Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
85/08.1GAOBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: PENA ACESSÓRIA
Data do Acordão: 01/21/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE OLIVEIRA DO BAIRRO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 40º, 69º,71º,291º E 292º DO CP
Sumário: 1. Com a pena acessória sobre a privação temporária da condução viária e sabendo-se dos factores sociais associados a este exercício ou actividade funcional ,o legislador pretende convocar e concitar neste tipo de pena a um tempo um sinal pessoal que visa directamente o condutor sancionado e reflexamente toda a comunidade de usuários da vias rodoviárias que não podem estar imunes à aplicação concreta das penas que aos outros são infligidas.
2. No ordenamento jurídico-legal português a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor constitui-se como uma verdadeira pena, irrefragavelmente conectada ao facto ilícito e à culpabilidade do agente. Como acontece com a generalidade das penas acessórias constitui uma sanção adjuvante ou acessória da função da pena principal permitindo um incremento e uma diversificação do conteúdo penal da condenação.
Decisão Texto Integral: I. – Relatório. 

No processo supra epigrafado foi decidido condenar o arguido MA..., casado, comerciante, residente em Oliveira do Bairro, pela prática, em autoria material, de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelo art. 292º, nº 1, do Código Penal, na pena de 75 (Setenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de € 15 (Quinze Euros), o que perfaz o montante global de € 1.125 (Mil cento e vinte e cinco Euros); e ainda, nos termos do disposto no art. 69º, nº 1, al. a), do Código Penal, na pena acessória de PROIBIÇÃO DE CONDUZIR VEÍCULOS COM MOTOR POR QUATRO MESES.

Dissentindo da medida da pena acessória de proibição de veículos motorizados aplicada ao arguido recorre o Ministério Público que remata a motivação com o quadro conclusivo que a seguir se deixa transcrito.

“1ª) A sentença recorrida condenou o arguido, pela prática de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, previsto e punido pelos arts. 292°, no 1 e 69°, n.º 1, a), ambos do Código Penal, para além do mais, na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 meses;

 2ª) Contudo, considerando o elevado grau de ilicitude e de perigosidade com que o arguido actuou, em função da TAS de 2,13 g/1 que apresentou, a intensidade do seu dolo, as fortes exigências de prevenção geral e a variação da moldura abstracta da pena acessória de proibição de conduzir, entendemos que, no caso em apreço, a sua duração deve ser graduada em período não inferior a 8 meses;

3ª) Não o entendendo assim e condenando o arguido nos moldes referidos, a sentença recorrida violou as normas constantes dos arts. 69.º, n.º 1, a) e 71.º, ambos do Código Penal;

4ª) Face ao exposto, deve a sentença recorrida ser parcialmente revogada e substituída por outra que condene o arguido nos termos expostos.”   

Para o arguido a decisão conforma-se com o ordenamento adrede para a escolha e determinação da medida da pena acessória, como procura demonstrar pela síntese conclusiva com que despede a resposta apresentada.

“1 – A douta Sentença proferida pelo Tribunal “A Quo” é válida e totalmente correcta porque respeitou o disposto no Artigo 71.º do Código Penal, ou seja, valorou os factos · provados de o Arguido não ter antecedentes criminais, não ter com a sua conduta provocado consequências gravosas e ter demonstrado arrependimento, e por conseguinte atentou nas finalidades de Prevenção Geral e Especial;

2 – Atendendo aos critérios de adequação e proporcionalidade, à gravidade do crime e à ilicitude da conduta do Arguido, respeitou a douta Sentença o disposto nos artigos 40.º e 71.º do Código Penal, pelo que deverá ser mantida nos exactos termos em que foi proferida pelo Tribunal A QUO.”

Em diserto parecer, como é timbre, a distinta Procuradora-geral Adjunta opina pela procedência da pretensão do Ministério Público para o que desenvolve a sequente argumentativa.  

“[…] 1. No que concerne à medida da pena acessória de inibição de conduzir, nos termos do nº 1 do artigo 69.º Cód. Penal, entende o Ministério Público 1ª instância, que a medida desta pena, fixada em quatro meses, em face da taxa de alcoolemia que o arguido apresentava, é demasiado benévola.

Efectivamente, as penas acessórias visam censurar especialmente o arguido, pelo circunstancialismo que envolve o crime cometido, de forma a justificar a privação de um certo direito, faculdade ou posição relacionados com a sua prática, ou reagir contra a perigosidade manifestada pelo agente.

De acordo com o Prof. Figueiredo Dias, o facto de a pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados ter como pressuposto material que o exercício da condução se tenha relevado especialmente censurável, essa circunstância eleva o limite da culpa do (ou pelo) facto.

Segundo o mesmo Prof., à proibição de conduzir deve também pedir-se ou assinalar-se um efeito de prevenção geral de intimidação. Além disso, deve esperar-se desta pena acessória, que contribua em medida significativa, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano (pág 165).

O facto de o arguido conduzir com uma taxa de alcoolemia de 2,13 gr/l, traduz-se numa condução extremamente temerária, geradora de um risco potencial eminente não só para o próprio, como para todos os demais utentes da via pública e bens de terceiros.

Na verdade, são muito elevadas as exigências de prevenção, quer especial quer, sobretudo geral, atenta a frequência com que as infracções relativas à condução sob o efeito do álcool vêm sendo cometidas e a sua directa influência na elevada taxa de sinistralidade · rodoviária, sinistralidade essa que constitui um verdadeiro flagelo nacional, causando anualmente um número elevado de vítimas na estrada, o que justifica que se punam adequadamente os seus autores.

A pena acessória de inibição de conduzir, mais eficaz do que a pena de multa, é o instrumento adequado para prosseguir a necessária emenda cívica do condutor e obstar à condução imprudente ou leviana.

Pelo que se não justifica que a mesma seja fixada próximo do mínimo legal, quando as circunstâncias justificam a aplicação de uma pena superior.

Como bem salienta o Ministério Público na 1ª instância, o período durante o qual foi aplicada a sanção acessória de proibição de conduzir, alterou a natureza da sanção e retirou-lhe todos os efeitos de prevenção geral e especial.

Com efeito, ao ser aplicada ao arguido a pena acessória de quatro meses de inibição de conduzir, quando a moldura abstracta prevista vai de três meses a três anos, e sendo por isso próxima do seu limite mínimo, esta pena acessória nunca poderá ter o efeito dissuasor que com a mesma se pretende, não cumprindo eficazmente as finalidades de prevenção geral e especial.

2. Relativamente à Jurisprudência deste Tribunal no ao seu quantum da sanção acessória diz respeito, há que ponderar o decidido:

No Proc.1611/04 Ac. TRC de 06/10/2004, em que o grau de álcool era de 1,67g/1, foi fixado um período de inibição de condução de seis meses; Ac TRC de 26/0112005 Proc.3735, em que o arguido primário, confessara os factos e havia conduzido com uma TAS de 1,97, tendo actuado dolosamente, a sanção acessória foi fixada em seis meses; Ac. TRC de 21/11/2007 no Proc.68/07.9., sendo o arguido primário, admitindo a prática dos factos e conduzindo com uma TAS de 2,16, no recurso interposto pelo arguido foi reduzida a sanção acessória de oito meses para seis meses de inibição de conduzir; no Ac. de 21/11/2007, in Proc 83/07.2 GTVIS, em que o arguido confessara os factos e sem antecedentes criminais, com uma TAS de 1,88g/1 foi-lhe fixada a medida acessória de seis meses de inibição de conduzir.

No mesmo sentido o Ac TRE de Évora de 14/5/1996, CJ XXI, T3, págs. 286 e segs que refere: “ ….. b) que a duração das penas acessórias deve obediência aos critérios de fixação das penas principais – arts. 71 o e 72° do C Penal “

E também Ac. Relação de Évora de 25/09/01, CJ, XXVI, Tomo 4, págs. 281 a 283, onde se refere: “ Assim, há que ter em conta, designadamente, as exigências de prevenção de futuros crimes; o grau de culpa do arguido o grau de álcool com que conduzia. A sua inserção social e familiar e a sua idade “.

Isto posto, tendo presente, por outro lado, o excessivo grau de alcoolemia do arguido (2,13g/l), o que corresponde a 0,93 g/l acima do limite que confere significado criminal à conduta, o nosso entendimento é no sentido de ser agravada a sanção acessória de proibição de conduzir aplicada ao arguido.

É pois, no sentido da procedência do recurso o nosso entendimento.”

Devendo o thema decidendum do recurso ser delimitado pelas conclusões do recurso[1] teremos como única questão a dirimir a determinação concreta da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados.

II – FUNDAMENTAÇÃO

II.A. – De facto.

Para a decisão que prolatou escorou-se o tribunal na facticidade que a seguir fica transcrita.

“1. No dia 2 de Julho de 2008, pelas 22.47 horas, MA..., aqui arguido, circulava com o veículo ligeiro de mercadorias de matrícula ..........., na Rua do Rebolo, Palhaça, Oliveira do Bairro, e ao ser submetido a exame de pesquisa de álcool no ar expirado, quando conduzia o referido veículo, apresentou uma TAS de 2,13 g/l.

2. O arguido actuou livre, voluntária e conscientemente, conhecendo as características do veículo automóvel com a matrícula 20-01-SI e do local onde o conduzia, sabendo que podia ter uma taxa de álcool no sangue igual ou superior a 1,2 g/l e, não obstante, decidiu conduzir aquela viatura nessas circunstâncias.

3. O arguido sabia que a sua conduta era proibida por lei e criminalmente punida.

Mais resultou provado que:

4. O arguido confessou integralmente e sem reservas os factos de que vem acusado.

5. Mostrou arrependimento pela prática dos factos imputados.

6. Da conduta do arguido não resultaram consequências de relevo, designadamente não foi interveniente em acidente de viação.

7. O arguido é casado.

8. Tem quatro filhos, um deles, menor, com 15 anos de idade.

9. É comerciante de um restaurante, auferindo € 2.500 por mês.

10. Vive em casa própria.

11. Possui um veículo automóvel.

12. Tem inscrito em seu nome um apartamento.

13. Paga a título de prestação de alimentos a favor do seu filho menor € 100 por mês.

14. Paga € 650 e € 250 por mês referente aos empréstimos bancários relativos à sua casa de habitação e do seu apartamento, respectivamente.

15. Não são conhecidos antecedentes criminais ao arguido.

1. Factos não provados

Provaram-se todos os factos com relevo para a decisão da causa, não havendo por isso factos não provados a enunciar.

2. Motivação da convicção do Tribunal

No apuramento da factualidade provada o Tribunal formou a sua convicção com base na confissão integral e sem reservas do arguido e nas suas declarações complementares quanto à respectiva situação económica, familiar e profissional.

Foi ainda tido em conta o teor dos documentos juntos aos autos.”

II.B. – De Direito.

II.B.1. – Determinação da medida concreta da Pena Acessória.

A pena de proibição de conduzir veículos motorizados é uma pena acessória que tem como base a formulação de um juízo de censura e pretende tutelar os bens jurídicos subjacentes ao tipo de crime praticado.

Para Figueiredo Dias a pena acessória tem “um sentido e um conteúdo não apenas de intimidação da generalidade, mas de defesa contra a perigosidade individual”.  

Para outros autores “a pena de privação da carta de condução (permisso de conducir) apareceu com os chamados delitos de tráfico, e tem sido considerada como a mais adequada para a sua sanção (…). Para Kaiser é a única que pode ser eficaz em ordem à prevenção geral, «apesar da sua motivação primeira para a prevenção especial», já que é a mais temida pelos potenciais delinquentes de tráfico, e a única que se aplica com uma relativa uniformidade, ainda que sobre a sua eficácia não existam dados empíricos precisos. Também Beristain se mostra partidário da pena de privação da licença de condução, que é «sem dúvida, a mais eficiente e necessária […]”.[2] Para a autora da monografia que vimos citando “com todos os inconvenientes que possa apresentar a pena de privação de licença de condução […] é a mais adequada para o castigo do delito de condução sob a influência de bebidas alcoólicas, drogas tóxicas ou estupefacientes e, em geral, dos delitos contra a segurança do tráfico, junto com as penas pecuniárias. Com ambas se evitam os efeitos prejudiciais cm que se achacam as (penas) curtas privativas de liberdade, não separando o condenado do seu entorno social, familiar e laboral. Por outra parte, e sobretudo, a privação da licença de conduzir está directamente relacionada com o delito cometido e parece ser a mais temida por sujeitos, cumprindo além disso a missão de afastar da circulação do condenado […]”.

Estando, ou sendo que deva estar, a medida concreta da pena de proibição de condução de veículos motorizados (a doutrina continua a discutir, pelo menos nos ordenamentos mais avançados, se se trata de pena ou de medida de segurança, com Cuello Calón a propugnar pela tese de “medida de seguridad” e Conde-Pumpido (Fiscal General de Espanha) a defender que se trata de uma pena) correlacionada com o delito de que é ancilar, dever-se-ão, na operação de determinação da sua medida, levar em conta os mesmos factores que intervêm na ponderação da individualização.

No ordenamento jurídico-legal português a pena acessória de proibição de conduzir veículos com motor constitui-se como uma verdadeira pena, irrefragavelmente conectada ao facto ilicito e à culpabilidade do agente. Como acontece com a generalidade das penas acessórias a pena acessória constitui uma sanção adjuvante ou acessória da função da pena principal permitindo um incremento e uma diversificação do conteúdo penal da condenação.

Para o Prof. F. Dias, com a pena acessória de proibição de conduzir pretendeu-se dotar o sistema sancionatório português de uma verdadeira pena acessória capaz de dar satisfação a razões político-criminais, por demais óbvias entre nós, assinalando-se-lhe e pedindo-se-lhe [para além do mais] um efeito de prevenção geral negativa, de intimidação, que não terá em si nada de ilegítimo porque só pode funcionar dentro do limite da culpa, podendo contribuir, assim, para a emenda cívica do condutor imprudente ou leviano. 

As penas acessórias não possuem, na sua finalidade, intencionalidade e sentido de aplicabilidade, na vertente da prevenção geral, um alcance jurídico-penal diverso das medidas de segurança estatuídas no artigo 101.º do Código Penal - cassação do título e interdição da concessão do título de veículo com motor (actual art. 101º do C. Penal). É que enquanto para a determinação da medida da pena acessória se têm por referentes os pressupostos contidos no artigo 40.º do Código Penal para a medida de segurança o legislador pressupôs tão só a perigosidade do agente e os factores de prevenção que conlevam da verificação deste factor conexionado com as necessidades de prevenir ou ilaquear que a circulação viária seja afectada pela prática de uma condução temerária e destituída de sentido cívico e da prudência exigida numa actividade colectiva e interpessoal.

A revisão operada ao Código Penal pela Lei n.º 77/2001, de 13 de Julho, a alínea a) do artigo 69.º, que previa a aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados no caso de condenação por crime cometido no exercício da condução com grave violação das regras de trânsito rodoviário, foi alterada, passando a prever a cominação daquela pena acessória nos casos de condenação por crime previsto nos artigos 291.º (condução perigosa de veículo rodoviário) ou 292.º (condução de veículo em estado de embriaguez ou sob influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas). Com isto a lei substantiva penal deixou de prever a aplicação da pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados nos casos de condenação por crime cometido no exercício daquela condução com grave violação das regras de trânsito rodoviário, tendo limitado a cominação aos casos de condenação pelos crimes de condução perigosa de veículo rodoviário ou de condução em estado de embriaguez ou sob a influência de estupefacientes ou substâncias psicotrópicas.

Com a aplicação de penas desta natureza tem o ordenamento em vista profitar da capacidade inibidora que está associada e este tipo de penas, em que as pessoas, por se verem privadas de um instrumento, por vezes determinante para a sua actividade profissional e vivência diária, criam mecanismos de correcção de condutas e atitudes viárias que de outra forma não assumiriam. Como refere o Prof. F. Dias a pena acessória leva associado na sua formulação jurídica um efeito de prevenção geral negativa ou de intimidação, ou seja, pretende inocular na representação simbólica que as penas deste tipo de penas inculcam no comum dos cidadãos a que, pelos fins e consequências que colimam, a que as pessoas não cometam novas infracções com receio das consequências que para a sua vivência acarreta, de ordinário, a impossibilidade de utilização de veículos motorizados decorrente da privação do direito de conduzir. 

A pena acessória tendo uma função preventiva adjuvante da pena principal não esgota a sua finalidade na intimidação da generalidade, ou seja no factor preventivo geral que incumbe às penas, antes se dirige à perigosidade que aquele concreto agente potencialmente representa, pelo facto de desprezar uma regra cardeal da condução de veículos, para a circulação viária, reforçando e diversificando, desta forma, o conteúdo penal sancionatório da condenação. [[3]]

A determinação da pena acessória deve operar-se mediante recurso aos critérios gerais constantes do art. 71º do CP tendo, no entanto, em consideração de que a finalidade a atingir pela pena acessória se finca mais na vertente da prevenção especial ou seja na necessidade de influir sobre a personalidade do apenado e não na vertente da prevenção geral, embora, como ficou dito supra, não seja de desbordar esta finalidade ou objectivo reflexo ou mediato. 

A necessidade de encontrar mecanismos inibidores que induzam a contenção dos condutores à condução em estados psicológicos inapropriados ou desertos de condições mínimas que confortem uma circulação concentrada e vigilante tem vindo a levar o legislador a endurecer as medidas acessórias conexionadas com as sanções principais. Com este modo de pensar a politica criminal de defesa dos bens pessoais e sociais e dos valores da segurança rodoviária, bem jurídico protegido pela incriminação das condutas adredes, o legislador tem procurado obstar a um incremento da sinistralidade em que o país tem vindo a teimar em não perder a dianteira relativamente aos demais países civilizados. 

Actuando a pena acessória sobre a privação temporária da condução viária e sabendo-se dos factores sociais associados a este exercício ou actividade funcional o legislador pretende convocar e concitar neste tipo de pena a um tempo um sinal pessoal que visa directamente o condutor sancionado e reflexamente toda a comunidade de usuários da vias rodoviárias que não podem estar imunes à aplicação concreta das penas que aos outros são infligidas.   

O tribunal justificou a pena acessória aplicada com o argumentário que se expõe a seguir.

“O crime de condução de veículo em estado de embriaguez é punido ainda, a título acessório, com a proibição de conduzir veículos com motor.

Nos termos do disposto no artº 69º, nº 1, al. a), do Código Penal “é condenado na proibição de conduzir veículos com motor por um período fixado entre três meses e três anos quem for punido por crime previsto nos artigos 291º ou 292º”.

A pena acessória tem, além do mais, um carácter dissuasor, com vista a evitar que os condutores ingiram elevadas quantidades de álcool quando conduzem.

Face à factualidade considerada provada nos autos, encontram-se, no caso vertente, integralmente reunidos os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido da pena acessória da proibição de conduzir veículos a motor por um período de três meses a três anos.

Importa, agora, determinar a medida da pena acessória, que será fixada dentro da moldura penal abstracta – com um mínimo de três meses e um máximo de três anos – de acordo com a culpa e as exigências de prevenção (geral e especial), bem como a todas as circunstâncias que dispuserem a favor ou contra o arguido (cfr. art. 71º do Código Penal), fazendo-se, por isso, o mesmo raciocínio que fizemos para graduar a pena principal.

Assim, ponderadas as circunstâncias atinentes à culpa e às necessidades de prevenção, designadamente a ausência de antecedentes criminais do arguido, o facto de ter actuado com dolo directo, o arguido conduzia com uma taxa de álcool no sangue de 2,13 g/l, muito superior ao máximo permitido por lei e do ponto de vista de prevenção geral, os elevados índices de sinistralidade no nosso País, provocados justamente por condutores que ingerem bebidas alcoólicas com TAS igual ou superior a 1,2 g/l, considera-se justa e proporcional a imposição ao arguido da proibição de conduzir veículos a motor por um período de 4 (quatro) meses.”

Em face da justificação adiantada pelo tribunal a quo, alinhados os considerandos que se deixaram expressos e partindo do pressuposto seguro de que a determinação da medida concreta da pena acessória devem estar presentes os mesmos factores que intervêm na ponderação da individualização haverá que, para a pretensão que nos é pedida, ter como indicador a pena imposta –quatro (4) meses – para a partir deste quantitativo se poder avaliar a bondade na aplicação dos pressupostos fixados nos artigos 40.º - como norma-regra axial – e os critérios sub-modulares elencados no artigo 71.º do Código Penal.   

Ao arguido foi imposta uma pena de proibição de quatro (4) meses sendo que o mínimo previsto na lei é de três meses – cfr. artigo 69º, nº1, al. a) do Código Penal.

O arguido conduzia com uma taxa – 2,13 gr/litro - que na análise clínica que se faz do grau de alcoolemia se pode considerar de “franca borracchera de 2.º período ” [[4]] , dado que a partir dos 2 gr/litro de álcool no sangue começa, segundo Shelyer, citado pela autora indicada, se contém naquilo que se chama de embriaguez média.

Com este nível de álcool no sangue não pode o arguido querer ver mitigada a sua culpa e tendo presentes os fins que o legislador quis emprestar á pena acessória não pode profitar de complacência do tribunal. Para que a pena acessória deva cumprir a finalidade que o ordenamento lhe confere e que temos por adequado a sua medida deverá situar-se num plano que procure interiorizar a necessidade de conformação da conduta posterior do arguido à vigência da norma e servirá, certamente, como efeito redentor da conduta assumida, capacitando o arguido da necessidade de refrear qualquer impulso de ingestão de bebidas alcoólicas sempre que tenha que conduzir.

Em casos similares este tribunal tem aplicado penas que rodam os seis meses [[5]] considerando a gravidade que assume para a circulação viária e para a segurança dos demais utentes da via uma condução atolada de factores potenciadores de euforias e exibições anormais e despejada do exigente nível de atenção e plenitude das capacidades sensoriais e físicas de quem tem nas mãos um perigoso meio de locomoção.  

Não vemos razão, em face de todos os factores atinentes com os vectores de prevenção que se deixaram alinhados supra, razão para alterar a jurisprudência que se vem fixando – e bem – neste tribunal.

III. – Decisão.

Em vista do que ficou exposto decidem os juízes que constituem este colectivo, na secção criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra, em:

- Julgar o recurso interposto pelo Ministério Público parcialmente procedente e, consequentemente, alterar a decisão impugnada, na parte referente à medida da pena acessória, aplicando ao arguido a pena acessória de seis (6) meses de proibição de conduzir veículos motorizados.

- Por haver deduzido oposição em que decaiu parcialmente condena-se o arguido em três (3) UC’s – cfr. artigo 513.º do Código de Processo Penal.

Coimbra,


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(Gabriel Catarino, relator)


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(Dr. Barreto do Carmo)

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(Dr.ª Cacilda Sena)

[1] Cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 05.12.2007; proferido no proc. nº 1378/07, disponível in Sumários do Supremo Tribunal de Justiça; WWW.stj.pt. “O objecto do recurso é definido e balizado pelas conclusões extraídas da respectiva motivação, ou seja, pelas questões que o recorrente entende sujeitar ao conhecimento do tribunal de recurso aquando da apresentação da impugnação – art. 412.º, n.º 1, do CPP –, sendo que o tribunal superior, tal qual a 1.ª instância, só pode conhecer das questões que lhe são submetidas a apreciação pelos sujeitos processuais, ressalvada a possibilidade de apreciação das questões de conhecimento oficioso, razão pela qual nas alegações só devem ser abordadas e, por isso, só assumem relevância, no sentido de que só podem ser atendidas e objecto de apreciação e de decisão, as questões suscitadas nas conclusões da motivação de recurso, questões que o relator enuncia no exame preliminar – art. 417.º, n.º 6, do CPP –, a significar que todas as questões incluídas nas alegações que extravasem o objecto do recurso terão de ser consideradas irrelevantes. Cfr. ainda Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24.03.1999, CJ VII-I-247 e de 20-12-2006, processo 06P3661 em www.dgsi.pt) no sentido de que o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas [Ressalvando especificidades atinentes à impugnação da matéria de facto, na esteira do doutrinado pelo acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-02-2005, quando afirma que :“a redacção do n.º 3 do art. 412.º do CPP, por confronto com o disposto no seu n.º 2 deixa alguma margem para dúvida quanto ao formalismo da especificação dos pontos de facto que no entender do recorrente foram incorrectamente julgados e das provas que impõem decisão diversa da recorrida, pois que, enquanto o n.º 2 é claro a prescrever que «versando matéria de direito, as conclusões indicam ainda, sob pena de rejeição» (...), já o n.º 3 se limita a prescrever que «quando impugne a decisão proferida sobre matéria de facto, o recorrente deve especificar (...), sem impor que tal aconteça nas conclusões.” -proc 04P4716, em www.dgsi.pt; no mesmo sentido o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16-06-2005, proc 05P1577,] (art.s 403º e 412º do Código de Processo Penal), sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso (art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal e Acórdão do Plenário das secções criminais do STJ de 19.10.95, publicado no DR Iª série A, de 28.12.95).

[2] Pilar Gómez Pavón, in op. loc. Cit. pag. 240.
[3] cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Ed. Aequitas/Editorial Notícias., § 88 e § 232
[4] Cfr. Gomez Pávon, Pilar, in op. loc. cit. pag. 71.

[5] Cfr. Recurso 1727/04, – 2,34 gr./l, primário -  6 meses; recurso 3956/04 – 2,74 gr/l, primário - 6 meses; recurso 3336/04 – 2,43 gr./l, primário -  8 meses; recurso 2205/04 – 2,50 gr./l, primário -  8 meses; recurso 211/04 – 2,34 gr./l, primário  -  9 meses; recurso 1818/05 – 2,59 gr./l, primário - 10 meses; recurso 2832/05 – 2,03 gr./l, primário -  6 meses; recurso 390/04.6TLRA.C1 – 2,09 gr./l, primário – 7 meses; recurso 225/04.0GCACB.C1, 2,16 gr./l., primário – 7 meses; recurso 225/04.0GAACB.C1 - 2,19 gr./l., primário – 7 meses; recurso172/06.0GTLRA.C1 – 2,32, primário – 8 meses; Recurso 390/04.6TLRA.C1 – 2,09 gr./l, primário – 7 meses; Recurso 241/04.1GBACB.C1 – 2º Juízo Alcobaça, 2,76 gr/l, primário - 10 meses],