Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
477/06
Nº Convencional: JTRC
Relator: SERRA LEITÃO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
CULPA DA ENTIDADE PATRONAL
RESPONSABILIDADE INFORTUNÍSTICA
Data do Acordão: 04/20/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DO TRABALHO DE COIMBRA - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS 18º, Nº 1, E 37º, Nº 2, DA LAT .
Sumário: I – Quando um acidente de trabalho ocorre por violação das regras relativas à segurança, higiene e saúde no trabalho, imputado culposamente à empregadora, devendo notar-se que basta a culpa genérica, passa esta a ser a primeira responsável pela reparação infortunística .
II – O empregador está obrigado a assegurar aos seus trabalhadores condições de segurança, higiene e de saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho, importando o desrespeito desta obrigação a sua responsabilização se se consubstanciar casuisticamente em factualidade donde resulte de modo inequívoco essa violação – artºs 1º, 4º, nº 1, e 8º, nº 1, do D.L. nº 441/91, de 14/11.

III – A violação das referidas regras traduz-se na ofensa de normas relativas à segurança no trabalho e que constarão dos diversos diplomas legais que regem para cada tipo de actividade profissional, embora se admita, sem esforço, que na previsão legal cabem quadros fácticos em que ainda não existindo ofensa a um normativo concreto, a conduta da entidade patronal omita deveres tão evidentes de cuidado que não pode deixar de ser integrada na dita previsão legal genérica .

IV- Mas é também necessário, para assacar à entidade patronal a responsabilidade pela reparação infortunística, que fique provado que esse incumprimento foi causa adequada do acidente, ainda que na formulação negativa da teoria da causalidade, que é a que o nosso ordenamento jurídico acolhe (artº 563º do C. Civ. ) .

Decisão Texto Integral: Acordam os Juizes da Secção Social do T. Relação de Coimbra
A..., residente em Santiais, Santiago de Litém, intentou acção especial emergente de acidente de trabalho, contra a B..., com sede em Lisboa.
Para tanto alegou, em síntese, que foi vítima de um acidente que consistiu em ter esfacelado a mão direita quando serrava madeira com a serra circular, tarefa que se enquadrava no âmbito da sua categoria profissional de carpinteiro que exercia sob a autoridade, direcção e fiscalização e no interesse de C..., residente em Ponte de Assamaça, Pombal, local onde se situam as instalações da empresa.
Auferia o salário global anual de € 9.994,70 (€ 673,38 x 14 + 51,58 x 11 de subsídio de alimentação).
A Ré tinha a responsabilidade infortunística do seu pessoal integralmente transferida para a Ré B..., na modalidade de prémio variável por folha de férias.
Em consequência do acidente, o A. sofreu esfacelamento da mão direita com amputação traumática da 3ª falange dos 4º e 5º dedos, amputação traumática da 3ª e metade da 2ª falanges do 2º e 3º dedos.
A Ré considerou o A. curado em 24/02/02 e a quem o perito do IMLC atribuiu uma IPP de 26,27%.
Já recebeu da seguradora as indemnizações por incapacidades temporárias a que esteve sujeito.
Terminou pedindo a condenação da seguradora no pagamento ao A. de : € 40 a título de transportes ao tribunal; € 215,66 de transportes a consultas e tratamentos; o capital de remição da pensão anual e vitalícia de € 1.837,93, com início a 25/02/02 e juros de mora.
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Citada, a Ré B... veio apresentar contestação onde invocou , em síntese, que :
O acidente dos autos ocorreu em virtude da violação das regras de segurança no trabalho, pelo que, responsável pela reparação dos danos é a entidade patronal.
O A. estava momentos antes do acidente a empurrar, com a mão, uma peça de madeira e, a determinada altura, a madeira ficou presa e ao empurrar, a mão do A. escorregou para a direita, tendo sido atingida pelo disco de corte.
O acidente ocorreu devido à ausência de prevenção dos riscos profissionais e à não utilização de dispositivos de segurança.
O trabalho com máquinas compete ao mecânico de madeiras e não a um carpinteiro, como é o caso do A. que não tinha formação adequada para este tipo de trabalho pois ao empurrar a madeira em vez de usar um punho ou um pedaço de madeira, utilizou a sua própria mão.
A máquina de corte de madeiras deve estar obrigatoriamente equipada com dispositivos de protecção no disco de corte para evitar o contacto com o mesmo, o que a entidade patronal do A. não cuidou de fazer.
A entidade patronal não deu formação adequada ao seu trabalhador e não equipou a máquina em causa com dispositivos de segurança que prevenissem acidentes.
Concluiu requerendo a citação da entidade patronal do A. para intervir nos autos e dizendo que a acção deve ser julgada improcedente por não provada relativamente à sua responsabilidade, absolvendo-se a Ré do pedido.

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Por despacho de fls. 77, a entidade patronal foi chamada à acção.
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Esta, veio contestar a fls. 82 e segs. alegando, em síntese, que o acidente ocorreu porque a dado momento, quando o A. se encontrava a traçar madeira na serra circular, a mão escorregou-lhe, tendo sido atingida pelo disco.
O sinistrado executava tais tarefas à cerca de 18 anos, com muito saber e experiência acumulados, com conhecimento e domínio das características e funcionamento da mesma serra.
A serra nunca dispôs nem tinha de dispor de um punho.
O acidente deveu-se a mero caso de infortúnio, não tendo a entidade patronal qualquer culpa.

Peticionou a final que a Ré fosse ser considerada a única responsável pelo ressarcimento reclamado pelo A. resultante do acidente de trabalho.
Prosseguindo o processo seus regulares termos veio a final a ser proferida decisão que
1 – Condenou a entidade patronal C..., a pagar ao A. – A... – a quantia de € 255,46 (duzentos e cinquenta e cinco euros e quarenta e seis cêntimos), a título de despesas de transporte ao tribunal, a consultas e a tratamentos e o capital de remição da pensão anual e vitalícia no montante de € 2.625,61 (dois mil seiscentos e vinte e cinco euros e sessenta e um cêntimos), com efeitos a partir de 25/02/02, acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação e até integral e efectivo pagamento.
2 Condenou a Ré B..., subsidiariamente, a pagar ao A. A... – a quantia de € 255,46 (duzentos e cinquenta e cinco euros e quarenta e seis cêntimos), a título de despesas de transporte ao tribunal, a consultas e a tratamentos e o capital de remição da pensão anual e vitalícia no montante de € 1.837,93 (mil oitocentos e trinta e sete euros e noventa e três cêntimos), acrescidas de juros de mora, à taxa legal, desde a data da citação e até integral e efectivo pagamento.
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Discordando apelou a Ré patronal alegando e concluindo, em resumo, súmula que se faz aqui dada a extensão a nosso ver desnecessária, das doutas conclusões apresentadas por esta impugnante:
1- A tarefa exercida pelo A era a serragem com a serra circular, cortando a madeira com a máquina esquadrilhadora
2- O A desempenha tal actividade há cerca de 18 anos, com muito saber e experiência acumulados, tendo conhecimento e domínio das características da serra em causa
3- Não é fácil idealizar que possa existir dispositivo de protecção que, de todo, impedisse o acesso da madeira à serra
4- Na verdade para proceder à serragem da madeira com o tipo de máquina, era necessária e imprescindível o contacto da madeira, com o disco da serra
5- “ In casu” não se trata propriamente de elementos móveis de um equipamento de trabalho. Mas antes e tão só de um disco fixo, num determinado sítio da máquina
6- Efectivamente a tarefa de serragem de madeira, não implica que o A tivesse de colocar qualquer parte do seu corpo, em contacto com a serra
7- A mão do A só foi atingida, quando o mesmo serrava com a serra circular, cortando a madeira e uma peça ficou torta e então o mesmo ao ir endireitá-la , a mão tremeu e ao retirá-la foi atingido pelo disco. Ou seja a mão só foi atingida por o A ter colocado a sua mão na peça de madeira, que ficara torta, junto do disco e no sítio onde o disco corta a madeira
8- Foi o A quem por desatenção ou negligência, deu causa ao acidente que sofreu, já que ao verificar que uma peça de madeira tinha ficado torta e querendo endireitá-la podia parar a máquina e proceder à operação.
9- A entidade patronal não provocou o acidente, nem está demonstrado que o mesmo resultou da falta de observância das regras sobre a segurança, higiene e saúde no trabalho
10- Aliás não resulta dos autos a alegação e prova pelo A, que o acidente tivesse ocorrido por causa da violação das normas de segurança e o seu nexo de causalidade adequada, já que não está alegado nem demonstrado que mesmo com qualquer dispositivo de protecção, o acidente não tivesse ocorrido nas mesmas circunstâncias
11- A máquina em causa encontra-se homologada pelos serviços competentes, operacional, em laboração com o seu equipamento de origem, conforme fora licenciada, adquirida, posta em actividade, com a manutenção e verificação periódicas; livros de instruções e funcionamento, com inspecções periódicas do IDCT às instalações em laboração e sem nunca ter existido qualquer observação, chamada de atenção ou interpelação
12- A entidade patronal havia transferido validamente para a Ré seguradora a sua responsabilidade civil; pelo que a reparação dos danos emergentes deve recair sobre a mesma a título principal ( artº 37º nº 1 da L. 100/97) e não apenas subsidiariamente, conforme o disposto no nº 2 do mesmo código
13- Por erro de interpretação e/ou aplicação não foram, nem se mostram correctamente observados e aplicados, os comandos legais atinentes e por isso mostram-se violados designadamente os artº 342º do CCv, 18º e 37º da L. 100/97.
A seguradora contra alegou defendendo a correcção da sentença em crise.
Já o A, representado pelo Ex. mo Magistrado do MºPº contra alegou e interpôs recurso subordinado, alegando e concluindo:
1- Face à matéria dada como provada entendemos que a solução de direito deveria ser absolutória em relação à entidade patronal e condenatória em relação à seguradora
2- Razão porque deve ser dado provimento recurso do chamado C...
3- E alterando-se a sentença nos termos concluídos em 1, considerando-se a seguradora como única e principal responsável pelas consequências do acidente
4- Considera-se que a sentença não aplicou correctamente o artº 18º da L. 100/97 de 13/9.
Recebido o recurso e colhidos os vistos legais, cumpre decidir
Dos Factos
Foi a seguinte a factualidade dada como assente na 1ª instância
1 – O A. nasceu a 18 de Setembro de 1937
2 – O A. desempenhava as funções de carpinteiro de madeiras ao serviço do R. C..., sob as ordens, direcção e fiscalização deste
3 — Como contrapartida do trabalho prestado o A. auferia € 673,38 de salário base e 51,58 de subsídio de alimentação (este pago 11 vezes por ano)
4 — No dia 14/11 de 2001, em Ponte de Assamaça, Pombal, o A. encontrava-se a trabalhar sob as ordens e no interesse do R. C...
5 -- Nessa ocasião, quando serrava com a serra circular, cortando madeira com uma máquina esquadrilhadora, a determinada altura uma peça de madeira ficou torta e, ao endireitá-la, a mão do A. tremeu com a trepidação e, ao retirá-la, foi atingida pelo disco de corte que lhe esfacelou a mão direita, com amputação traumática da 3ª falange do 4º e 5º dedos e amputação traumática da 3ª e metade da 2ª falanges do 2º e 3º dedos
6 — Esta máquina utilizada pelo A. não dispunha de qualquer dispositivo de protecção no disco de corte para evitar contacto com o mesmo, não tendo o R. C... equipado a máquina com esse dispositivo, nem as serras do tipo das utilizadas pelo A. dispõem de punho para empurrar a madeira
7 — O R. C... não deu formação teórica ao A. para o corte de madeira com a máquina esquadrilhadora, sendo que este tinha formação prática das instruções e funcionamento da mesma máquina
8 — O A. desempenhava a tarefa supra referida há cerca de 18 anos, com muito saber e experiência acumulados, tendo conhecimento e domínio das características da serra em causa
9 — Os tratamentos médicos e a recuperação funcional do sinistrado estiveram a cargo dos serviços clínicos da Ré B...
10 — Desde a data do evento referido em 4 e 5 e até 24 de Fevereiro de 2002, o A. manteve-se totalmente incapacitado para o trabalho
11 – O A. recebeu tratamentos de fisioterapia a mando do seu médico assistente nomeado pela Ré Seguradora – Dr. Ernesto Moura – e esteve presente a várias consultas
12 — O A. foi dado como curado em 24 de Fevereiro de 2002
13 – Em resultado das lesões referidas em 5, o A. ficou a padecer de uma IPP de 26,27%
14 – O A. recebeu da Ré Seguradora o montante de € 1.851,79, a título de indemnização pelo tempo de incapacidade temporária
15 — Em transportes ao Tribunal e ao IML de Coimbra para onde foi convocado nos autos, o A. gastou € 40 e para os tratamentos de fisioterapia fez 17 viagens de ida e volta de Santiais a Albergaria no período de 28 de Janeiro a 20 de Fevereiro de 2002, com utilização de táxi, importando cada viagem em € 8,86
16 — No período de 14 de Janeiro de 2001 a 04 de Abril de 2002, o A. fez 20 viagens de comboio a Coimbra e Pombal, gastando € 64,84.

Do Direito
Sabe-se que é pelas conclusões das alegações, que se delimita o âmbito da impugnação- artºs 684 n.º 3 e 690º nºs 1 e 3 ambos do CPC-.
Pelo que no caso dos autos apenas cumpre dilucidar se efectivamente se demonstrou que o acidente ficou a dever-se à falta de cumprimento de por parte da patronal, das regras de segurança no trabalho atinentes à actividade profissional exercida pelo trabalhador sinistrado, com a consequente sua responsabilização pela reparação infortunística, conforme o regime estabelecido pelos artºs 18º nº 1 e 37º nº 2 ambos da LAT
Vejamos então:
De acordo com os normativos citados, quando o acidente ocorre por violação das regras relativas à segurança, higiene e saúde no trabalho , imputadas culposamente à empregadora, devendo notar-se aqui que basta a culpa genérica ( C.J/STJ; XI, III), passa esta a ser a “ responsável primeira” digamos assim, pela reparação infortunística.
Ora o artº 1º do D.L. 441/91 de 14/11 determina que “ o presente diploma contém os princípios que visam promover a segurança, higiene e saúde no trabalho, nos termos do disposto nos artºs 59º e 64º da CRP”, acrescentando o seu artº 4º nº 1 que todos os trabalhadores têm direito à prestação de trabalho em condições de segurança, higiene e de protecção da saúde.
Em consonância com estas regras, vem o artº 8º nº 1 do mesmo diploma, determinar que o empregador é obrigado a assegurar aos trabalhadores condições de segurança, higiene e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho, elencando o seu nº 2 uma séria de medidas de carácter genérico, para que o princípio estabelecido no nº1 seja cumprido.
Estamos assim perante princípios programáticos e como tal expressos em termos gerais, pelo que o seu desrespeito pela patronal apenas importará, em nosso modesto entender, a sua responsabilidade se se consubstanciar casuisticamente em factualidade donde resulte de modo inequívoco essa violação.
Quer dizer: não basta afirmar que em determinada situação, tais princípios não foram observados.
É necessário, que se indique em que é que constou tal violação, sendo certo que por via de regra, ela se traduzirá na ofensa de normas relativas à segurança no trabalho e que constarão dos diversos diplomas legais, que regem para cada tipo de actividade profissional, embora se admita sem esforço que na previsão legal cabem quadros fácticos em que ainda que não existindo ofensa a um normativo concreto, a conduta da patronal omita deveres tão evidentes de cuidado, que não pode deixar de ser integrada na dita previsão legal genérica.
Ora bem.
No caso em apreço a apelante entende que não ofendeu qualquer daqueles princípios mormente o disposto no artº 18º do D.L. 82/99 de 16/3 II, D.L. esse que transpôs para a nosso ordem jurídica interna a Directiva Comunitária 95/63/CE.
E foi exactamente partindo do princípio de que este normativo tinha sido desrespeitado, que o Tribunal recorrido decidiu pela condenação da apelante.
Com todo o respeito- e desde já o adiantamos- sem razão porém.
Na verdade e de acordo com o disposto no artº 3 a) do D.L. 82/99 de 16/3 entende-se por “ equipamento de trabalho” qualquer máquina, aparelho, ferramenta ou instalação utilizado no trabalho.
E conforme o artº 18º nº 1 deste diploma, os elementos móveis de um equipamento de trabalho que possam ocasionar acidentes por contacto mecânico devem ser munidos de protectores ou dispositivos que impeçam o acesso às zonas perigosas ou que interrompam o movimento dos elementos perigosos antes do acesso às mesmas.
No caso concreto o acidente foi provocado por uma serra circular, sendo esta naturalmente o tal “ equipamento de trabalho” como acima se definiu.
Ora e desde logo encontrando-se o disco da serra fixo como não pode deixar de ser, é pelo menos e no nosso modesto entendimento duvidoso, que se possa falar aqui em “ “elemento móvel de um equipamento de trabalho”.
O que afastaria de imediato a previsão do aludido artº 18º, não obrigando portanto á existência de qualquer elemento protector.
Mas mesmo que assim se não entenda- e portanto se considere que estamos perante o tal “ elemento móvel”- sempre( e embora estando provado que a tal serra não possuía nenhum elemento de protecção), seria necessário fazer-se a prova de que a colocação da protecção era possível e em caso afirmativo em que termos, de forma a poder assacar a responsabilidade do evento à entidade patronal.
E mais: era também essencial que tivesse ficado demonstrado que o tal elemento de protecção evitaria no caso concreto o acidente.
E o ónus probatório em todo este domínio competia á Ré seguradora- artº 342º nº 2 do CCv- .
Todavia e neste aspecto, a nosso ver a facticidade apurada é manifestamente insuficiente para que se possa concluir no mínimo que a falta da aludida protecção foi causal do acidente.
E a ser assim, não é possível considerar aqui a responsabilidade da Ré patronal.
Na realidade e como se sabe, não basta que se demonstre que a entidade patronal não cumpriu uma qualquer norma de segurança.
É necessário ainda, para lhe assacar a responsabilidade da reparação infortunística, que fique provado que esse incumprimento foi cauda adequada do acidente, ainda que na formulação negativa da teoria da causalidade, que é a que o nosso ordenamento jurídico acolhe( artº 563º do CCv), o que em síntese significa que, “ o dano não pode ser considerado em sentido jurídico como consequência do facto em questão, quando este dada a sua natureza geral, fosse totalmente indiferente para o nascimento de tal dano e só se tornou condição dele em virtude de outras circunstâncias extraordinárias, isto é, quando era inadequado para produzir o dano”, devendo apelar-se ao senso prático, às realidades do quotidiano, ao critério de prejuízo da probabilidade, para se concluir pela dita indiferença ou não para a produção do evento - cfr. Oliveira Matos, em C. Estrada, 3ª ed. págs. 431 e AA ali indicados.
Ora e no caso em apreço apenas ficou provado que a referida serra não tinha qualquer elemento protector, sendo certo que – como o reconhece a própria sentença recorrida- “ não é fácil idealizar aquele dispositivo de segurança” ( sic).
Mas da fundamentação de facto, não se extrai que não fora a ausência desse dispositivo e o sinistro não teria ocorrido.
Pelo contrário, a facticidade constante de 5, lança sérias dúvidas sobre tal causalidade, já que existiu uma conduta do trabalhador que de forma cremos que indubitável, acabou por contribuir para a ocorrência do evento.
Na verdade e porque uma peça de madeira ficou torta, o A, quasi de maneira automática –e correspondendo a uma reacção dir-se-ia que instintiva - aproximou a sua mão do disco de corte, para tentar resolver o problema que surgira.
E neste enquadramento, e salvo o respeito devido, nada nos pode levar a concluir que se a tal protecção existisse, impediria tal aproximação e o consequente acidente.
E como é consabido a dúvida sobre a realidade de um facto, resolve-se contra a parte a quem ele aproveita( artº 516º do CPC), no caso concreto, a ré seguradora.
Em suma: em nosso modesto entender, não logrou a seguradora provar , como era seu ónus( artº 342º nº 2 citado), que a ( eventual) omissão de uma regra de segurança no trabalho, a si imputável, tenha sido causal do acidente.
E daí estar afastada a responsabilidade de reparação infortunística por banda da Ré apelante, assim surgindo em primeira linha o dever de reparação pela seguradora, consequente ao contrato de seguro, que validamente as co- rés entre elas tinham estabelecido, nos termos do artº 37º nº 1 da LAT.
E esta conclusão, não é afastada pelo facto de a patronal não ter dado ao A a adequada formação para lidar com tal tipo de máquina, contrariando o disposto no artº 10º a) do mencionado D.L. 82/99.
É que e desde logo, não foi por essa via que no Tribunal recorrido, se chegou á condenação daquela- e nem é esta temática que está em causa no presente recurso-
E depois mesmo que assim se não entendesse, sempre se teria que ter em conta que assente ficou que o A executava as aludidas tarefas há cerca de 18 anos, com muito saber e experiência acumulados, tendo conhecimento e domínio das características da serra em causa- ponto 8 da fundamentação de facto -.
O que vale dizer que este dado por si só, é suficiente para não considerar essencial que a entidade patronal desse ao A a formação profissional , de que ele no fundo já não necessitaria.
E destarte igualmente por esta via, não se pode chegar á culpa da entidade patronal, na ocorrência do acidente em análise.
Portanto- e repetindo- afastada a responsabilidade da entidade patronal, fica a responder pela reparação infortunística, a ré seguradora.
Termos em que e concluindo, na procedência dos recursos( principal e subordinado), se revoga a sentença em crise e consequentemente:
A) Absolve-se a Ré patronal de todo o peticionado
B) Condena-se a ré seguradora a pagar ao A
- a quantia de € 255, 46 a título de transportes, consultas e tratamentos
- o capital de remição da pensão anual e vitalícia no montante de € 1837, 03, com início em 25/2/02.
- Juros de mora à taxa legal desde 10/4/03 sobre as despesas e desde 25/2/02 relativamente ao capital de remição e( relativamente a ambas as quantias) até efectivo e integral pagamento.
Custas pela Ré seguradora.