Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1301/04
Nº Convencional: JTRC
Relator: DR. GARCIA CALEJO
Descritores: FUNDO DE GARANTIA DOS ALIMENTOS DEVIDOS A MENORES
Data do Acordão: 05/25/2004
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TOMAR
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO DE AGRAVO
Decisão: PROVIDO
Legislação Nacional: ARTIGO 189° DO DEC-LEI 314/78 DE 27 DE OUTUBRO
Sumário:

Não atingindo os rendimentos do menor, ou sendo a capitação do agregado familiar da pessoa a cuja guarda ele se encontre inferior ao salário mínimo nacional e não satisfazendo as quantias em dívida a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos nem se podendo tomar efectivas, essas quantias pelas formas (coercivas) previstas no artigo 189° do Dec-Lei 314/78 de 27 de Outubro, será o Fundo de Garantia Dos Alimento Devidos A Menores quem deverá assegurar pagamento das; prestações de alimentos, até ao início do efectivo cumprimento da obrigação, por parte do devedor,
Decisão Texto Integral:
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ag-1301/04



Acordam na 3ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra:

I- Relatório:
1-1- BB, residente na Rua CC, Tomar, ao abrigo do disposto no art. 3º do Dec-Lei 75/98 de 19/11, requereu que o Fundo da Garantia de Alimentos a Menores, assegure o pagamento das prestações de alimentos a fixar pelo Tribunal, com fundamento de que o pai das menores, suas filhas, apesar de lhe ter sido fixada judicialmente a pensão alimentícia mensal de 40.000$00, nunca ter pago qualquer quantia, sendo também certo que as menores não possuem rendimentos e ela, requerente, aufere mensalmente, tão só, a quantia de 360,87 Euros.
1-2- Recebido em juízo o requerimento inicial, foi ordenado se oficiasse ao C.R.S.Social para elaborar relatório a que se referem os arts. 3º nº 3 da Lei 75/98 de 19/11 e 4º nº 2 do Dec-Lei 164/99 de 13/5.
Mais se ordenou se oficiasse à Repartição de Finanças e autoridade policial competente, solicitando-se informações acerca da bens/e rendimentos de que o devedor seja titular.
1-3- O C.R.S.Social elaborou o relatório de fls.10.
A Repartição de Finanças e a P.S.P. informaram no sentido do desconhecimento da titularidade de quaisquer bens ou rendimentos por banda do pai das menores.
1-4- Por decisão de 5-1-04, foi julgada a acção improcedente por não provada e, em consequência, não foi fixada qualquer importância a suportar pelo Estado, a título de prestação de alimentos aos menores em causa.
1-5- Não se conformando com esta decisão, dela vieram recorrer a requerente e o Mº.Pº., recursos que foram admitidos como agravos, com subida imediata nos próprios autos e com efeito devolutivo.
1-6- O Mº.Pº alegou, tendo dessas alegações retirado as seguintes conclusões:
1ª- Foi violado o art. 3º nº 1 al. b) e nº 2 do Dec-Lei 164/99 de 13/5.
2ª- Tal norma deve ser interpretada no sentido de que para se determinar se o menor beneficia ou não de rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional, se deve atender ao rendimento global do agregado familiar onde está inserido, pelo número de membros que o compõem.
3ª- O rendimento per capita do agregado familiar em que se inserem os menores, é de E. 180,71, inferior portanto ao salário mínimo nacional de 2003 que era de 356,60 Euros.
4ª- Deve assim a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que declare a acção procedente e fixe o montante que o Estado deve pagar, em substituição do devedor, a título de prestação de alimentos às menores.
1-7- A recorrente BB alegou também tendo concluído, no essencial, da mesma forma como o fez o Mº.Pº.
1-8- O Mº Juiz recorrido manteve a sua decisão.
Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir:
II- Fundamentação:
2-1- Na 1ª instância, com vista à decisão e sem que qualquer dos recorrentes oponham algo em contrário, deram-se como assentes os seguintes factos:
1- No dia 16 de Dezembro de 1991, em Joanesburgo, África do Sul, nasceu EE Garcia Barcelos.
2- Foi registada como filha de DD e de BB.
3- No dia 27 de Junho de 2000, em Joanesburgo, África do Sul, nasceu FF Garcia Barcelos.
4- Foi registada como filha de DD e de BB.
5- Por sentença proferida em 15-2-2002, o casamento entre DD e BB foi declarado dissolvido por divórcio.
6- A mesma sentença homologou o acordo de regulação do poder paternal firmado entre DD e BB, em relação às filhas EE e FF.
7- Nos termos desse acordo, as menores ficaram confiadas à guarda e cuidados de BB.
8- E o pai, DD, obrigou-se a contribuir para o sustento das filhas, com a prestação mensal de 40.000$00, a entregar à mãe até ao último dia de cada mês a que dissesse respeito.
9- Em 25-6-2002, a BB instaurou acção executiva contra o DD, para haver deste a importância de 520.000$00, posteriormente cumulada com 360.000$00, a que correspondem 4.389,42 Euros, relativos às prestações mencionadas em 8., vencidas desde Junho de 2001.
10- As menores EE e FF vivem com a mãe desde a separação desta do pai, DD.
11- Numa casa arrendada, por 185 euros mensais.
12- A BB aufere um vencimento mensal líquido de 436 euros.
13- Incluindo a renda de casa referida em 11, tem despesas fixas mensais, com material didáctico, consumos de água e electricidade e farmácia, no tal de 330 euros.
14- A DD não são conhecidos bens e rendimentos.-------------
2-2- Na douta decisão recorrida e para o aqui importa, considerou-se que a mãe das menores, a quem estas foram confiadas, possui um vencimento em montante superior ao do salário mínimo nacional ( que era de 356,60 euros em 2003 ), pelo que se entendeu que não se deveria impor ao Estado o encargo de, mesmo transitoriamente, assegurar às menores, a atribuição de uma importância monetária, a título de prestação de alimentos. Por isso se julgou a presente acção improcedente por não provada, não se fixando qualquer quantia a suportar pelo Estado, através do Fundo de Garantia de Alimentos Devidos a Menores, a título de prestação de alimentos às ditas menores.
Os recorrentes, no recurso, sustentam que o art. 3º nº 1 al. b) e nº 2 do Dec-Lei 164/99 de 13/5 deve ser interpretado no sentido de que, para se determinar se o menor tem ou não rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional, se deve atender ao rendimento de quem tem os menores a cargo, sendo este dividido pelo número de membros do respectivo agregado familiar. O rendimento per capita do agregado familiar em que se inserem os menores, é de 180,71 euros, inferior portanto ao salário mínimo nacional, pelo que deve fixar, no caso vertente, o montante que o Estado deve pagar, em substituição do devedor, a título de prestação de alimentos às menores.
Vejamos:
Estabelece o art. 3º nº 1 als. a) e b) do Dec-Lei 164/99 de 13/5:
1-O Fundo ( de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores ) assegura o pagamento das prestações de alimentos referidos no artigo anterior até ao início do efectivo cumprimento da obrigação quando:
a) A pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfazer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189º do Dec-Lei 314/78 de 27 de Outubro; e
b) O menor não tenha rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre”.
Acrescenta o nº 2 do mesmo artigo que:
Entende-se que o alimentado não beneficia de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre, superiores ao salário mínimo nacional, quando a capitação de rendimentos do respectivo agregado familiar não seja superior àquele salário”.
Significa isto que o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores deve assegurar o pagamentos das prestações atribuídas a menores ( até ao início do efectivo cumprimento da obrigação ), quando a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos não satisfazer as quantias em dívida pelas formas previstas no artigo 189º do Dec-Lei 314/78 de 27 de Outubro e quando o menor não tenha um rendimento líquido superior ao salário mínimo nacional nem beneficie nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre. Isto é, para que o interessado possa beneficiar do apoio monetário do mencionado Fundo, é necessário que, cumulativamente, se verifiquem estes dois requisitos.
Esclarecendo o que se deve entender pela expressão legal “nem beneficie (o alimentando ) nessa medida de rendimentos de outrem a cuja guarda se encontre”, diz o nº 2 da disposição que tal se verificará, quando a capitação de rendimentos do respectivo agregado familiar não seja superior ao salário mínimo nacional, o que é o mesmo que dizer-se que o rendimento per capita do agregado familiar não seja superior a esse salário.
Revertendo estas regras para o caso dos autos, verifica-se que a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos, o pai das menores, não tem pago as prestações alimentícias a que judicialmente se encontra vinculado. Como ao mesmo não são conhecidos bens ou rendimentos, é evidente que não será possível cobrar coercivamente as quantias em dívida, pelas formas previstas no artigo 189º do Dec-Lei 314/78 de 27 de Outubro. Por outro lado, as menores não têm qualquer rendimento e também não beneficiam de rendimentos líquidos da mãe ( a cuja guarda se encontram ), superiores ao salário mínimo nacional. Isto porque, auferindo a mãe o vencimento líquido de 436 euros, sendo o agregado familiar constituído por ela e pelas duas menores, significa que dá uma capitação de 145,33 euros, ou seja um valor ( muito inferior ) ao salário mínimo nacional.
Quer isto dizer que não atingindo os rendimentos do menor ou sendo a capitação do agregado familiar da pessoa a cuja guarda ele se encontre, inferior a esse salário e não satisfazendo as quantias em dívida a pessoa judicialmente obrigada a prestar alimentos, nem se podendo tornar efectivas, essas quantias, pelas formas ( coercivas ) previstas no artigo 189º do Dec-Lei 314/78 de 27 de Outubro, será o dito Fundo quem deverá assegurar o pagamento das prestações de alimentos, até ao início do efectivo cumprimento da obrigação, por parte do devedor ( pai das menores ).
Significa isto que os agravos procederão.
Atendendo aos valores fixados como pensão alimentícia do pai a favor das menores suas filhas ( 40.000$00 ) e dada a posição definida no art. 2º nº 2 do mencionado Dec-Lei 164/99 de o Fundo assegurar ou garantir o pagamento dos alimentos atribuídos a menores, deve esta entidade pagar mensalmente à mãe das menores, a dita quantia, ou melhor a sua correspondência em Euros, isto é, 199,19 Euros.
III- Decisão:
Por tudo o exposto dá-se provimento aos recursos, revoga-se a decisão recorrida, julga-se procedente a acção, decidindo-se que o Fundo de Garantia dos Alimentos Devidos a Menores, em substituição do devedor ( o pai das menores ), deve assegurar, a título de prestação de alimentos a favor das indicadas menores, EE e FF, a quantia mensal de 119,19 Euros, até ao início do efectivo cumprimento da obrigação, por parte do pai das menores, devendo tal importância ser enviada, mensalmente, à mãe das menores.
Sem custas.