Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
8/06.2IDCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO VENTURA
Descritores: ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL
CRIME CONTINUADO
CONCURSO DE CRIMES
CASO JULGADO
PRINCÍPIO NE BIS IN IDEM
Data do Acordão: 04/28/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE CASTELO BRANCO – 3º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 29º, 5 CRP ,30,79 CP, 105º RGIT
Sumário: 1. O referente “mesmo crime” do art.º 29º, 5 da Constituição da República Portuguesa não deve ser interpretado no seu estrito sentido técnico-jurídico, mas sim em função do valor que o princípio assume para a dignidade da pessoa humana, de forma a garantir-se, que não possa mais, por aquele acontecimento, voltar a ser incomodado, assegurando-se, assim, ad futurum, a paz jurídica ao cidadão.
2. A verificação de crime continuado não se caracteriza, na sua essência, pela homogeneidade das condutas, que apenas traduz reiteração criminosa, mas sim pela diminuição considerável da culpa.
3. O crime continuado não se afasta teleologicamente do concurso real, na medida em que nele não existe apenas uma resolução criminosa mas sim tantas resoluções – e desvalores - quantas as condutas autónomas e parcelares que o integram.
Decisão Texto Integral: I. Relatório


[1] Nos presentes autos com o NUIPC 08/06.2IDCTB do 3º Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco, por sentença de 04/11/2008 foram J..., casado, industrial de madeiras, residente no Largo …, e a sociedade J... Lda, com sede no Largo …, condenados nos seguintes termos:
i. O arguido J... foi condenado pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, p. e p. pelos artº 30º, nº2, 79º do Código Penal (CP) e 105º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), na pena de 200 (duzentos) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros), perfazendo a quantia total de €1.200,00 (mil e duzentos euros);
ii. A sociedade arguida J... Lda, responsável pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, p. e p. pelos artºs. 7º, 30º, nº2, 79º do CP e 105º do RGIT, na pena de 350 (trezentos e cinquenta) dias de multa, à taxa diária de €10,00 (dez euros), num total de €3.500,00 (três mil e quinhentos euros).
[2] Inconformados com essa decisão, vieram os arguidos interpor recurso, extraindo da motivação as seguintes conclusões:
1 — Vem o presente recurso interposto da sentença proferida nos presentes autos que condenou os arguidos pela prática, em autoria e em concurso efectivo, de um crime de abuso de confiança fiscal, sob a forma continuada, p. e p. pelo artigo 105°, n° 1 e 5 do RGIT em conjugação com o artigo 30°, n° 2 do Código Penal, o primeiro na qualidade de gerente e o segundo nos termos do artigo 7°, n°s 1 e 3 do RGIT.
2 — O presente recurso não versa sobre matéria de facto, mas apenas matéria de direito, concretamente, sobre as questões da violação dos princípios constitucionais ne bis in idem e do princípio do caso julgado na interpretação e aplicação feitas dos artigos 30°, n° 2 e 79° do Código Penal pela sentença recorrida.
3 — Os factos pelos quais os arguidos vieram condenados nos presentes autos, reportam-se à não entrega das prestações de IVA referentes aos 1 °, 2°, 3° e 4° trimestres de 2003, aos 1°, 2°, 3° e 4° trimestres de 2004 e aos meses de Janeiro a Agosto e Outubro de 2005 (Cfr, pontos 2.1.3. e 2.1.4. da matéria de facto dada como provada).
4 -- Conforme se deu como provado no ponto 2.1.13. da matéria de facto, os arguidos foram julgados e condenados pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p, pelo artigo 105° n° 1 do RGIT e 30° n" 2 do CP, pela não entrega do IVA liquidado pela sociedade J... Lda., no 1 °, 2 ° 3º e 4° trimestres do ano de 2002, no processo n° 70/03.0 IDCTB, que correu termos no 1º Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco. ".
5 — A não entrega do IVA liquidado pela arguida J... Lda. verificou-se, quer no ano de 2002 (objecto do processo supra referido, no qual aos arguidos vieram condenados), quer nos anos de 2003, 2004 e 2005, objecto dos presentes autos, no qual os mesmos vieram igualmente condenados.
6 — Considerando o ponto 2.1.12. da matéria de facto dada como provada na sentença de que se recorre e os pontos 9, 13 e 14 da matéria dada como provada na sentença proferida no processo n° 70/03.0 IDCTB, está-se nos presentes autos perante o mesmo crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, nos termos do artigo 30°, n° 2 do Código Penal.
7 — Ou seja, a não entrega do IVA liquidado pela sociedade J..., Lda. não cessou no 4° trimestre de 2002, tendo-se prolongado até ao mês de Outubro de 2005, sempre de forma homogénea e reiterada, motivada por uma mesma solicitação exterior que diminuiu consideravelmente a culpa do agente — o contexto de dificuldade económica atravessado pela sociedade em virtude do incêndio de duas matas de muito elevado valor ("sessenta mil contos", ou seja, 300.000,00 €) que obstou à extracção da respectiva madeira, bem como ao acidente com um dos veículos pesados da mesma, que importou um prejuízo de "quinze mil contos ", ou seja, 75.000,00 €.
8 — Porque ao crime continuado é aplicável uma pena única correspondente à conduta mais grave que integra a continuação, nos termos do artigo 79° do Código Penal, estando em causa um só e mesmo crime continuado de abuso de confiança fiscal, que teve início com a não entrega do IVA de 2002, pelo qual os arguidos já foram julgados e condenados, não poderiam ter sido submetidos a julgamento e muito menos condenados numa outra pena pelo mesmo crime.
9 — A sentença recorrida ao condenar os arguidos violou os princípios constitucionais ne bis in idem, consagrado no artigo 29°, n° 5 da Constituição da República Portuguesa, nos termos do qual "ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime" e do caso julgado decorrente da decisão proferida no processo n°70/03.0 IDCTB, do I ° Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco.
10 — Objecta a sentença recorrida que se trate do mesmo crime continuado porquanto os factos integradores da continuação, objecto dos presentes autos, são diferentes, pelo menos numa perspectiva temporal, dos considerados no processo n° 70/03.0 IDCTB.
11 — Como se refere no sumário do Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/3/2006 (Processo n° 05P4403), o que o n° 5 do artigo 29° da CRP "proíbe é, no fundo, que um mesmo e concreto objecto do processo possa fundar um segundo processo penal" e citando, a obra de EDUARDO CORREIA "Unidade e Pluralidade de Infracções/ Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz", conclui que "Nada impede, por conseguinte, considerar existente, para efeitos de determinação da identidade do objecto, uma relação de continuação entre certos factos e outros já julgados, pois que dessa sorte apenas se verificam os limites da unidade jurídica que deveria ter sido conhecida e que, como tal, se deve dizer apreciada e contida na primeira sentença ".
12 — A sentença recorrida viola ainda o caso julgado proferido no processo n° 70/03.0 1DCTB, princípio que decorre a nível constitucional do Princípio do Estado de Direito previsto no artigo 2° da Constituição da República Portuguesa bem como do artigo 205°, n° 2 que estabelece que ''As decisões dos Tribunais são obrigatórias para todas as entidades públicas e privadas e prevalecem sobre as de quaisquer autoridades."  e, a contrario, do artigo 282°, n° 3 do diploma fundamental.
13 — No sentido de que, se perante a matéria de facto dada como provada se concluir que existe um crime continuado, se verifica a excepção de caso julgado e os arguidos não podem ser condenados por factos posteriores integradores do mesmo crime continuado, vejam-se os Doutos Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 19/5/2004 (Processo n° 909/08), de 14/1/2004 (Processo n° 3501/03), de 28/10/2008 (Processo n° 3/04.6 TATCS), de 28/05/2008 (Recurso Penal n°14/03.9 IDAVR.C1), do Tribunal da Relação do Porto de 25/5/2005 (Processo n° 0511389) e do Supremo Tribunal de Justiça de 15/3/2006 (Processo n° 05P4403), todos disponíveis em www.dgsi.pt.
14 — Refere elucidativamente o referido Acórdão do TRC de 14/1/2004 (Processo n° 3501/03), que "o objecto do processo penal será, assim, o acontecimento histórico, o assunto ou pedaço da vida vertido na acusação e imputado, como crime, a um determinado sujeito,.. ", que "no crime continuado o efeito consuntivo do caso julgado abrange todos os factos que, ainda que não constituam total sobreposição, hão-de considerar-se englobados no "recorte da vida " anteriormente julgado, enquanto unidade de sentido. " e que "todos os factos praticados pelo arguido até à decisão final que directamente se relacionem com o pedaço da vida apreciado e que corra ele formam a aludida unidade de sentido, ainda que efectivamente não tenham sido conhecidos ou tomados em consideração pelo Tribunal, não podem ser posteriormente apreciados”.
15 — À objecção de que "pode na verdade suceder que o arguido, por total desconhecimento pelas instâncias de investigação e julgamento, tenha sido julgado apenas por uma ínfima parte dos factos integradores da continuação criminosa e só a posteriori se venham a descobrir novos factos que ainda que englobados nessa continuação sejam mais graves do que aquelas que foram objecto de acusação e julgamento. ", responde-se com esse mesmo Acórdão que "tal objecção nem se verifica no caso em apreço, Com efeito toda a actividade dos arguidos, descritas em ambas as acusações, era ou podia ser do inteiro conhecimento das instâncias judiciárias — porque dirigida ao Estado em cujas Repartições de Finanças eram entregues regularmente as declarações de IVA (...) E entre o bloco de factos da primeira acusação e o bloco de factos descrito na segunda nada de relevante aconteceu que não fosse a continuação e desenvolvimento "normal" e sucessiva de um estado de coisas que já vinha de trás — a não entrega dos impostos no vencimento sucessivo e periódico dessa obrigação... ".
16 — É claríssimo o recente Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 28/10/2008 (Processo n° 3/04.6 TATCS), quando refere que "... se algumas actividades que fazem parte da continuação criminosa foram já objecto de sentença definitiva, ter-se-à de considerar consumido o direito de acusação relativamente a quaisquer outras que pertençam a esse mesmo crime continuado, ainda que elas de facto tivessem permanecido estranhas ao conhecimento do juiz.... ".
17 — Concluindo lapidarmente que "As actividades aqui imputadas aos arguidos como aquelas a que se referiu o 1º processo são seguidas no tempo e formam a aludida unidade de sentido com os apreciados na sentença de absolvição proferida no 1º processo. Ainda que não haja inteira coincidência (actual, constituem unia única unidade de sentido com os factos apreciados no primeiro processo, fazendo assim parte integrante do mesmo "recorte de vida" essencial que fez parte do objecto do processo e logo do âmbito cognitivo do tribunal. Pelo que, nesta perspectiva, não sofre dúvida que os novos factos ora trazidos a juízo se encontram dentro do "mesmo crime" e portanto precludida a prossecução dos autos para julgamento dos mesmos, pelo efeito do caso julgado. Diferente entendimento, como refere o Supremo Tribunal de Justiça, faria com que os arguidos respondessem pela negligência de outros na prossecução da justiça... ".
18 — A sentença de que se recorre, que julgou provado o despacho de pronúncia, interpretou e aplicou erradamente o disposto nos artigos 30°, n° 2 e 79° do Código Penal à matéria de facto dada como provada.
19 — A sentença recorrida violou, assim, as referidas normas legais pelo que, com esse fundamento, deverá ser revogada, proferindo-se acórdão que julgue que os factos objecto dos presentes autos integram ainda o crime continuado de abuso de confiança que já foi apreciado e julgado no processo n° 70/03.0 IDCTB, do l° Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco e, consequentemente, julgue que os arguidos não podiam ter sido novamente julgados pelos mesmos nem, consequentemente, condenados, determinando-se, a final, a absolvição dos mesmos.
20 -- Acresce que, os artigos 30°, n° 2 e 79° do Código Penal, na interpretação conjugada que lhe foi dada pela sentença recorrida — que entende que, perante um mesmo crime continuado, pelo qual os arguidos já foram julgados e condenados, estes podem ser novamente submetidos a julgamento e condenados, embora por diferentes factos parcelares do mesmo — são inconstitucionais por violação dos princípios constitucionais ne bis in idem e do caso julgado, inconstitucionalidades essas que aqui se invocam para todos os efeitos legais.
21 — A sentença recorrida parece — até porque não especifica sequer qual a conduta mais grave que integra a continuação — não ter feito aplicação do disposto no n° 2 do artigo 79º do Código Penal, e bem, nos termos do artigo 2°, n° 4 do Código Penal, porquanto tal dispositivo, apenas foi introduzido pela Lei n° 59/2007, de 4 de Setembro, e entrou em vigor a 15 de Setembro de 2007, se mostra em concreto mais desfavorável aos arguidos.
22 — Aliás, tal dispositivo ao permitir que os arguidos sejam novamente julgados pela prática de um mesmo crime é inconstitucional por violação do princípio constitucional ne bis in idem e ao impor a reapreciação da pena única aplicada por uma sentença já transitada em julgado caso se verifique a existência de uma conduta parcelar mais grave integradora do crime continuado é inconstitucional por violação do princípio do caso julgado, pelo que sempre deveria ser desaplicado no caso concreto.
23 — A não aplicação do referido normativo, ou seja, a aplicação exclusiva do artigo 79° do Código Penal, impunha que a sentença recorrida tivesse julgado que os factos considerados nos presentes autos constituem condutas parcelares integradoras do crime continuado de abuso de confiança fiscal objecto já de pena única no âmbito do processo n° 70/03.0 IDCTB, do 1° Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco e, por isso, insusceptível de nova condenação nestes autos.
24 — Porque, nos termos do artigo 79° do Código Penal, não podem subsistir duas penas para um mesmo crime continuado — a proferida no processo n° 70/03.0 IDCTB, do 1° Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco e a proferida nos presentes autos — necessariamente deveria a sentença recorrida ter reconhecido que a pena já aplicada aos ora arguidos naquele processo vale também para os factos integradores daquele crime, considerados nos presentes autos.
25 — Assim, com os fundamentos expostos, isto é, atendendo à matéria de facto dada como provada na sentença recorrida e por aplicação do disposto nos artigos 30°, n° 2 e 79° do Código Penal, na interpretação conforme aos princípios constitucionais ne bis in idem e do caso julgado, deverá julgar-se que as condutas objecto dos presentes autos integram o crime continuado de abuso de confiança fiscal pelo qual os arguidos já foram julgados e condenados no âmbito do processo n° 70/03.0 IDCTB, do 1° Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco.
26 — E tendo os mesmos sido já julgados e condenados nessa pena única, os factos posteriores integradores desse mesmo crime não podem ser objecto de novo julgamento e condenação, como ocorreu nos presentes autos.
27 — Termos em que deve a sentença recorrida ser revogada, proferindo-se acórdão que absolva os arguidos dos crimes pelos quais vêm condenados.

[3] O magistrado do Ministério Público junto do Tribunal recorrido apresentou resposta, concluindo, por seu turno, como segue:
1 - Pela tese que os recorrentes apresentam está encontrada a fórmula de não serem cumpridas as prestações tributárias, pois, tendo sido condenado por factos de 2002 e incumprindo as suas obrigações fiscais nos anos posteriores 2003, 2004, 2005 ... já mais poderia ser condenado e não mais precisava de pagar as suas obrigações fiscais.
2 - E, não se diga que a administração fiscal pode apurar toda a situação do contribuinte e remetê-la para as instâncias judiciárias, pois, estando em presença de uma acção continuada do contribuinte, de não entrega à administração fiscal da prestação tributária, não mais se pode dar inicio ao processo crime e consequentemente vir a ser julgado, por a falta de entrega se protelar no tempo.
3 - Ora, a actividade de facto que está descrita na acusação não coincide com os períodos pelo qual os arguidos foram julgados e condenados, uma vez que são realidades diferentes.
4 - E a circunstância da factualidade destes autos poder estar em continuação criminosa com os factos já submetidos a julgamento e pela qual os arguidos vieram a ser condenados, não impede que sejam julgados pela factualidade destes autos.
5 - Na verdade sendo o delito continuado constituído por várias infracções parcelares a decisão que incidir sobre parte delas não produz efeito de caso julgado sobre as demais e não obsta ao procedimento das que forem descobertas depois.
6 - Desta forma não poderá uma sentença produzir força de caso julgado relativamente a outras infracções que sejam descobertas e processadas posteriormente, devendo restringir-se o âmbito do princípio ne bis in idem apenas a factos e infracções que tenham sido efectivamente julgados.
7 - Comparando a descrição dos factos provados no processo comum singular n° 70/03.0 IDCTB com a descrição dos factos constantes dos presentes autos, pode depreender-se que, subjacente à prática dos sucessivos actos descritos, esteve sempre a presidir uma mesma decisão inicial dos arguidos e que as sucessivas quantias retidas e não entregues ocorreram no desenvolvimento ou na execução dessa resolução inicial.
8 - Assim, a conduta criminosa desenrolou-se de forma homogénea e reiterada, tendo essa acção sido sempre praticada através da mesma solicitação exterior que diminuiu consideravelmente a sua culpa, pelo que a dita conduta será reconduzida à figura do crime continuado.
9 - Pelo que o que haverá que fazer é, não como o recorrente pretende de os factos posteriores não poderem ser objecto de novo julgamento e condenação, mas sim olhar os factos como se de uma continuação criminosa se tratasse e estivesse a ser apreciada num único processo, para dessa forma aplicar uma só pena.
10 - Daí que nenhuma nulidade enferma a douta sentença recorrida, devendo ser apreciada a conduta na sua globalidade e aplicada a pena.

[4] Neste Tribunal da Relação de Coimbra, o Sr. Procurador-geral Adjunto elaborou parecer, acompanhando o entendimento do Ministério Público na 1ª instância.
[5] Notificado nos termos do artº 417º, nº2, do CPP, os recorrentes não responderam.
[6] Foram colhidos os vistos e realizou-se conferência.


II. Fundamentação

2.1. Âmbito do recurso
[7] É pacífica a doutrina e jurisprudência[1] no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso[2]. O recurso versa matéria de direito e coloca a questão de saber como deve ser tratada a inscrição de novos factos em crime continuado já objecto de condenação transitada em julgado, considerando os recorrentes que a sentença que os condenou viola os princípios ne bis in idem e do caso julgado. Importa ainda apreciar oficiosamente os efeitos da entrada em vigor em 1/1/2009 da Lei 64-A/2008, de 31/12.


2.2. Apreciação
2.2.1. Da decisão recorrida
[8] Os factos dados como provados na decisão recorrida são os seguintes:
2.1.1 — "J..., Lda." é uma sociedade comercial por quotas registada na Conservatória do Registo Comercial desta cidade sob o N.I.F. 505816113 e cujo objecto social consiste em exploração florestal, compra, venda e abate florestal e serração de madeiras.
2.1.2 - J... exerceu desde início (ano de 2002) as funções de gerente da referida sociedade, nessa qualidade lhe incumbindo, em representação da mesma e entre outras tarefas ligadas à respectiva administração, a gestão dos pagamentos aos credores, nomeadamente o pagamento dos impostos devidos ao Estado.
2.1.3 — Nos termos do disposto no n.° 1 do art. 40º do Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA) e em representação da segunda, J... remeteu as declarações periódicas relativas aos 1°, 2°, 3° e 4° trimestres do ano de 2003, aos 1°, 2°, 3° e 4° trimestres de 2004 e aos meses de Janeiro a Agosto e Outubro de 2005 à Direcção dos Serviços de Cobrança do Imposto sobre o Valor Acrescentado (DSCIVA), na qual apuraram imposto a pagar ao Estado os montantes respectivos de € 20.516,15, € 29.659,46, € 29.659,46, € 32.187,28, € 11.296,98, € 19.430,87, € 35.558,51, € 22.769,65, € 8.418,64, € 12.036,35, € 13.881,67, € 7.068,52, € 6.732,55. € 4.435,40, € 3.228,00, € 4.281,93 e € 14.180,89, tudo ascendendo ao valor global de duzentos e setenta e cinco mil trezentos e quarenta e dois euros e trinta e um cêntimos (€ 275.342,31), que liquidou e contabilizou nas facturas e outros meios de pagamento nos respectivos períodos.
2.1.4 — Ao invés do que impõe o Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), reteve tais quantitativos, não os remetendo conjuntamente com as respectivas liquidações àqueles serviços de cobrança do Imposto sobre o Valor Acrescentado até à respectiva data limite nem nos 90 dias seguintes.
2.1.5 — Entretanto, em 16 de Março de 2006, o arguido J... pagou a importância de € 4.435,40 relativa ao mês de Junho do ano e 2005.
2.1.6 — Posteriormente, o arguido efectuou os seguintes pagamentos por conta das prestações tributárias em falta:
a) 4° trimestre de 2004 ........€22.769,65;
b) Janeiro de 2005 ............... € 8418,64;
c) Fevereiro de 2005 ............ € 12036,35;
d) Março de 2005 ................. € 13881,67;
e) Abril de 2005 ................... € 7068,52;
f) Maio de 2005 ................... € 6732,55;
g) Junho de 2005 .................. € 4435,40.
2.1.7 — Expressamente notificados, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 105°, n.° 4, alínea b) do RGIT, os arguidos não procederam o pagamento da quantia ainda em divida.
2.1.8 — Assim procedendo apropriou-se a sociedade arguida da quantia global dos referidos duzentos e setenta e cinco mil trezentos e quarenta e dois euros e trinta e um cêntimos (€ 275.342,31), repondo posteriormente as quantias de €4.435,40, €22.769,65, €8418,64, €12036,35, €13881,67, €068,52 e €6732,55, não obstante o seu referido representante ter conhecimento de tal dívida ao Estado e da obrigação legal da sua entrega ao redor tributário.
2.1.9 — Dispunha a sociedade arguida de meios líquidos gerados pelas retenções efectuadas para fazer face à entrega ao Estado da aludida quantia monetária, pois recebera dos clientes o quantitativo monetário em questão para que fosse precisamente entregue ao Estado.
2.1.10 — J... agiu livre e conscientemente, bem sabendo que integrava no património da sociedade tal importância, utilizando-a para outros fins, não obstante saber que a mesma não pertencia a esta e que consequentemente lesava o erário público e atentava contra o regular funcionamento do sistema fiscal e, a final, contra o interesse de ordem pública subjacente ao mesmo.
2.1.11 — Assim, tudo fez com plena consciência da ilicitude e reprovabilidade da sua conduta.
2.1.12 — Para a situação dos autos contribuíram as dificuldades financeiras provenientes de no ano de 2003 terem ardido duas matas que o arguido J… tinha adquirido por sessenta mil contos, que obstou à extracção da respectiva madeira, e de um camião (e respectiva galera), no valor de quinze mil contos, utilizado na actividade da sociedade arguida, ter sido destruído na sequência de um acidente.
2.1.13 — Os arguidos J... e "J... ­Lda.", foram julgados e condenados pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, p. e p. pelo artigo 105°, n.° 1 do RGIT e 30°, n.° 2 do CP, pela não entrega de IVA liquidado pela sociedade J..., Lda., no 1°, 2°, 3° e 4° trimestres do ano de 2002, no processo nº. 70/03.OIDCTB, que correu termos no 1° Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco.
2.1.14 — Deu-se como provado na referida sentença que "a não entrega essas quantias pelo arguido J..., sócio-gerente a quem incumbia o pagamento dos impostos devidos ao Estado, se deveu ao facto de a arguida J..., Lda., se encontrar a atravessar dificuldades económicas derivadas dos incêndios que atingiram duas matas adquiridas antes que fosse possível o corte da madeira".
2.1.15 — Actualmente a sociedade arguida não exerce efectivamente qualquer actividade.
2.1.16 - A sociedade arguida não possui trabalhadores há cerca de dois anos.
2.1.17- O arguido J... é casado, tem três filhos (com 30 e dois com 35 anos), e a sua esposa não presta funções profissionais remuneradas.
2.1.18 - O arguido encontra-se reformado e aufere uma pensão mensal o valor de € 256,00.
2.1.19 - O arguido presta actividade na sociedade T..., Lda., que tem por objecto social o comércio de transportes e madeiras, explorada por uma sua filha, e declarou obter o rendimento mensal médio de € 300,00/350,00.
2.1.20 - O arguido vive em casa própria, adquirida com recurso ao crédito bancário, e suporta mensalmente a quantia de € 500,00, com o pagamento da amortização do respectivo empréstimo.
2.1.21 - O arguido possui de habilitações literárias o 4° ano de escolaridade.
2.1.22 - O arguido J... regista os antecedentes criminais acima escritos.


[9] Sobre a questão colocada no recurso, o tribunal a quo discorreu nestes termos:
4— Da invocada violação do princípio "Ne Bis In Idem":
A argumentação apresentada pelos arguidos, em sede de contestação, radica, essencialmente, no seguinte: os arguidos mostram-se, no presente processo, pronunciados pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada. Por sentença proferida no processo comum singular que correu termos no 1° Juízo deste Tribunal, sob o n.° 70/03.O.IDCTB foram os arguidos condenados pela prática do mesmo tipo legal de crime, por factos corridos no 1°, 2°, 3° e 4° trimestre de 2002.
Ora, no entender daqueles, e uma vez que se trata de um crime praticado sob a forma continuada, isto é, de um só crime, a condenação supra referida precludiria a possibilidade de condenação nos presentes autos, sob pena de violação do princípio "ne bis in idem".
Há, em jeito de resposta às considerações tecidas no referido articulado, que considerar várias questões.
Desde logo, há que considerar que os factos relativamente aos quais os arguidos foram condenados, pela referida sentença, ocorreram entre o 1° e o 4º  trimestres de 2002. Os factos que justificaram a dedução do despacho de pronúncia em causa e a submissão dos arguidos a julgamento nos presentes autos, ocorreram entre o 1º e o 4º trimestres de 2003, o 1° e o 4° trimestres de 2004, Janeiro a Agosto e Outubro de 2005. Entendem os arguidos que os factos decorridos entre o 1º e o 4° trimestres de 2003, o 1º e o 4° trimestres de 2004, Janeiro a Agosto e Outubro de 2005, consubstanciam a prática do mesmo crime de abuso de confiança fiscal (um só crime continuado), praticado por forma essencialmente homogénea e no quadro de uma mesma solicitação exterior, entendimento com o qual não se pode concordar.
É verdade que o tipo legal de crime aqui em causa é o mesmo relativamente ao qual foi proferida a citada sentença condenatória.
Mas, sucede que, não é a pura coincidência de tipo de crime o critério justificador da impossibilidade de procedimento criminal sob pena de violação do princípio "ne bis in idem".
Não é pelo facto de um agente ter anteriormente praticado um determinado tipo legal de crime, sob a forma continuada, que fica precludida a possibilidade de "perseguição criminal" por esse crime.
A pedra de toque, nesta problemática, assenta na noção de objecto de processo, ou, mais precisamente ainda, no conceito de FACTO.
"Ao falar de factos temos em vista acontecimentos, circunstâncias, relações, objectos e estados, todos eles situados no passado, espácio-temporalmente determinados, pertencentes ao domínio da percepção externa ou interna e ordenados segundo leis naturais." — Karl Engish, in Introdução ao Pensamento Jurídico, tradução de J. Baptista Machado, Lisboa, 1965.
Segundo Frederico Isasca, in Alteração Substancial dos Factos e sua relevância no Processo Penal Português, "o facto só pode assim ser entendido porque relacionado com outros dois conceitos de natureza eminentemente abstracta, quais sejam: tempo e espaço. Só com referência a eles o facto adquire a sua própria dimensão, isto é, se individualiza, permitindo identificação dos restantes, por referência. Facto, nesse sentido, será todo o acontecimento do mundo objectivo que captado pelos sentidos se deixa perceber e conhecer pelo sujeito, independentemente de este, enquanto parte esse mesmo real, lhe imprimir ou não a sua inerente qualidade de sujeito actuante.
Como escreve Carnelutti, in Diritto e Processo, Nápoles, 1958, é "aquilo que foi considerado, apontado, como passado (...) é uma peça que se destaca ou se procura destacar do passado para fazer história". É por isso implícito no conceito de facto, o limite. O facto tem um princípio e um fim."
Perante estas considerações, o que há que determinar é se os factos subjacentes à decisão de pronúncia são os mesmos anteriormente julgados, e cuja decisão transitou em julgado, para, então, concluir se com o presente procedimento criminal se viola ou não o princípio "ne bis in idem". E isto, porque, como adiante se verá, a noção do referido princípio, consta do n.° 5 do artigo 29° da Constituição da República Portuguesa, nos seguintes termos: "ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime", e reporta-se, não pura e simplesmente ao mesmo tipo legal de crime, mas ao mesmo quadro fáctico que preenche o referido tipo de crime.
O princípio "ne bis in idem" representa o corolário lógico de um dos princípios fulcrais do processo penal, do princípio do caso julgado.
O instituto do caso julgado, foi pensado e estruturado em razão da segurança e da paz jurídica, com o possível sacrifício da verdade material.
Neste sentido, pode ler-se, em Eduardo Correia, in A Teoria do Concurso em Direito Criminal. I — Unidade e Pluralidade de Infracções. II — Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz, reimpressão, Coimbra, Almedina, 1983: "o fundamento central do caso julgado radica-se justamente numa concessão prática às necessidades de garantir a certeza e a segurança do direito. Ainda mesmo com o possível sacrifício da justiça material, quer-se assegurar através ele aos cidadãos a sua paz jurídica".
Como sustenta Rodrigues Maximiano, "Aplicação da lei penal no tempo caso julgado", in Revista do Ministério Público, Ano 4°, Vol. XIII, 1983, ág. 21, "o caso julgado não é um valor em si e por si. A sua protecção há-de assentar em interesses substanciais prevalecentes."
No nosso ordenamento jurídico, o caso julgado reveste-se, indubitavelmente, de uma função de garantia pessoal do cidadão, perante o “jus puniendi". Esta sua função é desde logo patente a nível constitucional, como decorre do já referido artigo 29°, n.° 5 da C.R.P..
Ao impedir um segundo julgamento — portanto, as decisões judiciais, quer condenatórias, quer absolutórias — pelo mesmo crime está a garantir-se, aquele que viveu a dramática experiência de um processo penal, que não possa mais, por aquele acontecimento, voltar a ser incomodado, assegurando-se, assim, "ad futurum", a paz jurídica ao cidadão.
A norma constante do n.° 5 do artigo 29° da Constituição da República Portuguesa, utiliza a expressão "mesmo crime".
Como ensinam Gomes Canotilho e Vital Moreira, in Constituição da República Portuguesa Anotada, Coimbra Editora, 1978, os "preceitos constitucionais não devem ser considerados isoladamente e interpretados a partir de si próprios", mas devendo ter-se em atenção as conexões de sentido que se estabelecem entre eles e por outro lado, tomar em consideração que a “arquitectura sistemática de cada divisão da Constituição pode revelar-se um bom instrumento auxiliar de interpretação das normas constitucionais".
O conceito de "mesmo crime", utilizado pela lei, tem tradicionalmente o sentido de enquadramento jurídico de um certo conjunto de factos e actos do agente, como se pode ver pelo seguinte enxerto de um Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, citado no Assento n.° 3/2000, publicado no Diário da República, I — série A, de 11 de Fevereiro de 2000:
"O Código de Processo Penal vigente, ao contrário do anterior, não regulou os efeitos do caso julgado penal, por, como tem sido várias vezes referido, se ter entendido que tal matéria correspondia ao desenvolvimento de regras gerais cujo lugar de regulamentação não seria esse diploma legal, e, sim, a própria lei penal substantiva.
A omissão da referida regulamentação coloca, desde logo, no entanto, um problema delicado, o de saber se as regras gerais do valor do caso julgado serão as consignadas na lei processual civil para os casos cíveis, ou se, pelo contrário, serão aquelas que uma longa evolução histórica no campo da defesa os direitos humanos acabou por fazer considerar como específicas dos julgamentos de natureza penal, e, como tais, substancialmente distintas em muitos pontos das que se aplicam aos casos cíveis.
Na verdade, em termos de processo civil, o caso julgado verifica-se quando já foi proferida decisão de que não cabe recurso ordinário e se pretende que seja proferida uma nova sobre o mesmo tema, válida para as mesmas partes, e com os mesmos fundamentos (as identidades de sujeitos, de pedido e de causa de pedir), ao passo que, em termos de processo penal, o conceito tradicional é diverso, pois, de acordo com o nosso sistema processual, não existe uma realidade que possa ser adequadamente configurada como "as partes do processo", o pedido é o de aplicação de uma sanção penal em virtude da comissão de um facto criminalmente punível, conjugado com o da declaração da inexistência, no caso concreto, de obstáculos às respectivas ilicitude e culpabilidade do agente, e a causa de pedir é a circunstância de se configurar que o agente terá tido uma conduta susceptível de gerar uma sanção penal. (...)
(...) haja de concluir que os princípios que regem o caso julgado penal e que, repete-se, são produto de uma longa e elaborada evolução, resultante da consideração do especial melindre da defesa dos direitos humanos, se não articulem adequadamente com as regras do caso julgado cível, o que implica que estas últimas não possam ser aplicadas, nos termos do artigo 4° do Código e Processo Penal.
Há, por isso, que recorrer aos princípios gerais do processo penal, os quais são (...) os que se encontravam consignados na legislação anterior, uma vez que a não inclusão de regras específicas sobre o caso julgado no actual código não teve como causa o legislador querer aplicar as regras próprias do processo civil e, sim, reservar para a lei substantiva penal a respectiva definição. "
Ainda relativamente à noção de "crime" para o efeito aqui em causa, afirma Frederico Isasca, ob. citada, págs. 220 e 221, que "crime significa, aqui, um comportamento de um agente espácio-temporalmente delimitado e que foi objecto de uma decisão judicial, melhor, de uma sentença ou decisão que se lhe equipare.
Entender a expressão crime, empregue no n.° 5 do art. 29° da C.R.P. como referência a um determinado tipo penal, a uma certa e determinada descrição típica normativa de natureza jurídico — criminal, seria esvaziar totalmente o conteúdo do preceito, desvirtuando completamente a sua ratio e em frontal violação com os próprios fundamentos do caso julgado. Um tal entendimento, traduzir-se-ia numa insuportável violação da paz jurídica e da segurança do cidadão, ao ponto de afectar e destituir de sentido — ao esvaziar todo o conteúdo útil do caso julgado — a própria estrutura acusatória em que assenta o nosso Direito Processual Penal. (...)
A expressão crime, não deve pois ser tomada ao pé - da - letra, mas antes entendida como uma certa conduta ou comportamento, melhor como um dado facto ou acontecimento histórico que, porque subsumível em determinados pressupostos de que depende a aplicação da lei penal, constitui m crime. É a dupla apreciação jurídico-penal de um determinado facto já julgado — e não tanto de um crime — que se quer evitar.
O que o n.° 5 do artigo 29° da CRP proíbe é, no fundo, que um mesmo e concreto objecto do processo possa fundar um segundo processo penal. "
Sucede que, o concreto objecto do processo em causa nos presentes autos, é diverso do que originou o processo onde foi proferida a sentença no processo n° 70/03.OIDCTB que correu termos no 1 ° Juízo deste Tribunal.
E é-o, desde logo, temporalmente. Isto, porque no primeiro processo discute-se a falta de entrega à Fazenda Pública de IVA correspondente ao período compreendido entre Janeiro e Dezembro de 2002, sendo esse, exactamente, o quadro fáctico aí em questão e insusceptível de um segundo julgamento.
Durante esse lapso temporal, o arguido J... praticou, como decorre da douta sentença referida, um só crime de abuso de confiança fiscal, e foi pelos factos supra referidos, claramente delimitados que, conjuntamente com a arguida J..., Lda., foi condenado.
Já no processo que deu origem aos presentes autos, os factos apontados orno integrantes do crime de abuso de confiança fiscal, praticado na forma continuada, decorreram entre Janeiro de 2003 a Dezembro de 2004, Janeiro a Agosto e Outubro de 2005.
Assim, é o mesmo o tipo legal de crime em causa, mas são outros os actos que, neste caso concreto, o integram. É claro que esses factos se consubstanciam, à mesma, na não entrega às Finanças do IVA devido, só que respeitam a um diverso quadro fáctico, composto por elementos precisos e claramente delimitáveis e delimitados no tempo e no espaço.
É, deste modo, falaciosa a argumentação apresentada pelos arguidos nesta sede, quando se servem da noção de crime continuado para afirmar que, como estamos perante a realização plúrima do mesmo tipo de crime, os factos aqui em causa representam o mesmo crime continuado anteriormente julgado, pelo que a condenação em que incorreram pelo crime de abuso de confiança fiscal relativo a factos ocorridos no ano de 2002 precludiria um posterior procedimento criminal pelo mesmo crime.
É assim, desde logo, porque só podemos falar da prática do mesmo crime, no que aqui concerne, quando os factos em discussão sejam os mesmos anteriormente julgados.
O que não acontece.
Sendo diversos os factos em causa, diverso é o crime concreto, que não tipo legal de crime abstracto.
Em face das considerações expendidas, resta concluir que o julgamento os factos que integram a decisão de pronúncia não representa violação alguma do princípio "ne bis in idem", já que os mesmos, apesar de poderem integrar a prática do mesmo tipo legal de crime já anteriormente julgado — o e abuso de confiança fiscal — consubstanciam o mesmo tipo legal de crime abstractamente considerado, mas um diverso crime em concreto.
Não se verifica, pois, a inconstitucionalidade suscitada pelos arguidos.

2.2.2. Da violação do princípio ne bis in idem
[10] Como se disse, os recorrentes não discutem a verificação dos factos dados como provados nem a subsunção da conduta provada ao crime de abuso de confiança fiscal e, na verdade, nenhumas dúvidas subsistem a esse propósito. O tipo incriminador encontra-se no artº 105º do RGIT e estrutura-se como crime de omissão pura, consumado pela não entrega de prestações tributárias deduzidas nos termos da lei e em relação às quais o agente tinha a obrigação de entrega no prazo legalmente fixado. Foi reconhecidamente o que aconteceu no caso em apreço, na medida em que foi cobrado, mas não entregue, o montante do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) incidente sobre os montantes pagos à arguida sociedade nos quatro trimestres dos anos de 2003, 2004 e ainda de Janeiro a Agosto e Outubro de 2005, conforme declarações periódicas apresentadas pelo arguido J....
[11] As razões apresentadas pelos recorrentes tomam como ponto de partida a sua condenação no processo nº 70/03.0IDCTB do 1º Juízo do Tribunal Judicial de Castelo Branco pela prática também de um crime de abuso de confiança fiscal, com referência à omissão de entrega dos montantes de IVA cobrado no âmbito da actividade da sociedade arguida no ano de 2002, o que, entendem, significa que os dois conjuntos de factos – os conhecidos no processo nº 70/03.0IDCTB e nestes autos – formam uma sequência homogénea de condutas, com início no primeiro trimestre de 2002 e repetição nos períodos seguintes até Outubro de 2005. O cerne da argumentação apresentada encontra-se sintetizado na conclusão 7ª: «a não entrega do IVA liquidado pela sociedade J..., Lda. não cessou no 4° trimestre de 2002, tendo-se prolongado até ao mês de Outubro de 2005, sempre de forma homogénea e reiterada, motivada por uma mesma solicitação exterior que diminuiu consideravelmente a culpa do agente — o contexto de dificuldade económica atravessado pela sociedade em virtude do incêndio de duas matas de muito elevado valor ("sessenta mil contos", ou seja, 300.000,00 €) que obstou à extracção da respectiva madeira, bem como ao acidente com um dos veículos pesados da mesma, que importou um prejuízo de "quinze mil contos", ou seja, 75.000,00 €». E, nessa linha de raciocínio, consideram que não existem dois crimes distintos, mas sim um único crime de abuso de confiança fiscal na forma continuada, abrangendo todas as condutas, mas pelo qual foram já condenados. Reclamam, então, de violação do princípio ne bis in idem e da eficácia preclusiva do caso julgado, por terem punidos duas vezes pelo mesmo crime.
[12] O problema colocado não é novo e comporta várias vertentes. Para a sua equação importa ter em atenção a conformação do caso julgado penal e a natureza jurídica do crime continuado.
[13] É sabido que o legislador do Código de Processo Penal de 1987 não regulamenta, como o anterior de 1929, o caso julgado. Apenas os artºs 84º e 467º, se lhe referem expressamente, fazendo-o a propósito da eficácia material da decisão sobre o pedido civil e da força executiva das decisões penais condenatórias, uma vez transitadas. Não significa isto que o instituto seja alheio a outros domínios processuais penais, pois constitui princípio constitucional. O princípio do caso julgado ou da exceptio judicati, mormente na sua vertente preclusiva de outro pronunciamento[3], encontra-se consagrado de forma irrefutável na Constituição através do nº5 do artº 29º, na senda da Declaração Europeia dos Direitos do Homem[4], no qual se estabelece que: Ninguém pode ser julgado mais do que uma vez pela prática do mesmo crime. Como indicam Gomes Canotilho e Vital Moreira[5], ao dar dignidade constitucional ao princípio ne bis in idem, o legislador atribui-lhe duas dimensões: «a) Como direito subjectivo fundamental, garante ao cidadão o direito de não ser julgado mais do que uma vez pelo mesmo facto, conferindo-lhe, ao mesmo tempo, a possibilidade de se defender contra actos estaduais violadores deste direito (direito de defesa negativo); b) como princípio constitucional objectivo (dimensão objectiva do direito fundamental), obriga fundamentalmente o legislador à conformação do direito processual e à definição do caso julgado material de modo a impedir a existência de vários julgamentos pelo mesmo facto».
[14] Perante essa exigência de definição do caso julgado material penal, houve quem defendesse que a solução para o vazio do texto legislativo processual penal seria suprível com o recurso supletivo às regras processuais civis. Esse entendimento foi rejeitado pelo Supremo Tribunal de Justiça, designadamente no assento nº3/2000[6], alertando para a incompatibilidade entre essas normas e a longa evolução do caso julgado no processo penal nacional, concluindo: «Entende-se, por tal motivo, e uma vez que a lei penal ainda não regulamentou os efeitos do caso julgado penal, que se têm de considerar como ainda em vigor as disposições regulamentadoras do tema que constavam do anterior Código de Processo Penal, na medida em que traduzem os princípios gerais do direito penal vigente entre nós».
[15] As dificuldades em presença estão, no entanto, longe de ultrapassadas. Desde logo porque a referida norma constitucional deve ser interpretada de acordo com a arquitectura axiológica em que se insere. Liminarmente verificada, porque patente, a necessária identidade subjectiva, bem como a exigência de um duplo julgamento, que também aqui não suscita aqui escolhos de maior[7], pois a questão colocada remete para duas sentenças finais, o mesmo não pode acontece relativamente ao segmento «mesmo crime», ou seja, no que se deve considerar um idem, uma dupla valoração de desvalor, em particular nos casos de concurso de crimes e de crime continuado. Isso mesmo reconhecem Gomes Canotilho e Vital Moreira quando escrevem: «Para a tarefa de “densificação semântica” do princípio, é particularmente importante a clarificação do sentido da expressão “prática do mesmo crime”, que tem de obter-se recorrendo aos conceitos jurídico-processuais e jurídico-materiais desenvolvidos pela doutrina do direito e processo penais. O problema pode não ser fácil nos casos de comparticipação, de concurso de crimes e de crime continuado»[8].
[16] Existe, porém, ao que cremos, concordância na doutrina e na jurisprudência de que o referente “mesmo crime” não deve ser interpretado no seu estrito sentido técnico-jurídico, mas sim em função do valor que o princípio assume para a dignidade da pessoa humana, de forma a garantir-se, como diz Frederico Isasca, que «aquele que viveu a dramática experiência de um processo penal, que não possa mais, por aquele acontecimento, voltar a ser incomodado, assegurando-se, assim, ad futurum, a paz jurídica ao cidadão»[9]. Por isso mesmo, na identificação do idem, releva o conceito de objecto do processo, na sua dualidade facto-norma. Na feliz síntese de aresto do STJ de 15/03/2006[10]: «O termo “crime” não deve pois ser tomado ao pé-da-letra, mas antes entendido como uma certa conduta ou comportamento, melhor como um dado de facto ou um acontecimento histórico que, porque subsumível em determinados pressupostos de que depende a aplicação da lei penal, constitui crime. É a dupla apreciação jurídico-penal de um determinado facto já julgado – e não tanto de um crime – que se quer evitar. O que o artigo 29º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, proíbe, é, no fundo, que um mesmo e concreto objecto do processo possa fundar um segundo processo penal. Fixado o sentido do termo “crime”, convirá agora precisar o que se deve entender por comportamento referenciado ao “facto”, como expressão da conduta penalmente punível, consabido que o instituto do caso julgado só funciona quando existe identidade de “facto” e de sujeitos constantes de uma decisão irrevogável sobre a mesma questão ou, por outras palavras, o que se deve entender por mesmo “objecto processual” (...) À luz do que ficou dito, decorre que o conteúdo e limites do caso julgado só podem ser fornecidos pelo objecto do processo; sendo o objecto do processo o mesmo estaremos perante a exceptio judicati, caso contrário não ocorrerá violação do princípio ne bis in idem. Ora, comportamento referenciado ao facto, como expressão da conduta penalmente punível, não pode deixar de ser o acontecimento da vida que, como e enquanto unidade, se submeteu à apreciação e julgamento de um tribunal. Daqui resulta que todos os factos praticados pelo arguido até decisão final e que directamente se relacionem com o pedaço da vida apreciado e que com ele formam uma unidade de sentido haverão de ser considerados como fazendo parte do “objecto do processo”».
[17] Depois de formular considerações inteiramente em linha com o que atrás escrevemos, a decisão recorrida considerou que a questão colocada pelos arguidos não tinha razão de ser e que o princípio ne bis in idem não ficava violado porquanto, embora consubstanciando o mesmo tipo legal de crime, os factos em causa não eram coincidentes. Porém, salvo o devido respeito, o tribunal a quo incorreu precisamente na visão redutora do inciso «mesmo crime» e do «facto» para efeitos de aplicação do princípio que a doutrina e jurisprudência citada criticam, que não se atém a uma visão estritamente naturalística, restrita à acção. A análise do objecto do processo para efeitos de verificação de caso julgado não dispensa naturalmente os contornos espácio-temporais da conduta mas também não pode descurar os poderes de cognição do tribunal e o respeito pela estrutura acusatória do processo penal.
[18] Com efeito, a visão do objecto do processo transborda os factos em si mesmos considerados e exprime-se na coincidência ou não coincidência do comportamento de um sujeito com a norma jurídica, impregnada pela ideia de desvalor. Esta ponderação conduz, no plano processual, à preeminência da aplicação do Direito na pronúncia jurisdicional[11] e encontra reflexos profundos na consideração da identidade de factos como pressuposto do caso julgado, englobando não apenas os factos conhecidos mas também aqueles que podiam ter sido conhecidos, porque compreendidos no mesmo espaço de antijuridicidade, de unidade de sentido jurídico-penal. Recorrendo ao pensamento do Prof. Eduardo Correia: «O objecto relativamente ao qual é mister pôr o problema da identidade do facto como pressuposto do caso julgado há-de ser o próprio conteúdo da sentença, não só nos expressos termos em que é formulada, mas ainda naqueles até onde se podia e devia estender o poder cognitivo do tribunal. A força consumptiva de uma sentença relativamente a futuras acusações e processos há-de ser medida pelos devidos limites do seu objecto, ou seja, estender-se até onde o juiz tenha o poder e o dever de apreciar os factos submetidos a seu julgamento. E bem se compreende a necessidade lógica deste princípio, qualquer que seja, aliás, a posição tomada sobre os limites dos poderes de cognição do tribunal. Na verdade, posta uma questão penal ante um magistrado, deve este necessariamente resolvê-la. E resolvê-la esgotantemente até onde deva e possa. Aquilo, pois, que, devendo tê-lo sido, não se decidiu na sentença directamente, tem de considerar-se indirectamente resolvido; aquilo que se não resolveu por via expressa deve tomar-se como decidido tacitamente. (...). É pelos limites deste dever de cognição há que medir o âmbito do conteúdo da sentença, e, portanto, os termos da sua força consumptiva relativa a futuras acusações. A esta luz, o problema de saber quais os limites da eficácia do caso julgado em matéria penal está, assim, logicamente condicionado por este outro de determinar até que ponto pode e deve ir a actividade cognitiva do juiz»[12].
[19] Estas considerações transportam-nos para a segunda dimensão do problema, a saber, a natureza do crime continuado e do seu lugar no concurso de crimes.
[20] Muito por inspiração de Eduardo Correia, na resolução da questão dogmática do concurso de crimes o legislador penal de 82 escolheu o critério teleológico-normativo, referido ao bem jurídico, em que se atende à pluralidade de sentidos sociais autónomos dos ilícitos típicos cometidos[13]. Diz o artº 30º, nº1 do CP, que o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente. Nesse normativo e de acordo com o indicado critério, o segmento «crimes efectivamente cometidos» permite delimitar as situações de concurso efectivo – pluralidade de crimes através da mesma conduta ou complexo de condutas compreendidas numa unidade natural de acção[14] - daquelas em que, apesar de preenchidos vários tipos de crime, deve considerar-se que existe um desvalor jurídico-social predominante e que impede – torna injusta - a dupla valoração.
[21] Com efeito, para a verificação do crime não basta a antijuridicidade, é também necessário que a conduta seja reprovável, passível de culpa, pela afastamento do imperativo contido na norma jurídico-penal, podendo o agente determinar-se de acordo com o Direito[15]. Nessa medida, sempre que vence a contramotivação decorrente dessa função de determinação da vontade da norma, o agente torna-se merecedor de reprovação. Então, quando repete esse afastamento, ou sempre que formula uma – nova - resolução criminosa, cabe afirmar um – outro - juízo de censura próprio, desde que persista uma pluralidade de sentidos de ilicitude típica[16].
[22] Nos termos do nº2 do artº 30º do CP, constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada de forma essencialmente homogénea e no quadro de solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa.
[23] O crime continuado, como refere Figueiredo Dias[17], integra uma unidade jurídica[18] construída por sobre uma pluralidade efectiva de crimes. Perante uma repetição de factos e de resoluções criminosas[19] de significado penal equivalente, com um nexo de continuidade, a ordem jurídica estipula a consideração dessa continuação de delitos como um único facto, no sentido jurídico-penal, ou seja, como uma unidade jurídica de acção, a sancionar da mesma forma que o concurso ideal[20]. As razões apontadas para esse tratamento normativo variam, não faltando quem descortine na figura a vontade de escapar à necessidade de comprovar todos os actos parcelares e de aplicar as regras do concurso real, com prejuízo da justiça material e das garantias de defesa[21].
[24] Entre nós, prevalecem razões que derivam de uma menor culpa. Eduardo Correia refere que «pressuposto da continuação criminosa será verdadeiramente, a existência de uma relação que, de fora, e de maneira considerável, facilitou a repetição da actividade criminosa, tornando cada vez menos exigível ao agente que se comporte de maneira diferente, isto é, de acordo com o direito»[22]. Mais adiante, a propósito da exigência da conexão espaço temporal, volta a acentuar que a ideia fundamental e que legitima a figura é a da diminuição considerável da culpa e que a ligação entre as condutas relevante é a interior, podendo servir a conexão exterior para a afastar.
[25] Mas para o que interessa ao problema aqui colocado, interessa reter que o crime continuado não se afasta teleologicamente do concurso real, na medida em que nele não existe apenas uma resolução criminosa mas sim tantas resoluções – e desvalores - quantas as condutas autónomas e parcelares que o integram. Como aponta Damião da Cunha, «de um ponto de vista processual, a única coisa que se pode dizer, é o seguinte: o crime continuado não é um só crime (na expressão legal), mas antes e pelo contrário, um conjunto de crimes que são punidos por uma só pena (aquela que couber à conduta mais grave) – que significa que, de facto, se trata de um concurso real de crimes que é punido como um concurso ideal (à luz da solução germânica»[23].
[26] Em suma, utilizando léxico que se vem tornando habitual nesta dogmática, o crime continuado não integra um recorte ou pedaço de vida unificado porque nele apenas se encontra um – único – sentido desvalioso – unidade de sentido antijurídico – mas sim uma pluralidade de recortes ou pedaços de vida distintos, ainda dotados de homogeneidade, punidos unitariamente e com regras distintas[24] em obediência a considerações de menor exigibilidade[25].
[27] Ora, o caminho traçado pela larga maioria da jurisprudência sobre o caso julgado formado pela condenação por crime continuado tem exactamente apontado essa fundamental diferença da figura relativamente às demais situações de concurso de crimes, em termos de limitar o efeito preclusivo do caso julgado às parcelas – autónomas violações plúrimas do tipo ou tipos que protejam o mesmo bem jurídico – declaradas na decisão transitada em julgado, permitindo o conhecimento e condenação por parcelares ulteriormente conhecidas, desde que mais graves.
[28] Importa dizer que os recorrentes convocam em seu apoio um conjunto de seis decisões, mas em termos que, salvo melhor opinião, não se mostram completos nem conformes ao respectivo sentido. Vejamos.

i. O aresto da Relação de Coimbra de 14/01/2004[26] defronta outra vertente do problema, com contornos distintos, a saber, a eficácia preclusiva da decisão de não perseguição criminal[27], no caso da decisão instrutória de não pronúncia, para concluir que no caso imputava-se ao arguido uma única resolução criminosa e, portanto, não havia, em rigor, continuação criminosa. Ainda assim, resulta do aresto que se admite, em tese, ainda que com dúvidas, a restrição da eficácia preclusiva do caso julgado formado pela condenação por crime continuado aos factos que não sejam mais graves que aqueles conhecidos.

ii. Os arguidos chamam também à colação aresto desta Relação de Coimbra de 19/05/2004[28], mas nota-se que no mesmo vem sufragado o entendimento de Furtado dos Santos[29], nos termos do qual «Sendo o delito continuado constituído por várias infracções parcelares, a sentença que incide sob a parte delas não produz efeitos de caso julgado sobre as demais, e, assim, não obsta ao procedimento pelas que forem descobertas depois – o princípio ne bis in idem produz efeito só em relação aos factos julgados, e o crime continuado tem tantos factos com autonomia própria quantos os delitos parcelares unidos pelo nexo de conexão». 

iii. Por seu turno, também o aresto da Relação do Porto de 25/05/2005[30] aponta a fundamental diferença entre a verificação de uma única resolução, sucessivamente executada, da pluralidade de resoluções característica do crime continuado, para concluir que no caso que apreciava inexistia continuação criminosa e eficácia preclusiva de caso julgado.

iv. As demais decisões podem reconduzir-se à posição do acórdão do STJ de 15/03/2006, a que já fizemos referência[31], na medida em que os arestos desta relação de 28/05/2008[32] e 28/10/2008[33] afirmam-se expressamente como tributários daquela jurisprudência. Porém, o referido acórdão do STJ tem em atenção um tipo penal com configuração bem distinta do crime de abuso de confiança fiscal – crime de maus tratos – e a tipologia dos crimes de trato sucessivo[34]. Então, quando nele se afirma que «os julgados estão numa relação de continuidade» e a verificação de caso julgado, considera-se existir uma unidade típica de acção e não, como parece entender o recorrente, o cometimento de um crime continuado[35]. Aliás, assim se explica que essa decisão do STJ seja praticamente contemporânea de outra, com intervenção concordante do mesmo relator, onde se lê: «conforme corrente jurisprudencial dominante neste tribunal, a sentença que incidiu sobre infracções parcelares integradas num crime continuado, não constitui caso julgado impeditivo do julgamento das que só posteriormente foram descobertas, pois o princípio ne bis in idem, se constitui obstáculo a que uma pessoa seja condenada duas vezes pelos mesmos factos, não pode constituir fundamento para que fiquem por punir factos que nunca foram julgados. E dentro dessa tese, e nessa hipótese, o agente só será condenado pela nova actividade se esta se mostrar mais grave que a(s) já julgada(s)...»[36]. Esse entendimento vem sendo sucessivamente reafirmado no STJ e nas Relações[37].


[29] Este percurso pela jurisprudência ajuda-nos a entender a ratio legis da alteração no artº 79º efectuada pela Lei 59/2007, de 4/9. O novo nº 2, em que se estabelece que se, depois de uma condenação transitada em julgado, for conhecida uma conduta mais grave que integre a continuação, a pena que lhe for aplicável substitui a anterior, não constituiu inovação, mas sim outra manifestação da consagração na lei de entendimento seguido pela maioria da jurisprudência[38].
[30] Voltemos agora à situação em presença nos presentes autos. Consideram os recorrentes que foram condenados pela prática de um crime de abuso de confiança na forma continuada. E, de facto, cremos que assim acontece, embora não sem algum esforço interpretativo, fruto de falta de clareza da decisão recorrida. Nota-se que se consigna no dispositivo a condenação «pela prática de um crime de abuso de confiança fiscal», sem referência ao artº 30º, nº2 do CP, para além de não se encontrar na fundamentação de direito apreciação dos requisitos dessa forma criminal, o que coloca algumas interrogações. Não obstante, em sentido concordante com o entendimento dos recorrentes, encontra-se a indicação de que o ilícito por que os arguidos vinham acusados e pronunciados, que era precisamente a prática de um crime de abuso de confiança fiscal na forma continuada, encontrava-se preenchido e, sobretudo, a ponderação na medida da pena do disposto no artº  79º do CP, relativo unicamente ao crime continuado.
[31] A factualidade provada nos presentes autos apresenta-nos uma perfeita homogeneidade de condutas – omissão de entrega do montante de IVA cobrado aos clientes – com renovação da resolução criminosa sempre que a ocasião se proporcionou – meios financeiros imediatamente disponíveis mas pertencentes ao Estado – tendo como motivação subjacente sempre as mesmas dificuldades financeiras da empresa, decorrentes, nos termos provados, de terem ardido duas matas e de ter sido inutilizado um camião, tudo no ano de 2003. Nessas circunstâncias, admite-se que o esforço de manter a solvabilidade da empresa, e em última instância a sua sobrevivência, tenha arrastado o agente para a conduta desviante, em termos de tornar sucessivamente mais difícil e menos exigível contrariar o recurso a esse expediente, diminuindo consideravelmente a culpa.
[32] Nada a objectar, então, à conclusão pelo cometimento pelo arguido J..., e pela responsabilidade da sociedade arguida J... Lda, de um crime de abuso de confiança fiscal na forma continuada, p. e p. pelos artºs 30º, nº2 e 79º do CP e 105º do RGIT, com referência ainda ao artº 7º deste último quanto à arguida - sociedade.
[33] Aqui chegados, pode dizer-se, como pretendem os recorrentes, que essa continuação criminosa teve verdadeiramente início no primeiro trimestre de 2002? Numa primeira aproximação às condutas omissivas, parece que lhes assiste razão pois as condutas omissivas típicas repetem-se ininterruptamente ao longo de todo o período coberto por estes autos e pelo processo nº 70/03.0IDCTB, em termos que parecem suportar a argumentação de homogeneidade.
[34] Porém, como já se explicou, a verificação de crime continuado não se caracteriza, na sua essência, por essa homogeneidade, que apenas traduz reiteração criminosa, mas sim pela diminuição considerável da culpa. Ora, uma leitura mais atenta deixa a descoberto que os recorrentes omitem nas conclusões um facto da maior importância: a data em que ocorreu o incêndio e o acidente causadores das dificuldades económicas em cujo contexto decorreu a conduta censurada nestes autos. Essa data corresponde ao ano de 2003 (facto 2.1.12.) que significa que tais dificuldades aconteceram – nasceram - depois da prática dos factos conhecidos no processo nº 70/03.0IDCTB.
[35] Assim sendo, não corresponde à realidade que as condutas que mereceram condenação no âmbito daqueles autos foram cometidas em virtude da mesma solicitação exterior pela simples razão que esse contexto motivacional ainda não se havia formado. Houve, pois, «alteração da unidade de contexto situacional»[39] e, correspondentemente, inexiste homogeneidade do «fracasso psicológico» perante distintos deveres de evitar o resultado. Logo, não estamos perante o mesmo crime continuado.
[36] Esta asserção torna espúria a evocação de desconformidade constitucional formulada nas conclusões 20ª e 22ª, na medida em que falece o seu pressuposto - não estamos perante o «mesmo crime continuado» e a descoberta de uma nova parcela -, o que afasta o problema, nos termos colocados. Não tem aqui aplicação a interpretação normativa contra a qual se insurgem os recorrentes.  Mas, mesmo que assim não fosse, na esteira da jurisprudência supra referida, entendemos que tal interpretação – e a norma do artº 79º do CP na redacção da Lei  nº 59/2007, de 4/9 - mostra-se inteiramente conforme com a Constituição.
[37] Face ao exposto, cumpre afastar a inscrição dos factos que integram o objecto dos presentes autos no crime continuado punido no processo nº 70/03.0IDCTB e, inerentemente, a violação do princípio ne bis in idem com a subsistência das duas punições. Falece, assim, o recurso.

2.2.3. Descriminalização
[38] Posteriormente à condenação e interposição do recurso, entrou em vigor a Lei 64ª/2008, de 31/12, cujo artº 113º introduziu alteração na norma que tipifica as condutas censuradas. De acordo com esse normativo, a redacção do nº1 do artº 105º do RGIT passou a ser a seguinte:
«Quem não entregar à administração tributária, total ou parcialmente, prestação tributária de valor superior a €7.500, deduzida nos termos da lei e que estava legalmente obrigado a entregar, é punido com pena de prisão até três anos ou multa até 360 dias». Operou-se, em virtude da introdução do limiar de tipicidade de €7.500, uma restrição da tipicidade, o mesmo é dizer uma descriminalização das condutas – omissão de entrega à administração fiscal no momento devido de prestações cobradas – quando não ultrapassem esse valor.
[39] Sendo, como se disse supra, o crime continuado uma unidade jurídica construída normativamente a partir de várias parcelas antijurídicas, a descriminalização de uma dessas parcelas desencadeia necessariamente uma compressão dessa continuação criminosa, expurgando o que deixou de ser tipificado. No caso em apreço, as prestações tributárias omitidas correspondem ao IVA cobrado no período abrangido por cada declaração periódica referida nos factos provados, sendo que em cinco delas o montante a entregar não ultrapassou o novo limitar de tipicidade, a saber, os montantes de €7.068,52, 6.732,55, €4.435,40, €3.228,00 e €4,281,93. Cumpre, então, afirmar a descriminalização dessas condutas, pois a tanto obriga o disposto no artº2º, nº2 do CP.
[40] A partir daí, cumpre reequacionar as consequências do crime, na medida em que, pese embora a moldura penal corresponda à pena aplicável à conduta mais grave, na sua fixação do quantum sancionatório releva o grau de ilicitude global inscrito no crime continuado. Porém, essa tarefa – apreciação se a pena fixada merece alteração face ao crime continuado na sua nova conformação - constitui pronunciamento inovador, não directamente decorrente das questões colocadas no recurso, e relativamente ao qual importa preservar o direito ao recurso. Cabe, então, à 1ª instância fazê-lo, após respeitar o contraditório, reabrindo para o efeito a audiência.

III. Dispositivo

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em:
A) Negar provimento ao recurso,
B) Oficiosamente, declarar descriminalizadas as condutas relativas à omissão de entrega dos montantes de IVA de €7.068,52 (sete mil e sessenta e oito euros e cinquenta e dois cêntimos), €6.732,55 (seis mil, setecentos e trinta e dois euros e cinquenta e cinco cêntimos), €4.435,40 (quatro mil, quatrocentos e trinta e cinco euros e quarenta cêntimos), €3.228,00 (três mil, duzentos e vinte e oito euros) e €4,281,93 (quatro mil, duzentos e oitenta e um euros e noventa e três cêntimos);
C) Determinar a reabertura de audiência para que, ouvidos os sujeitos processuais, seja fixada por sentença a pena correspondente ao crime de abuso de confiança fiscal, na forma continuada, p. e p. pelos artº 30º, nº2, 79º do Código Penal (CP) e 105º do Regime Geral das Infracções Tributárias (RGIT), expurgado dessas condutas.
D) Condenar os recorrentes, pelo decaimento no recurso, na taxa de justiça de 6 (seis) Ucs (artºs. 513º, nº1 do CPP e 87º, nº1, al. b) do CCJ);
E) Notifique.

Texto elaborado em computador e revisto (artº 94º nº2 do CPP).

Recurso nº 8/06.2IDCTB

                                                                       Coimbra, 28/04/2009

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(Fernando Ventura - relator)

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(Isabel Valongo)


[1] Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, II, 2ª ed., Ed. Verbo, pág. 335 e Ac. do STJ de 99/03/24, in CJ (STJ), ano VII, tº 1, pág. 247.
[2] Cfr., por exemplo, art.ºs 119.º, n.º 1, 123.º, n.º 2, 410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c), do CPP e acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/95, publicado sob o n.º 7/95 em DR, I-A, de 28/12/95.
[3] Damião da Cunha, O caso julgado parcial, Universidade Católica, Porto, 2002, pág. 158, refere que a função que cabe ao caso julgado, na sentido estritamente processual, de ne bis in idem, é dupla: Por um lado, traduz o fenómeno de consumpção de poderes, um efeito negativo; Por outro lado, contém um efeito positivo, impedindo outro tribunal de se pronunciar sobre matéria já decidida e impondo que se conforme com o conteúdo daquela e daí retire os devidos efeitos.
[4] Cfr. artº 4º do Protocolo 7.
[5] Constituição da República Portuguesa, Anotada, 3ª Ed., Coimbra Ed., 1993, pág. 194
[6] Citado na decisão recorrida, remetendo-se aqui, para maior simplicidade, para o excerto transcrito, conforme §[9] supra. Cfr. ainda a análise da evolução do instituto no nosso Direito efectuada no mesmo aresto.
[7] Pese embora, como salientado no Ac. do STJ de 15/03/2006, Proc. 05P4403, relator Cons. Oliveira Mendes, www.dgsi.pt, fazendo referência ao ensinamento de Luís Osório, «a lei fundamental ao aludir ao duplo julgamento não pode ser entendida no seu estrito sentido técnico-jurídico, tendo antes de ser interpretada num sentido mais amplo, de forma a abranger, não só a fase processual “rainha”, isto é, o julgamento, mas também outras situações análogas ou de valor equivalente, designadamente aquelas em que num processo é proferida decisão final, sem que, todavia, tenha havido lugar àquele conhecido ritualismo. É o que sucede com a declaração judicial de extinção da responsabilidade criminal por amnistia, por prescrição do procedimento ou por desistência de queixa, situações em que, obviamente, o respectivo beneficiário não pode ser perseguido criminalmente pelo crime ou crimes objecto da respectiva declaração de extinção da responsabilidade criminal».
[8] Ob. cit, pág. 194.
[9] Frederico Isasca, Alteração substancial dos factos e sua relevância no processo penal português, págs. 220-221.
[10] Já referido na nota 7 e que seguimos de perto.
[11] Como aponta Damião da Cunha, ob. cit., pág. 475.
[12] Eduardo Correia, Unidade e Pluralidade de Infracções e Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz, Almedina, 1983, págs. 304 e 304.
[13] Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, 2ª ed. Coimbra Ed., 2007, pág. 990.
[14] Figueiredo Dias, Direito Penal ..., pág. 984.
[15] Cfr. Ac. do STJ de 15/05/91, CJ, ano XVI, tomo 3, pág. 16.
[16] Figueiredo Dias, Direito Penal ..., pág. 989.
[17] Direito Penal Português, As consequências do crime, Aequitas, 1993, pág. 296.
[18] «Uma “unidade criminosa” normativamente (legalmente) construída», Direito Penal..., pág. 1027.
[19]O que, particularmente nos crimes omissivos puros, pode corresponder a um dolo continuado, compreendido criminologicamente como o fracasso psicológico repetido, sempre homogéneo, do autor na mesma situação fáctica, o que não se confunde com persistência da resolução criminosa unitária. Assim, Jescheck e Wigend, Tratado de Derecho Penal, Comares, 2002 (tradução da 5ª edição de 1996), pág. 772. É esta a acepção de dolo continuado utilizada por Figueiredo Dias, in Direito Penal ..., pág. 1031.
[20] Sobre estas questões, Jakobs, Derecho Penal – Parte General, ed. Marcial Pons, 1995, págs 1090-1099.
[21] Cfr. Jescheck, Tratado de Derecho Penal, ed. Bosch, 1981 (tradução da edição original de 1978), pág. 1001, e Jescheck e Weigend, Tratado de Derecho Penal, Comares, 2002 (tradução da 5ª edição de 1996). Sobre a recusa da figura na jurisprudência e doutrina alemã, Maria da Conceição Valdágua, As alterações ao código penal de 1995…, R.P.C.C., ano 16, nº4, 534-538, sem esquecer que o problema coloca-se entre nós em plano diferente, como alerta Figueiredo Dias, Direito Penal..., pág. 1032, na medida em que o crime continuado encontra-se consagrado na lei.
[22] Direito Criminal, vol. 2, págs. 210 e 211
[23] Ob. cit., pág. 476.
[24] O artº 79º do CP consagra o sistema da exasperação, afastando-se do sistema de pena conjunta vigente para o concurso de crimes. Sobre os vários sistemas, cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal ..., pág. 979.
[25] Cfr., na jurisprudência mais recente, os arestos do STJ de 23/01/2008, Pº 07P4830, relator Cons. Maia Costa, 10/07/2008, Pº 05P1943, relator Cons. Arménio Sottomayor, 01/10/2008, Pº 08P2872, relator Cons. Santos Monteiro, 04/12/2008, Pº 08P3275, relator Cons. Oliveira Mendes.
[26] Processo nº3501/03, relator Des. Belmiro Andrade, www.dgsi.pt
[27] Como aponta Damião da Cunha, ob. cit., pág. 475-476, nota 277, o efeito preclusivo da decisão judicial que verse sobre um crime continuado não é o mesmo consoante esteja em causa uma decisão condenatória ou uma decisão absolutória, partindo do entendimento de que ao MºPº incumbe o dever de investigar a situação de facto segundo todos os pontos de vista juridicamente relevante pelo que um acto de acusação pode conter, mesmo que por via implícita, um arquivamento (cfr. págs. 468 e 471). Também Figueiredo Dias, Direito Penal ..., pág. 985, refere o «mandato de “esgotante apreciação” ínsito no princípio ne bis in idem».
[28] Processo nº909/04, relatora Des. Cacilda Sena, www.dgsi.pt
[29] BMJ nº47, pág. 497.
[30] Processo nº0511389, relator Des. Manuel Braz, www.dgsi.pt
[31] Cfr. notas 7 e 9 supra.
[32] Processo nº14/03.9IDAVR, relator Des. Alberto Mira, www.dgsi.pt.
[33] Processo nº 3/04.6TATCS, relator Des. Ribeiro Martins, www.dgsi.pt.
[34] Caracterizado pela repetição de condutas homogéneas unificadas por uma mesma resolução criminosa, sendo que qualquer das condutas é suficiente para preencher o tipo legal de crime.
[35]  Isso mesmo vem claramente referido no Ac. do STJ de 16/10/2008, Pº 08P2377, relator Santos Carvalho, para concluir pela ausência de divergência jurisprudencial e negar o prosseguimento de recurso para fixação de jurisprudência.
[36] Ac. do STJ de 08/03/2006, Pº 4401/05, 3ª secção, relator Cons. Sousa Fonte, sumários do STJ, acessíveis em www.stj.pt.
[37] Cfr. Acs. do STJ de 04/07/90, CJ, ano XV, Tº3, pág. 25, de 04/11/92, CJ, ano XVII, Tº5, pág. 5 , de 03/03/2006, Pº96/06, 5ª secção, relator Costa Mortágua e de 24/01/2007, Pº 4347/06, 3ª, relator Armindo Monteiro, ambos em  sumários do STJ; da Relação do Porto de 02/04/2003, de 03/05/2006, de 07/03/2007; e da Relação de Guimarães de 20/11/2006.
[38] No mesmo sentido, Paulo Albuquerque, Comentário do Código Penal, 2008, págs. 248-249.
[39] A expressão encontra-se no sumário do Ac. do STJ de 10/07/2008, referido na nota 36. Note-se que este aresto versa o crime de abuso de confiança fiscal e apresenta similitude com o caso destes autos, pois considerou-se que, apesar de persistir inalterada a situação de falta de liquidez, a intervenção anterior da fiscalização tributária configurava solicitação exterior distinta, afastava a menor exigibilidade e o crime continuado.