facto.
Tendo em conta a factualidade que V. Exas. deverão vir a dar como provada, de acordo com o alegado supra, deverá concluir-se que o ora recorrente nunca actuou em co-autoria.
Será gratuito e leviano, insustentável na prova produzida, afirmar-se que o recorrente, V... e O..., adquiriram droga no Brasil, transportada pelo M... e D....
XXXV - Ora, punir o recorrente, por nestas condições e circunstâncias se encontrar na detenção da arma do genro devidamente manifestada no seu quarto, sem ter sido usada por este, pensamos que não tem qualquer cabimento. Nem nos parece ter sido esse o espírito do legislador. Não teria uma interpretação da norma, que levasse neste caso concreto à punição do guardador qualquer apoio ético ou moral.
XXXVI – Sem prescindir do alegado supra, o recorrente terá cometido o crime p. e p. pelo art. 21º, mas sob a forma de cumplicidade, pois age como cúmplice quem dolosamente e por qualquer forma, prestar auxilio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso. E é aplicada ao cúmplice a pena fixada para o autor, especialmente atenuada.
No caso em concreto, a moldura penal varia de 9 meses e 6 dias a 8 anos de pena de prisão.
In casu, dadas as circunstâncias do caso, e as circunstâncias que depõem a favor e contra o arguido, acharíamos por bem que a pena rondasse os 3 anos e 6 meses de pena de prisão, suspensa na sua execução.
XXXVII - No tocante ao crime de detenção ilegal de arma, prevendo a norma incriminadora, in casu, a alternativa entre prisão e multa, no caso do recorrente, feirante, de condição económica pobre e social humilde, bem integrado na comunidade onde vive e trabalha, sustento de filhos e netos.
Acresce que o recorrente, embora já uma vez condenado em pena de multa por detenção ilegal de arma em pena de multa NUNCA cometeu qualquer crime com armas de fogo.
Destarte, somos de opinião que satisfaz de forma suficiente as finalidades da punição a aplicação de uma pena não detentiva da liberdade, não obstante o facto de se encontrar em prisão domiciliária pelo crime de trafico.
Deste modo, entende-se que seria adequada e justa, a pena de 400 dias de multa à taxa diária de 5€, dadas as suas condições económicas.
Sem prescindir, caso assim não se entenda, somos de opinião que o recorrente não deveria ser condenado em pena superior a 12 meses de cadeia.
Nestes termos e nos mais de direito, e porque sendo o Direito Penal, OFICIOSO, Vªs Exªs Venerandos Desembargadores colmatando qualquer deficiência no alegado supra FARÃO JUSTIÇA.”
1.2.2 - arguida O… .
CONCLUSÕES

“1- A conduta da recorrente não pode ser entendida como integrante da prática dos crime de tráfico de estupefacientes e de detenção ilegal de arma.

2- A condenação da ora recorrente não pode ter por base, apenas e só, convicções pessoais e factos subjectivos, sendo considerado como elemento relevante para a prática do crime de trafico de estupefacientes, o ter efectuado transferências bancárias para o Brasil, à ordem de uma tal W..., do M... e do V....
3- Aliás, é manifesto não haver na factualidade dada como provada elementos suficientes para se concluir pela prática em concurso real e efectivo, como co-autora, do crime de tráfico de estupefacientes e pela prática do crime de detenção ilegal de arma, previstos e punidos, respectivamente, pelo artigo 21º, nº1, do Decreto Lei 15/93, de 22 de Janeiro e pelos artigos 3º, nºs 3 e 6, alínea a) e 86º, nº1, alínea c), da lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, pelo que se impõe concluir ter havido notória e errónea apreciação da prova, que de todo em todo convence pela falta de elementos necessários e suficientes para a incriminação da recorrente.
4- Não resulta, sequer dos autos com a necessária clarividência, a prova da participação que efectivamente a ora recorrente teve em toda esta operação, ou seja, se existiu uma decisão conjunta, tendo em vista a obtenção de um determinado resultado e uma execução igualmente conjunta?
5- A prova da participação da ora recorrente, nomeadamente quanto à prática do crime de tráfico de estupefacientes, em co-autoria, não pode retirar-se de meras escutas telefónicas, sem qualquer conteúdo factico e pouco perceptíveis.
6- Não pode ser considerado crime, efectuar, a pedido do seu companheiro, V..., transferências bancárias, para que este pague as suas despesas no Brasil e as de outra qualquer pessoa, nomeadamente as do arguido M....
7- Estando a arguida recorrente, esteve ausente de quase toda a dinâmica do crime, nomeadamente de toda a operação de negociação, dissimulação e transporte da cocaína apreendida, e não estava sequer presente no dia da detenção dos demais arguidos, M..., Debora e V....
8 - A conduta da ora recorrente não preenche os pressupostos exigidos para a pratica em concurso real e efectivo como co-autora dos crime de tráfico de estupefacientes e de detenção ilegal de arma.
9- A ora recorrente, não tem qualquer responsabilidade por toda a tramóia engendrada pelo seu companheiro, V... e pelo arguido M..., estes sim, co-autores do crime de tráfico de estupefacientes e autores dos crimes de detenção ilegal de arma, que jamais se referiram à ora recorrente, como alguém participante e inteirado de todo o sucedido e a quem tinham que prestar contas e pedir responsabilidades.
10 - O nome de O... como sendo Esperança, na versão da Polícia Judiciária, referenciada em investigações anteriores que se desconhecem, nunca foi conhecido no seu meio, sendo tal facto devidamente comprovado por todas as testemunhas abonatórias que depuseram favor da recorrente.
11 - O silêncio da arguida ora recorrente, não a pode prejudicar, trata-se de um exercício de um direito constitucionalmente consagrado, podendo esta fazer uso do mesmo, porquanto foi a primeira vez que se viu envolvida num processo judicial com gravosas consequências em caso de condenação, tendo tomado essa posição em sua defesa, emocionalmente envolvida e incapaz de reagir, quer pela presença do seu companheiro e arguido V..., quer por toda a pressão social que envolvem processos desta natureza.
12 - A condenação da ora recorrente como co-autora do crime de detenção ilegal de arma, é incompreensível, porquanto, não só o arguido V..., seu companheiro, assumiu que uma das armas era sua e a tinha adquirido ao arguido M..., tal como supra se refere na transcrição do seu depoimento, como a outra, era e é, comprovadamente, tal como consta dos documentos juntos aos autos ( livrete ), do seu genro, P..., marido de sua filha, consigo residentes.
13 - É a arguida recorrente pessoa humilde, de modesta condição económica, mãe de família, tendo a seus cargo três filhos e 4 netos, primária nestas andanças da justiça, sem antecedentes criminais, mas, severamente punida pelo tribunal a quo, na pena de 5 anos de prisão pela prática do crime de tráfico e de 1 ano e 9 meses de prisão pela prática do crime de detenção ilegal de arma, quando deveria ter sido absolvida, comparando com a pena, respectivamente, de 4 anos e 9 meses e de 9 meses de prisão, aplicada ao arguido M..., com os antecedentes criminais constantes dos autos e toda a sua envolvência na pratica de ambos os crimes de tráfico de estupefacientes e detenção ilegal de arma, cuja ocorrência sem a sua participação jamais teria acontecido.
14 - Na sequência da factualidade dada como provada resulta que o relacionamento da recorrente com os arguidos, M... e V..., este, seu companheiro, foi meramente pontual, não conhecendo sequer os meandros de toda a operação por estes montada.
15- Certo é que do texto do acórdão recorrido nada de concreto se apura, em relação à ora recorrente além de meras conclusões lógicas de toda a construção do acórdão e factos genéricos.
16 - A qualificação da conduta da arguida, a não ser considerada absolvida pela prática dos crimes de que vem acusada, deverá ser considerada como preenchendo a tipologia do crime de auxílio material p. e p. pelo art. 232.º do C.P. ou, caso assim não se entenda, ser a actuação da mesma considerada como de mera cumplicidade.
16 - O cidadão comum não compreenderá nunca que a recorrente se encontre presa - por um período de 5 anos e seis meses – porque o tribunal entendeu condená-la, com base em conclusões meramente argumentativas, em resultado da sua situação de companheira do arguido V..., quanto à questão do crime de detenção ilegal de arma e da participação nas transferências bancárias para o Brasil em nome de dois dos arguidos, estes sim, co-autores assumidos pela prática do crime de tráfico de estupefacientes.
17- Sendo manifesta a existência dos vícios do artigo 410º, nº 2, do CPP, mormente insuficiência da matéria fáctica e erro notório na apreciação da mesma, há ainda a referir que o douto acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 232.º e 27.º do C.P., artigo 21º, nº1, do Decreto Lei 15/93, de 22 de Janeiro e artigos 3º, nºs 3 e 6, alínea a) e 86º, nº1, alínea c), da lei 5/2006, de 23 de Fevereiro e art. 32.º, n.º 1, 203.º e 205.º, n.º 1, todos da CRP, pelo circunstancialismo verificado e que rodeou a prática dos factos, sendo ainda certo ter havido violação do artigo 71, nº1 e 2 do mesmo C.P., já que no quantum da pena não se atendeu devidamente àquele conjunto de circunstâncias que não fazendo parte do crime depões a favor do agente.
Pelo que, a pena ajustada, a não ser considerada a absolvição da recorrente, pela prática dos crimes de tráfico de estupefacientes e de detenção ilegal de arma, P.e P. pelos artigos 21º, nº1, do Decreto Lei 15/93, de 22 de Janeiro e artigos 3º, nºs 3 e 6, alínea a) e 86º, nº1, alínea c), da lei 5/2006, de 23 de Fevereiro, será o mínimo legal de 3 anos, suspendendo-se a execução da mesma por igual período, atendendo à personalidade da recorrente, às suas condições de vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, bastando para tanto a ameaça da prisão que realiza de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, nos termos do disposto no artigo 50º, nº 1 do Código Penal, na redacção da Lei nº 59/2007, de 4 de Setembro.
Nestes termos, e esperando e confiando no douto suprimento de V.Exªs, deverá ser dado provimento ao recurso, assim se fazendo a mais recta e sã justiça.”
1.2.13 - arguida D....
“CONCLUSÕES
O presente recurso vem interposto do acordão datado de 12/11/2008 que condenou a ora recorrente na pena de 4 anos e 3 meses de prisão pela autoria material de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade p.p. pelo art 21º nº 1, do Dec Lei nº 15/93, de 22/01 por errada aplicação do direito ao não aplicar à ora recorrente o preceituado no art 50º do C.Penal.
Não entendendo o ora recorrente, como foi possivel a aplicação detal moldura penal, não se tendo em atenção ao coteudo do seu relatório sociale o facto da mesma ter quatro filhos de tenra idade a seu cuidado
Ou seja a simples ameaça de uma nova clausura será sufcientepara obrigar a ora recorrente a manter um comportamento social, bem como reforçar os laços de ressocialização por este já estabelecidos.
Terms pelos quais V Exas deverão revogar o acordão recorrido por errada aplicação de direito substituibndo-o por outro que aplique o previsto no art 50º do CP e dessa forma suspendendo a execução da condenação a que a mesma foi sujeita.
Farão Vexas inteira e sã Justiça.”
*
*
O MP respondeu aos recursos interpostos pelos arguidos:
(…) transcrição
Resposta à motivação do recurso da arguida D...

1 - A arguida D… foi condenada como co-autora (com os arguidos M..., V... e O…!) de um crime de tráfico de estupefacientes pp. pelo art. 21°, n.° 1 do DL 15/93, de 22.01, na pena de 4 anos e 3 meses de prisão, bem como na pena acessória de expulsão pelo período de 8 anos.

A arguida veio interpor recurso, sendo certo que nele apenas se põe em causa o facto da pena de prisão não ter sido suspensa, única questão a resolver pelo tribunal recorrido, tal como decorre das conclusões.

Para o efeito, a recorrente realça a confissão que fez dos factos, a motivação que esteve na origem da sua conduta, o papel que teve na introdução da cocaína no país e as suas condições pessoais.

Após, argumenta que razões de reintegração da arguida impunham a aplicação da suspensão da execução da pena.

Como resulta da decisão relativa à matéria de facto que, por economia de meios, aqui se dá por reproduzida, a arguida aceitou transportar do Brasil para Portugal 642,870 gramas de cocaína, a troco da promessa de pagamento da quantia de 7.500 reais; veio a ser detida, quando trazia consigo aquela droga, distribuída pelo interior do corpo, mala de viagem e sapatos, em Santa Comba Dão, quando ela e o arguido M..., seu acompanhante/vigilante, se encontraram com o dono do negócio, o arguido V..., na sequência do seu desembarque no aeroporto de Lisboa.

2 - Provou-se também que a arguida é cidadã brasileira, residente no Brasil, não tendo qualquer relação familiar, de amizade, laboral ou qualquer interesse legítimo em permanecer em Portugal, para onde se deslocou apenas para transportar a cocaína apreendida.

Segundo a recorrente, o tribunal errou ao não aplicar ao caso em apreço o disposto no art. 50° do C.Penal.

Ora, dispõe o citado preceito legal que “o tribunal suspende a execução da pena de prisão em medida não superior a cinco anos de prisão se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”

Como se sabe com a punição pretende-se a protecção dos bens jurídicos tutelados pela norma e a reintegração do agente na sociedade, como decorre do art. 40º do C. Penal.

Ou seja, é em função de considerações preventivas - prevenção geral e especial - que o tribunal terá de se orientar na opção sobre a suspensão da execução da pena de prisão.

Ora, como se sabe, os correios de droga internacionais, embora, em regra, sejam pessoas fragilizadas, nomeadamente, do ponto de vista social e económico, são decisivas para uma parte significativa da introdução de droga em países como Portugal que, como se sabe, não está incluído nos países produtores das drogas mais vulgarizadas, “maxime”, a cocaína e a heroína. Sem os correios da droga, os mandantes de tal negócio, teriam eles próprios que se arriscar na importação da droga ou, então, procurarem outros meios mais sofisticados e dispendiosos que, certamente, não estarão ao seu alcance. Ou seja, existe um certo tipo de importadores de droga — como o arguido V..., no caso dos autos - que se não conseguissem angariar quem, por uma pequena quantia (atento os lucros possibilitados pelo tráfico), lhes faça chegar a droga, nunca conseguiriam, de outro modo, introduzi-la no País.

Como nos parece evidente, suspender a pena em casos como o dos autos, seria frustrar, em grande medida o combate ao tráfico internacional de droga e seria um mau sinal para a comunidade, em termos de prevenção geral. Ou seja, a suspensão da pena, no caso dos autos, não cumpriria um dos objectivos associados às penas, a protecção dos bens jurídicos tutelados pelos preceitos que punem o tráfico de estupefacientes, desde a saúde e, nesta, própria vida e integridade fisica, a segurança e, dentre outros, também, a estabilidade familiar.

Não estando assegurada tal finalidade, não pode ser suspensa a execução da pena que, aliás, o tribunal teve a preocupação de situar praticamente no limite mínimo da respectiva moldura legal.

É neste sentido que se têm pronunciado os nossos tribunais superiores de que é exemplo a jurisprudência citada no acórdão recorrido, bem como também os Acs. do STJ de 18.12.2008, proferidos nos processos 08P2837 e 08P3378 e de 08.05.2008, no processo 08P1134.

Nestes termos e nos demais que V. Exas se dignarão suprir, o recurso não merece provimento, pelo que é da mais elementar JUSTIÇA manter a condenação na pena de 4 anos e 3 meses de prisão efectiva.

Resposta à motivação do recurso da arguida O...

1 - A arguida O... foi condenada, em concurso real e efectivo, como co-autora de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.21, n°1, do Dec. Lei 15/93, de 22.01, com referência às Tabela IB, anexa a tal diploma legal, na pena de 5 (cinco) anos de prisão e de um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 3°,n°s 3 e 6, al.a) e 86,n°1,al.c), da Lei 5/2006, de 23/2, na pena de 1 (um) anos e 9 (nove) meses de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão.

II - Veio interpor recurso e nas respectivas conclusões argumenta que a sua condenação partiu apenas e só de “convicções pessoais e factos subjectivos”, sendo alheia a “toda tramóia engendrada pelo seu companheiro, V... e pelo arguido M..., estes sim, co-autores do crime de tráfico de estupefacientes e de detenção ilegal de arma que jamais se referiram à recorrente como participante de todo o sucedido... .“, pelo que houve “notória e errónea apreciação da prova”; defende que a sua participação na prática dos factos “não pode retirar-se de meras escutas telefónicas sem qualquer conteúdo fáctico e pouco perceptíveis” ou de “transferências bancárias à ordem de uma tal W..., do M... e V...” feitas “a pedido do seu companheiro para que este pague as suas despesas no Brasil e as de qualquer outra pessoa; nega que seja conhecida como Esperança; rejeita que o seu silêncio possa ser interpretado em seu prejuízo; considera incompreensível a sua condenação pela detenção ilegal de arma, por a pistola ser do seu companheiro e a caçadeira pertencer ao marido da filha.

Invoca a sua condição pessoal, económica, familiar e sem antecedentes criminais, bem como a comparação com as penas atribuídas ao arguido M..., para realçar a severidade das penas a que foi condenada.

Alega ainda que, a não ser absolvida dos crimes por que foi sancionada, a sua conduta “deverá sere considerada como preenchendo a tipologia do crime de auxílio material pp. pelo art. 232° do C. Penal ou de mera cumplicidade”.

Afirma ser “manifesta a existência dos vícios, do art. 410º, n.° 2 do CPP, mormente, insuficiência da matéria fáctica e erro notório na apreciação da mesma” e que “o douto acórdão violou o disposto nos arts. 232° e 27º do C.P., art. 21°, n.° 1 do DL 15/93, de 22.01, arts. 30, n.° 3 e 6, alínea a) e 86°, n.° 1, alínea c) da Lei 5/2006, de 23.02, arts 32°, nº 1, 203° e 205°, n.° 1 da CRP, bem como do art. 71°, n.°s 1 e 2 do C.P.”

Considera, por último, que a não ser considerada a sua absolvição que, pela prática dos dois crimes por que foi condenada a pena ajustada “será o mínimo legal de 3 anos, suspendendo-se a execução por igual período”.

III - O recurso impugna a decisão sobre a matéria de facto com vista a afastar a recorrente de qualquer tipo de participação no crime de tráfico de estupefacientes ou de detenção ilegal de arma.

Como se sabe, a impugnação da matéria factual faz-se descontando-se a problemática da validade/invalidade dos meios de prova - pela via prevista no n.° 3 do art. 412° ou através dos vícios previstos no n.° 2 do art. 410° do CPP.

Da conjugação da fundamentação do recurso com as conclusões parece depreender-se que se pretende usar esses dois modos de impugnar a decisão de facto, embora não se seguindo, com rigor, os parâmetros a que devem obedecer.

A motivação começa por transcrever a decisão sobre a matéria de facto e partes da exposição dos motivos de facto que a fundamentam, bem como a indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

Salienta-se, depois, que no acórdão se refere que o arguido M... esclareceu que “a aquisição de cocaína foi efectuada apenas pelo arguido V... com dinheiro deste e para fazer exclusivamente sua a cocaína comprada”, passando a transcrever partes das declarações dos arguidos M... e V…, bem como da testemunha B... que, pretensamente, demonstrarão que a recorrente não praticou os factos que permitiram ao tribunal condená-la ou que ela seja, sequer conhecida como Esperança.

Ora, na motivação atinente à decisão de facto, o Tribunal justifica amplamente por que decidiu implicar a recorrente na participação dos factos, como co-autora dos crimes pelos quais ela e os co-arguidos V..., seu companheiro, M... e D...foram condenados pelo tráfico de estupefacientes e ela e o seu companheiro pelo crime de detenção ilegal de arma.

Com efeito, como resulta de tal parte do acórdão e as próprias transcrições efectuadas pela recorrente não desmentem ou, mesmo, confirmam é que a arguida, embora, aparentemente, não conhecendo o arguido M... e vice-versa — assim como não conhecia de todo a arguida D...- tal não significa que não estivesse a par dos factos que se consumariam com a importação da cocaína, do papel de cada um dos intervenientes nessa actividade e do papel relevante que nela teve, ao fazer as aludidas transferências do dinheiro necessário para o efeito, bem como mais tarde diligenciar pelo pagamento da passagem aérea da D...para Portugal. Ou seja, conhecendo o modo e circunstâncias da aquisição da cocaína tomou parte activa na mesma, contribuindo de modo decisivo para a sua concretização, interpretando o papel que lhe fora confiado e esforçando-se para que o objectivo comum fosse levado a bom termo.

Tal resulta evidente das págs. 30, parte final, 31 e 32 do acórdão. Aí se demonstra que as transferências bancárias que fez e serviram para adquirir a droga e pagar as despesas efectuadas com a deslocação ao Brasil pelos arguidos M... e V… teriam de ser do seu conhecimento se as conjugarmos com o teor da escutas telefónicas nessa parte do acórdão indicadas que inequivocamente demonstram o seu empenho em providenciar pelo dinheiro necessário ao pagamento da passagem da D...para Portugal que, como sabemos, era a transportadora da droga. De outro modo, a que propósito a recorrente se empenharia tanto, no pagamento dessa passagem a uma estranha? O raciocínio lógico é que ela sabia que era personagem decisiva na importação da droga que o seu companheiro foi parte activa. Poderia ter ao menos tentado persuadir o tribunal que essa dedução lógica, em face das regras da experiência comum, não tinha razão de ser, adiantando, porventura, outra explicação - plausível - se é que havia alguma - para essa sua actuação. Não o fez, no uso de um direito que lhe assiste, mas tal não invalida que o tribunal não retire conclusões de determinada actuação da arguida, demonstrada nos autos que, segundo atentas as circunstâncias do caso levam à conclusão que a arguida esteve activamente implicada no tráfico da cocaína.

Pretende, ainda, a recorrente demonstrar que não é conhecida como Esperança e, se bem entendemos, não é a interlocutora das escutas telefónicas atribuídas a tal personagem.

Como decorre da transcrição feita pela recorrente, no que concerne à inquirição do Inspector B..., tal nome foi colocado nas transcrições para identificar a companheira do arguido V... porque, segundo apurou, será assim que ela é conhecida na comunidade cigana em Mirandela. Como se constata das escutas, em parte alguma ela se atribui ou alguém a ela se refere com tal nome. Mas tal facto é inócuo à decisão dos factos, porquanto não há dúvida alguma que é a recorrente O... a interlocutora nessas escutas, quer ela se chame Esperança ou não.

No que diz respeito à matéria factual que levou à condenação da recorrente pelo crime de detenção ilegal de arma, também o Tribunal Colectivo foi suficientemente elucidativo e convincente das razões que tal permitiram (cfr. págs. 35/36). Por isso, remetemos para essa parte do acórdão que aqui se dá por reproduzido.

Em suma, a recorrente não consegue demonstrar que o tribunal fez um errado julgamento das provas ou que as ilações que retirou dessas provas não eram com elas consentâneas. Mais do que isso, a leitura que o tribunal faz dessas provas, exaustivamente explicadas no texto do acórdão demonstra, à saciedade, que a decisão sobre a matéria de facto não poderia ser outra que não a expressa nessa peça processual.

É evidente, também, que o acórdão não enferma de qualquer dos vícios apontados no n.° 2 do art. 410º do CPP, sendo certo que a recorrente se limita a fazer tal afirmação genérica sem, concretamente, apontar onde e em que se traduzem tais vícios.

IV - Claramente, como resulta da decisão de facto a recorrente é co-autora do crime e não cúmplice, porquanto teve, tal como os seus co-arguidos, uma resolução e objectivo comuns, havendo, como supõe a co-autoria, um divisão de trabalho que tornou possível o desiderato criminoso. Tal matéria está também tratada no acórdão (cfr. fls. 46 a 49) pelo que sobre ela nos dispensamos de tecer mais considerandos.

Relativamente à medida da pena, quer as parcelares, quer a única, acompanhamos o decidido no acórdão, bem como a respectiva fundamentação, pelo que é de todo desajustado aos fins das penas o pretendido pela recorrente.

A invocação feita pela recorrente de que o tribunal lhe teria dado um tratamento mais gravoso de que ao arguido M... mostra-se inteiramente descabida, uma vez que o acórdão é bem claro e fundamenta, devidamente, as diferentes penas aplicadas. Mesmo que assim não fosse, o que não é o caso, uma pena incorrectamente fixada, por defeito, a um arguido, mostra-se insusceptível de justificar a redução da pena, correctamente, fixada a outro (cfr. Ac. STJ de 29.10.2008, processo 2875/08-3).

Nestes termos e nos demais que V. Exas se dignarão suprir, o recurso não merece provimento, devendo confirmar-se o acórdão recorrido na sua totalidade, com o que se fará JUSTIÇA.

Resposta à motivação do recurso do arguido V...

1 - O arguido V... foi condenado, em concurso real e efectivo, como co-autor de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.21, n°1, do Dec. Lei 15/93, de 22.01, com referência às Tabela IB, anexa a tal diploma legal, na pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão e de um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 3°, n°s 3 e 6, al.a) e 86,n°l,al.c), da Lei 5/2006, de 23/2, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de 7 anos e 6 meses de prisão.

II - O arguido veio interpor recurso, pondo em causa a decisão sobre a matéria de facto que, segundo alega, assenta nos vícios previstos nas alíneas a) e c) do n.° 2 do art. 410° do CPP, ou seja, na “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada” e “erro notório na apreciação da prova”, como se podê ver da enunciação inicial dos motivos do recurso (cfr. pág. 2 da motivação).

Não é, porém, nessa enunciação que se deve procurar o objecto do recurso, mas nas conclusões do mesmo, porque é por elas que se delimita o seu âmbito, como é doutrinária e jurisprudencialmente reconhecido.

Ora, as referidas conclusões não são mais que uma crítica à convicção expressa pelo Tribunal Colectivo, no seu acórdão, com vista a fundamentar a decisão sobre a matéria de facto.

Assim, recorrendo a essa convicção argumenta-se que o tribunal não poderia dar como provados determinados factos, no caso, os que implicam o recorrente como co-autor dos crimes por que foi condenado.

E nas conclusões, torna a afirmar que “os fundamentos do recurso, são os constantes do art. 410°, n.° 1 e 2 al. a), b) e c) do CPP” (cfr. conclusão II). Extrai-se, ainda, das conclusões XXX e XXXII a argumentação de que o exame crítico das provas, a que se refere o art. 374°, n.° 2 do CPP, se apoda de meramente subjectivo.

Subsidiariamente, termina, contraditoriamente, com o alegado anteriormente, alegando que a ter cometido o crime de tráfico de estupefaciente por que foi condenado terá sido apenas como cúmplice, porque se teria limitado a ir buscar os arguidos M... e D..., sabendo que os mesmos transportavam droga e, consequentemente, pedindo uma pena a rondar os 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução.

No tocante ao crime de detenção ilegal de arma defende que deve ser restringido à detenção da pistola “Star” e que a respectiva punição se deve quedar por uma pena de multa.

III - Como já se disse, a impugnação da decisão de facto assenta tão só na crítica que o recorrente faz à fundamentação do exame crítico das provas. Ou seja, partindo de determinadas afirmações feitas no acórdão, a propósito das provas produzidas, para fundamentar a convicção do tribunal para decidir da matéria de facto, o recorrente ataca o raciocínio do Tribunal, questionando-o e substituindo-o por outro que originaria uma outra decisão de facto, naturalmente, absolutória do recorrente.

Antes de mais, por economia de meios, dá-se aqui por reproduzida a decisão sobre matéria de facto e os considerandos constantes do acórdão a propósito das provas que fundamentaram aquela decisão.

O recurso ataca a decisão de facto por via dos dois referidos vícios previstos nas alíneas a) e c) do n.° 2 do art. 410° do CPP, sendo certo, porém, que o faz de uma forma genérica, não concretizando o que configurará a insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ou o erro notório na apreciação da prova.

Como se sabe e resulta daquele preceito tais vícios hão-de resultar do texto da decisão recorrida por si só ou conjugada com as regras da experiência comum.

Por isso, definidos os termos do recurso, pelas respectivas conclusões, são inócuas as “alusões aos depoimentos de testemunhas e ou declarações de arguidos, uma vez que a impugnação da matéria de facto não obedece à estruturação prevista no n.° 3 do art. 412° do CPP.

Ora, o tribunal de forma exaustiva, lógica e racional expõe os motivos por que deu como provados os factos que levaram à condenação do recorrente e dos restantes arguidos. Lendo tal parte do acórdão não se vislumbra, em parte alguma, que o tribunal haja feito uma leitura subjectiva das provas, assente em puras convicções íntimas. Pelo contrário, a leitura que o tribunal fez das provas assentou em critérios objectivos, obedecendo a raciocínios lógicos e racionais que convencem qualquer leitor da sua bondade.

Não existe um só argumento esgrimido pelo recorrente que não encontre resposta na parte do acórdão que versa sobre “as provas que serviram para formar a convicção do Tribunal” que se desenvolve ao longo das páginas 18 a 37. Aí se justifica a decisão relativa à tentativa frustrada de importação de produto estupefaciente em Setembro de 2007 (págs. 27/28), a falta de credibilidade da testemunha L...(págs. 29/30), o envolvimento da arguida O... na importação da cocaína (págs. 26/27), os motivos por que se acredita na versão do arguido M..., em relação ao domínio do negócio da importação da cocaína, quando conjugada com os elementos objectivos, designadamente, as escutas aí referidas, a versão da arguida D...e, em contraponto, a falta de coerência das declarações do recorrente em si mesmas e, sobretudo, com o teor das escutas (págs. 18 a 24).

No que diz respeito, à detenção das armas, nas condições expressas na decisão de facto (pontos 23, 38 e 43), o tribunal fundamenta de modo convincente para qualquer destinatário do acerto de tal decisão, como se pode constatar das págs. 35/36 que aqui se dá por reproduzido.

É, pois, por demais evidente que o acórdão recorrido não padece de qualquer dos vícios a que alude o art. 4 10°, n.° 2 do CPP.

Deve, por isso, manter-se, na sua totalidade, a decisão sobre a matéria de facto.

IV- Não tem, igualmente, qualquer fundamento o pedido subsidiário para a punição do recorrente como cúmplice do crime de tráfico, pois que de verdadeiro autor se trata, sendo ele e a mulher os donos do negócio, não passando os arguidos M... e D...de meros “peões de brega” do recorrente.

Igualmente é de afastar, liminarmente, a punição da detenção das armas por parte do recorrente somente com pena de multa, pois a anterior punição por crime idêntico com tal pena não surtiu qualquer efeito preventivo.

Nestes termos e nos demais que V. Exas se dignarão suprir, o recurso não merece provimento, devendo confirmar-se “in totum”, o acórdão o que será da mais elementar JUSTIÇA.”

*

Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu o seguinte
PARECER

“Com data de 12 de Novembro de 2008, foi proferido acórdão no âmbito dos autos de processo comum colectivo acima identificado, que, entre outros, condenou os arguidos, ora recorrentes

- D... - como co-autora de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art do Dec. Lei 15/93, de 22.01 com referência às Tabela IB, anexa a tal diploma legal, na pena de 4 anos e 3 meses de prisão a que acresce a pena acessória de expulsão pelo período de 8 anos

- O... - em concurso real e efectivo, como co-autora de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.21 do Dec. Lei 15/93, de 22.01, com referência às Tabela IB, anexa a tal diploma legal, e de um crime de detenção ilegal de arma p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 3°, n°s 3 e 6, al. a) e 86, n°1, al.c), da Lei 5/2006, de 23/2, nas penas parcelares de 5 anos e de 1 ano e 9 meses prisão, respectivamente, e em cúmulo jurídico na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão.

- V... - em concurso real e efectivo, como co-autor de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 2lº, nº 1, do Dec. Lei 15/93, de 22.01, com referência às Tabela IB, anexa a tal diploma legal e de um crime de detenção ilegal de arma p. e p. pelas disposições conjugadas dos arts. 3°,n°s 3 e 6,al a) e 86, n°l, al.c), da Lei 5/2006, de 23/2, nas penas parcelares de anos e 6 meses e de 2 anos 6 meses respectivamente, e em cúmulo jurídico na pena única de 7 anos e 6 meses de prisão.

Aos recursos respondeu o senhor Procurador da República, pugnando pela manutenção do decidido.

O regime e efeito que lhes foram fixados são os próprios.

O âmbito do recurso é definido através das conclusões extraídas pelo recorrente da respectiva motivação — artigo 412º n. 1 do CPP -, o que não preclude o conhecimento oficioso dos vícios enumerados no artigo 410. n.° 2, alíneas a) a c) do dito CPP, desde que eles resultem do texto da decisão recorrida, por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum.

DO RECURSO INTERPOSTO PELA ARGUIDA D...

Por delimitação da própria, o recurso da arguida é circunscrito à medida da pena aplicada, não no seu “quantum”, mas na sua concreta execução, por entender que a mesma deveria ter sido suspensa.

A recorrente foi condenada como co-autora de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21 do Dec. Lei 15/93, de 22.01 com referência às Tabela IB, anexa a tal diploma legal, na pena de 4 anos e 3 meses de prisão a que acresce a pena acessória de expulsão pelo período de 8 anos.

Sobre a recorrente, o tribunal deu como provado que -

“12 — (...) através de uma tal “Z...” e de um tal “T...”, que não foi possível identificar, contactou a arguida.

D…, que aceitou transportar a cocaína para Portugal, a troco do pagamento de cerca de 7500 reais.

13 — Assim, no dia 21/10/2007, o arguido M... dividiu a cocaína cuja compra o arguido V... havia ajustado, repartindo-a por diversas embalagens feitas com preservativos que havia adquirido, introduzindo algumas na vagina e no ânus da arguida D...e acondicionando outras nas sapatilhas e na mala de viagem desta.

14 a 17 - [factos relativos ao embarque no Brasil e desembarque em Portugal e contactos com o arguido V...,já nas imediações de Santa Comba Dão]

18 - A arguida D...transportava 4 embalagens de cocaína na mala de viagem, 3 nos sapatos e expeliu da vagina e do ânus, já no Hospital de Vila Real, para onde foi conduzida, 17 embalagens do mesmo produto, com o peso bruto total de 704,1 gr.

18 - Submetidas a exame laboratorial, verificou-se que as referidas embalagens eram de cocaína, com o peso líquido total de 642,870g.

(...)

36 - Os arguidos M..., V..., O... e D... sabiam que a substância adquirida pelos arguidos V... e O... e transportada pela D...era cocaína, conhecendo as características estupefacientes e psicotrópicas de tal substância.

37 - Sabiam, igualmente, que a compra, venda, detenção e transporte de cocaína são condutas proibidas e punidas por lei.

(..)

45-A arguida D..., que é cidadã brasileira, reside no Brasil, não tem qualquer relação familiar, de amizade, laboral ou qualquer interesse legítimo em permanecer em Portuga onde se deslocou apenas para transportar a cocaína que foi apreendida.

(...)

48 - Não são conhecidos antecedentes criminais às arguidas O... e D.... (...)

60 - À data dos factos a arguida D...encontrava-se desempregada há já três meses, sendo que antes trabalhava numa fotocopiadora, auferindo mensalmente 450 reais.

61 - Tem quatro filhos de ll, 10, 4 e 2 anos de idade.

62 - À data dos factos vivia com os quatro filhos numa casa arrendada, pagando de renda 120 reais.

63 - Possui como habilitações literárias o 6º ano.

(..)

69 - Os arguidos M... a e D...declararam encontrar-se arrependidos.”

Nos termos deste art. 2l nº 1, que, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40º , plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.”

Feito o enquadramento jurídico-penal das condutas dos diversos arguidos, e acerca da natureza e medida da sanção penal a aplicar a cada um deles, tem-se em conta o disposto no art.72º nº 1, do C.P. que prescreve que «a determinação da medida da pena, dentro dos limites fixados na lei, far-se-á em fiunção da culpa do agente, tendo ainda em conta as exigências de prevenção de futuros crimes».

Há, assim, uma dupla exigência legal - a medida da pena deve ser concretamente fixada em função da culpa e da prevenção.

Como se anota no acórdão recorrido, citando o Professor Figueiredo Dias, “através do requisito de que sejam levadas em conta as exigências da prevenção, dá-se lugar à necessidade comunitária da punição do caso concreto e, consequentemente, à realização in casu das finalidades da pena através do requisito de que seja tomada em consideração a culpa do agente, dá-se tradução à exigência de que a vertente pessoal do crime - ligada ao mandamento incondicional de respeito pela eminente dignidade da pessoa do agente - limite de forma inultrapassável as exigências de prevenção.” ( “DIREITO PENAL PORTUGUÊS - Prof. Dr. Figueiredo dias )

Na aplicação de uma pena há que ter em conta a “medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto”, que se traduz na “tutela das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma infringida” — “prevenção geral positiva ou de integração”- o que implica atender a diferentes factores, directamente relacionados com o facto e com o agente concretos.

Por outro lado, a medida da pena não pode nunca ultrapassar a medida da culpa, que assim “constitui um limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas — sejam de prevenção geral positiva ou antes negativa, de integração ou antes de intimidação, sejam de prevenção especial positiva ou negativa, de socialização, de segurança ou de neutralização’”.

Por último (sempre acolhendo os ensinamentos do Prof. Figueiredo Dias), “dentro dos limites consentidos pela prevenção geral positiva ou de integração (..) podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial de socialização, sendo eles que vão determinar, em último termo, a medida da pena.”

Concretizando estes critérios, o tribunal recorrido referiu - “Relativamente ao grau de ilicitude, no que respeita ao crime de tráfico de estupefacientes, estamos perante tráfico de cocaína, por via aérea, procedente do Brasil, na quantidade líquida de 642,870 gramas, substância que os arguidos V... e O..., decidiram adquirir no Brasil, em conjugação de esforços com os arguidos M... e D..., os quais a troco da colaboração, nos termos descritos na factualidade provada, tinham a expectativa de receber 1500 a 2000 euros e 7500 reais, respectivamente. Deste modo, tendo em vista a qualidade do produto estupefaciente - cocaína - considerada droga dura, cujo abastecimento e disseminação conduz a conhecidos efeitos perniciosos, a quantidade da substância estupefaciente, a forma e os meios utilizados na execução do crime (transporte dissimulado no corpo e na bagagem e por via aérea), a que acresce estarmos perante tráfico internacional na base do qual não pode deixar de se encontrar envolvida uma estrutura organizada, é evidente que a ilicitude dos factos se mostra bastante elevada.

(…)

As exigências de prevenção geral, no que respeita ao crime de tráfico de estupefacientes, traduzidas na necessidade de reafirmar a validade da norma violada aos olhos da comunidade, são acentuadas, constituindo o crime em apreço um dos actuais flagelos, afectando principalmente as camadas populacionais mais jovens, com prejuízo para o desenvolvimento físico e psíquico da pessoa humana, sendo além de juridicamente censurável, fonte criadora de desvio social e marginalidade social e cultural.

(...)

A favor das arguidas O... e D..., milita o facto de não lhes serem conhecidos antecedentes criminais (…). Igualmente a arguida D...confessou os factos que lhe vinham imputados, mostrando-se arrependida, sendo críveI, à luz das regras da experiência comum, que a sua participação no crime em apreço tenha sido fruto de um mau momento e resultado de uma cedência à tentação de obter algum dinheiro com um simples transporte, apesar dos inerentes riscos a tal actividade de correio da droga.

Todavia, importa salientar que a confissão da arguida não assume, no caso vertente, grande relevo, porquanto foi a mesma detida em flagrante delito na posse da cocaína.

Milita a favor de todos os arguidos a sua modesta condição social.

Perante este concreto circunstancialismo e tendo em conta a moldura penal abstracta do crime por que foi condenada (no mínimo de 4 anos e no máximo de 12 anos de prisão), afigura-se perfeitamente ajustada e equilibrada a pena de 4 anos e 3 meses que lhe foi aplicada.

Sustenta a recorrente que esta pena de prisão deveria ter sido suspensa na sua execução, tendo em conta a sua situação económica e familiar, cuja fragilidade e debilidade foram os factores determinantes para a sua conduta.

Sobre a possibilidade de suspender ou não a pena aplicada à recorrente, após tecer considerações legais acerca do referido instituto, o tribunal recorrido pronunciou-se nos seguintes termos — “In casu, estamos perante um crime de tráfico de estupefacientes, consubstanciado no transporte aéreo do Brasil para Portugal de mais de meio quilo de cocaína.

Vem sendo entendimento do S.T.J. que nos crimes de tráfico deve atender-se a fortes razões de prevenção geral impostas pela frequência desse fenómeno e das suas nefastas consequências para a comunidade, não se ignorando que parte significativa da população prisional portuguesa cumpre pena, directa ou indirectamente, relacionada como tráfico de estupefacientes.

(...)

Não se pode ignorar o papel essencial dos “correios” na conformação dos circuitos de tráfico permitindo a disseminação de um produto que produz as consequências mais nocivas em termos sociais e ainda que se reconheça que, por regra, são pessoas fragilizadas em termos económicos têm, todavia, a consciência de serem os instrumentos de um mal.

Em face de tudo o exposto, é entendimento deste tribunal colectivo que as manifestas exigências de prevenção geral que no caso se fazem sentido afastam a aplicação do instituto em causa.”

Nos termos do art. 50 nº 1, do Código Penal na redacção actualmente em vigor, “o Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam deforma adequada e suficiente as finalidades da punição».

Para além se de tratar de pena não superior a cinco anos, torna-se ainda necessário que se possa concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena realizam de forma de adequada e suficiente as finalidades da punição, isto face à personalidade do arguido, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste.

Ora, tendo em conta as concretas circunstâncias em que o crime foi cometido, mediante aquisição do estupefaciente em pais estrangeiro, a natureza e características do produto em causa, o modo como foi trazido do Brasil para Portugal, com recurso a “terceiros” que a troco da promessa de assim conseguir algum dinheiro (de que carece, face à sua situação económica), aceita servir de “correio”, e não esquecendo o uso recorrente a este tipo de transporte, não pode a pena aplicada (muito próximo do seu limite mínimo) ser suspensa na sua execução, sob pena de se porem em causa as finalidades da punição, nomeadamente frustrando-se as prementes necessidades de prevenção geral.

Por tais razões, e ainda tendo em conta os argumentos apresentados pelo senhor Procurador da República, crê-se que é de afastar qualquer possibilidade de suspensão da execução pena, desta forma improcedendo o recurso interposto, mantendo-se a decisão recorrida.

DO RECURSO INTERPOSTO PELA ARGUIDA O...

Tanto quanto é possível extrair da leitura das conclusões apresentadas pela recorrente, a mesma pretende impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto (considerando ter sido efectuada errada apreciação da prova) e também a decisão sobre a matéria de direito (neste contexto quer quanto à natureza da sua participação - co-autoria/cumplicidade -, quer quanto à medida da pena).

Vem a recorrente questionar a apreciação da prova produzida em audiência, impugnando a matéria de facto que foi dada como assente na decisão recorrida.

A impugnação da matéria de facto pode ter lugar por duas vias -

- Invocando os vícios decisórios do art. 4l0 nº 2, do CPP

- Invocando elementos da documentação da prova produzida em julgamento.

No 1º caso a arguição dos vícios só pode fazer-se através do texto da decisão recorrida, circunscrevendo-se a apreciação da matéria de facto ao que consta desse texto, por si só considerado ou em conjugação com as regras da experiência comum, sem possibilidade de apelo a outros elementos estranhos ao texto, mesmo que constem do processo.

Os vícios da decisão têm de emergir ou resultar do próprio texto, têm de ser intrínsecos à própria decisão como peça autónoma.

No 2º a apreciação já não se restringe ao texto da decisão recorrida, mas à análise do que se contém e pode extrair da prova (documentada) produzida em audiência, mas sempre a partir de balizas fornecidas pelo recorrente, no estrito cumprimento do ónus imposto pelos n°s 3 e 4 do art. 412º do CPP. (2 STJ, 12.06.2008 — Processo 07P4375)

Estabelece o citado art. 412º -

Nº 3 - “Quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados,

b) As concretas provas que impõem decisão diversa da recorrida,

c) As provas que devem ser renovadas.

Nº 4 - “Quando as provas tenham sido gravadas, as especificações previstas nas alíneas b) e c) do número anterior fazem-se por referência ao consignado na acta, nos termos do disposto no n.° 2 do artigo 364.°, devendo o recorrente indicar concretamente as passagens em que se funda a impugnação.”

Quanto aos “concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados”, a recorrente não faz qualquer indicação concreta e precisa dos que assim considera, como igualmente, a nosso ver, não refere as concretas provas que impunham decisão diversa da recorrida e quais as provas que em seu entender deveriam ser renovadas (apenas transcreve parcialmente o depoimento de uma testemunha, tece considerações, questiona e conjectura a partir do seu entendimento sobre a prova).

Conforme já decidiu o STJ “o labor do Tribunal da Instância num recurso da matéria de facto não é uma indiscriminada expedição determinada a repetir toda a prova (por leitura e/ou audição) mas sim um trabalho de reexame da apreciação da prova (...) nos pontos incorrectamente julgados, segundo o recorrente e a partir das provas que, no mesmo entender, impõem decisão diversa da recorrida (art. 412°, nº 5, als. a), b) e c) do CPP) e levam à transcrição (n.°4 do art. 412°do CPP). Se o recorrente não cumpre esses deveres não é exigível ao Tribunal Superior que se lhe substitua e tudo reexamine; quando o que lhe foi pedido é que sindique erros de julgamento que lhe sejam dcvidamente apontados, com referências às provas e respectivos suportes”. [Ac STJ 24-10-2002].

Assim, não tendo impugnado a matéria de facto nos termos do art. 412º, nº 3 e nº 4 do CPP, crê-se, terá de entender-se como definitivamente assente a factualidade fixada pelo tribunal recorrido, sem possibilidade de a mesma poder ser alterada por este Tribunal da Relação, face ao disposto no art. 43lº b) do CPP, a não ser que o acórdao recorrido padeça dos vícios a que alude o art. 4l0 do CPP, que são do conhecimento oficioso.

Nas suas conclusões a recorrente refere que é “manifesta a existência dos vícios do art.410 nº 2 do CPP, mormente insuficiência da matéria fáctica e erro notório na apreciação da mesma (...)“ – Conclusão l7.

Mas este “reparo” é apenas feito nas conclusões.

Com efeito, na parte expositiva da motivação, em momento algum a recorrente assaca qualquer vício decisório ao acórdao recorrido.

Nos termos do art. 4l2º nº 1 do CPP “A motivação enuncia específicamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

No caso, como se referiu, a motivação não faz qualquer referência aos vícios constantes do art.4l0º do CPP, os quais, todavia, por serem do conhecimento oficioso sempre poderiam ser objecto de apreciação por este Tribunal.

Sucede, no entanto, que inexiste qualquer insuficiência na matéria de facto provada, qualquer contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão ou erro notório na apreciação da prova, vícios estes previstos no nº 2 do citado artigo 410º, os quais teriam de resultar do próprio texto da decisão recorrida, por si só, ou conjugados com as regras da experiência comum, não podendo o tribunal ad quem socorrer-se de quaisquer outros elementos constantes do processo.

Ao longo da sua motivação, a recorrente impugna é a convicção adquirida pelo Tribunal recorrido, esquecendo o princípio da livre apreciação da prova previsto no art.127 do CPP, de acordo com o qual a convicção do julgador motiva-se em critérios lógicos e objectivos, base de uma convicção racional e objectivável que, em julgamento assume particular relevo, estando então assente em outros dois princípios basilares da apreciação da prova - o da oralidade e o da imediação.

Resulta da fundamentação da matéria de facto, que a prova produzida foi globalmente avaliada, com recurso às regras da experiência comum, tendo o tribunal explicitado exaustivamente a motivação do processo lógico e racional que levou à formação da sua convicção.

Desta forma, tendo ainda presentes os argumentos constantes da resposta apresentada pelo senhor Magistrado do Ministério Público, considerando-se a factualidade dada como assente, cremos que a mesma demonstra estarem preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do tipo de crimes imputados à recorrente, como igualmente se mostra ponderada e proporcionada a pena única aplicada, resultante do cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas, elas também justa e equffibradamente determinadas.

DO RECURSO INTERPOSTO PELO ARGUIDO V...

Das extensas conclusões apresentadas pelo recorrente, delas se poderá inferir que o mesmo pretende pôr em causa a decisão proferida não só sobre a matéria de facto como também a proferida sobre a matéria de direito.

Conclui especificamente no PONTO II que “são fundamentos do recurso, os constantes do art. 410, nº 1 e 2, a), b) e c) do CPP”.

A este propósito valem as considerações acima expostas - a arguição dos vícios constantes do art. 4l0 nº 2 do CPP só pode fazer-se através do texto da decisão recorrida, circunscrevendo-se a apreciação da matéria de facto ao que consta desse texto, por si só considerado ou em conjugação com as regras da experiência comum, sem possibilidade de apelo a outros elementos estranhos ao texto, mesmo que constem do processo.

Os vícios da decisão têm de emergir ou resultar do próprio texto, têm de ser intrínsecos à própria decisão como peça autónoma.

Em nenhum momento da sua motivação (parte expositiva e conclusões) o recorrente indica onde e em que circunstâncias esses vícios ocorrem e inquinam o acórdão recorrido.

Também como já se referiu, esses vícios são de conhecimento oficioso.

Mas, como antes se referiu e agora se repete, sucede que inexiste qualquer insuficiência na matéria de facto provada, qualquer contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão ou erro notório na apreciação da prova, vícios estes previstos no nº 2 do citado artigo 410º.

Inexistindo tais vícios, sempre poderia estar em causa erro de julgamento, como parece pretender o recorrente, isto é, o tribunal recorrido teria dado como provados factos relativamente aos quais não teria sido feita prova bastante e que, por isso, deveriam ter sido dados como “não provados”, estando-se, assim, no domínio da documentação da prova produzida em julgamento, sendo certo que, então, deveria o recorrente ter dado cumprimento ao ónus imposto pelo art. 4l2º do CPP, o que, temos para nós, se não verifica, valendo aqui as considerações que a propósito tecemos relativamente à motivação de recurso apresentada pela arguida O....

Desta forma, assente que está a factualidade como tal considerada pelo Tribunal recorrido, dela se extrai estarem também preenchidos os elementos objectivos e subjectivos dos ilícitos penais por que o ora recorrente foi condenado, e condenado em penas que, na sua dosimetria parcelar e única, se mostram justas, adequadas e proporcionadas em função da natureza dos crimes cometidos e da conduta do recorrente espelhada ao longo do acórdão recorrido.

Assim, também quanto ao recurso interposto pelo recorrente V..., acompanhando uma vez mais os fundamentos constantes da resposta apresentada pelo senhor Procurador da República, entende-se que o recurso não merece provimento, sendo de manter o acórdão recorrido.”

*

Foi cumprido ao disposto no art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.
Colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir.
*
II. FUNDAMENTAÇÃO.
II.a – Fundamentação de facto.
2.1. No acórdão recorrido foi proferida a seguinte decisão de facto:
“A) Discutida a causa resultaram provados os seguintes factos
1 - Os arguidos V... e O... vivem em união de facto, desde há vários anos, na cidade de Mirandela.
2 - Em data não concretamente apurada, mas, pelo menos, desde meados de Setembro de 2007, os arguidos V... e O... decidiram comprar produto estupefaciente no Brasil, a fim de, posteriormente, a venderem em Portugal, a quem os procurasse para tal efeito, de forma a auferirem lucros que sabiam ilícitos.
3 - Na sequência de tal decisão e na execução da mesma, o arguido V... estabeleceu diversos contactos com um indivíduo não identificado, mas que trata por “Irmão”, que se encontrava no Brasil, pretendendo que este lhes fornecesse produto estupefaciente.
4 - Combinados os termos da transacção, a arguida O... remeteu para o Brasil, no dia 19/09/2007, via serviço Western Union, com o Número de Controlo de Transferência de Dinheiro (Money Transfer Control Number –MTCN) …..1, a importância de 2 500€, em nome de W..., ex-mulher do referido “Irmão”, para pagamento do produto estupefaciente.
5 - Sucede que, porque a pessoa encarregada de fazer o transporte da droga foi descoberta quando o fazia, tal produto não chegou ao seu destino, ou seja à posse dos aludidos arguidos, que se viram privados dos aludidos 2 500€.
6 - Decidiram, então, os arguidos V... e O..., que seria preferível arranjarem forma de contactar pessoalmente quem lhes vendesse a cocaína, no Brasil, e tratarem eles próprios de diligenciar pelo respectivo transporte de forma a terem o êxito que não alcançaram com a descrita tentativa.
7 - Contactaram o arguido M..., também conhecido por “Pedro” e de quem eram conhecidos, a quem expuseram o plano que haviam delineado para adquirirem a cocaína e a quem propuseram, a troco de uma quantia monetária entre 1500 a 2000 euros, que com eles colaborasse, conjugando esforços, em ordem à concretização do mesmo.
8 - Assim, na execução de tal plano, previamente combinado, os arguidos V... e M... deslocaram-se ao Brasil, no dia 04/10/2007, com passagens de avião compradas pelo arguido V..., onde permaneceram vários dias, em Brasília e Goiânia, diligenciando pela aquisição da cocaína.
9 - Para a compra desta, para pagamento a quem a transportasse e demais despesas que fosse necessário efectuar, a arguida O... remeteu diversas importâncias em dinheiro para o Brasil, quer em nome do arguido V..., enquanto aí permaneceu, quer em nome do arguido M..., tudo como haviam previamente combinado.
10 - Assim, remeteu em nome de M…, em 10/10/2007, MTCN 0973999830, a importância de 1 600€; em 16/10/2007, MTCN 6589707639, a importância de 1 600 €; em 17/10/2007, MTCN 3432530157, a importância de 3 000€; em 19/10/2007, MTCN 4638451282, a importância de 300€; em nome de V..., remeteu em 10/10/2007, MTCN 8793173840, a importância de 1 600€.
11 - Ajustada a compra da cocaína entre o V... e o fornecedor, a cerca de 3.000 euros o Kg, aquele regressou a Portugal, no dia 13/10/2007, continuando no Brasil o arguido M..., procurando quem trouxesse a cocaína para Portugal..
12 – Foi assim que, através de uma tal “Z...” e de um tal “T...”, que não foi possível identificar, contactou a arguida D..., que aceitou transportar a cocaína para Portugal, a troco do pagamento de cerca de 7500 reais.
13 - Assim, no dia 21/10/2007, o arguido M... dividiu a cocaína cuja compra o arguido V... havia ajustado, repartindo-a por diversas embalagens feitas com preservativos que havia adquirido, introduzindo algumas na vagina e no ânus da arguida D...e acondicionando outras nas sapatilhas e na mala de viagem desta.
14 - De seguida, rumaram a Lisboa, embarcando em Brasília, no voo TP172, pelas 18h e 55 m, desse dia, sendo que o bilhete da arguida D...foi pago, em dinheiro, ao balcão da TAP, no Aeroporto do Porto, por alguém que não foi possível identificar, mas que actuou sob as ordens do arguido V....
15 - Chegados a Lisboa, os arguidos M... e D... dirigiram-se, no táxi, marca Mercedes, matrícula 00-00-HP, ao encontro do arguido V..., a quem o arguido M... contactou, dando-lhe conta de terem chegado ao aeroporto de Lisboa e combinando o local onde se encontrariam.
16 - Tal encontro viria a ocorrer pelas 11h, do dia 22/10/2007, na área de serviço da CEPSA, no IP3, em Aguieira, Santa Comba Dão, para onde o arguido V... se deslocou ao volante do automóvel ligeiro de passageiros, marca Volkswagen, modelo Passat, matrícula 00-00-FE.
17 - Aí chegados, o arguido V... pagou ao taxista a importância devida pela utilização do táxi, de valor não apurado, após o que colocaram as bagagens dos arguidos M... e D... no VW, momento em que a Polícia Judiciária interceptou os três arguidos, procedendo à sua detenção.
18 - A arguida D...transportava 4 embalagens de cocaína na mala de viagem, 3 nos sapatos e expeliu da vagina e do ânus, já no Hospital de Vila Real, para onde foi conduzida, 17 embalagens do mesmo produto, com o peso bruto total de 704,1 gr.
19 - Submetidas a exame laboratorial, verificou-se que as referidas embalagens eram de cocaína, com o peso líquido total de 642,870 gr.
20 - A quantidade de cocaína apreendida, que se destinava à venda a consumidores de tal substância, renderia aos arguidos V... e O... Fragoso importância não apurada.
21 - Quando foi interceptado pela PJ, o arguido V... tinha na sua posse uma nota de 20€, da série A, chapa nº M008F2, com o nº de série V09928303051 que, submetida a exame pericial se verificou ser falsa, tratando-se de uma reprodução obtida por impressão policromática de jacto de tinta, à qual foi atribuído pelo Centro Nacional de Análise de Notas Português o indicativo de classe local PTA0020 K00286b.
22 - Nesse mesmo dia, 22/10/2007, na sequência de mandados de busca emitidos nos autos pela Mmª Juíza de instrução criminal foram efectuadas buscas às residências dos arguidos, V... e M… .
23 - No quarto dos arguidos V... e O..., e a estes pertencentes, foram encontrados e apreendidos:
- uma pistola, semi-automática, marca “Star”, nº 746368, de calibre 7,65mm Browning (.32ACP ou .32AUTO na designação anglo-americana), de funcionamento semi-automático de movimento simples, dotada de carregador com capacidade para 9 munições, estando municiado com 8 munições do calibre respectivo, de cano estriado, medindo aproximadamente 84 mm, com seis estrias de sentido dextrógiro no seu interior, de percussão central e indirecta, com o comprimento total de 160 mm, aproximadamente, em boas condições de funcionamento.
- uma espingarda de tiro unitário múltiplo, com funcionamento semi-automático por acção directa de gases, da marca “ALTAY”, modelo “SILVER”, de origem turca, com o nº de série 3150030, com um comprimento total de cerca de 1220 mm, de calibre 12, com um cano de alma lisa com fita de refrigeração, com cerca de 710 mm de comprimento, de percussão central e indirecta, com carregador tubular com capacidade para oito (8) cartuchos, e com coronha e fuste em madeira, guardada em estojo tipo bolsa em lona de cor verde, encontrando-se em boas condições de funcionamento.
24 - Também nesse dia, na residência sita na Rua ….., em Mirandela, onde o arguido M… tinha um quarto, foram apreendidas no interior deste:
- quatro munições de calibre 6,35 Browning (25 ACP) todas com balas do tipo FMJ que, testadas no Laboratório de Polícia Científica (LPC) se verificou estarem em boas condições de funcionamento;
- uma embalagem de aerossol de cor branca, com mecanismo de pulverização e gancho de lapela de cor preta, com as dimensões aproximadas de 11 cm de altura e 2,5 cm de diâmetro, com as referências “T.D.DIS”, “SECURITE”, “CS”, vulgarmente conhecido como aerossol de defesa pessoal, ou aerossol lacrimogéneo sendo o seu princípio activo 2-clorobenzalmalononitrilo (CS), substância que tem propriedades lacrimogéneas, cujos efeitos desaparecem alguns minutos após o termo da exposição, dependendo nomeadamente da duração da exposição, intensidade, proximidade da pulverização, arejamento do local, características e condições de saúde da vítima.
25 - O arguido M... e o falecido J..., agindo de comum acordo e em conjugação de esforços, na sequência de plano previamente traçado por ambos, dedicaram-se, pelo menos desde Abril de 2007 até 22/10/2007, a colocar em circulação, introduzindo-as no comércio, notas de 10 €, 20 € e 100 €, que sabiam não ser emitidas pelo Banco Central Europeu, entidade com legitimidade para o efeito, tendo pleno conhecimento de que se tratavam de notas contrafeitas, embora aparentando ser verdadeiras, entregando-as a diversas pessoas, dessa forma auferindo proventos a que sabiam não ter direito.
26 – O mencionado J... obtinha as referidas notas de modo que não foi possível apurar, após o que as entregava ao arguido M... que as distribuía.
27 - Assim, em data não concretamente apurada, mas em meados de 2007, o arguido M... entregou ao arguido C..., a solicitação deste, notas que ambos sabiam falsas, a fim deste colaborar na distribuição das mesmas.
28 - Foi assim que o arguido C... recebeu, pelo menos, 3 notas de 20€, da série A, chapa nº H005E3, com o nº de série M02507930671, uma nota de 20 €, da série A, chapa nº com o nº de série M02507930689 e uma nota de 100€, da série A, chapa nº P005F2, com o nº de série M50016501616.
29 - Submetidas a exame pericial verificou-se que tais notas são falsas, constituindo reproduções obtidas por impressão policromática de jacto de tinta, tendo sido atribuídas pelo Centro Nacional de Análise de Notas Português, o indicativo de classe local PTA0020 K00286b às notas de 20 €, e o indicativo de classe local PTA0100 K00098 à nota de 100 €.
30 - Tais notas eram parte de um conjunto de notas, que o arguido M... recebera do mencionado J... e entregou ao arguido C..., para que este mostrasse a potenciais clientes na compra de notas falsas que o M... lhe entregaria mais tarde e pelas quais o C... pagaria quantia não apurada.
31 - No dia 24 de Setembro de 2007, em Mirandela, uma patrulha da GNR apreendeu ao arguido M..., 87 notas com o valor facial de 20€ cada uma, no total de 1740€, que este transportava no veículo automóvel, marca Audi, modelo A3, matrícula 0000 FMP, que lhe haviam sido entregues pelo arguido J..., assim descritas:
11 notas de 20€, da série A, chapa nº H005E3, nº de série M02507930689;
2 notas de 20€, da série A, chapa nº H005E3, nº de série M02507930671;
16 notas de 20€, da série A, chapa nº H005C1, nº de série M02163869599;
8 notas de 20€, da série A, chapa nº U012A4, nº de série M38204785633;
11 notas de 20€, da série A, chapa nº H005C1, nº de série M02163869563;
39 notas de 20€, da série A, chapa nº M008F2, nº de série V09928303051.
32 - Submetidas a exame pericial verificou-se que as notas eram falsas, tratando-se de reproduções obtidas por impressão policromática de jacto de tinta, às quais foi atribuído pelo Centro Nacional de Análise de Notas Português o indicativo de classe local PTA0020 K00286b.
33 - No dia 22/10/2007, na residência do falecido J..., durante uma busca aí realizada, na sequência de mandado de busca emitido nestes autos por determinação da Mmª Juíza de instrução criminal foram-lhe apreendidas:
87 notas de 10€, da série A, chapa nº N018E3, nº de série Y12641237506;
91 notas de 10€, da série A, chapa nº N016D3, nº de série Y20997770158;
75 notas de 10€, da série A, chapa nº N017F4, nº de série Y21037351042;
88 notas de 10€, da série A, chapa nº N018A5, nº de série Y12414013228;
2 notas de 20€, da série A, chapa nº M008F2, nº de série V09928303051;
13 notas de 20€, da série A, chapa nº U012G2, nº de série M38261778043;
12 notas de 20€, da série A, chapa nº H005C1, nº de série M02163869599;
12 notas de 20€, da série A, chapa nº H005C1, nº de série M02163869563;
20 notas de 20€, da série A, chapa nº U012G2, nº de série M38261778061;
17 notas de 20€, da série A, chapa nº U012G2, nº de série M38261778052;
12 notas de 20€, da série A, chapa nº U012H3, nº de série M38032639474;
5 notas de 20€, da série A, chapa nº U012F4, nº de série M38567005366;
9 notas de 20€, da série A, chapa nº U012G2, nº de série M38621635105.
34 - Submetidas a exame laboratorial, verificou-se que as notas (no total de 439 e no valor global de 5410 €) eram falsas, tratando-se de reproduções obtidas por impressão policromática de jacto de tinta, tendo sido atribuído, pelo Centro Nacional de Análise de Notas Português o indicativo de classe local PTA0010 K00094b, às de 10 €, e o indicativo de classe local PTA0020 K00286b, às de 20 €.
35 - Ao mencionado J... foram, igualmente, apreendidas:
- Uma pistola semi-automática, de calibre 7,65 mm Browning (.32 ACP ou .32 AUTO na designação anglo-americana), de marca TRUST, de modelo não referenciado, com o nº de série 991757, de origem espanhola, munida do respectivo carregador com capacidade para 10 munições, com funcionamento semi-automático de movimento simples com sistema de percussão central e directa, com o comprimento de cano de 85 mm, com seis estrias de sentido levógiro no seu interior, alça e ponto e mira fixos, com carcaça metálica e platinas em plástico, tendo a arma o comprimento total de cerca de 155 mm, em boas condições de funcionamento;
- Uma pistola de marca TANFOGLIO, de modelo GT 28, sem número de série visível, de origem italiana, munida de carregador, apresentando a sua superfície metálica cromada e as falsas inscrições “STAR CAL. 6,35” que se constitui como uma arma de fogo, de calibre 6.35 mm Browning (.25 ACP ou .25 AUTO na designação anglo-americana) resultado da sua transformação/adaptação clandestina a partir da arma original, que era uma arma essencialmente de alarme, encontrando-se em condições de realizar disparos, apresentando, porém deficiências pontuais ao nível da sequência de automatismo;
- Um revólver do tipo “VELO-DOG”, de calibre 6,35 mm Browning (.25 ACP ou .25 AUTO na designação anglo-americana), com modo de funcionamento simples (acção dupla), com gatilho retráctil, com sistema de percussão central e directa, por cão oculto, com cano de 40 mm, aproximadamente, de comprimento, apresentando um estriado muito gasto e superficial no seu interior, indiciando sentido dextrágiro, com tambor com cinco câmaras, com extracção manual e individual por vareta, alça e ponto de mira fixos, com carcaça em liga metálica e platinas em madeira, tendo a arma o comprimento total de 115 mm, aproximadamente, encontrando-se em bom estado de funcionamento;
- uma munição 9 mm Parabellum que, testada em arma adequada, se verificou encontrar-se em boas condições de funcionamento.
36 - Os arguidos M..., V..., O... e D... sabiam que a substância adquirida pelos arguidos V... e O... e transportada pela D...era cocaína, conhecendo as características estupefacientes e psicotrópicas de tal substância.
37 - Sabiam, igualmente, que a compra, venda, detenção e transporte de cocaína são condutas proibidas e punidas por lei.
38 - Os arguidos V... e O... tinham perfeito conhecimento de que não estavam autorizados à detenção e guarda das armas que lhes foram apreendidas, não sendo titulares de qualquer documento que legitimamente lhes permitisse as referidas detenção e guarda.
39 - Todas as notas de 20€ apreendidas aos arguidos M..., V..., e C... e ao mencionado J... apresentam a denominação, bem como números de série comuns, verificando-se que têm características idênticas, no que concerne ao método de impressão e imitação do elemento estampado de efeito holográfico, pelo que lhes foi atribuído pelo Centro Nacional de Notas Português o mesmo indicativo de classe local: PTA0020 K00286b.
40 - Os arguidos M... e C... sabiam que as notas que lhes foram apreendidas não tinham sido emitidas por entidade com competência e legitimidade para tal efeito, sabendo ainda o 1º que aquelas que já havia entregue e distribuído a outras pessoas tinham as mesmas características.
41 - Tinham perfeito conhecimento de que tais notas eram contrafeitas, apesar do que o arguido M... as introduziu no comércio, fazendo-as passar por verdadeiras, sendo também intenção do arguido C... colocar em circulação as que havia recebido do arguido M..., de modo a auferirem proventos a que sabiam não ter direito, pondo em causa a credibilidade que tal tipo de notas merece enquanto meio de pagamento, cada um deles tendo perfeita consciência de que as condutas que levava a cabo eram proibidas e punidas por lei.
42 - O arguido M... tinha perfeito conhecimento de que não estava autorizado a deter o aerossol e as munições que lhe foram apreendidos, cujas características bem conhecia, bem sabendo tais condutas eram proibidas e punidas por lei.
43 - Todos os arguidos actuaram de forma voluntária, deliberada e consciente nas condutas que empreenderam e que supra se descreveram, estando todos eles perfeitamente cientes do carácter ilícito de tais condutas.
44 - As armas apreendidas ao falecido J... não se encontravam manifestadas nem registadas.
45 - A arguida D..., que é cidadã brasileira, reside no Brasil, não tem qualquer relação familiar, de amizade, laboral ou qualquer interesse legítimo em permanecer em Portugal, onde se deslocou apenas para transportar a cocaína que foi apreendida.
46 - O arguido M..., por factos de 29/4/2005, já respondeu pela prática de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos arts. 203º e 204º, nº1, f), do C.Penal, tendo sido condenado por sentença de 20/3/2007, transitada em julgado, na pena de 100 dias de multa, à taxa diária de 3,00 euros, pena esta já declarada extinta por pagamento.
47 - O arguido V..., por factos de 17/5/2002, já respondeu pela prática de um crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelo art.6º da Lei nº22/97, de 27 de Junho, tendo sido condenado por acórdão de 5/12/2005 na pena de 180 dias de multa, á taxa diária de 5,00 euros, a qual já se encontra extinta por pagamento.
48 - Não são conhecidos antecedentes criminais às arguidas O... e D....
49 - O arguido C..., por factos de Maio de 1999, já respondeu pela prática de um crime de falsificação de documento, tendo sido condenado por sentença de 27/6/2001, transitada em julgado, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de mil escudos, a qual já se encontra extinta por pagamento.
50 - O mesmo arguido, por factos de 24/4/2002, já respondeu pela prática de um crime de desobediência, p. e p. pelo art. 348º do C.Penal, tendo sido condenado por sentença de 29/1/2003, transitada em julgado, na pena de 30 dias de multa, à taxa diária de 5,00 euros, a qual já foi igualmente declarada extinta por pagamento.
51 - Até ao dia em que embarcou para o Brasil, o arguido M... vivia em Mirandela, num quarto arrendado, com uma sua namorada.
52 - Fazia biscates na área da chaparia, auferindo em média mensalmente 200,00 euros.
53-Actualmente, apresenta um comportamento prisional normativo estabelecendo relações interpessoais positivas com os demais companheiros e funcionários, tendo iniciado em 11/9/2008 uma formação escolar que lhe dará equivalência ao 9º ano de escolaridade.
54 - O arguido V... casou com a arguida O..., segundo os rituais ciganos, quando esta contava 16 anos de idade.
55 - Residem num imóvel pelo qual não pagam qualquer renda, possuindo boas condições de higiene e conforto.
56 - Do agregado familiar e para além do casal fazem parte três filhos e um neto, sendo que nos anexos da casa habita um filho, nora e outro neto.
57 - Mantêm a actividade de feirantes e encontram-se socialmente integrados.
58 - O arguido V... sabe ler e escrever, embora não tivesse frequentado a escola.
59 - A arguida O... possui como habilitações literárias o 3º ano de escolaridade.
60 - À data dos factos a arguida D...encontrava-se desempregada há já três meses, sendo que antes trabalhava numa fotocopiadora, auferindo mensalmente 450 reais.
61 - Tem quatro filhos de 11, 10, 4 e 2 anos de idade.
62 - À data dos factos vivia com os quatro filhos numa casa arrendada, pagando de renda 120 reais.
63 - Possui como habilitações literárias o 6º ano.
64 - O arguido C... aufere 750,00 euros mensais, como funcionário de uma agência de viagens.
65 - Tem um filho de 11 anos que se encontra a viver com a sua ex mulher, contribuindo para o seu sustento, a título de alimentos, com a quantia de 100,00 euros mensais.
66 - A companheira com quem reside trabalha como gerente de uma loja, auferindo à volta de 700/750 euros.
67 - A casa onde residem é arrendada, pagando pelo arrendamento a quantia de 350,00 euros mensais.
68 - Para além da sua actividade profissional, o arguido dá aulas de formação na área do turismo, ministrando, em média, 4 horas por semana, auferindo à hora 20,00 euros.
69 – Os arguidos M... e D...declararam encontrar-se arrependidos.”
2.2 No mesmo Acórdão, relativamente aos apontados recorrentes e no que respeita a factos não provados, consignou-se como segue:
B) Factos não provados:
1 – Que o produto estupefaciente envolvido no episódio a que se reportam os artigos 3º,4º e 5º da acusação se tratasse de cocaína.
2 – Que a cocaína apreendida tivesse também sido adquirida pelo arguido M....
3 – Que o táxi em que os arguidos M... e D... se deslocaram do aeroporto tivesse sido conduzido pelo taxista Vasco Lopes Vieira.
4 – Que a quantia despendida com tal táxi correspondesse a 280,00 euros.
5 - Que a cocaína apreendida rendesse aos arguidos V... e O... Fragoso a importância de 35.000 mil euros.
6 – Que o arguido V... soubesse que a nota de 20€ que lhe foi apreendida não havia sido emitida por entidade com competência e legitimidade para o efeito e que pretendesse usá-la como meio legítimo de pagamento de bens que adquirisse.
7 – Que o arguido C... tivesse introduzido no comércio notas que sabia serem contrafeitas, fazendo-as passar por verdadeiras.
Da contestação do arguido M... e para além daqueles que não se compaginam com a factualidade descrita em A), não se provou que:
- a casa onde as munições e o spray foram encontrados havia sido arrendada por uma amiga brasileira e que o spray e as munições ai encontradas tivessem sido ai deixados por um cidadão brasileiro que a visitou;
- que quem tenha introduzido a cocaína no corpo da arguida Débora Pereira e nos seus pertences tenha sido apenas esta que, para o efeito, chegou a obrigar o arguido M... a sair do quarto, que depois revistou para verificar se não ficara lá algum produto estupefaciente.
Os demais factos constantes da acusação e das contestações dos arguidos e não mencionados em A) ou B), são conclusivos, de direito ou irrelevantes para a decisão da causa.
*
2.3 Por fim, a motivação probatória inserta no acordão recorrido que se transcreve:
A convicção do Tribunal relativamente aos factos provados, alicerçou-se na análise crítica do conjunto da prova produzida na audiência de julgamento, de índole testemunhal, documental e pericial, em conjugação ainda com as declarações prestadas a respeito dos factos pelos arguidos e com o teor das transcrições das intercepções telefónicas.
No que em especial se refere à matéria atinente ao crime de tráfico, valorou o Tribunal conjugadamente as declarações prestadas pelos arguidos M... e D..., as quais, no entender do Tribunal, quando conjugadas com as regras da experiência comum e os demais elementos probatórios que a seguir se adiantarão, se mostraram credíveis.
A tal propósito, foi adiantado pelo arguido M... ter conhecido o arguido V... nas feiras que este fazia, conhecimento que terá ocorrido em Fevereiro/Março de 2007.
Após alguma convivência, este último abordou-o no sentido de saber se não queria ir buscar-lhe droga ao Brasil, sendo que, em contrapartida de tal serviço, lhe pagaria entre 1500 a 2000 euros. Como nunca tinha estado envolvido em situações ligadas a tráfico de estupefacientes, negou-se a fazer tal serviço, tendo-se, porém, prestado, a pedido do V... e porque já se havia deslocado uma vez ao Brasil, a realizar alguns contactos para tal país no intuito de indagar junto de um amigo que aí conhecia se este lhe indicava alguém que pudesse fornecer “droga”, contactos que realizou.
Porque na altura também necessitava de dinheiro, acabou por aceitar acompanhar o V... ao Brasil, a fim de este aí adquirir o produto estupefaciente que pretendia, tendo-lhe sempre adiantado que não transportaria qualquer produto estupefaciente consigo.
Viajaram para Brasília e daqui para Goiânia
As passagens de avião foram compradas pelo V..., tendo sido também este quem suportou todas as despesas efectuadas no Brasil.
Chegados a Goiânia não conseguiu junto do amigo que aí conhecia que este lhe arranjasse alguém que pudesse fornecer a cocaína que o V... se propunha adquirir, tendo sido o taxista que os transportou, um tal “T...” que encetou contactos em tal sentido, vindo depois este e uma tal “Z...” a diligenciar no sentido de arranjarem alguém que transportasse o produto estupefaciente para Portugal.
A instâncias do Tribunal esclareceu ter sido o arguido V... quem estabeleceu os contactos com os mencionados T... e Z..., tendo ficado acordado que ele só acompanharia o transporte da cocaína, mais concretamente a pessoa que iria ser arranjada pelo T... e pela Z... para proceder ao mesmo.
Esclareceu igualmente ter presenciado o negócio efectuado entre o V... e o fornecedor da cocaína (arranjado pelo T...), adquirida em quantidade aproximada das 700 gramas, a um preço que rondou os três mil euros o quilograma, tendo o dinheiro com que a mesma foi adquirida sido transferido para Brasília e depositado quer em seu nome, por indicação do V..., quer em nome deste (desconhecendo à data quem procedera a tais transferências), sendo que o depositado em seu nome no dia 10/10/2007 foi por si levantado e imediatamente entregue ao V....
Concretizou ainda o arguido que após ter sido feita a compra da cocaína pelo arguido V..., este regressou a Portugal, com vista a evitar embarcar no mesmo momento em que iria ser transportada a cocaína, tendo deixado tudo tratado com o T... e a Z..., ficando ele encarregue de acompanhar/vigiar a pessoa que iria fazer o transporte, sendo que por tal serviço o V... o compensaria logo que chegasse a Portugal com uma quantia entre mil e quinhentos a dois mil euros.
Quanto à pessoa que acabou por fazer o transporte, a arguida D..., referiu ter-lhe sido apresentada por estes dois últimos, sendo que aquela já sabia do que se tratava, aceitando fazer o transporte pela quantia que julga ter sido 7.000 reais, que receberia ao chegar a Portugal, sendo sua convicção que a arguida D...o fazia pela primeira vez e por necessitar de dinheiro para os filhos.
Porque o seu bilhete era de ida e volta (esta já marcada para o dia 21/10/2007) e não dispunha de dinheiro (do entretanto depositado por alguém a mando do arguido V...) para adquirir no Brasil a passagem de avião para a arguida D..., entrou em contacto com o V..., no sentido de este, em Portugal, diligenciar pela aquisição do mencionado bilhete para o mesmo dia e hora, fornecendo-lhe, para o efeito, toda a identificação da arguida D..., vindo depois a ter a confirmação, via telefónica, pelo V... de que estava tudo resolvido, tendo procedido ao levantamento do bilhete no balcão da TAP do aeroporto de Brasília., desconhecendo quem é que efectivamente adquiriu o bilhete.
Confrontado com os demais depósitos feitos em seu nome nos dias 16/17 e 19 de Outubro de 2007, já após o regresso do V... a Portugal, esclareceu que tais quantias foram utilizadas para pagar despesas de hotel, táxi e também para pagar parte dos serviços prestados pelo T... e pela Z..., tendo ainda feito um adiantamento à arguida D..., em virtude de esta ter alegado necessitar de deixar algum dinheiro aos filhos.
Veio de Goiânia para Brasília um dia antes de embarcar, tendo sido o T... e a Z... que o transportaram a ele e à D.....
Já no hotel, esta acondicionou no seu corpo e na sua bagagem o produto estupefaciente, certamente por sugestão da Z... e do T..., sendo que só após ter-lhe sido transmitido por aquela que a droga já estava acondicionada é que entrou no quarto para confirmar que ai não ficara qualquer embalagem.
Ao chegar a Portugal logo entrou em contacto com o arguido V..., tendo combinado com este o local de encontro onde acabaram por ser detidos.
A arguida D...aquando das suas declarações referiu ao Tribunal ter sido contactada em Goiânia pela Z..., conhecida da irmã, a qual a questionou sobre se queria fazer um transporte de mercadoria, sem concretizar do que se tratava. A solicitação daquela forneceu-lhe o seu número de telemóvel, com vista a ser marcado o encontro com um indivíduo conhecido por “Pedro” – o arguido M... - o qual lhe iria dar conta dos pormenores do transporte.
A Z... procedeu à marcação do encontro, tendo o mencionado T... ido buscá-la.
Aquando do encontro com o arguido M... veio a saber que a mercadoria em causa se tratava de droga e que por tal transporte iria receber 5.000 reais.
Não aceitou inicialmente fazer o serviço, embora ao regressar a casa e ao deparar-se com a sua senhoria a cobrar-lhe as rendas de casa em atraso, pensou melhor na proposta que lhe havia sido feita, optando por marcar novo encontro com o “Pedro”, onde aceitou fazer o serviço por 7.500 reais.
O “Pedro” disse-lhe que tinham de ir para Brasília, local onde desembarcara com o “sócio” e onde tinha de embarcar novamente em virtude de já ter bilhete de volta para Portugal. Um dia antes de embarcarem, foram para Brasília, no táxi do T..., acompanhados também da Z.... A cocaína ia na mala do “Pedro”, sendo que depois, a conselho do T..., foi colocada junto ao motor do táxi. Chegados a Brasília foram os quatro directos ao Hotel, onde deixaram as malas, tendo-se depois deslocado para o aeroporto, a fim de diligenciarem pela sua passagem. Já aqui apercebeu-se que o Pedro contactou telefonicamente o tal “sócio”, tendo ficado com a ideia que a sua passagem para Portugal estava a ser tratada pelo tal “sócio”. Por volta das seis horas é confirmada a sua passagem para o dia seguinte, tendo regressado ao hotel.
O “Pedro” pagou ao T... e à Z..., tendo estes depois ido embora.
Já no quarto do hotel foi o Pedro que lhe sugeriu colocar a droga na vagina e no ânus, após ter-se recusado a engoli-la como inicialmente lhe havia sido pedido por aquele. O “Pedro” ainda a ajudou a colocar o produto no corpo, nunca tendo saído de ao pé si até todo o produto estupefaciente se encontrar acondicionado.
Chegados ao aeroporto de Lisboa, apercebeu-se que o arguido M... fez algumas chamadas ao tal “sócio”- certamente o mesmo que tratara da sua passagem – dando-lhe conta que já tinham chegado e que estava tudo bem, tendo ainda ideia que aquelas visaram ainda a marcação de um encontro com o tal “sócio”.
Ao chegarem ao local do encontro, e sempre acompanhada do Pedro, que nunca a largou, foram ambos tomar um café, sendo que quando saiam para o exterior da estação de serviço constataram que V... estava a chegar, tendo logo aquele transmitido a este que pagasse o táxi em que se haviam deslocado de Lisboa, pagamento que efectuou, após o que e quando passavam as malas do táxi para o carro do V... foram detidos.
A instâncias do Tribunal esclareceu que não tratou do seu passaporte para a situação em apreço, o que já havia ocorrido em 23/8/2007 - facto que, aliás, resulta do próprio documento, junto a fls.392, pois era sua ideia ir trabalhar para a Bélgica para junto de uma tia, aguardando apenas que esta lhe mandasse dinheiro para tratar dos passaportes dos filhos.
O arguido V... adiantou ao Tribunal que conheceu o arguido M..., conhecido por “Pedro”, no Café “T…”, em Mirandela, por volta de Julho/Agosto de 2007, sendo que num determinado dia e quando se encontravam a jogar bilhar no mencionado estabelecimento, este o questionou sobre se não estaria interessado em adquirir armas, cocaína e também notas falsas, ao que respondeu que cocaína e notas falsas não, tendo todavia mostrado interesse em adquirir uma arma. Para tal, o arguido M... mandou-o ir ter a uma zona verde a fim de lhe mostrar as armas que tinha, encontro que se concretizou, tendo-se apercebido que o arguido M... trazia consigo armas variadas, tendo-lhe adquirido por 200,00 euros a pistola Star que lhe veio a ser apreendida.
Na sequência dos encontros que iam tendo no café foram ganhando confiança um com o outro, até que um dia o M... o convidou para ir com ele até ao Brasil, alegando que lhe pagava a viagem e que diligenciava pela obtenção do seu passaporte.
Antes de partirem para o Brasil o M... pediu-lhe para deixar em sua casa 6.000,00 euros, dado não ter confiança nas pessoas com quem dividia um apartamento, tendo tal dinheiro ficado à guarda da sua mulher, a arguida O....
Cada um levou consigo cerca de 250,00 euros, tendo ambas as passagens sido adquiridas no aeroporto pelo M....
Chegados ao Brasil, saíram em Brasília, tendo depois apanhado um táxi até Goiania, onde se hospedaram num hotel. Ao final do 2º dia, o M... questionou-o sobre se queria comprar ouro barato, ao que acedeu.
Como não tinham dinheiro para tais aquisições pediu à sua mulher (arguida O...) que lhes remetesse parte do dinheiro que o M... deixara à sua guarda – correspondente a 1600 euros para cada um - tendo esta procedido aos dois depósitos de 1600 euros.
Com tais quantias monetárias compraram ouro barato, tendo ele próprio adquirido várias peças em ouro (fios, pulseiras), com o peso aproximado de 500g, as quais trouxe para Portugal, sendo que concretizada tal transacção e a pedido dos netos que insistiam que regressasse a Portugal, decidiu vir embora do Brasil.
Porque antes de partir o M... lhe pedira que remetesse o dinheiro restante que ficara à guarda da sua mulher, pediu a esta, logo no dia seguinte, que diligenciasse por tais depósitos.
Por fim, referiu ainda este arguido ao Tribunal que num determinado dia recebeu um telefonema do M... a dizer-lhe que estava a chegar do Brasil e que tinha um negócio para ele, sendo que, para tal, deveria vir ao seu encontro de carro, pois não tinha dinheiro suficiente para pagar o táxi.
Acedendo a tal pedido, veio ao encontro do M..., tendo pago o táxi a meias com aquele.
Não chegou, todavia, a ter conhecimento do negócio que o M... referira ter para si, pois entretanto foi detido.
A respeito da factualidade vertida nos pontos 2 a 5 da acusação, foi o arguido confrontado com o conteúdo de algumas das transcrições de escutas telefónicas, sendo que a propósito dos contactos que manteve com um indivíduo que tratava por “Irmão”, limitou-se a dizer ser o mesmo seu irmão de sangue, a quem mandou algum dinheiro e, bem assim, para a esposa deste de nome W..., sendo que a respeito do teor das conversas referiu ao Tribunal já não se recordar do seu teor.
Ora, analisando as declarações dos mencionados arguidos, à luz das regras da experiência comum, não pode deixar de concluir-se que a versão apresentada pelo arguido M... surge pois como a mais credível e razoável, desde logo, quando confrontada com o teor das transcrições das escutas telefónicas, pese embora a existência de algumas divergências entre o declarado por este e pela a arguida D..., a propósito dos contornos atinentes ao acondicionamento do produto estupefaciente no corpo daquela e nalguns objectos pessoais, divergências essas que, no entender do Tribunal, não foram de molde a abalar a credibilidade das suas declarações, atento até o modo coerente e objectivo como relatou os factos ao Tribunal e que, certamente, se prenderam com algum pudor por parte do arguido em querer assumir publicamente ter sido ele quem introduziu o produto estupefaciente no corpo da arguida D...e o acondicionou nos seus pertences pessoais.
No essencial, as declarações prestadas pelos arguidos M... e D...foram coincidentes, tendo esta colocado igualmente em crise a versão do arguido V..., ao referir ao Tribunal não ter presenciado qualquer conversa telefónica da parte do M... a propor algum negócio ao V... (como este adiantou ao Tribunal) nem tão pouco, como também foi adiantado por este, que tenha sido o M... a pagar em conjunto com o Costa o preço do táxi, sendo sua convicção que o tal “sócio” que diligenciou em Portugal pelo seu bilhete de avião tratava-se da mesma pessoa com quem o M... foi mantendo contactos telefónicos até ao momento em que se encontraram, tendo-se apercebido que o local do encontro foi indicado por aquele não só pelo teor das conversas telefónicas, mas também pela forma como falaram quando se encontraram .
Aliás, a propósito das diligencias tendentes à aquisição da passagem da arguida D...e à marcação do local de encontro após o desembarque no aeroporto de Lisboa, as escutas telefónicas sustentam, sem margem para dúvidas, a versão dos arguidos M... e D.... É o que se pode extrair das sessões 1405,1417,1420,1431,1435, 1439,1443,1447,1449, 1472 e 1473 do Alvo 33503.
Também no que respeita à alegada aquisição de ouro no Brasil, se constata que a versão do arguido foi posta em crise pela testemunha, B..., agente da P.J. que procedeu à investigação que deu origem aos presentes autos e à consequente detenção dos arguidos. Tal testemunha deu a saber ao Tribunal que no âmbito da investigação e em colaboração com os serviços da alfândega, solicitaram a esta que interceptassem e revistassem o arguido V... à chegada ao aeroporto, a fim de se certificarem se o mesmo trazia algo com ele, não tendo no momento sido detectado algo que pudesse levantar alguma suspeita, nem tão pouco objectos em ouro.
As já mencionadas escutas telefónicas e os depósitos efectuados pela companheira do V..., a arguida O... (documentados a fls. 377 e 378 dos autos) vêm também ao encontro da versão do arguido M..., sendo, de todo, irrazoável, à luz de critérios da lógica e da experiência, que alguém antes de partir para o Brasil opte por deixar seis mil euros em numerário à guarda de alguém, com quem nem sequer mantém qualquer relação próxima, ao invés de o levar consigo ou até de o depositar em alguma instituição bancária a fim de, caso dele necessite, o possa levantar no destino para onde se deslocou.
Por outro lado, as transcrições das escutas telefónicas apontam, sem dúvida, no sentido de os donos do negócio serem os arguidos V... e O..., ainda que com alguma supremacia por parte do V..., tendo o 1º, algum tempo antes dos factos em apreço, tentado igualmente, através de outros intervenientes, desde logo de um indivíduo que trata por “Irmão”, trazer produto estupefaciente para Portugal, com a colaboração também da arguida O..., a qual já dessa vez procedeu à transferência da quantia monetária necessária à aquisição daquele produto, transferência essa feita em nome de W..., conforme solicitado pelo mencionado indivíduo.
Com efeito, é patente nas transcrições das escutas contactos estabelecidos, em Setembro de 2007, para o Brasil, para um tal “Irmão”, por parte do arguido V..., dos quais se pode extrair o acordo entre ambos para o envio do Brasil de uma determinada quantidade de produto estupefaciente, o qual envolveu a transferência da quantia de 2.500,00 euros, em 19/9/2007 - cfr. documentos juntos aos autos a fls. 562, 563 - efectuada pela arguida O... - fornecimento que acabou por não chegar ao destino, em virtude de a pessoa encarregue de fazer o transporte ter sido descoberta . É o que se extrai das sessões 261,268,277,430,476,932,953,1096, 1128, 1188 e 1284, do Alvo 33503M, razão pela qual se deu como provada a factualidade constante dos pontos 3,4 e 5 da acusação pública.
E se analisarmos a falta de sucesso de tal negócio com as regras da experiência comum, certamente se compreenderá a razão pela qual o arguido V... se socorre do arguido M..., o qual tendo já ido ao Brasil, como ele próprio adiantou, onde ainda mantinha alguns contactos, diligenciaria junto de pessoas conhecidas que estas lhe indicassem alguém que pudesse fornecer a cocaína ao V... e com quem este contactasse pessoalmente, assegurando ainda o transporte da cocaína, vigiando a pessoa que o iria fazer.
Tais contactos por banda do arguido M... surgem também espelhados nas escutas telefónicas, desde logo, na sessão 4272, do Alvo33277M, sendo que, a instâncias do Ex.mo Procurador, esclareceu que quando questionou a pessoa com quem contactou telefonicamente sobre qual tinha sido o preço que da outra vez lhe havia sido dito, tal não significou que já outras vezes tivesse estado envolvido em situações de tráfico, querendo apenas referir-se a um outro telefonema anterior que lhe havia feito para o mesmo fim, tendo o resultado de tais conversações sido transmitido ao arguido V..., o que, aliás, resulta da sessão 4348 do mesmo Alvo.
Já no Brasil foram igualmente feitas tentativas por parte do arguido M... no sentido de junto da testemunha A... arranjar fornecedores de cocaína, cfr. sessões 905 e 934 do Alvo 1M601M.
Como adiantou o próprio arguido M..., à data dos factos atravessava dificuldades económicas (facto que aliás foi confirmado pela já mencionada testemunha, agente da P.J.), decorrentes, desde logo, de um acidente em que fora interveniente, circunstância que o levou a aceitar colaborar com o arguido V..., mediante uma contrapartida monetária de 1500/2000 euros, pese embora nunca tivesse estado envolvido em situações de tráfico de estupefacientes. Tal colaboração passava por efectuar as já mencionadas diligências no sentido de saber quem é que poderia fornecer cocaína ao V... e, bem assim, por o acompanhar até ao Brasil e, posteriormente, acompanhar/fiscalizar a pessoa que iria efectuar o transporte da cocaína do Brasil para Portugal.
Convirá referir ter sido também adiantado pela já mencionada testemunha B... que, à data dos factos, não havia notícia de o arguido M... alguma vez se ter envolvido em situações de tráfico, o qual estava referenciado por furtos, moeda falsa e detenção de arma proibida, ao invés do que acontecia com o arguido V..., este sim referenciado na polícia como um indivíduo ligado ao tráfico já ao nível de um patamar mais alto, embora sem mexer directamente com droga.
É certo que em audiência de julgamento o arguido V... tentou convencer o Tribunal, sem contudo conseguir, no sentido de nada ter a ver com os actos de tráfico que lhe são imputados, alegando ter sido o arguido M... quem o tentou envolver no negócio em apreço.
A tal propósito, aquando da audição da testemunha L... e após esta ter relatado ao Tribunal as circunstâncias em que conheceu o M... e que se prenderam, para além do mais, com o empréstimo de uma carrinha, foi pedida a palavra pelo arguido V..., o qual referiu ao tribunal ter sido através da testemunha acabada de inquirir que viu o M... pela primeira vez antes de estar com ele no Café Tropical. Esclareceu assim o arguido que num determinado dia quando se encontrava numa zona verde em Mirandela, junto ao rio, a conversar com a testemunha surgiu o M... que se dirigiu a si, dizendo-lhe: Não trabalhas em cocaína? Arranjo-te cocaína a vinte mil euros o Kilo.
Instada novamente a testemunha, a mesma corroborou o adiantado pelo arguido, sendo que questionada sobre o que respondera o V... ao M... a mesma referiu não ter ouvido qualquer resposta, acrescentando desconhecer igualmente se aquele andaria ou não ligado ao tráfico.
Pedida a palavra pelo arguido M..., este negou, peremptoriamente, o referido pela mencionada testemunha, mantendo tudo o que já havia relatado ao tribunal sobre as circunstâncias em que conhecera o V....
A propósito da credibilidade da testemunha em apreço, convirá referir que o seu depoimento, na parte respeitante à conversa que alegadamente a mesma presenciara entre os arguidos, suscitou algumas reservas, à luz das regras da experiência comum e dos demais elementos probatórios já referidos, não sendo crível que alguém chegue ao pé de uma pessoa que ainda não conhece e a aborde na presença de outra nos termos referidos.
Por outro lado, não deixa de ser estranho que o arguido V... aguardasse pelo fim da inquirição da testemunha para lembrar ao Tribunal que esta tinha conhecimento do modo como ambos os arguidos se haviam conhecido, sendo certo que quando inicialmente prestou declarações nada disso relatou ao tribunal.
Mas, ainda que se admitisse corresponder à verdade a conversa relatada ao Tribunal, a mesma não é susceptível de por em causa a convicção do Tribunal quando aos factos que entendeu dar como provados, desde logo, no que respeita ao papel de cada um dos arguidos no crime de tráfico que lhes vem imputado.
Para além dos elementos probatórios já chamados à colação foram ainda valorados pelo Tribunal, a propósito da actividade de tráfico descrita na factualidade provada, os documentos de fls. 345, 348, 374 e 352, os registos fotográficos de fls. 439 a 442, atinentes à chegada dos arguidos M... e D...ao local de encontro, sendo ainda esclarecedor o depoimento da já identificada testemunha B..., a qual, em simultâneo com a transmissão por parte de outro colega do teor das escutas telefónicas, acompanhou todas as movimentações dos arguidos M... e D..., desde a chegada ao aeroporto até ao local de encontro.
Sopesaram igualmente na convicção do tribunal os autos de busca e apreensão de fls.349 a 357, 359 a 368, 371 a 379 e 399 e os exames periciais de fls. 819 e 1617.
No que respeita agora ao facto de o Tribunal ter dado como provado ter a arguida O... tomado parte no desígnio comum de adquirir cocaína no Brasil, a fim de, posteriormente, a mesma ser vendida em Portugal, pese embora a mesma se tenha remetido ao silêncio, no uso de um direito que a lei lhe confere, atendeu o Tribunal ao facto objectivo de ter sido a mesma quem procedeu às transferências do dinheiro necessárias à aquisição do produto estupefaciente e demais despesas a suportar no Brasil, não sendo crível, à luz das regras da experiência comum, que vivendo em união de facto, desde os seus 16 anos, com o arguido V... e tendo já tido intervenção no 1º episódio em que saiu frustada a aquisição de produto estupefaciente no Brasil, não tivesse novamente consciência da actividade de tráfico em que estava a participar, sendo certo também que as transcrições das escutas telefónicas apontam para essa consciência.
Elucidativas do acabado de referir são as sessões 1385,1405,1439 e1443 do ALVO 33503M, sendo que as duas ultimas são demonstrativas do empenho da arguida em tentar diligenciar com o arguido V... pela passagem da arguida D...–não denotando a mesma qualquer surpresa com a chamada do arguido M... – passagem essa que veio efectivamente a ser adquirida ao balcão da TAP, no aeroporto do Porto (conforme referiu a testemunha B..., em conjugação com o documento de fls.345) embora não se tenha apurado por quem em concreto, ainda que sob as ordens do arguido V..., conclusão que se extrai da articulação de todos os elementos probatórios já aduzidos.
É certo que aquando das transcrições das escutas o interveniente referente à arguida O... aparece com o nome de Esperança.
Todavia, instada a testemunha B..., a tal propósito, foi pela mesma adiantado que tal se deveu ao facto de tal arguida ser conhecida no meio em que vive e também no meio policial com o nome de Esperança, razão pela qual foi este que ficou a constar nas transcrições das escutas, não tendo qualquer dúvida em afirmar que a interveniente identificada com o nome “Esperança” é efectivamente a arguida O....
Pese embora mais nenhuma referência tenha sido feita ao facto de a arguida O... ser conhecida por Esperança, a verdade é que, a sustentar tal depoimento, temos ainda o facto de a interveniente nas escutas se assumir expressamente como mulher do V....
Ora, conjugando todos os elementos probatórios referidos com as regras da experiência comum, entendeu pois o tribunal dar como provada a factualidade ora em análise, atinente à arguida O..., pese embora esta se tenha remetido ao silêncio, pois que se é certo que tal direito que a lei lhe confere, a não poderá prejudicar, não poderá deixar de entender-se que o exercício do direito ao silêncio quanto aos factos ocorridos nas circunstâncias referidas na factualidade provada também a não poderão beneficiar.
No entender do Tribunal contraria as regras da normalidade que alguém a quem é imputado o facto de ter procedido a transferências de dinheiro para aquisição de cocaína e que comprovadamente efectuou, quando confrontado judicialmente com tal imputação, se nada tiver a ver com os factos em apreço, não queira apresentar qualquer explicação para o seu comportamento, remetendo-se antes ao silêncio.
Passemos agora à análise dos meios probatórios atinentes aos crimes de passagem de moeda falsa.
No que respeita à factualidade imputada ao arguido M... (pontos 25 a 28 da factualidade provada), assentou o tribunal a sua convicção na confissão integral do arguido, em conjugação com o auto de apreensão de fls.731 a 735, confirmado em audiência pela testemunha OE…, agente da G.N.R. que procedeu à apreensão e os exames periciais de fls. 771 a 775, 605 e 606 e 881 a 883.
Quanto à matéria atinente ao arguido C..., foi adiantado pelo arguido M... tê-lo conhecido numa casa de alterne da testemunha A..., ocasião em que aquele lhe pediu que lhe entregasse umas amostras de notas falsas, com vista a mostrá-las a uns amigos, pedido a que acedeu, após ter falado com o J..., não tendo, no entanto, chegado a acordar qualquer valor, sendo que depois deste momento não mais o contactou.
Por outro lado, a arguido C... adiantou ao tribunal ter conhecido o M... através do A…, numa loja de móveis em Bragança, onde este se encontrava a trabalhar, sendo que, posteriormente a este encontro, o M... o passou insistentemente a contactar através do seu telemóvel, a fim de marcarem um encontro, o que veio a ocorrer numas bombas, sitas a 20 metros de sua casa. Em tal encontro o arguido M..., alegando estar a atravessar dificuldades económicas, entregou-lhe as notas em apreço para as mãos, solicitando-lhe que tentasse arranjar alguém que as quisesse comprar. Porque no momento em que este lhas passou para as mãos ficara bastante atrapalhado, receando que alguém o reconhecesse no local, meteu-as logo ao bolso, não tendo logo percebido do que se tratava.
Ora, analisadas tais declarações à luz das regras da experiência comum e confrontadas as mesmas com o teor das transcrições das escutas telefónicas, desde logo, com o das sessões 5031,5171 e 5175, do Alvo 33287M, facilmente se constata que as prestadas pelo arguido M... se aproximam mais da realidade dos factos.
Com efeito, tendo-se esclarecido ter sido o arguido C... o interveniente em tais sessões e, bem assim, o sentido das expressões Uvas” e “Cabras” - o qual o arguido confirmou querer significar “notas falsas” – mostra-se de todo irrazoável a versão trazida a julgamento pelo arguido C..., não tendo este conseguido explicar porque razão não sendo sua intenção receber as notas em apreço e colocá-las em circulação, as aceitou e conservou na sua posse até ser contactado pela P.J e confrontado com o teor das transcrições telefónicas, estas elucidativas da actividade delituosa do arguido retratada na factualidade provada.
Não resultando, todavia, dos mencionados meios probatórios, ter o mencionado arguido chegado a colocar em circulação notas que sabia serem contrafeitas, entendeu-se pois dar como não provada a factualidade descrita no ponto 7 do elenco dos factos não provados.
No que respeita à matéria vertida nos pontos 33 e 34 da factualidade provada, valorou-se o auto de apreensão de fls.417, em conjugação com os já mencionados autos de exame periciais.
Quanto à matéria do ponto 21 da factualidade provada (nota de 20,00 euros apreendida ao arguido V... quanto foi interceptado pela PJ), assentou o tribunal a sua convicção nas declarações do arguido V..., o qual confirmou ser portador, nas circunstâncias descritas, da nota em apreço, alegando, todavia, desconhecer que se tratava de uma nota falsa, justificando a sua posse no facto de a mesma ter resultado de algum pagamento que lhe foi feito numa das feiras.
Sopesou ainda na convicção do tribunal o auto de apreensão de fls.349 e o relatório do exame pericial de fls.881 a 883.
Quanto ao invocado desconhecimento, tratando-se como se trata de uma única nota e sendo o arguido também feirante, cremos não haver razões para não dar credibilidade à versão apresentada pelo arguido e daí ter o tribunal considerado como não provado o facto vertido no ponto 6 do elenco dos não provados, sendo certo também que a acusação pública não imputa a este arguido qualquer crime de passagem ou aquisição de moeda falsa.
No que concerne à matéria atinente ao tipo de armas e munições que nas circunstâncias referidas na factualidade provada foram encontradas na residência dos arguidos V.../O... e M... e, ainda, na residência do falecido J..., valoraram-se os autos de apreensão de fls.359 a 367, 384 e 417, em conjugação com os autos de exame pericial de fls.821/822 e 1040 a 1052.
A propósito do que foi apreendido no quarto onde habitava o arguido M..., foi adiantado por este ao tribunal que, quer as munições, quer a embalagem do aerossol, foram ai deixados por um amigo brasileiro da sua namorada, sendo que tendo este deixado tal material em cima do sofá, retirou-o dai e colocou-o numa gaveta, onde já se encontrava há dois/três meses, embora soubesse ser proibida a detenção do mesmo.
Todavia, resulta do respectivo auto de apreensão, que o material apreendido encontrava-se no interior de uma mochila guardada no seu quatro, circunstância que, à luz das regras da experiência comum, aponta no sentido de tal material ser pertença do arguido.
Mas, mesmo que assim não se entendesse, a verdade é que o arguido sabia ter na sua posse, quer as munições, quer a referida embalagem de aerossol, sem para tal estar autorizado.
No que respeita agora ao material que foi apreendido aos arguidos V... e O..., foi adiantado pelo primeiro que a pistola Star foi por si adquirida ao arguido M... (facto que não se logrou provar) sendo a espingarda Altay pertença do seu genro P..., encontrando-se em sua casa em virtude de este ter sido preso e a sua filha ter ido viver consigo.
No decurso da audiência foi junto pelo arguido V... fotocópia do livrete de manifesto da mencionada espingarda (após exibição do respectivo original), do qual resulta ser proprietário da mesma o referido P....
Todavia, independentemente do facto de tal arma se encontrar manifestada, a verdade é que tal não legitimava que os arguidos V... e O... a guardassem na sua residência, facto de que não podiam deixar de ter conhecimento.
E tanto sabiam que não podiam deter e guardar as mencionadas armas que tiveram o cuidado de as esconder, nos termos em que as mesmas foram encontradas aquando da respectiva apreensão.
E nem se diga que a arguida O... desconhecia a existência das armas em apreço, como pretendeu convencer o arguido V..., pois que vivendo a mencionada arguida em união de facto com este e encontrando-se uma delas debaixo da cama do quarto do casal e outra dentro de uma gaveta do guarda vestidos, mostra-se irrazoável admitir tal desconhecimento.
Para prova dos antecedentes criminais dos arguidos M..., V... e C... e da ausência dos mesmos por banda das arguidas O... e D..., valorou o Tribunal o teor dos últimos C.R.C. juntos aos autos.
Para prova das condições pessoais de vida dos arguidos M..., V..., D... e C..., valorou o Tribunal as declarações dos próprios, as quais para além de se apresentarem credíveis, não foram contrariadas por outros meios de prova.
No que respeita ao arguido M... foram ainda valorados os depoimentos das testemunhas BB.., M..., pais do arguido, AA…, ex patrão deste, MC… e MF…, respectivamente, vizinha e cunhado do arguido e, ainda, o documento de fls. 1476, junto no decurso da audiência de julgamento.
Relativamente ao arguido V..., sopesaram também na convicção do Tribunal, as declarações prestadas pelas testemunhas JÁ… e AF…, o 1º fiel de mercado em feiras e o 2º compadre e amigo do arguido V..., os quais depuseram sobre tal factualidade.
Também no que respeita às condições de vida deste arguido e às da arguida O... foi valorado o relatório social elaborado pelo I.R.S. e junto aos autos a fls. 1618 a 1620.
A convicção do Tribunal sobre os factos não provados, alicerçou-se na falta de consistência da prova sobre os mesmos produzida, em resultado, designadamente, de não terem sido produzidos outros elementos probatórios com força bastante para os sustentarem e de os produzido, a tal propósito, não terem apontado em tal sentido.
No que em especial se refere ao facto de se ter dado como não provado que a cocaína apreendida rendesse aos arguidos V... e O... a importância de 35.000 mil euros, tal resultou da ausência de elementos probatórios seguros que apontassem em tal sentido.
Com efeito, pese embora a quantidade apreendida de cocaína, atento o seu grau de pureza, desse para 2363 doses médias individuais diárias, isto de acordo com a Portaria 93/96 de 26/3, quantidade já apreciável e, portanto, a respectiva venda geradora de lucros, em maior ou menor medida, a verdade é que não constam elementos factuais que permitam quantificar, mesmo que por aproximação, o montante da compensação que os arguidos V... e O... poderiam obter, (só estes e não o arguido M..., pois que se deu como não provado que a cocaína também tivesse sido comprada por este), sendo que, para além do volume da droga em jogo, há que ter em conta toda uma série de condicionantes que o tribunal não apurou, como por exemplo, a posição que os mesmos ocupavam no negócio (se meros intermediários, se vendedores directos aos consumidores) e que espécie de remuneração é que iriam obter (lucros, remuneração fixa, etc.).”
*
A- Recurso de V...
Delimitação do recurso
- insuficiência para a decisão da matéria de facto provada
- erro notório na apreciação da prova
- violação do disposto no art 374º, nº 2, do CPP.
- cumplicidade e atenuação especial da pena
- medida concreta da pena
- suspensão da execução da pena
Apreciação:

O âmbito dos recursos afere-se e delimita-se pelas conclusões formuladas na respectiva motivação - art.s 403º e 412º do CPP - conforme jurisprudência constante e pacífica desta Relação, bem como dos demais tribunais superiores, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso - art. 410º nº 2 do CPP e Ac do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série A, de 28.12.95.

A al. a) do nº 2 do artº 410º do C.P.P. refere-se à insuficiência que decorre da omissão de pronúncia, pelo Tribunal, sobre factos alegados pela acusação ou defesa ou resultantes da decisão da causa que sejam relevantes para a decisão, isto é, decorre da circunstância de o tribunal na factualidade vertida na decisão em recurso quando se verifica que faltam elementos que, tendo resultado da discussão podendo e devendo ser indagados, são necessários para se poder formular um juízo seguro de condenação, e em que termos, ou de absolvição.

O recorrente limita-se a afirmar nas “conclusões” da motivação apresentada, que o tribunal a quo concedeu maior credibilidade ao arguido M... do que a si, criticando o julgamento de facto, questionando a objectividade da convicção expressa pelo Tribunal Colectivo e concluindo que não faz o exame crítico das provas que serviram para a formar.

Surpreende-se na sua argumentação suspeitas de tratamento diverso dos referidos arguidos, radicado em características pessoais e sociais – conclusões VIII, XIV, VX, XIX, XX.

Por outro lado, o recorrente analisa aspectos pontuais de depoimentos de testemunhas não coincidentes – como sejam as circunstâncias em que o M... e o V... se conheceram, as circunstâncias em que o C... e o M... se conheceram.

Conclui então o recorrente, porque a testemunha A… corrobora as delcarações do arguido C..., ambos afirmando que o M... e o C... se conheceram na casa de móveis, ao contrário do arguido M... que afirma tê-lo conhecido nma casa de alterne, que o Tribunal “dá como verdade apenas as declarações prestadas apenas pelo arguido M..., sem qualquer sustenção em qualquer meio de prova, ou seja à revelia da prova produzida em julgamento”. O que claramente constitui uma discordância da valoração da prova que o tribunal – constituído por três juízes – e beneficiando da imediação, levou a efeito, concedendo credibilidade a quem entendeu merecê-la, pelas razões que com o rigor necessário deixou expressas na motivação.

Entende o recorrente V... que o facto do arguido M... ter sido investigado num processo por crimes de furto e de passagem de moeda falsa, justifica que à luz da personalidade e do modus vivendi, as suas declarações não sejam minimamente credíveis quanto aos pontos concretos que indica, contrariados pelas testemunhas L... e A..., que por seu turno não foram contrariados por quaisquer outros meios de prova.

Não tem porém razão o recorrente.

Após audição da prova gravada, percebe-se que o tribunal recorrido não tenha concedido credibilidade ao arguido C... que declara ter recebido imensos telefonemas do M..., insistência que até o maçou e foi motivo para aceder a encontrar-se com ele, nas bombas da gasolina, onde terá sido surpreendido com uma entrega de notas de 20 e 100 euros que logo meteu ao bolso, por ter ficado embaraçado dada a sua reputação, que pretendeu preservar. Logo após perguntou ao M... a razão de tal entrega e foi esclarecido que se tratava de moeda falsa que pretendia negociar contando com os seus conhecimentos. Retorquiu o C... que não precisava de tais negócios que estava inserido na sociedade, com boa posição e que não contasse consigo para aquele efeito.

Ora, como a Juiz Presidente do Colectivo de forma muito pertinente o questionou, como entender que uma apresentação circunstancial numa loja de móveis consinta troca de contactos telefónicos, tratamento por tu e a subsequente efectivação de múltiplos telefonemas. Compatível com este relacionamento e por isso mais razoável – segundo as regras da experiência – é que o conhecimento tenha ocorrido na casa de alterne, onde terá havido tempo para um convívio que legitime o estabelecimento daqueles laços.

Aliás, instado pelo Sr Procurador sobre o teor da transcrição da escuta telefónia – apenso II pág 173 – o arguido C... assumiu que utilizou o termo “cabras” porque o M... em conversa já lhe tinha falado nas notas falsas - cfr sessão 5031 data 21-09-2007.

Ou seja, quando foi ao seu encontro já sabia que o negócio visado era o da passagem de tais notas e quando as meteu ao bolso sabia bem que não eram verdeiras. O que evidentemente só pode significar que mentiu ao Tribunal e assim sendo revelou-se incredível.

Bem andou pois o Tribunal a quo na apreciação crítica deste depoimento.

Também a apreciação das declarações do arguido V... se revela correcta.

Com efeito, o recorrente V... começa por contar a “história” afirmando que conheceu o M... em Julho/Agosto de 2007 no café Tropical, onde ele ía com muitas brasileiras, e um dia quando jogava bilhar ele perguntou se podia jogar e “palavra puxa palavra” o M... perguntou-lhe se queria comprar uma arma e respondeu-lhe que se lhe interessarsse era capz de comprar e depois ofereceu-lhe cocaína e notas falsas, que recusou. Em seguida foram à zona verde ver as armas, que enumerou. Gostou de uma arma antiga e comprou-a por 200 euros, tendo ficado a dever 100 euros.

Após a inquirição da testemunha L…, prestou novamente declarações para agora afirmar que conheceu o “Pedro” M... quando estava a falar com o L...na zona verde e “chega-se este Pedro, veio-se aproximando, aproximando… e diz-me assim “olha lá não trabalhas com cocaína – eu arranjo-te a cocaína a 20.000 euros ” na presença deste indivíduo. Foi desde aí que me envolvi com este indivíduo. Instado respondeu que era 20.000 euros o quilo. E acrescenta que depois daí combinaram encontrar-se no Tropical e que o resto é o que já contou.

É manifesta a contradição das versões – primeiro conheceu-o no café, depois na zona verde. Mas não se fica por aqui a sua falta de credibilidade .

Analisadas as suas declarações pretendeu convencer o tribunal que o M... lhe ofereceu a viagem ao Brasil e que lhe pediu para a sua mulher lhe guardar 6.000 euros, por não ter confiança nas pessoas com quem partilhava a sua casa.

Para quem aceita uma viagem de “presente”, é inacreditável que regresse ao cabo de cinco dias e justifique tal antecipação com o choro dos netos ao telefone. O que as regras da experiência ditam é que pretendeu viajar após concretização do negócio da compra da cocaína de modo a evitar embarcar no mesmo momento em que iria ser transportada a cocaína, tendo deixado tudo tratado com o T... e a Z..., ficando o M... encarregue de acompanhar/vigiar a pessoa que iria fazer o transporte.
Saíram em Brasília e foram até Goiania, o hotel ficou em nome dos dois, levou 250 euros e ele talvez o mesmo. Fizeram várias compras, shampos e roupas e passados dois dias o M... propôs-lhe comprar ouro que era barato, foram à procura, e dois dias depois como para comprarem o ouro não tinham dinheiro, ligou para a esposa para depositar 1.600 euros a cada um – que era dinheiro do M.... Ela foi aos correios “pôr o dinheiro no M... e não dava para depositar essa quantia no nome só duma pessoa”. Compraram um bocado de ouro barato depois viemos para o hotel, comeram, beberam e faltou o dinheiro. Comprou peças de ouro – fios, pulseiras, - à volta de 400/500 gramas. Só esteve 5 dias com ele porque telefonou para a mulher quando faltou o dinheiro, “para ela depositar mais dinheiro”, e ela discutiu e começou a chorar para vir embora e pôs os netos a falarem consigo e a chorarem e por isso veio embora. E decidiu vir embora, esteve três dias em Brasília à espera do voo e quando chegou mandou a mulher depositar o dinheiro dele na conta.

No dia 21 quando chegou o M... telefonou e disse estou de taxi já saí do aeroporto e ele disse tenho um negócio para ti – eu nem cheguei a ver esse negócio, se é que existia porque nem chegou a ver o negócio - eu até lhe disse vem de taxi e ele disse que não tinha dinheiro e então ofereceu-se para o ir buscar à area de serviço.

Declarou ainda que parte ( 250 grs) do ouro ficou para a sua filha e vendeu à volta de 250 gramas. Diz que gastou 7/8 mil euros em ouro; corrigiu para cinco mil euros.

O que não é verdade pois a testemunha B..., agente da P.J. que procedeu à investigação que deu origem aos presentes autos e à consequente detenção dos arguidos esclareceu o Tribunal que no âmbito da investigação e em colaboração com os serviços da alfândega, solicitaram-lhe que interceptassem e revistassem o arguido V... à chegada ao aeroporto, a fim de se certificarem se o mesmo trazia algo com ele, não tendo no momento sido detectado nada que pudesse levantar alguma suspeita, nem tão pouco objectos em ouro.
Refriu ainda o V... que depois do regresso a Portugal ainda enviaram 3.000 euros ao M.... E ele ainda lhe disse para depositar o resto na conta dele. Corrigiu e disse que os 3.000 euros eram para transferir para o Brasil. Instado respondeu ao Sr Procurador que “Há 1.600 euros que era dinheiro meu.”

Concluiu que para o Brasil foram enviados os 1.600 euros e os 6.000 euros.

É claro que dificilmente se acredita que o M..., - pessoa que segundo o V... ganhava entre 1000 a 1500 euros por dia – iria oferecer uma viagem ao Brasil apenas para o V... lhe fazer companhia pois conhecia-o há pouco tempo e além disso tinha sempre disponíveis as raparigas com que se fazia acompanhar. Por outro lado, afigura-se inverosímil que o M... ao invés de depositar os 6.000 euros na sua conta bancária, os entregasse à esposa do recorrente V.... Acresce que nenhum ouro foi apreendido ao M..., aquando da sua detenção.

O que tudo conjugado com o resultado das transcrições, com as declarações da D...– que embora chorando, foi relatando de forma coerente e sincera os factos – com a droga apreendida, justifica que o tribunal a quo atribua às declarações do M... maior credibilidade do que às do recorrente.

Reportando-nos às transcrições das escutas constata-se:

- da escuta 430 – apenso II – fls 24 – concluiu-se que o recorrente V... nem sequer sabia a idade e a data do aniversário do “irmão” Rodrigues residente no Brasil – que por sinal era a mesma que a sua – dia 30/08.

- o “irmão” comunica que “vamos tentar ver se a rapariga vem..” e essa que eu falei é loirinha, ela é branquinha ela é bonitinha mesmo. Pode ficar tranquilo eu expliquei tudo como é e ela disse tá bem não tem problema nenhum. Sabe que aqui também tem muita gente que quer ganhar seu dinheirinho.” – cr fls 23. – e acrescenta a dado passo - cfr fls 24 – “ Por isso a gente tem que procuarar gente como eu falei daquela vez eu falei de homem quero nem saber desses filho da puta é melhor coisa é mulher”

- fls 30 – o V... para o “irmão” –“ Você se… você mandasse a rapariguinha a …se mandasse a rapariguinha a loirinha irmão…” . mas aí tem um mau negócio… é precisa despesa… Você sabe que ela tem que ir bonitinha, tem que comprar esse negócio de roupa bonita, uma coisa boa e tal…e alguma coisa pá levar mão…. A entrada tem que ter pernão na mão assim vivo…. ´é isso sempre que pedem lá…. Quando você chega lá, você é turista…é agora você tem que levar nota mesmo na mão… quantos dias? Dez dias, 15 dias, vou gastar tanto aqui pronto… e você passa tranquilo… Irmão oha, eu colocando o mínimo… o irmão colocando bem pouquinho, eu acho que uns dois mil dá…dava os quinhentos pra ela fazer as comprars dela e ela levava o resto na mão…

(…) vamos ver se a gente nos endireitemos irmão… Igualmente, enquanto isso eu vou ali correr atrás do bilhete dela…vou fazer uma reserva muito antecipada.

- fls 36 – o V... trata por irmão um primo do primitivo irmão - a quem explica que não foi o irmão que ficou com o dinheiro num problema anterior ( “banhada”?)… Vá então você combina o preço….

- cfr fls 53 a 55 – teor de msg do irmão solicitendo deposito na conta bancária,

- cfr 58 – referencia a rapariga que vomitou lá no embarque e “jogou umas merdas daquelas e aí ela foi apanhada. “ e o irmaõ refere que est na Colombia.

- cfr fls 63 a 65, 67, 69 – pedido do V... à esposa para lhe comprarem a passagem para a rapariga

- cfr fls 71 – M... pergunta “ e aí o seu marido já chegou? – resposta “ Chegou, chegou agora…”

Cfr fls 72 – O M... para o V... “Que era para você então ver se mandava isso para aqui, que é para ir embora”

Cfr fls 75 – M... e V... sobre a passagem da rapariga, dizendo este que não há dinheiro, tá esgotado.

- cfr fls 79 O V... diz “sabes? Eu deixei lá dinheiro, deixei tudo, mas gastou gastou e então, não tem dinheiro para se vir embora.” Pagava-se a passagem, desse nome, que ela tá em Brasilia para aqui”

Importa recordar que o recorrente V... rspondeu ao Sr Procurador que não visitou o irmão no Brasil porque este residia muito longe no Nordeste.

Ou seja a rapariga que se encontrava à espera da aquisição daesta passagem, era a D…, sendo certo que foi o V... que pagou todas as despesas, como acima se consignou.

Resulta ainda da análise das escutas que a “Esperança” é a esposa do arguido V.... E foi ela quem procedeu aos depósitos das verbas que lhe iam sendo solicitadas do Brasil, bem sabendo do que se tratava e sem as quais o negócio da aquisição da cocaína não teria sido concretizado assim como o seu transporte para Portugal.

Apenso III – sessao 905 – data 9-10-2007 o M... pede ao A...( proprietário de casa de alterne) contacto para arranjar uma rapariga para transporte da cocaina e da-lhe o numero do quarto do hotel 208 para posterior contacto. Sessão 934 – o A...diz que não tem contactos e que se desenrasque por lá e pergunta se traz raparigas e o M... responde “É dois, duas raparigas mas é para levar alguma coisa dentro lá do…. E o A...responde “ Tá bem prontos já te entendi…
O A...pergunta …olha lá mas tu foste para aí porquê, diz lá. Eo M... responde “Ó, que é para eu tinha um gajo, tenho dois gajos aqui para levar”
A análise minuciosa das conversas gravadas nas intercepções telefónicas – não obstante a esforço de codificação da linguagem – revela todo o esquema organizado para a compra e transporte da cocaína, anteriormente com o “irmão” que foi substituído pelo M..., que precisava de “refazer” a vida após lhe ter sido apreendido o carro com as notas falsas dentro, por volta do dia 20 de Setembro de 2007 – cfr sessão 5089 e 5127 – cfr fls 176 a 179 do apenso I.
O Tribunal recorrido valorou pois de forma correcta toda a prova, e acertadamente concedeu maior credibilidade às declarações do arguido M..., - que se mostrou consistente e digno de crédito, - que se conjugam com os factos que resultam das conversas gravadas, da versão da D...e dos documentos comprovativos das transferencias de dinheiro efectuadas para o Brasil.
Finalmente a chegada a Portugal foi acompanhada pelas intercepções telefonicas em tempo real e foi o arguido V... que pagou o taxi.
-Erro notório na apreciação da prova
Erro notório na apreciação da prova a que se refere a c) do artº 410º nº2 do C.P.P. é aquele que é evidente, que não escapa ao homem comum, de que um observador médio se apercebe com facilidade, que é patente, como referem Simas Santos e Leal Henriques in Código de Processo Penal Anotado, II vol. pág ,740 e segs. e ainda o Ac. STJ de 1997/07/02 onde se diz “O erro notório na apreciação da prova previsto na c) do nº 2 do artº 410º do C.P.P., é um erro de raciocínio na apreciação das provas, revelado pela leitura do acórdão . Erro tão evidente que salta aos olhos do leitor médio, sem necessidade de qualquer exercício mental. As provas indicam claramente um sentido e a decisão extraiu ilação contrária, logicamente impossível, incluindo na matéria factica ou excluindo dela algum facto essencial”.
Alega o recorrente que se verifica este vício, porque, em seu entender, a prova produzida em audiência não é suficiente para se concluir pela verificação do crime de tráfico de estupefacientes p.p. pelo artº 21º do DL 15/93 ou pelo menos pela co-autoria pois quando muito o arguido teria actuado como cúmplice.
O recorrente confunde o vício de erro notório na apreciação da prova, com a valoração e apreciação que faz da prova que foi produzida, como ficou patente no ponto antecedente.
Do texto da decisão recorrida, não resulta qualquer erro na apreciação da prova, quer perante a factualidade dada como provada, quer pela fundamentação que foi efectuada da decisão, e que não merece censura.
Apesar de não suscitada, porque é de conhecimento oficioso vejamos se existe contradição insanável da fundamentação
Por contradição, entende-se o facto de afirmar e negar ao mesmo tempo uma coisa, e existe contradição insanável da fundamentação, nos termos da b) do nº 2 do art º 410º do C.P.P., quando, segundo um raciocínio lógico, se possa concluir que a decisão não fica esclarecida de forma suficiente, dada a colisão, dentro do próprio texto da decisão, entre os fundamentos invocados.
Tal entendimento tem sido acolhido pela jurisprudência, como resulta do sumário do Ac. do STJ de 97/05/08 in Proc. nº1463/96 citado por Simas Santos e Leal Henriques no Código Processo Penal Anotado , II Vol. , pág 764, que diz:
A contradição insanável da fundamentação ocorre quando se dá como provado e não provado o mesmo facto, quando se afirma e se nega a mesma coisa, ao mesmo tempo, ou quando simultaneamente, se dão como provados factos contraditórios.

O que não ocorre no caso presente.
Em conclusão, em face da matéria de facto dada como provada e não provada e respectiva fundamentação, não se verifica na decisão recorrida, nenhum dos invocados vícios a que se refere o artº 410º nº 2 do C.P.P..
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- violação do disposto no art 374º, nº 2, do CPP.

Dispõe-se no art.º 374º n.º 2 do Código Processo Penal, relativamente aos requisitos da sentença, que ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.

O art.º 374º n.º 2 do Código Processo Penal, não se basta, pois, com a simples enumeração dos meios de prova utilizados em 1ª instância, exigindo ainda a explicitação do processo de formação da convicção do tribunal. Não basta mostrar os meios de prova através do seu elenco é preciso demonstrar porque razão se chegou a determinado resultado.

O referido preceito não exige que na fundamentação se resumam os depoimentos prestados pelas testemunhas, até porque o legislador impôs regras para a produção de prova e sua documentação (art. 364º, 1 e 2, do CPP), de forma a que os intervenientes possam controlar a provar.
O que a norma determina é que na fundamentação devem constar os factos e, sobre cada um deles, a prova concretamente produzida, com indicação e identificação das testemunhas, porque e como tiveram conhecimento dos factos, a forma isenta e descomprometida como prestaram o depoimento, e, quanto aos documentos a sua indicação, de tudo se fazendo a respectiva apreciação crítica. O sistema da livre apreciação da prova, art.º 127º do Código Processo Penal, pressupõe e exige uma indicação dos meios de prova e um complementar e exigente exame crítico, de modo a que permita avaliar o porquê da decisão e o processo lógico mental que possibilitou a decisão da matéria de facto.
Comando a que o tribunal recorrido obedeceu, examinando e apreciando a prova com a indicação dos fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se pudesse controlar a razoabilidade daquela convicção dos factos dados como provados ou não provados.
Não tem pois razão o recorrente neste segmento da sua argumentação.
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- cumplicidade e atenuação especial da pena
De forma magistral, o Ac STJ de 7-11-2007, distingue as formas de comparticipação - autoria e cumplicidade:
“ A co-autoria pressupõe um elemento subjectivo, o acordo, expresso ou tácito, para a realização de determinada acção típica, e um elemento objectivo, que constitui a realização conjunta do facto, ou seja, tomar parte directa na execução.
A execução conjunta, neste sentido, não exige, todavia, que todos os agentes intervenham em todos os actos, mais ou menos complexos, organizados ou planeados, que se destinem a produzir o resultado típico pretendido, bastando que a actuação de cada um dos agentes seja elemento componente do conjunto da acção, mas indispensável à produção da finalidade e do resultado a que o acordo se destina.
O autor deve ter o domínio funcional do facto; o co-autor tem também, do mesmo modo, que deter o domínio funcional da actividade que realiza, integrante do conjunto da acção para a qual deu o seu acordo e, na execução de tal acordo, se dispôs a levar a cabo. O domínio funcional do facto próprio da autoria significa que a actividade, mesmo parcelar, do co-autor na realização do objectivo acordado se tem de revelar indispensável à realização da finalidade pretendida.
A actuação que constitui autoria deve compreender-se em unidade de sentido objectivo-subjectivo, como obra de uma vontade directora do facto; para a autoria é decisiva não apenas a vontade directiva, mas também a importância material da intervenção no facto que um co-agente assume. Por isso, só pode ser autor quem, de acordo com o significado da sua contribuição objectiva, governa e dirige o curso do facto (cf. Hans-Heinrich Jescheck e Thomas Weigend, Tratado de Derecho Penal – Parte General, trad. da 5.ª ed., 1996, págs. 701-702).
O domínio do facto remete para princípios distintos, em paralelo com as possibilidades de divisão do trabalho: domínio do facto mediante a realização da acção executiva (domínio do facto formal vinculado ao tipo); decisão sobre a realização do facto (domínio do facto material como domínio da decisão) e domínio do facto através da configuração do facto (domínio do facto material como domínio de configuração).
Quando intervêm vários agentes podem distribuir-se os vários elementos por partes: cada um deve tomar parte em algum dos três âmbitos de domínio, mesmo quando um configura e outros executam; na medida em que o titular do domínio do facto formal não está dominado por um autor mediato, também nele reside o domínio do facto.
A autoria tem de definir-se, ao menos, como domínio de um dos âmbitos de configuração, decisão ou execução do facto, não sendo relevante o domínio per se, mas apenas enquanto fundamenta uma plena responsabilidade pelo facto.
De todo o modo, a colaboração e a importância que reveste deve poder determinar suficientemente o se e o como da execução do facto.
A outra forma de comparticipação – a cumplicidade –, definida no art. 27.º do CP («é punível como cúmplice quem, dolosamente e por qualquer forma, prestar auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso»), pressupõe um apoio doloso a outra pessoa no facto antijurídico doloso cometido por esta, não havendo na cumplicidade domínio material do facto, pois o cúmplice limita-se a favorecer a prática do facto.
A cumplicidade diferencia-se da co-autoria pela ausência do domínio do facto; o cúmplice limita-se a facilitar o facto principal, através de auxílio físico (material) ou psíquico (moral), situando-se esta prestação de auxílio em toda a contribuição que tenha possibilitado ou facilitado o facto principal ou fortalecido a lesão do bem jurídico cometida pelo autor.
A linha divisória entre autores e cúmplices está em que a lei considera como autores os que realizam a acção típica, directa ou indirectamente, isto é, pessoalmente ou através de terceiros (dão-lhe causa), e como cúmplices aqueles que, não realizando a acção típica nem lhe dando causa, ajudam os autores a praticá-la – cf. Germano Marques da Silva, in Direito Penal Português, Parte Geral, vol. II, ed. Verbo, pág. 179.
A cumplicidade é uma forma de participação secundária na comparticipação criminosa, destinada a favorecer um facto alheio, portanto, de menor gravidade objectiva, mas, embora sem ser determinante na vontade do autor e sem participação na execução do crime, traduz-se em auxílio à prática do crime e, nessa medida, contribui para a sua prática, configurando-se como uma concausa do crime – cf. Germano Marques da Silva, ob. cit. págs. 283-291.
Considerando os factos provados – pontos 2 a 14, 17, 36 a 38 e 43 dúvidas não restam de que o recorrente é co-autor e não mero cúmplice.
E assim sendo, prejudicada fica a possibilidade de atenuação da pena.
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Medida concreta da pena
No crime de tráfico de estupefacientes como crime de perigo abstracto, as exigências de prevenção geral são determinantes na fixação da medida concreta da pena, para aquietação da comunidade e afirmação de valores essenciais afectados por comportamentos que, antes e para além de causarem efectivos danos, são aptos a colocar em perigo bens jurídicos essenciais, como sejam a segurança da comunidade a saude e vida dos dependentes de estupefacientes e até a vida, de indiscutível valor supremo.
Reportando-nos ao caso concreto, as exigências de prevenção especial de socialização são, no caso, significativas, quando considerado que agiu com dolo directo e evidencia uma actividade delituosa reveladora da passagem pela fronteira portuguesa de cocaína em quantidades expressivas, em conjugação de esforços com a sua esposa O... e com os arguidos M... e D....
São fortes as razões de prevenção geral dado o aumento da venda de estupefacientes, colocando os virtuais toxicodependentes, sua saúde, vida e liberdade em causa.

“As necessidades de prevenção geral são prementes, visto que a situação que se vive em Portugal em termos de tráfico e de toxicodependência é grave, traduzida num significativo aumento da criminalidade e na degradação social de parte importante do sector mais jovem da comunidade – Ac STJ 25-02-2009. “
Concluindo-se que o grau de ilicitude da conduta é elevado, pelo valor da quantidade transaccionada, em relevo a natureza da culpa – dolo directo, e ponderando ainda as condições pessoais do arguido, considerando que não é primário, que a natureza da actividade que desenvolveu e a forma como decorreu, distanciando-se do transporte do produto adquirido no estrangeiro, com prévio acompanhamento garantido, com recurso a mulheres para acondicionamento da droga no corpo ( as chamadas “mulas” na gíria policial ) constitui já um vendedor de patamar superior, tendo em conta a jurisprudência do STJ e aplicando os critérios do artigo 71º do CP, considera-se adequada a satisfazer as necessidades de prevenção geral e especial e modelada pelo grau de ilicitude e culpa, a pena de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses de prisão como co-autor de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art. 21, nº1, do Dec. Lei 15/93, de 22.01, com referência às Tabela IB, anexa a tal diploma legal, para o qual foi convolado o crime de tráfico agravado, p. e p. pelo art. 24, al.c), do D.L. citado, que lhe vinha imputado na acusação pública.

Do crime de detenção ilegal de arma

Comete o crime de detenção ilegal de arma, p. e p. pelo art. 86º, nº1, als. c) e d) da Lei 5/2006, de 23/2, “Quem, sem se encontrar autorizado, fora das condições legais ou em contrário das prescrições da autoridade competente, detiver, transportar, guardar, comprar, adquirir a qualquer título ou por qualquer meio obtiver por fabrico, transformação, importação ou exportação, usar ou trouxer consigo:

c) Arma das classes B,B1,C e D, espingarda ou carabina facilmente desmontável em componentes de reduzida dimensão com vista à sua dissimulação, espingarda não modificada de cano de alma lisa inferior a 46cm, arma de fogo dissimulada sob a forma de outro objecto, ou arma de fogo transformada ou modificada, é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias;
d) Arma da classe E, arma branca dissimulada sob a forma de outro objecto, faca de abertura automática, estilete, faca de borboleta, faca de arremesso, estrela de lançar, boxers, outras armas brancas ou engenhos ou instrumentos sem aplicação definida que possam ser usados como arma de agressão e o seu portador não justifique a sua posse, aerossóis de defesa não constantes da alínea a) do nº7,artigo 3º, armas lançadoras de gases, bastão eléctrico, armas eléctricas não constantes da alínea b) do nº7 do artigo 3º, quaisquer engenhos ou instrumentos construídos exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão, silenciador, partes essenciais da arma de fogo, munições, bem como munições com os respectivos projécteis expansivos, perfurantes, explosivos ou incendiários, é punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias.”
Como já resulta do acórdão recorrido, com a punição deste ilícito visa-se prevenir o perigo de um número indeterminado de infracções penais, dada a diversidade dos bens juridicamente tutelados, que são postos em risco com a utilização do tipo de armas em causa neste tipo de incriminação, nomeadamente, a vida, a integridade física, a tranquilidade, a liberdade, a paz social e até o património de muitas pessoas.
Tendo resultado provado que o arguido M... detinha nas circunstâncias descritas na factualidade provada, quer as quatro munições de calibre 6,35, quer a embalagem de aerossol de defesa, bem sabendo que não estava autorizado a detê-las e que a sua conduta era proibida por lei, impõe-se concluir que o arguido incorreu na prática do tipo de crime de detenção ilegal de arma que lhe vem imputado na acusação, punido com pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias.
Também quanto aos arguidos V... e O..., provando-se que detinham e guardavam na sua posse uma pistola semi-automática, marca Star, de calibre 7,65mm e uma espingarda de tiro unitário múltiplo, ambas devidamente identificadas na factualidade provada, bem sabendo que não estavam autorizados à detenção e guarda das mesmas e que não eram titulares de qualquer documento que legitimamente lhes permitisse as referidas detenção e guarda, dúvidas não restam de que incorreram na prática, em co-autoria, do crime de detenção ilegal de arma que lhes vinha imputado na acusação pública, punido com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias.
A questão que o recorrente suscita está tratada de forma exímia no acórdão recorrido senão veja-se o que ali se escreveu a propósito: “Coloca-se agora a questão de saber se o arguido M... há-de ser condenado em concurso real e efectivo pela prática de dois crimes de detenção ilegal de arma, como defende a acusação pública, ou se, pelo contrário, a sua conduta criminosa ao deter nas mesmas circunstâncias as armas em apreço deverá ser punida como um único crime. Adiantando desde já a nossa posição, dir-se-à ser nosso entendimento que não obstante o número de armas detidas, o arguido apenas deverá ser punido por um único crime. Como refere Eduardo Correia (em Unidade e Pluralidade de Infracções, pág.97), deve considerar-se “existente uma pluralidade de resoluções sempre que não se verifique, entre as actividades do agente, uma conexão no tempo tal que, de harmonia com a experiência normal e as leis psicológicas conhecidas, se possa e deva aceitar que ele as executou a todas sem ter de renovar o respectivo processo de motivação”. No caso vertente, e salvo melhor opinião, afigura-se-nos que a conduta do arguido M... não pode ser diferenciada, na medida em que nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar detinha mais do que uma arma, não se podendo afirmar, na esteira de Eduardo Correia, que existe “in casu” uma pluralidade de valores negados nem a correspectiva pluralidade de “pré-determinações volitivas necessárias ao cometimento de várias infracções”, tendo em conta o circunstancialismo descrito. Na verdade, atento o bem jurídico protegido com este tipo de ilícito, entendemos não ser acrescido o âmbito de protecção jurídica prosseguida com tal incriminação, pelo facto de em vez de um tipo de arma, o arguido deter consigo outras armas, não podendo assim considerar-se a existência de um crime por cada arma detida, ainda que no caso se trate, por um lado, de munições e, por outro, de uma embalagem de aerossol. “
E conclui-se no acordão recorrido: “Pelo exposto, à semelhança do que a acusação defendeu em relação aos arguidos V... e O..., entendemos pois que o arguido M... responderá apenas por um único crime de detenção ilegal de arma, punido com pena de prisão até 3 anos ou multa até 360 dias.
Ou seja, a leitura atenta do acordão recorrido revela que os arguidos V... e Otilia foram condenados apenas por um crime, pelo que nesta parte o seu recurso se mostra inútil, pois pretende alcançar algo que já alcançara na 1ª instância para quem o número de armas foi já indiferente.
Pelo que bem andou o tribunal em punir o arguido na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão.

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Suspensão da execução da pena
Existe um conteúdo mínimo de prevenção geral que se impõe como limite das considerações de prevenção especial, só sendo admissível a pena de suspensão da execução da prisão quando não coloque em crise a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime (Ac.R.Lx.5/3/2009 e Ac.R.C. 18/1/2006 wwwdgsi.pt).
Aliás, face à pena considerada adequada, como pena única – 7 anos e 6 meses de prisão - não é equacionável, sequer em abstracto, no regime vigente, a suspensão da respectiva execução.
Assim, entende-se que não é de aplicar, no caso, a suspensão da execução da pena de prisão.
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B - Delimitação do recurso da O...
- autoria/cumplicidade
- suspensão da pena
Apreciação:
Dando por reproduzido quanto se deixou dito relativamente aos vícios invocados pelo arguido V..., uma vez que a impugnação da decisão de facto tinha por base a validade dos meios de prova a que o tribunal de 1.ª instância atendeu, tendo este tribunal considerado improcedente o recurso quanto a tal questão, improcedente terá de ser julgado, também nesta parte, o recurso interposto quanto à decisão de facto pela arguida Otilia.
Por outro lado, como se disse supra atentos os factos provados impõe-se concluir que a arguida praticou um crime de detenção de arma proibida.
Da medida da pena
Relativamente à situação pessoal da arguido O…, o tribunal considerou a seu favor o facto de não lhe serem conhecidos antecedentes criminais e o bom comportamento posterior aos factos, pois que, em liberdade, não lhe é conhecida qualquer condenação, encontrando-se familiar, profissional e socialmente integrada.
Como se estabelece no art.º 71.º do C.P., no seu n.º 1, deve atender-se, no domínio da graduação das penas, às funções específicas de prevenção geral e especial, mas sem se perder de vista a culpa do agente.
Com efeito, entendendo-se actualmente que a primordial finalidade da aplicação das penas reside na prevenção geral, significa “…que a pena deve ser medida basicamente de acordo com a necessidade da tutela de bens jurídicos que se exprima no caso concreto…”, alcançando-se mediante a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada” - Prof.ª Anabela Miranda Rodrigues (“A Determinação da Medida da Pena Privativa de Liberdade”, Coimbra Editora, 1995, 570).
Apela-se, igualmente, a considerações de prevenção especial, traduzindo a necessidade de socialização do agente, em vista da sua preparação para o não cometimento futuro de outras infracções, factor este que, naturalmente, no capítulo do dimensionamento da pena, há-de ceder ao limite inferior constituído pelas ditas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico.
Tendo em conta todos esses factores, entende este tribunal que o grau da ilicitude é elevado, o que se reflecte na culpa, não se podendo descurar as necessidades de prevenção especial que, não obstante a idade do arguido e a sua inserção familiar, se verificam neste caso dada a existência de outras duas condenações criminais, por dois crimes da mesma natureza.
Tendo por referência a moldura penal aplicando os critérios do artigo 71º do mesmo diploma, considera-se adequada a satisfazer as necessidades de prevenção geral e especial e modelada pelo grau de ilicitude e culpa, a pena de de 5 anos de prisão pela prática do crime de tráfico e 1 ano e 9 meses de prisão pelo crime de detenção ilegal de arma
Qaunto a este último crime o tribunal de 1.ª instância optou, e bem, nos termos do artigo 70.º do Código Penal, pela pena privativa da liberdade. As reconhecidas necessidades de prevenção geral, aconselham que a pena concreta deva ser graduada considerando o grau da ilicitude.
Por último considera-se justa e adequada a pena definida em úmulo jurídico.
Com efeito, a culpa é um juízo de reprovação pessoal feita ao agente de um facto ilícito-típico, que podendo comportar-se de acordo com o direito, optou por se comportar em sentido negativo. A conduta culposa é expressão de uma atitude interna pessoal juridicamente desaprovada e pela qual o agente tem, por isso, de responder perante as exigências do dever-ser da comunidade. A culpa tem uma função limitadora do intervencionismo estatal pois a medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa, nomeadamente por razões de prevenção, que vêm enunciadas no mencionado art. 40.º, n.º 1 do Código Penal.
A protecção dos bens jurídicos implica a utilização da pena como instrumento de prevenção geral, servindo para dissuadir a prática de crimes, - através da intimidação das outras pessoas face ao sofrimento que com a pena se inflige ao delinquente (prevenção geral negativa ou de intimidação), - e para manter e reforçar a confiança da comunidade na validade e na força de vigência das normas do Estado na tutela de bens jurídicos e, assim, no ordenamento jurídico-penal (prevenção geral positiva ou de integração).
No crime de tráfico de estupefacientes como crime de perigo abstracto, as exigências de prevenção geral são determinantes na fixação da medida concreta da pena, para aquietação da comunidade e afirmação de valores essenciais afectados por comportamentos que, antes e para além de causarem efectivos danos, são aptos a colocar em perigo bens jurídicos essenciais, como sejam a segurança da comunidade a saude e vida dos dependentes de estupefacientes e até a vida, de indiscutível valor supremo.
“O crime de tráfico de estupefacientes é um crime de perigo abstracto, cujo bem jurídico a proteger é a incolumidade pública na vertente da saúde pública - Ac.STJ 23/7/85, BMJ 349º 293 - mas que põe em causa a vida, a integridade física e a liberdade de virtuais consumidores, e, afecta a vida em sociedade dificultando a inserção social do consumidor e possuindo efeitos criminógenos - Ac.T.C. 7/6/94 DR 2ªs de 27/10/94 - e face ao qual é reclamada uma cada vez mais severa punição; a droga é e continua a ser e desde há muitos anos a 1ª preocupação da sociedade actual, e o factor que mais condiciona a vida das famílias, pois que pode vir a afectar qualquer pessoa em qualquer idade, razão pela qual há que lhe prestar contínua e permanente atenção e especial prevenção, até porque os factores sociais inibidores de venda de droga cada vez mais se atenuam face ao lucro e condições de vida que este gera nos seus agentes.”
Reportando-nos ao caso concreto, as exigências de prevenção especial de socialização são, no caso, significativas, quando considerado o percurso pessoal do arguido, com antecedentes criminais, a significar carência de respeito pelos valores comunitários com tutela penal, revelado pelo comportamento anterior pois já sofreu duas condenações proferidas em 2001 por crime de furto qualificado e por crime de detenção de arma proibida. Acresce que o arguido está integrado no seio da família. Resumindo, o grau de culpa, - dolo na forma directa - é elevado – assim como o grau de ilicitude que resulta da quantidade dos produtos e forma de organizaçação da sua venda.
As razões de prevenção geral são prementes uma vez que continua a aumentar o tráfico de estupefaiecntes, colocando os virtuais toxicodependentes, sua saúde, vida e liberdade em causa, a segurança e tranquilidade da sociedade.

Dando por reproduzido tudo o que acima se deixou dito quanto aos critérios da medida da pena, entende este Tribunal como adequada a pena aplicada à arguida pela detenção de arma proibida.
E o mesmo se diga em relação à pena aplicada pela prática do crime de tráfico p.p. art 21º nº 1 do Dl 15/93 de 22 de Janeiro, não obstante os antecedentes criminais, que não incluem crimes desta natureza, pelo que entende adequada a pena de 5 anos de prisão assim como a pena única em cumulo jurídico de 5 anos e 6 meses de prisão.
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Pelas razões indicadas no acordão recorrido e fazendo apelo ao acordão do STJ supramencionado, não há dúvida de que a arguida Otilia é co-autora e não apenas cúmplice, bastando atentar nos factos provados, de que resulta a sua participação activa e essencial na prossecução do crime de tráfico, sem a qual a concretização não seria possível, dado que para adquirir a cocaína, fazer os pagamentos à Z..., angariadora do “correio” a arguida D…, aquisição da passagem desta, pagamento ao T..., angariador do vendedor brasileiro foi imprescindivel que procedesse aos depósitos das quantias de dinheiro necessárias para o efeito
Da suspensão da pena
Constitui princípio fundamental do sistema punitivo do Código Penal (art. 40º) o da preferência fundamentada pela aplicação das penas não privativas da liberdade, consideradas mais eficazes para promover a integração do delinquente na sociedade e dar resposta às necessidades de prevenção geral e especial.
Nos termos do art. 50º nº 1 do CP, segundo a Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, «o tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição».
O art. 50.º do CP consagra um poder-dever, ou seja um poder vinculado do julgador, que terá que decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização daquelas finalidades, sempre que se verifiquem os necessários pressupostos.
Sendo uma medida penal de conteúdo reeducativo e pedagógico - Maia Gonçalves (Código Penal Português, 18.ª Edição, pág. 215 -, cujo pressuposto material consiste, na “… adequação da mera censura do facto e da ameaça da prisão às necessidades preventivas do caso, sejam elas de prevenção geral, sejam de prevenção especial…não pode o tribunal afastar a suspensão da execução da pena de prisão com base em considerações assentes na culpa grave do arguido - Paulo Pinto de Albuquerque (Comentário do Código Penal, Univ. Católica Editora, 2008, pág. 195.
“Para esse efeito, é necessário que o julgador, reportando-se ao momento da decisão e não ao da prática do crime, possa fazer um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento do arguido, no sentido de que a ameaça da pena seja adequada e suficiente para realizar as finalidades da punição; este juízo de prognose favorável ao comportamento futuro do arguido pode assentar numa expectativa razoável de que a simples ameaça da pena de prisão será suficiente para realizar as finalidades da punição e, consequentemente, a ressocialização (em liberdade) do arguido - Ac STJ 27-01-2009.
E a ponderação das condições pessoais da arguida, da sua personalidade e conduta anterior e posterior aos factos, bem como as circunstâncias em que estes foram praticados, estão directamente associadas a finalidades de prevenção especial e não a quaisquer factores relacionados com o grau de culpa do agente, cuja sede própria de apreciação é a escolha e determinação concreta da pena, constituindo o limite máximo e inultrapassável desta.
A suspensão da execução da pena que, embora efectivamente pronunciada pelo tribunal, não chega a ser cumprida, por se entender que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para realizar as finalidades da punição, deverá ter na sua base uma prognose social favorável ao réu, a esperança de que o réu sentirá a sua condenação como uma advertência e que não cometerá no futuro nenhum crime (Ac. do STJ de 25.10.2007, in http://www.dgsi.pt).
O tribunal deverá correr um “risco prudente”, uma vez que, como sugestivamente já há muito anotaram Leal-Henriques e Simas Santos, em anotação ao art. 50.º do CP, “…esperança não é seguramente certeza…”, mas, subsistindo dúvidas sobre a capacidade do arguido para compreender a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, então, deverá a prognose ser negativa.
São as razões de prevenção geral, traduzidas nas exigências mínimas e irrenunciáveis de salvaguarda da crença da sociedade, na manutenção e no reforço da validade da norma incriminadora violada, que determinam a possibilidade de reinserção social em liberdade que inspira o instituto da suspensão da execução da pena.
Mesmo que aconselhada à luz das exigências de socialização do condenado, a suspensão da execução da pena não poderá ter lugar, se a tal se opuserem a tutela dos bens jurídicos violados e as expectativas comunitárias, quanto à capacidade dos mecanismos e das instituições previstos na ordem jurídica para repor a validade e a eficácia das normas que a integram e de as fazerem respeitar.
Uma tal medida (de suspensão de execução da pena de prisão) em nada pode ser influenciada por considerações, seja de culpa, seja de prevenção especial.
Finalmente, dada a medida da pena de prisão, não admite a lei a sua substituição por qualquer outra pena, nomeadamente pela suspensão de execução da prisão – art 50º nº 1 do CP.
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C - arguida D....
Delimitação do recurso
- suspensão da execução da pena
Apreciação:
A D...foi condenada na pena de 4 anos e 3 meses de prisão pela autoria material de um crime de tráfico de estupefacientes p.p. pelo art 21º nº 1, do Dec Lei nº 15/93, de 22/01.
Entende que a não aplicação do preceituado no art 50º do C.Penal constitui errada aplicação do direito, por falta de atenção ao conteúdo do seu relatório social e ao facto de ter quatro filhos de tenra idade ao seu cuidado.
Conclui que a simples ameaça de uma nova clausura será suficiente para a obrigar a manter um comportamento social, bem como reforçar os laços de ressocialização já estabelecidos.
O tribunal só suspenderá a execução da pena de prisão aplicada se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da pena realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição – art 50º, nº 1, do CP.

A suspensão da execução constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, de forte exigência no plano individual, particularmente adequada para, em certas circunstâncias e satisfazendo as exigências de prevenção geral, responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, ao permitir responder simultaneamente à satisfação das expectativas da comunidade na validade jurídica das normas violadas, e à socialização e integração do agente no respeito pelos valores do direito, através da advertência da condenação e da injunção que impõe para que o agente conduza a vida de acordo com os valores inscritos nas normas - Ac STJ 28-01-2007

É necessária, pois, a formulação de um juízo de prognose social favorável que permita esperar que essa pena de substituição reintegre o agente na sociedade, mas também proteja os bens jurídicos, os fins visados pelas penas (n.º 1 do art. 40.º do C. Penal).

Parte-se, em resumo, de um juízo de prognose social favorável ao arguido, pela fundada expectativa de que ele, considerado merecedor de confiança, há-de sentir a condenação como uma advertência e não voltará a delinquir, através de uma vida futura ordenada e conforme à lei. O que está em causa para fazer funcionar o artigo 50º não é qualquer certeza, mas antes a esperança fundada de que a socialização em liberdade possa ser alcançada, isto é, o tribunal deve encontrar-se disposto a "correr um risco" fundado e calculado.

O art.º 50.º do Código Penal representa um poder-dever, estando o juiz obrigado a suspender a execução da pena de prisão, sempre que os respectivos pressupostos se verifiquem (Ac STJ 4/7/96, in CJSTJ, tomo II, p. 225).

Para a decisão da questão relativa à suspensão, relevam nos termos citado artigo 50º do Código Penal, os factos atinentes à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior ao crime, à sua conduta posterior ao crime e às circunstâncias deste.
No caso concreto, a arguida não tem inserção social em Portugal, no Brasil estava desempregada havia dois meses, sendo certo que trabalhara numa fotocopiadora, evidenciou sinais de arrependimento e auto-censura, o que revela que elaborou reflexão crítica no sentido da interiorização do significado antijurídico da conduta.
É certo que tem quatro filhos, e como disse em audiência os dois mais pequenos de 2 e 4 anos estão com a avó e os outos dois com os tios. Mas não é de suspender a execução da pena de prisão, não só por ser a matéria apurada insuficiente para formular um juízo de prognose social favorável, como o combate ao tráfico de droga em que Portugal internacionalmente se comprometeu impõe que não seja suspensa a execução da pena nos casos de tráfico comum e de tráfico agravado de estupefacientes, em que não se verifiquem razões muito ponderosas. Como aliás o S.T.J., vem entendendo que a suspensão da execução da pena nos casos de tráfico comum e de tráfico agravado de estupefacientes em que não se verifiquem razões ponderosas, seria atentória da necessidade estratégica nacional e internacional de combate a esse tipo de crime, faria desacreditar as expectativas comunitárias na validade da norma jurídica violada e não serviria os imperativos da prevenção geral (Ac. citado e ainda Acs.de 27/9/2007, 3/10/2007, 14/11/2007 e 15/11/2007, proferidos nos recursos penais nº3297/07, 2071/07,3410/07 e 3761/07, respectivamente).
A opção pela pena de substituição só é possivel quando a pena de suspensão da execução da prisão não coloque irremediavelmente em causa a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, ou seja, o sentimento de reprovação social do crime ou sentimento jurídico da comunidade.
Os “correios” são sempre pessoas sem passado criminal, sem referências policiais de ligação ao mundo da droga, e cuja missão se esgota no transporte e entrega da mercadoria a um desconhecido, em troco de uma compensação remuneratória fixa. São também sempre pessoas com prementes necessidades económicas, que as levam a assumir o risco. Todas elas pensam, uma vez realizada a missão e recebido o dinheiro, seguir vida lícita, e dificilmente serão recrutadas para nova viagem, sob pena de se tornarem suspeitas para as autoridades. – Ac STJ de Ac STJ de 8-05-08
No caso concreto o crime de tráfico de estupefacientes, consubstanciou-se no transporte aéreo do Brasil para Portugal de mais de meio quilo de cocaína. A D...funcinou como correio internacional de droga – peça fundamental no mecanismo de distribuição e disseminação da droga - “… que fazem correr o risco de transformar Portugal – para além de uma plataforma giratória que de alguma forma já é – como um off-shore europeu do comércio transatlântico da cocaína. – Ac STJ de 8-05-08
Como já se registou, o S.T.J. adverte que nos crimes de tráfico deve atender-se a fortes razões de prevenção geral impostas pela frequência desse fenómeno e das suas nefastas consequências para a comunidade; “… só em casos muito excepcionais, em que a ilicitude do facto se mostre diminuída e o sentimento de reprovação social se mostre esbatido, será admissível o uso do instituto da suspensão da execução da pena de prisão”, sendo de realçar “… o papel da prevenção geral na repressão ao crime de tráfico de estupefacientes tendo em vista a tutela dos bens jurídicos com referência à vida de jovens e estabilidade familiar e a saúde e segurança da comunidade, como expressivamente decorre do objectivo nacional estratégico referido na Resolução de Conselho de Ministros 46/99, de 26-05. Nisto se incluem " os correios internacionais de droga" – que fazem correr o risco de transformar Portugal – para além de uma plataforma giratória que de alguma forma já é – como um off-shore europeu do comércio transatlântico da cocaína. – Ac STJ de 8-05-08
No caso, é de afastar a suspensão da execução da pena, pois as finalidades da punição, designadamente as exigentes finalidades de prevenção geral, não poderão ser adequadamente alcançadas pois as condições da recorrente, sem qualquer apoio em Portugal, não possibilitam o cumprimento de condições que seriam inerentes à suspensão, nem haveria, com o regresso da recorrente ao seu país, verificação sobre o seu cumprimento - CFr STJ 16-01-2008
Em face de tudo o exposto, concordamos com o entendimento do tribunal colectivo a quo de que as manifestas exigências de prevenção geral que no caso se fazem sentido afastam a aplicação do instituto em causa.
Improcede assim o recurso interposto pela arguida D....
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III - Decisão:
Acordam os juízes deste Tribunal da Relação em negar provimento aos recursos interpostos confirmando a decisão recorrida.
Custas pelos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça a cargo da D... em 4 Us e a de cada um dos recorrentes Otilia e V... em 7 Ucs.
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Coimbra, 1/07/2009
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(Certifica-se que o acórdão foi elaborado pelo relator e revisto pelos seus signatários, nos termos do art 94.º, n.º 2 do C.P.P.).

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Isabel Valongo

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João Trindade