Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3162/07.2TXCBR-B.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO VENTURA
Descritores: CONTUMÁCIA
PROCESSO DE REVOGAÇÃO DE SAÍDA PROLONGADA
Data do Acordão: 05/06/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE EXECUÇÃO DE PENAS DE COIMBRA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 335º,470º,476º CPP,91º, 92º L. 3/99, 22º,23º D.L. 783/76
Sumário: O tribunal competente para a declaração de contumácia no decurso de processo de revogação de saída precária prolongada é o TEP
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra


I. Relatório


[1] Nos presentes autos com o NUIPC 3162/07.2TXCBR do Tribunal de Execução de Penas (TEP) de Coimbra, foi concedida ao condenado Pablo Javier Garcia Martinez uma saída precária prolongada por cinco dias, decorrendo entre 5 e 10 de Outubro de 2007.
[2] Como não regressou, em vista exarada a 02/01/2008, a Srª Procuradora promoveu que fosse revogada a saída precária prolongada e emitido mandado de detenção europeu (MDE), tendo em atenção a morada indicada pelo condenado (Espanha);
[3] A fls. 23, a Polícia Judiciária informa que o condenado se ausentou para a Venezuela, por via aérea, a partir do aeroporto de Barajas (Madrid);
[4] Ordenada a abertura de vista, em 26/02/2008, o Ministério Público, através da Srª Procuradora-adjunta colocada junto do TEP, promoveu que o condenado fosse declarado contumaz;
[5] Em despacho de 03/03/2008, a Srª Juiz do TEP, aludindo ao pedido de emissão de MDE, considerou que «o TEP não dispõe de competência em tal matéria» e determinou o cumprimento do artº 335º do CPP.
[6] Em 17/06/06, a mesma Srª Procuradora-adjunta veio requerer que «seja o presente processo tramitado com a possível brevidade», dizendo ainda que o pedido de MDE tornou-se inútil face à informação de que o condenado encontra-se na Venezuela.
[7] Seguidamente, no dia 29/06/2008, foi proferido despacho em que, para além de considerações que sobre a tramitação dos autos, se decidiu que se solicitasse ao tribunal da condenação a eventual declaração de contumácia, nos seguintes termos[1]:

Relativamente à matéria de MDE e declaração de Contumácia, no caso aqui em apreço, constatada que a ausência ilegítima se verificou já, em Outubro de 2007, não estando, portanto em situação de decisão urgente, a tal respeito, diremos, para melhor compreensão do já dito o seguinte:
De acordo com os normativos vigentes em matéria de Saídas Precárias Prolongadas, o Tep, na execução de uma pena de prisão, pode concedê-las ao arguido, reunidos que se mostrem os seus requisitos e bem assim revogá-las, se também se verificarem os legais pressupostos de tal decisão.
Contudo, o titular do processo que aplicou a pena de prisão, é sempre o Ex.m° Juiz do tribunal da condenação, a quem, competirá, 2° cremos e com o devido respeito por opinião contrária, a direcção do mesmo, não obstante ser coadjuvado pelo TEP e por certas autoridades administrativas, aquando da execução da pena de prisão, que aplicou.
Assim, se terá de ler, o texto do artigo 470º, n°1 do CPP, no sentido que, resulta da letra da lei, que a execução (da decisão penal condenatória, transitada em julgado e, consequentemente, a execução da pena de prisão), corre nos próprios autos, perante o Presidente do tribunal da 1ª instância, em que o processo tiver corrido, ou seja, o tribunal da condenação, (o que proferiu a decisão penal condenatória e aplicou a pena de prisão), continua a ser, o tribunal da execução da pena, isto é, o tribunal competente, por exemplo, para a emissão dos mandados de detenção do arguido, para início do cumprimento da pena, para elaboração do despacho de liquidação da pena de prisão ou de reformulação dessa liquidação e para a emissão do mandado de libertação do arguido, ficando para o TEP, nesta matéria, única e exclusivamente, as atribuições supra referidas, que estão especificadas na lei. (DL 783/79 de 29/10, Lei 3/99 de 13/01, actualizada).
Para melhor compreensão do que acaba de se dizer, remetemos para, entre outros, o acórdão da Relação de Coimbra, proferido no processo 183/99.0TBVGS-A, em 03/10/07, com o n° convencional JTRC.
Posto isto, na senda do que dissemos supra, e bem assim tendo presente os normativos legais, vigentes nesta matéria, e a jurisprudência consultada, entre a qual destacamos a supra referida, parece-nos que, não se tratando de diligência de carácter urgente, nada há que justifique, o desvio da regra geral, logo, que justifique a intervenção do TEP, em matérias que são, regra geral, da competência do tribunal da condenação.
Assim, não se nos parece ser da nossa competência, a promovida declaração de contumácia, na actual situação processual, apesar de termos já, determinado nos termos do artigo 335° do CPP, a notificação edital do mesmo, porquanto, não estávamos ainda, na posse dos conhecimentos, entretanto adquiridos e supra referidos, devendo a mesma ser solicitada ao respectivo tribunal da condenação, o que se determina.
Pelo exposto, determino se solicite, ao tribunal da condenação, - processo n° 207/05.4JAPRT, a eventual declaração de contumácia e/ou para que informem o que tiverem por conveniente.
D.N., enviando, para melhor esclarecimento, cópia de folhas 15, 23, 25, 26 e deste despacho.
[8] Inconformado, veio o Ministério Público interpor recurso, extraída da motivação a seguinte síntese conclusiva:

1. O Tribunal de Execução de Penas é competente para declarar a contumácia em processo de revogação de saída precária prolongada, devendo emitir logo mandados de captura quando o processo haja de prosseguir e se fundamente na falta de regresso do condenado.
2. Deve ser declarado contumaz o recluso que não regressa de saída precária prolongada e não mais é localizado.
3. Foram violadas frontalmente as normas do n° 1 e 2 g) do artigo 91° da lei 3/99  e do artigo 71° do DL n° 783/76 de 29.10.
Termos em que, com os do douto suprimento de V.Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se a decisão recorrida, substituindo-se por outra que mande prosseguir a declaração de contumácia do condenado, pois assim é de DIREITO e só assim se fará JUSTIÇA!

[9] O arguido não apresentou resposta.
[10] A Srª Juiz manteve o despacho recorrido.
[11] Neste Tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto considera que o recurso merece provimento e aponta a diversa jurisprudência desta relação no sentido de que quer a prolação de despacho a declarar a contumácia subsequente a não apresentação uma vez decorrida saída precária prolongada e também quanto à emissão de mandado de detenção cabe na esfera de competência do Tribunal de Execução de Penas.
[12] Cumprido o disposto no artº 417º, nº2 do CPP, não foi apresentada resposta.
[13] Cumpridos os vistos, realizou-se conferência.


II. Fundamentação


2.1. Âmbito do recurso

[14] É pacífica a doutrina e jurisprudência[2] no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso. Perante a forma como foi conformado, o recurso circunscreve-se a determinar qual o tribunal competente para a declaração de contumácia no decurso de processo de revogação de saída precária prolongada pendente no TEP.

2.2. Apreciação


[15] Como decorre da transcrição supra, a decisão recorrida estriba o entendimento de que a declaração de contumácia não se inscreve no âmbito dos actos da competência do Tribunal de Execução de Penas no disposto no artº 470º, nº1 do CPP, o que complementa com referência genérica ao D.L. 783/79, de 29/10 e à Lei nº3/99, de 13/01. Refere ainda, em seu apoio, decisão desta relação de 03/10/2007, proferida no processo nº 183/99.0TBVGS. Ao invés, o recorrente Ministério Público considera que aqueles normativos e decisão apontam exactamente no sentido oposto ao decidido, i.e., pela competência do TEP para a declaração de contumácia. Com inteira razão.
[16] Decorre do disposto no artº 470º do Código de Processo Penal (CPP) o princípio geral de que o tribunal da condenação mantém-se competente para a execução dessa decisão mas essa regra sofre excepções, em função das questões atribuídas por Lei ao Tribunal de Execução das Penas. Essas excepções decorrem dos artsº 91º e 92º da Lei 3/99 e do D.L. 783/76, de 29/10, mormente dos seus artºs. 22º e 23º, bem como do mesmo código.
[17] Com efeito, quando na parte final da al. b) do artº 476º do CPP se diz que «o despacho de declaração da contumácia e o decretamento do arresto são da competência do tribunal referido no artigo 470º ou do Tribunal de Execução das Penas», esta última parte não constitui letra morta mas sim a consagração clara, diremos mesmo claríssima, de que existem casos em que cabe ao TEP neste domínio mais do que actividade de «assistência» defendida no despacho recorrido. Mas não só. Também na al. g) do artº 91º da Lei 3/99, de 13/1, quando estabelece que compete aos tribunais de execução das penas «proferir o despacho de declaração de contumácia e o decretamento do arresto relativamente a condenado que dolosamente se tiver eximido parcialmente à execução de uma pena, de uma pena relativamente indeterminada ou de uma medida de segurança de internamento» disse o legislador que cabe ao TEP essa tarefa. E, fundamentalmente, estas normas inscrevem-se em procedimento incidental inteiramente alheio ao tribunal da condenação: revogação de saída precária prolongada.
[18] Cabe aqui reafirmar o que escrevemos em aresto de 17/12/2008[3]: «ao invés do que já foi entendido nesta Relação[4], consideramos que a referida emissão de mandados de detenção não configura o esgotamento das atribuições legais do TEP. Como decorre do disposto no artº 476º al. b) do CPP, o legislador configura duas situações alternativas de competência para a contumácia de condenado: aquela em que o condenado exime-se de todo ao cumprimento da pena, caso em que a declaração de contumácia compete ao tribunal da condenação; e aquela em que o cumprimento é interrompido dolosamente pelo recluso, cabendo, por força do disposto no artº 91º, nº2, al. g) da Lei 3/99, de 13/1, ao TEP tal declaração. No caso em apreço, dúvidas não há que a contumácia deve, como foi, ser declarada pelo TEP, com a consequência lógica de que os seus efeitos processuais projectam-se em primeira linha no próprio procedimento de revogação da saída precária prolongada, o qual fica suspenso, de acordo com o nº3 do artº 335º do CPP. Então, só após a apresentação ou detenção do condenado e consequente cessação da contumácia, logicamente apreciada pelo Tribunal que a declarou, poderá prosseguir o processo contemplado nos artºs 70º e segs. do D.L. 783/76, de 29/10, e culminar com sentença. Nessa medida, e com todo o respeito por opinião diversa, pensamos que a interpretação que faça “esgotar” a esfera de competência do TEP com a declaração de contumácia não encontra arrimo na letra nem na teleologia do ordenamento processual vigente».
[19] Diga-se, por fim, que no citado aresto de 03/10/2007 nunca se defende que escapa ao TEP a competência para a declaração de contumácia. Ao invés, vem expressamente referido que essa declaração integra «as suas atribuições legais».
[20] Pelo exposto, impõe-se dar provimento ao recurso.


III. Dispositivo

Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em:
1. Conceder provimento ao recurso;
2. Revogar o despacho recorrido e determinar a sua substituição por outro que declare o condenado contumaz.
Sem custas.
Notifique.

Texto elaborado em computador e revisto (artº 94º nº2 do CPP).

Recurso nº 3162/07.2TXCBR

                                                                       Coimbra,

_____________________

(Fernando Ventura - relator)

                                                           ______________________

(Isabel Valongo)


[1] Transcrição.
[2] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, 2ª ed., Ed. Verbo, pág. 335 e Ac. do STJ de 99/03/24, in CJ (STJ), ano VII, tº 1, pág. 247.
[3] Proferido no processo 10/06.4TXCBR, www.dgsi.pt. No mesmo sentido, como assinalado pelo Sr. Procurador Geral-Adjunto, o Ac. desta relação de 28/01/2009, Pº 220/05.1TRCBR-B.C1, relator Des. Jorge Gonçalves.
[4] Ac. da Relação de Coimbra de 03/10/2007, Proc. 183/99.0TBVGS-A.C1, relator Des. Carlos Barreira, www.dgsi.pt