Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
2982/05.7TBGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JAIME FERREIRA
Descritores: EMPREITADA
REQUISITOS
DEFEITO DA OBRA
DONO DA OBRA
DIREITOS
Data do Acordão: 05/26/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: GUARDA – 2º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 1207º, 1208º, 1209º, 1210º, 1221º, 1222º E 1223º DO C. CIV.
Sumário: I – Tendo havido um acordo entre os AA e o R., no sentido deste proporcionar aos AA uma obra ou um resultado final, próprio da actividade do Réu, que era o fornecimento e a colocação/aplicação de um chão em parquet na casa dos AA, mediante um preço global, tal acordo revela um contrato de empreitada.
II - O facto de a referida colocação/aplicação do parquet na casa dos AA ser da inteira responsabilidade do R., actividade a que se dedica, sem dependência de ordens ou de directivas dos AA, a quem apenas interessava o resultado final do contratado – a aplicação de parquet na sua casa -, é a “pedra de toque” ou razão fundamental para dever ser qualificado como de empreitada o acordo negocial havido.

III - É que uma das características própria deste tipo de contrato é o facto de nele se prometer o resultado de uma actividade, sem subordinação à direcção da outra parte, em que o empreiteiro não é um subordinado do dono da obra, mas antes um contratante que actua segundo a sua própria vontade, embora obrigado ao resultado ajustado, o que também resulta do disposto nos artºs 1208º, 1209º e 1210º do C. Civ..

IV - Constitui jurisprudência e doutrina uniformes o entendimento de que o lesado, com a defeituosa execução de uma obra/empreitada, para se ressarcir dos seus prejuízos terá de subordinar-se à ordem estabelecida nos artºs 1221º, 1222º e 1223º do C. Civ., isto é, terá de começar por exigir a eliminação dos defeitos, e só depois, caso tal não suceda, poderá pedir a redução do preço ou a resolução do contrato, e só em último lugar pode pedir indemnização, nos termos gerais.

Decisão Texto Integral:                 Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:


I

                No Tribunal Judicial da Comarca da Guarda, Luís A...e sua mulher B..., residentes em ..., instauraram contra C... , residente em ..., e contra D..., residente na ..., a presente acção declarativa, com processo ordinário, pedindo que os RR sejam condenados a pagar aos AA a quantia de                 € 18.831,75, a título de indemnização por danos patrimoniais que alegadamente lhes causaram, acrescida tal quantia de juros de mora contados desde a data de citação e até integral pagamento; a pagarem aos AA a quantia de € 5.000,00 por alegados danos não patrimoniais, com juros de mora; e a pagarem aos AA e ao Estado uma sanção pecuniária compulsória, em partes iguais, até integral cumprimento da respectiva condenação.

Para tanto e muito em resumo, alegaram que são donos de um prédio urbano sito em Cabeço da Rasa, freguesia da Arrifana, descrito na Conservatória do Registo Predial da Guarda sob o nº 946/20010212.

                Que em 2/02/2002 foi acordado entre as partes que os RR forneceriam aos AA, para aplicação na referida moradia, dois tipos de parquet, a serem aplicados um no R/C e outro no 1º andar, pelo preço de € 21.491,26, no que estava incluída a referida aplicação, valor efectivamente já pago pelos AA.

                Que tal contrato foi celebrado na convicção de que o material contratado tinha qualidade e era adequado ao fim a que se destinava, e de que o seu assentamento seria efectuado por profissionais capazes e competentes.

                Que essa aplicação terminou em Outubro de 2002, mas sem que tenha sido acabado o rodapé em algumas dependências do 1º andar.

                Que em Novembro desse ano, quando os AA ligaram o aquecimento da moradia, verificaram que o parquet aplicado começou a deformar, tendo ficado ondulado, do que deram imediato conhecimento ao primeiro R, tendo este verificado tal anomalia.

                Que em 15/05/2003 e em 20/08/2003 os AA enviaram reclamações ao primeiro R. e posteriormente enviaram outras reclamações a ambos os RR, os quais ainda nada fizeram por solucionar o problema.

                Que os referidos defeitos do parquet colocado na sua moradia pelos RR apenas se devem a procedimentos incorrectos destes na colocação do parquet, apesar de terem garantido a boa qualidade desse material e eficaz colocação do mesmo.

                Que do referido comportamento dos RR resultaram danos para os AA, designadamente o montante de € 18.831,75 pago pelos AA pela dita aplicação de parquet, como se pede, e danos não patrimoniais, resultantes da frustração da privação de uso de um chão em condições de funcionamento, bem como do uso do aquecimento da sua casa.

                Razões estas para a presente demanda, por incumprimento contratual dos RR.


II

                Contestaram ambos os RR, alegando, muito em resumo o seguinte:

                - O Réu D..., que nada tem a ver com o fornecimento de parquet aos AA, pois que se limitou a informar os AA do conhecimento que tinha em relação ao 1º Réu para a pretendida aplicação de parquet, com quem os AA negociaram.

                Que por questões meramente formais o 1º Réu solicitou 2º Réu que facturasse aos AA o dito fornecimento de parquet, o que sucedeu, mas sem que esse dito fornecimento tenha sido efectuado pelo R. D....

                Terminou pedindo a sua absolvição da instância ou, caso assim não seja julgado, a sua absolvição dos pedidos.

                - O Réu C... defendeu-se no sentido de que nada contratou com os AA, porquanto apenas forneceu parquet ao 2º Réu, que foi quem negociou com o 1º R. e quem facturou os serviços perante os A.A.

                Que recebeu do 2º Réu o preço do fornecimento do parquet, não dos AA.

                Que forneceu um pavimento com condições técnicas para funcionar sobre piso radiante e que adoptou técnica especializada no assentamento do mesmo na casa dos AA..

                Que os alegados defeitos devem-se unicamente ao aparecimento de humidade na casa dos AA, não à qualidade do parquet fornecido ou à forma como foi colocado.

Que nenhuma responsabilidade tem o R. pelos invocados defeitos que surgiram no dito parquet, não lhe cabendo o dever de indemnizar peticionado.

Terminou pedindo a sua absolvição dos pedidos.


III

                Responderam os AA, mantendo tudo quanto antes alegaram, assim como os pedidos formulados.


IV

                Terminados os articulados foi proferido despacho saneador, no qual as partes foram consideradas como legítimas, não haver excepções dilatórias nem nulidades processuais, tendo sido seleccionada a matéria de facto alegada pelas partes, com vista à instrução e julgamento da acção, selecção essa que veio a ser aditada com outros factos alegados antes não seleccionados, em sede de realização da audiência de discussão e julgamento.

                Seguiu-se a realização da audiência de discussão e julgamento, com a realização de uma inspecção judicial ao local em discussão e com gravação da prova testemunhal produzida.

                Finda essa audiência, foi proferida decisão sobre a matéria de facto constante da base instrutória, com indicação da respectiva fundamentação.

                Proferida a sentença sobre o mérito da causa, nela foi decidido julgar a acção improcedente, com a absolvição de ambos os RR dos pedidos.


V

                Dessa sentença interpuseram recurso os AA, recurso que foi admitido como apelação e com efeito devolutivo.

                Nas alegações que apresentaram os Apelantes concluem da seguinte forma:

                1ª - O contrato celebrado entre as partes não é um contrato de empreitada, sendo antes um contrato inominado ou, quando muito, um misto de compra-e-venda e de prestação de serviços.

                2ª - O incumprimento do contrato pelos RR ou o seu cumprimento defeituoso, sendo geradores de danos, constituem-nos na obrigação de indemnizar os autores nos termos gerais (artº 799º, nº 1, C. Civ.),

                3ª - Não se mostrando liquidados os danos, deverá ser fixada a indemnização, tendo como ponto de partida o peticionado ou liquidada em execução de sentença.

                4ª - Termos em que deverá ser julgado procedente o presente recurso, revogando-se a sentença.


VI

                Não foram apresentadas contra-alegações e nesta Relação foi aceite o recurso interposto, tal como foi admitido em 1ª instância, tendo-se procedido à recolha dos necessários “vistos” legais, sem qualquer observação.

                Nada obsta, pois, ao conhecimento do objecto do recurso, objecto esse que passa pela apreciação da qualificação dada em 1ª instância ao contrato celebrado entre as partes, e consequências daí resultantes, designadamente a (re)apreciação do invocado incumprimento ou defeito de cumprimento do mesmo por parte dos Réus e suas consequências para estes.

                Para tal apreciação cumpre, desde já, fixar a matéria de facto dada como provada, a qual não foi objecto de impugnação por parte dos Recorrentes nem se alcançam razões para a sua eventual alteração oficiosa.

                Essa matéria é constituída pelos seguintes pontos, tal como consta da sentença recorrida:

1 - Os autores são donos e possuidores do prédio urbano sito no Cabeço da Rasa, freguesia da Arrifana, Guarda, constituído por uma moradia composta por rés-do-chão e primeiro andar, anexo, piscina e logradouro, descrito na Conservatória do Registo Predial da Guarda sob º nº 946/20010212.

2 - No dia 2 de Fevereiro de 2002, na sequência de anteriores conversações mantidas com os réus, os autores celebraram com estes um acordo nos termos do qual o réu C..., por indicação e intermediação do réu D..., se comprometia a fornecer e a aplicar, na referida moradia, diverso material.

3 - No âmbito de tal acordo, os autores encomendaram aos réus, após apresentação do respectivo orçamento, 14 embalagens de “parquet Monolan”, referência “1320x125x14”, para aplicação no rés-do-chão da moradia.

4 - Encomendaram, também, aos réus, após apresentação do respectivo orçamento, 14 embalagens de “parquet Domezzo”, referência “1320x145x10”, bem como rodapé, para aplicação no primeiro andar da referida moradia.

5 - Os réus, no âmbito de tal acordo, obrigaram-se a fornecer e a colocar o material fornecido, de acordo com o orçamento entregue aos autores.

6 - Os réus informaram e asseguraram aos autores que o material a fornecer era de qualidade e adequado a ser instalado num local equipado com sistema de aquecimento por piso radiante.

7 - O réu D... afirmou ter o réu C...experiência na colocação de pavimento com materiais de qualidade, tendo acordado que o material iria ser aplicado pelo réu C....

8 - O autor deslocou-se às instalações da empresa do réu C... e com este acordou o fornecimento e colocação dos materiais.

9 - Contactado pelo réu D..., o réu C... comprometeu-se a fornecer o material encomendado pelos autores, através do réu D..., e a colocá-lo na moradia dos autores, tendo, mais tarde, facturado os trabalhos ao réu D..., de quem recebeu a quantia de € 19.521,90.

10 - O réu C...., em Junho (não em Agosto, conforme resulta da resposta dada ao quesito 8º) de 2002 iniciou os trabalhos de colocação do material orçamentado na referida moradia, tendo-os dado por concluídos no início de Outubro de 2002.

11 - Ele, de acordo com o solicitado, aplicou um pavimento que possui condições técnicas para funcionar sobre piso radiante.

12 - Foram dadas instruções, aos autores, pelo réu C....

13 - O piso mostra-se ondulado em algumas partes ao longo da sua extensão, que tem 165m2.

14 - Os autores contactaram o réu C..., informando-o do sucedido, exigindo vistoria ao local.

15 - O réu C... deslocou-se à moradia e constatou o estado dos pisos.

16 - Junto a alguns rodapés observa-se falta de remate do piso colocado.

17 - Relativamente ao rés-do-chão, o réu C... informou os autores que iria solicitar à empresa francesa E... , de quem, alegadamente, importava o material em causa, uma vistoria técnica.

18 - No dia 17 de Fevereiro de 2003 deslocou-se à moradia dos autores um técnico da empresa francesa E..., que vistoriou o piso do rés-do-chão, na sequência de cuja vistoria a empresa francesa elaborou o relatório cujo teor – que aqui dou por integralmente reproduzido – é o constante da cópia que se encontra nas folhas 29 a 32.

19 - Os autores foram informados do teor do relatório desta empresa pelo réu C....

20 - Os autores, em 15 de Maio e 20 de Agosto de 2003, enviaram duas cartas à firma do réu C..., reclamando da situação e não se conformando com o relatório daquela vistoria.

21 - Os autores reclamaram ainda, junto do mesmo réu, por cartas datadas de 19 de Setembro de 2003 e de 2 de Novembro de 2004, e junto do réu D..., por carta datada de 2 de Novembro de 2004.

22 - O réu C..., na sequência destas reclamações dos autores, decidiu solicitar nova vistoria ao local, desta vez levada a cabo por um técnico da empresa ”Resamar”.

23 - O técnico desta empresa deslocou-se à moradia nos primeiros meses do ano de 2004 e elaborou relatório que ficou concluído em Março de 2005.

24 - Os defeitos no pavimento mantêm-se.

25 - Os autores pagaram ao réu C... € 22.222,00, e o réu D... facturou o montante de € 21.491,26.

26 - Ficou acordado com o réu D... que o réu C... receberia directamente dos autores a quantia de € 7.352,00, razão pela qual o réu C... emitiu o recibo de quitação, o qual corresponde, na íntegra, ao recibo nº 720 emitido pelo réu D... a favor dos autores.


***

                Fixados os factos importa, pois, qualificar o(s) tipo(s) de contrato(s) que os AA realizaram ou acordaram, assim como se o(s) mesmo(s) teve (tiveram) como parte contrária ambos os RR ou apenas um deles, face à defesa apresentada por ambos.

                Dos referidos factos resulta que os AA, no dia 2/02/2002, acordaram com o R. C...o fornecimento, por este R., de parquet, que ele próprio aplicaria numa casa dos AA, situada no Cabeço da Rasa, freguesia da Arrifana, do concelho da Guarda, como resulta dos pontos 1 e 2 supra.

                Foi com este R. C... que os AA acordaram o referido fornecimento de parquet, conforme ponto 8 supra, tendo também sido este Réu quem aplicou o parquet na casa dos AA, conforme resulta dos pontos 7 e 10 supra, tendo sido igualmente a este Réu que os AA pagaram o preço acordado quer para o fornecimento do parquet quer para o seu assentamento ou aplicação, no montante global de                 € 22.222,00, conforme ponto 25 supra.           

                Donde resulta que os AA negociaram o referido fornecimento e colocação do parquet com o Réu C..., como bem resulta, aliás do teor dos docs. de fls. 16 – nota de encomenda do parquet a este Réu -; de fls.17 – orçamento elaborado pelo dito Réu para o fornecimento e assentamento do parquet, do qual também consta que o A. pagou ao R. C... € 7.352,00 para a encomenda do material -; de fls.18 – recibo passado pelo R. C...relativo a esse dito recebimento/pagamento; e do acordo havido entre as partes em sede de julgamento, conforme acta de fls. 357 (no sentido de que “ acordaram que pelo réu C...seria fornecido o material a aplicar).

                No que respeita ao R. D..., o que ressalta dos factos provados é que foi este Réu quem indicou e recomendou aos AA o Réu C...como profissional competente para lhes fornecer e aplicar o parquet que eles pretendiam – ponto 2 supra.

                O R. D... apenas terá servido de intermediário nas negociações havidas entre os AA e o R. C...para o fornecimento e colocação do parquet, na medida em que foi o Réu C...quem forneceu o parquet aos Autores e quem o aplicou na casa destes.

Apenas ressalta dos factos apurados que o Réu C...facturou esse fornecimento ao R. D... – ponto 9 supra e doc. de fls. 84 -, o qual, por sua vez, facturou o mesmo fornecimento aos AA (no montante de € 21.491,26), por razões que se desconhecem, conforme bem resulta do ponto 25 e de fls. 20 e 21, tendo os AA pago ao Réu C...o montante de € 22.222,00 – ponto 25.

                É o que resulta dos pontos 2, 7, 8, 9 e 25 supra.

                E tanto assim é, que os AA sempre reclamaram junto do R. C...dos alegados defeitos que terão surgido no parquet aplicado, conforme bem resulta dos pontos 14, 15, 17, 19, 20, 21 e 22.

                Os pontos 3, 4, 5 e 6 supra, onde se refere que os AA “encomendaram aos RR..., tendo estes ficado obrigados a fornecer e a colocar o parquet na casa dos AA, e tendo os RR informado e assegurado aos AA que o material era de qualidade e adequado a ser instalado num local equipado com sistema de aquecimento por piso radiante”, apenas podem ser entendidos na perspectiva supra referida, isto é, a de que o R. D... foi um intermediário na negociação e no contrato havido entre os AA e o Réu Abílio, e apenas isso, no medida em que seria e foi este Réu quem forneceria e quem efectivamente forneceu o parquet aos AA e quem levaria a cabo a sua colocação na casa dos AA, como aconteceu.

                E tal conclusão resulta do supra exposto e dos factos de que foi o Réu C...a fornecer o orçamento aos AA para o fornecimento e para a aplicação do parquet, a quem os AA pagaram efectivamente o preço acordado.

                Repete-se, afigura-se-nos que o R. D... apenas terá intermediado a negociação entre os AA. e o R. Abílio, na medida em que seria este, como foi, quem forneceu e aplicou o parquet na casa dos AA, tendo sido também este Réu quem recebeu dos AA o preço respeitante, tendo o R. D... apenas servido para intermediar esse contacto entre as referidas partes e apenas veio a facturar aos AA o referido fornecimento de parquet, por razões que se desconhecem, na medida em que este R. não forneceu aos AA o que quer que seja nem lhes prestou qualquer serviço ou actividade. 

                Aliás, em sede de audiência de discussão e julgamento foi pelas partes acordado entre si que “pelo réu C...seria fornecido o material a aplicar; pelos autores e réu C...seria designado o sr. Engenheiro Rafael para proceder à apresentação de um orçamento relativo à colocação do referido material, sendo que esse valor seria ponderado pelo réu C...para o aceitar ou não”, conforme foi registado em acta de fls. 357, o que revela muito claramente que apenas foram partes contratantes no negócio em causa os AA e o Réu C....

                Do que resulta muito claramente que o R. D... é absolutamente alheio ao acordo de fornecimento de parquet havido entre os AA e o R. Abílio, razões pelas quais não pode responder perante os AA pelo que quer que seja relacionado com esse dito fornecimento e a aplicação do dito material, bem como de eventuais defeitos daí advindos ou danos causados, tendo a acção de ser julgada improcedente em relação ao R. D....


***

                Prosseguindo, importa proceder à qualificação do(s) contrato(s) havido(s) ou celebrados entre os AA e o Réu Abílio.

                Na sentença recorrida qualificou-se a relação negocial dada como provada como sendo um contrato de empreitada, nos termos do artº 1207º do C. Civ., do que os Recorrentes discordam, pretendendo que o mesmo seja qualificado como um contrato inominado, por, no seu entender, não estarem presentes todos os elementos caracterizadores daquele tipo de contrato, designadamente por não ter estado em causa a realização de uma obra.

                Com o devido respeito pelas opiniões manifestadas nos autos e supra referidas, somos de entender que, na verdade, está em causa um contrato de empreitada, embora convencionado de forma algo atípica, assemelhando-se muito a uma coligação de um contrato de compra e venda com um contrato de prestação de serviços.

                Com efeito, entre os AA e o R. C...começou por ser convencionado o fornecimento de duas qualidades de parquet, destinado à casa dos AA, fornecimento esse para o qual o R. C...forneceu orçamento aos AA, que estes aceitaram, em consequência do que fizeram a encomenda desse material e pelo preço então convencionado, posto que o Réu C...lhes forneceu tais tipos e quantidades de parquet, o que se traduz num verdadeiro contrato de compra e venda.

                Mas acontece que em simultâneo com esse contrato também ficou acordado que o R. C...iria aplicar esse material na casa dos AA, sem o que estes não estariam interessados no referido fornecimento em si mesmo, tendo para o efeito sido também convencionado um preço o qual até resultou de uma negociação própria e apenas destinada a fixar o custo dessa dita aplicação, como está aceite entre as partes, já que “pelos autores e réu C...seria designado o sr. Engenheiro Rafael para proceder à apresentação de um orçamento relativo à colocação do referido material, sendo que esse valor seria ponderado pelo réu C...para o aceitar ou não”, conforme foi registado em acta de audiência e julgamento, como já antes se deixou referido.

                Este valor foi ou terá sido o diferencial entre o valor efectivamente pago pelos AA ao R. C...- € 22.222,00 – e o valor do material fornecido e facturado - € 21.491,26.

                Donde resulta que efectivamente houve um acordo entre os AA e o R. Abílio, no sentido deste proporcionar aos AA uma obra ou um resultado final, próprio da actividade daquele, que era o fornecimento e a colocação/aplicação de um chão em parquet na casa dos AA, mediante um preço global, como sucedeu.

                Donde resulta que a referida (e aparente) coligação de contratos integra verdadeiramente um único contrato de empreitada, celebrado entre as referidas partes, não apenas uma coligação de contratos, independentes entre si.

                O facto de a referida colocação/aplicação do parquet na casa dos AA ser da inteira responsabilidade do R. Abílio, actividade a que se dedica, sem dependência de ordens ou de directivas dos AA, a quem apenas interessava o resultado final do contratado – a aplicação de parquet na sua casa -, é a “pedra de toque” ou razão fundamental para dever ser qualificado como de empreitada o acordo negocial havido.

                É que uma das características própria deste tipo de contrato é o facto de nele se prometer o resultado de uma actividade, sem subordinação à direcção da outra parte, em que o empreiteiro não é um subordinado do dono da obra, mas antes um contratante que actua segundo a sua própria vontade, embora obrigado ao resultado ajustado, como defende o Prof. Vaz Serra, in RLJ ano 112º, pg. 203/204.

                O que também resulta do disposto nos artºs 1208º, 1209º e 1210º do C. Civ..

                Conforme resulta do Ac. do STJ de 24/01/1991, in A.J. 15º/16º, pg. 22, “se a coisa é pretendida independentemente da actividade que a produziu, haverá compra e venda. Se é desejada como resultado dessa actividade e se realiza uma obra conforme certa encomenda, deve entender-se que há empreitada”.

                E como também se escreveu no Ac. desta Relação de 2/02/1993, in BMJ 424, 744, “é decisiva, para a qualificação de um contrato como de empreitada, a prova de circunstâncias que evidenciem a autonomia do executor da obra em relação ao dono da mesma (sem prejuízo, embora, dos poderes de fiscalização que a este cabem)”.

                Também os Prof. Pires de Lima e Antunes Varela, in “Código Civil anotado”, vol II, 2ª edição revista, pgs. 702 a 706, defendem que “Essencial para que haja empreitada é que o contrato tenha por objecto a realização duma obra...e não um serviço pessoal; ... pode dizer-se que a noção legal de empreitada atende simultaneamente ao requisito do resultado (realizar certa obra) e ao critério da autonomia (falta da subordinação própria do contrato de trabalho)... Acima de quaisquer elementos objectivos, o elemento fundamental a considerar é sempre constituído pela vontade dos contraentes. A qualificação jurídica do negócio há-de resultar, em larga medida, do que tiver sido pretendido pelas partes, que não terão deixado, em qualquer caso, de configurar na sua mente um dos dois contratos em causa e o seu regime”.   

                Aliás, é vasta a jurisprudência que se tem pronunciado, p. ex., no sentido de que é de empreitada o contrato em que A vende um elevador para instalação no prédio de B, comprometendo-se também a instalá-lo, já que foi este contrato que as partes quiseram celebrar, como também é o caso que se nos apresenta, embora relativamente à aplicação de um parquet na casa dos AA.

                Donde termos como correcta a qualificação jurídica dada na sentença recorrida ao contrato celebrado, quando aí se escreve: “Portanto, quando se alega e se prova que autores e réus celebraram um contrato pelo qual, e basicamente, estes últimos contraentes forneceriam e colocariam, na residência daqueles primeiros, material que lhes seria, por estes, pago, em conformidade com um orçamento previamente elaborado pelos fornecedores e aplicadores, importa concluir, sem margem para grandes dúvidas, que os contraentes celebraram e levaram a efeito um contrato previsto e nominado pela lei civil - a saber, um contrato de empreitada, nos termos em que se lhe refere o citado artº 1207º daquele código”.

                Feita a supra qualificação contratual, importa saber se o R. C...não cumpriu ou cumpriu de forma deficiente a sua obrigação, como os AA pretendem ter sucedido, e quais as consequências daí resultantes, caso assim possa ser entendido.

                Dos factos assentes resulta que o R. C...assegurou aos AA que o parquet fornecido era de qualidade e adequado a ser instalado na casa dos AA, onde existia e existe sistema de aquecimento por piso radiante, tendo efectivamente aplicado um parquet que possui condições técnicas para funcionar sobre piso radiante – pontos 6 e 11 supra -, mas, não obstante, o que é facto é que o parquet colocado veio a mostrar-se ondulado em algumas partes – ponto 13.

                Deste facto foi o Réu C...alertado pelos AA – pontos 14 e 15 -, o que levou aquele a solicitar uma vistoria técnica à casa dos AA – ponto 17 -, da qual resultou ou se concluiu que “o parquet Monolan foi aplicado correctamente e segundo as normas do fabricante, mas em relação a algumas réguas desse parquet verifica-se que apresentam ondulações”, conforme ponto 23 e fls. 33 a 39.   

                Com efeito, é facto que o dito parquet se mostra ondulado em algumas das suas réguas – pontos 13 e 24 -, além de que junto a alguns rodapés se observa falta de remate do piso colocado – ponto 16 supra.

                Quid juiris, face a estes “defeitos” ou anomalias surgidas no parquet aplicado?

                Trata-se, com efeito, de “defeitos” que surgiram no parquet depois do seu assentamento pelo R. Abílio, na medida em que o dito é tecnicamente adequado a funcionar sobre piso radiante e pelo Réu foi garantida aos AA a boa qualidade do mesmo e a sua adequação ao local, pelo que apenas algo de anormal poderá justificar o surgimento desses defeitos, ou a existência de erros cometidos no seu assentamento, o que resulta, desde logo, quanto aos remates dos rodapés, como se afigura evidente.

                Porém, nada obsta a que tais defeitos possam ser eliminados ou corrigidos, o que o Réu C...sempre poderá conseguir ou efectuar.

                Nessa medida, aos AA cumpre exigir a este R. a eliminação de tais defeitos, nos termos do artº 1221º, nº 1, do C. Civ., o que parece que ainda não teve lugar, tanto mais que são os próprios AA que alegam não aceitarem a solução proposta no auto de vistoria levada a cabo pela empresa E... – proceder-se a uma ligeira lixagem do produto e a um novo envernizamento (fls. 32) -, conforme pontos 32, 33, 34, 35 e 36 da petição.

                Seja como for, aos AA cumpre, antes de mais, fazer essa exigência ao R., dando-lhe um prazo cominatório para o efeito, o que ainda não ocorreu e o que não pretendem com a presente acção, e nem pretendem a redução do preço que pagaram, caso o Réu não proceda, em definitivo, a essa eliminação de defeitos, nos termos do artº 1222º do C. Civ..

                Pretendendo os AA, como pretendem, a imediata resolução do contrato e a condenação do R. na devolução do preço pago, embora alegando tratar-se de danos sofridos, estão a preterir regras próprias do contrato de empreitada, em violação do disposto nos referidos preceitos.

                Daí que também tenha sido correctamente equacionada a solução a dar à presente causa, já que, conforme se escreveu na sentença recorrida, “..., no repetido dizer do nosso mais alto tribunal, os autores deveriam ter instaurado a respectiva acção judicial, requerendo a condenação (…) nessa eliminação dos defeitos e, posteriormente, em caso de incumprimento, exigir por via executiva a prestação do facto, ou seja, a eliminação dos defeitos pelo próprio (…) ou por outrem à sua custa” .

            Com efeito a regra a observar nestes casos é precisamente essa, como é jurisprudência uniforme e conforme a doutrina também defende.

      Como é sabido, constitui jurisprudência e doutrina uniformes o entendimento de que o lesado, com a defeituosa execução de uma obra/empreitada, para se ressarcir dos seus prejuízos terá de subordinar-se à ordem estabelecida nos artºs 1221º, 1222º e 1223º do C. Civ., isto é, terá de começar por exigir a eliminação dos defeitos, e só depois, caso tal não suceda, poderá pedir a redução do preço ou a resolução do contrato, e só em último lugar pode pedir indemnização, nos termos gerais.

Conforme Ac. STJ de 2/12/93, in C.J. STJ 1993, tomo III, pg. 157, “o lesado com a defeituosa execução da obra, para se ressarcir dos prejuízos, terá de exigir em 1º lugar a eliminação dos defeitos, ou, caso não o sejam, exigir nova obra; se tal se não concretizar pode exigir a redução do preço ou a resolução do contrato, se os defeitos tornarem a obra inadequada ao fim a que se destinava. O exercício daqueles direitos não exclui o de ser indemnizado por prejuízos complementares, mas este não é um direito alternativo daqueles e pressupõe a constituição do empreiteiro em mora na eliminação dos defeitos”.

                No mesmo sentido, entre muitos outros arestos, vejam-se os Ac.s Rel. Co. de 17/05/1994, in BMJ 437, pg. 594; de 9/10/2001, in C. J. 2001, tomo IV, pg. 24; de 2/10/2007, in C. J. XXXII, tomo IV, pg. 28, em cujo sumário se escreve o seguinte: “Havendo defeito da obra há que agir nos termos seguintes e na seguinte ordem de prioridades: 1º - Exigir a eliminação dos defeitos; 2º - Só havendo incumprimento definitivo na eliminação do defeito ou em caso de comprovada urgência pode o dono da obra eliminar o defeito ou refazer a obra, exigindo ao empreiteiro o reembolso da despesa correspondente”; o proferido no Recurso de Apelação nº 2522/05.8TJCBR.C1 (Secção Cível), em 20/11/2007, relatado pelo Dr. Isaías Pádua, e disponível no site respectivo, do qual consta: “Da conjugação dos nºs 1, 2 e 3, do artº 1225º do C. Civ., resulta que o dono da obra (em imóvel de longa duração) dispõe, grosso modo, de três prazos para exercer os seus direitos contra o empreiteiro: a) um ano para fazer a denúncia dos defeitos, contado desde a data do conhecimento dos mesmos; b) um ano, a contar dessa denúncia, para pedir (através da competente acção judicial) a eliminação dos defeitos e/ou a indemnização pelos prejuízos causados pelos mesmos; c) e de cinco anos, a contar da entrega do imóvel, dentro dos quais terá que ser efectuada tal denúncia e proposta a competente acção de reparação do imóvel e/ou de indemnização pelos prejuízos causados por tais defeitos e sempre no respeito daqueles referidos prazos. Tais prazos são de caducidade, sendo-lhes aplicáveis as regras desse instituto – artº 298º, nº 2, do C. Civ.. É sobre o dono da obra que impende o ónus de alegação e prova, além do mais, dos defeitos ou vícios da obra e da sua denúncia ao empreiteiro, enquanto que a este incumbe, por sua vez, o ónus de alegação e prova do decurso dos prazos estipulados (legal ou contratualmente) para aquele exercer os correspondentes direitos”; O Ac. STJ de 2/10/2007, in C. J. STJ, ano XV, tomo III/2007, pg. 71.

                Veja-se, também, João Cura Mariano in “Responsabilidade contratual do empreiteiro pelos defeitos da obra”, 2ª ed. revista, pgs. 111 e segs.

                Não é este o caminho trilhado pelos AA na presente acção, pelo que a mesma está votada ao insucesso, como já foi entendido na sentença recorrida, o que importa confirmar, cabendo aos AA o direito/dever de apenas começarem a exigir do Réu C...a eliminação dos apontados defeitos e não pedirem a condenação dos RR no pagamento do montante que eles próprios pagaram pelo fornecimento do parquet, como se ocorresse uma anulação ou resolução do contrato, o que lhes está vedado.


***

                Os AA ainda pedem a condenação do R no pagamento de indemnização por alegados danos não patrimoniais, resultantes da alegada privação do aquecimento em todo o R/C da casa onde o parquet está aplicado, sendo conhecido que o inverno na Guarda é frio...

                Mas não lograram, sequer, provar tal privação desse uso ou que tenham efectivamente sido penalizados pelo simples facto do parquet aplicado mostrar alguns defeitos de apresentação/aspecto, razão pela qual não faz qualquer sentido o seu pedido de indemnização por danos não patrimoniais, como igualmente foi decidido em 1ª instância.

                Concluindo a apreciação do presente recurso, importa julgar o mesmo improcedente e confirmar a sentença recorrida, o que se decide.  


VII

                Decisão:

                Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o presente recurso, confirmando a sentença recorrida, embora com fundamentos diversos no que respeita ao R. D....

                Custas pelos Recorrentes.