Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1008/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: LUÍS RAMOS
Descritores: ACUSAÇÃO MANIFESTAMENTE INFUNDADA
IDENTIDADE DO ARGUIDO
REJEIÇÃO
Data do Acordão: 06/14/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE OURÉM
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 283º, Nº. 3, E 311º, Nº. 2, DO C. PROCESSO PENAL
Sumário: 1. Só a ausência total de identificação ou a indicação insuficiente de sinais tendentes ao reconhecimento inequívoco do arguido pode desencadear a rejeição da acusação por manifesta improcedência.
2. A simples indicação do nome do cidadão, que prestou TIR e foi interrogado no processo, não é motivo de rejeição da acusação, pois não ficam quaisquer dúvidas sobre a pessoa a quem ela se dirige.
Decisão Texto Integral:
Acordam em conferência na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra.

Por despacho de 21 de Dezembro de 2005 proferido no processo n.º 107/05.8PBVNO do 1.º Juízo do Tribunal Judicial de Ourém foi a acusação particular de fls. 49/46 considerada “manifestamente infundada na acepção do art.º 311.º, n.ºs 1 e 2, al. a. e 283.º, n.º 3” do Código de Processo Penal.

Inconformado com o decidido, vem a assistente impugná-lo, concluindo assim a respectiva motivação:

“1) A doura decisão de rejeitar a acusação particular por considerar que apenas a indicação do nome da arguida no libelo acusatório não satisfaz as exigências previstas nos artigos 311°, n.º l e 2 al. a) e n.º 3 al. a) do Código do Processo Penal, (com referência aos artigos 285° n.º 2 e 283.º0 n.º 3 ambos do mesmo diploma legal), decidindo pela rejeição da acusação por manifestamente infundada, violou as normas referidas, por não efectuar uma correcta interpretação do espírito c da letra da lei.
2) Isto porque, a indicação apenas do nome da arguida na acusação particular satisfaz plenamente o disposto no artigo 283° n.º 3 al. a) do Código do Processo Penal, quando da mesma se retira que deve a acusação conter sob pena de nulidade “as indicações tendentes à identificação do arguido” e não se refere ”identificação completa”.
C) A interpretação que tem vindo a ser seguida pelos Tribunais superiores vai no sentido de rejeitar a acusação apenas nos casos em que não existe arguido, quando a omissão é completa. (cfr. Ac. RC de 03-12-03, entre outros já referidos nesta peça).
D) tem sido entendimento que acusação deve no mínimo conter o nome do arguido, por este constituir o mais importante elemento identificativo.
Com essa indicação no libelo acusatório fica satisfeito o disposto no artigo 283° n.º 3 al. a) do Código do Processo Penal.
Sendo que deveria ter sido essa a interpretação efectuada pelo Mm.º Juiz do Tribunal “a quo” da supra referida norma, com a consequente recepção da acusação e envio dos autos para julgamento.
Sem prescindir se diz que:
E) Reportando-nos ao presente caso, quando muito estamos na presença de urna insuficiência ou deficiente identificação da arguida, perfeitamente suprível com outros elementos constantes nos autos. (cr. Prof. Germano Marques da Silva, in Curso Processo Penal, vo1. III pág. 207).
F) Pelo que deveria o Mm.º Juiz do Tribunal “a quo”, oficiosamente colmatar a deficiência ou convidava a Assistente ora Recorrente a completar a identificação. (art. 118° n02 do Código do Processo Penal).
G) Não tendo sido esse o douto entendimento do Mm.º Juiz daquela Tribunal, violou o disposto no artigo 118° 0°2, 119°, 120° e 121° todos do Código do Processo Penal.
H) Até porque a nulidade invocada não consta da enumeração taxativa do artigo 119.º do Código do Processo Penal devendo apenas as que constam dessa enumeração serem consideradas insanáveis.
Nestes termos e nos melhores de direito
Devem as presentes conclusões proceder e por via disso, deve o recurso obter provimento e ser revogada a decisão recorrida com as legais consequências.
Porém Vossas excelências farão JUSTIÇA ”

O recurso foi admitido para subir imediatamente, nos próprios autos, com efeito suspensivo.

Respondeu o Digno Procurador Adjunto, manifestando-se pela improcedência do recurso e defendendo a manutenção da decisão recorrida.

Nesta instância o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer no qual se manifesta pela procedência do recurso.

No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal a arguida nada disse.

Os autos tiveram os legais vistos após o que se realizou a conferência.
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Cumpre, agora, conhecer do recurso interposto.
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Constitui entendimento pacífico que é pelas conclusões das alegações dos recursos que se afere e delimita o objecto e o âmbito dos mesmos, excepto quanto àqueles casos que sejam de conhecimento oficioso.
É dentro de tal âmbito que o tribunal deve resolver as questões que lhe sejam submetidas a apreciação (excepto aquelas cuja decisão tenha ficado prejudicada pela solução dada a outras).
Cumpre ainda referir que é também entendimento pacífico que o termo “questões” não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes, antes se reportando às pretensões deduzidas ou aos elementos integradores do pedido e da causa de pedir, ou seja, entendendo-se por “questões” as concretas controvérsias centrais a dirimir.
O recurso dos autos incide sobre matéria de direito, sem do prejuízo do conhecimento oficioso dos vícios constantes do no 2 do art.º 410.º do Código Processo Penal.

Questão a decidir:
- Amplitude do disposto na al. a. do n.º 3, do art.º 311.º do Código de Processo Penal
Apreciando:
O despacho sob recurso, proferido nos termos do art.º 311.º do Código de Processo Penal, é do seguinte teor:

Vejamos então:
Em despacho datado de 21 de Dezembro de 2005 foi a acusação particular deduzida a fls. 49/46 pela assistente A..., considerada manifestamente infundada em virtude de na mesma constar como identificação da arguida apenas o seu nome.
Entende porém o recorrente que, ao contrário do decidido pelo tribunal “a quo”, a lei se satisfaz apenas com tal indicação.
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A questão que se coloca e que há que resolver, é a de saber se a lei se mostra cumprida nos casos em que, como no presente, a identificação do arguido na acusação se limita à indicação do seu nome.
Examinada a acusação de fls. 40/45 verifica-se que a única referência à identificação da arguida na acusação é, exclusivamente, o nome desta: B....
Não era porém caso para ser rejeitada: uma acusação só não contêm a identificação do arguido e deve ser rejeitada nos termos do art.º 311.º, n.ºs 2, al. a. e 3 al. a. do Código de Processo Penal quando nela não constam as indicações estabelecidas na al. a., do n.º 2, do art.º 283.º do mesmo diploma.
Ora, esta última norma apenas impõe que tais indicações sejam conducentes à identificação do arguido e não vislumbramos que imponha que a mesma seja exaustiva.
O que a lei pretende é uma identificação que permita ter por garantido que a pessoa acusada é precisamente aquela que o devia ser e não uma qualquer outra ( Neste sentido, entre muitos outros, v. acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa de 16 de Março de 2006, processo n.º 1666/06 da 9ª Secção, de 10 de Novembro de 2005, processo n.º 10230/04 9ª Secção e de 20 de Dezembro de 2001, processo n.º 9656/01 9ª Secção (in www.pgdlisboa.pt), do Tribunal da Relação de Coimbra de 3 de Dezembro de 2003, processo n.º 3444/03 e do Tribunal da Relação do Porto de 8 de Junho de 2005, processo n.º 0540741 (www.dgci.pt)).
É certo que no caso dos autos não se pode dizer que a imposição legal tenha sido cumprida na perfeição. Longe disso. Contudo, também não é menos certo que tendo a B... sido constituída arguida (fls. 15), prestado TIR (fls. 16) e sido interrogada (fls. 17), dúvidas não podem restar de que é contra ela própria que a acusação se dirige e por conseguinte, impõe-se reconhecer que objectivo visado pela lei foi alcançado.
Assim sendo e uma vez que só a ausência total de identificação ou a indicação insuficiente de sinais tendentes ao reconhecimento inequívoco da arguida no processo teria gerado a nulidade prevista no art.º 283º n.º 3 (ex vi, art.º 285º n.º 2) e consequentemente poderia ter desencadeado a rejeição da acusação por manifesta improcedência (art.º 311º n.º 2 al. a.), mal andou o tribunal “a quo” ao decidir no sentido em que o fez.
Deveria ter continuado o saneamento considerando válida a identificação da arguida.
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Nesta conformidade, acorda-se em conceder provimento ao recurso e consequentemente, revogando-se o despacho recorrido, determina-se que o mesmo seja substituído por outro que, observando o agora decidido, proceda, nos termos do art.º 311º do Código Processo Penal, ao saneamento do processo.
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Sem custas.
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Coimbra,