Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
164-B/1999.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JAIME FERREIRA
Descritores: TORNAS EM INVENTÁRIO
SUA PENHORA
DEPÓSITO DAS TORNAS A PEDIDO DO EXEQUENTE
Data do Acordão: 09/26/2006
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE ANSIÃO
Texto Integral: S
Meio Processual: AGRAVO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTºS 825º, Nº3, E 860º, NºS 1 E 3, DO CPC
Sumário: 1–Tendo o cônjuge não executado manifestado-se no sentido de querer escolher os bens com que seria formada a sua meação – conforme lhe permite o artº 1406º, nº 1, al. c), do CPC - e verificando-se que essa escolha incidiu em mais bens do que os necessários para se perfazer o valor da sua meação, e tendo o credor-exequente logo requerido que o cônjuge-meeiro, devedor de tornas, fosse notificado para delas fazer depósito à ordem do Tribunal, com vista ao seu pagamento por elas, o que se verificou, deve considerar-se como penhorado esse crédito de tornas, nos termos do artº 856º do CPC .

2 - O suposto pagamento dessas tornas efectuado pelo cônjuge do executado a este não é eficaz (é inoponível, nos termos dos artºs 819º e 820º do C. Civ.) em relação ao exequente, devendo o devedor das tornas ser notificado para proceder ao depósito de tal montante na C.G.D., à ordem do Tribunal, sem prejuízo da quantia em dívida lhe poder vir a ser exigida, nos termos do artº 860º, nº 3, CPC, e da sua eventual condenação como litigante de má fé

3 - O cônjuge meeiro responsável pelo pagamento das tornas penhoradas a favor do exequente está obrigado a depositar a respectiva importância na C.G.D., à ordem do Tribunal, e a juntar ao processo o documento do depósito, ou a entregar a coisa devida ao exequente, que funcionará como seu depositário, nos termos do artº 860º, nº1, do CPC.

Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra :
I
No Tribunal Judicial da Comarca de Ansião correm termos uns autos de execução de sentença para pagamento de quantia certa, com processo sumário e com o nº 164-A/1999, em que figuram como exequente A..., residente em Limocos, Rua de S. Pedro, Ansião, e como executado B..., residente em Casal Novo, S. João de Brito, Ansião, conforme certidão de fls. 62 a 103 do presente recurso de agravo (que subiu em separado).
O valor dessa acção executiva é de Esc. 11.586.272$00, tendo logo no requerimento inicial o exequente nomeado bens à penhora, designadamente imóveis, face ao que também requereu a citação do cônjuge do executado, C..., para que esta pudesse requerer a separação de bens, nos termos do artº 825º do CPC .

Efectuada a penhora dos bens e citada a esposa do executado, por esta foi instaurado processo para separação da sua meação nos bens comuns do casal, face ao que foi suspensa a dita execução .

Nessa dita execução foi pelo exequente nomeado à penhora o direito de crédito de tornas de que o executado é titular sobre sua mulher, dado que no mapa informativo da partilha constante do processo de separação de meações consta que o executado é credor de tornas, no valor de € 82.370,00 , tendo sido requerida a notificação da mulher do executado para proceder ao depósito dessas tornas, nos termos do artº 860º, nº 1, do CPC – fls. 81, 83 e 85 destes autos .
Na sequência desses referidos requerimentos foi proferido despacho a ordenar a notificação da mulher do executado, devedora de tornas a este, para proceder ao depósito dessas tornas na C.G.D., à ordem do Tribunal, com advertência das obrigações decorrentes do disposto no artº 856º, nº 2, do CPC – fls.86 destes autos - , notificação essa a que se procedeu, conforme fls. 88 e 100 destes autos .
Em resposta a esta notificação a notificanda juntou requerimento ao processo executivo a informar não poder efectuar qualquer depósito de tornas por ter entregue a seu marido as requeridas tornas – fls. 101 destes autos .
Face a este requerimento o Exequente insistiu na notificação da mulher do executado para proceder ao requerido depósito – fls. 103 destes autos .
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Do processo de separação de meações havido entre o executado e sua mulher, com o nº 187/1998 do Tribunal Judicial de Ansião, do qual se encontra uma certidão de fls. 104 a 200 deste recurso, consta que a mulher do executado procedeu à escolha dos bens para preencherem a sua meação, designadamente imóveis, face ao que foi proferido despacho a ordenar o cumprimento do artº 1373º, nº 1, do CPC, mas com expressa advertência aos cônjuges interessados na partilha de que a mulher, porque escolheu bens em montante superior à sua meação, teria de depositar as tornas, podendo o credor requerer o seu imediato pagamento – despacho certificado a fls. 180 destes autos .
Mas apesar desse despacho o exequente e credor do cônjuge marido requereu, nesse processo de separação de meações, que “ … uma vez apresentada a forma à partilha e elaborado o respectivo mapa informativo, fosse o cônjuge meeiro devedor de tornas notificado para delas fazer o depósito à ordem dos autos, para imediato pagamento ao credor exequente, sob pena de incorrer na previsão do artº 1357º do CPC” – fls. 181 a 184 destes autos .
Foi posteriormente proferido despacho determinativo da forma à partilha, e nele foi expressamente escrito que “oportunamente será determinado o depósito das tornas a que haja lugar, uma vez que o cônjuge mulher não desistiu da escolha dos bens por si efectuada (para integrarem a respectiva meação)” – fls. 189 e 190 destes autos .
Em mapa informativo elaborado nesses autos foi apurado o excesso do valor dos bens adjudicados ao cônjuge mulher, de € 82.370,00, o que representa o valor das tornas a serem prestadas – fls. 191 destes autos .
Foi posteriormente homologado por sentença o mapa de partilhas elaborado, do qual consta aquele referido valor de tornas .
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Voltando à enunciação da tramitação do processo executivo, na sequência do último requerimento supra referido como tendo aí sido apresentado pelo credor-exequente, foi proferido o despacho certificado de fls. 48 a 51 dos presentes autos, no qual foi decidido que “ a suposta contestação do crédito efectuado pelo cônjuge do executado não é eficaz em relação ao exequente … , devendo ser a mesma notificada para proceder ao depósito de tal montante na C.G.D., à ordem do tribunal, … , sem prejuízo da quantia em dívida lhe poder vir a ser exigida nos termos do artº 860º, nº 3, do CPC e da eventual condenação como litigante de má fé”, isto por aí se ter entendido que “a característica da indisponibilidade dos bens penhorados se transferiu para as tornas por no caso da escolha feita pelo cônjuge do executado ter excedido o valor da sua meação”.
II
Deste despacho interpôs recurso C..., recurso esse que foi admitido como agravo, com subida imediata e em separado, e com efeito devolutivo .

Nas alegações apresentadas pela Agravante foram formuladas as seguintes conclusões :
1ª - O crédito penhorado não existe na esfera jurídica do executado, atento os termos da sentença homologatória do inventário, já transitada, sem qualquer oposição, incidente ou recurso .
2ª - Assim, nos termos do disposto no artº 856º, nº 2, do CPC, nenhum reparo pode merecer a declaração junta aos autos apresentada pela recorrente, negando a existência de tal crédito de tornas .
3ª - No âmbito do presente processo executivo nenhum sustentáculo processual pode ter o despacho ora impugnado, atento o disposto nos artºs 1377º, nº 1, 825º, 856º, nº 2, do CPC .
4ª - É que as tornas constituem um bem jurídico substancialmente diferente dos bens inicialmente penhorados, pelo que … é inaplicável o disposto nos artºs 819º e 820º do C. Civ. .
5ª - Para além do que nos presentes autos existem outros bens penhorados, ainda não vendidos, não se sabendo se se mostra necessária a penhora de outros bens do executado .
6ª - Assim, deve ser revogado o despacho recorrido, devendo ser considerada legítima e eficaz a declaração proferida pela recorrente de inexistência do crédito, nos termos do artº 856º, nº 2, do CPC , termos estes em que deve ser dado provimento ao presente recurso .
III
Contra-alegou o Exequente e Agravado, onde sustenta que deve ser negado provimento ao agravo deduzido pela mulher do executado e devedora das tornas, devendo ser mantido o despacho recorrido .
IV
Foi proferido despacho de sustentação no Tribunal “a quo”, onde se remete para os termos do despacho recorrido .
V
Nesta Relação foi aceite o dito recurso e tal como foi admitido em 1ª instância, tendo-se procedido à recolha dos necessários “vistos” legais, sem qualquer observação, pelo que nada obsta ao conhecimento do seu objecto, objecto esse que resulta do supra exposto, e que não é outra coisa senão a reapreciação do despacho recorrido, pelo qual se considerou que a suposta contestação do crédito efectuada pelo cônjuge do executado não é eficaz em relação ao exequente, face ao que deverá por este ser depositado o montante das tornas devidas ao executado na CGD e à ordem do Tribunal, sem prejuízo dessa quantia lhe poder vir a ser exigida nos termos do artº 860º, nº 3, do CPC e da sua eventual condenação como litigante de má fé .

Apreciando, afigura-se-nos que a posição da Recorrente é tão sem razão e contrária ao direito e aos princípios da cooperação que deve presidir ao comportamento das partes e seus mandatários no processo – artº 266º, nº 1, do CPC – e da boa fé processual – artº 266º-A, do CPC - , que seria caso desta Relação fazer uso do expediente previsto no artº 713º, nº 5, do CPC : confirmação integral do despacho recorrido com remissão para os respectivos fundamentos e decisão, e negando-se, sem mais, provimento ao recurso .
Porém, sempre se fará notar que, conforme resultam dos passos processuais seguidos quer no processo executivo quer no respectivo apenso de separação de meações – ver artº 825º, nº 3, do CPC, na redacção anterior ao D. L. nº 38/2003, de 8/3, uma vez que quer a execução quer tal apenso foram instaurados em 1998, redacção essa que será aquela a que se reportarão os dispositivos do CPC que adiante se vierem a referir – e que acima se procuraram deixar enunciados pela respectiva sequência temporal, não só foi levada a cabo a penhora em bens comuns do casal a que o exequente pertence – o que esteve na origem da citação da agora recorrente para requerer a separação de bens – mas a penhora também veio a incidir no crédito de tornas de que o executado veio a ser titular, por força dessa partilha ou separação de bens, nos termos consentidos pelo artº 825º, nº 3, 2ª parte .
Com efeito, logo que a agora recorrente se manifestou no sentido de querer escolher os bens com que seria formada a sua meação – conforme lhe permitia o artº 1406º, nº 1, al. c), do CPC - e verificando-se que essa escolha incidiu em mais bens do que os necessários para se perfazer o valor da sua meação, logo o credor-exequente requereu que o cônjuge-meeiro, devedor de tornas, fosse notificado para delas fazer depósito à ordem do Tribunal, com vista ao seu pagamento por elas .
E já anteriormente, em despacho no qual foi admitida a escolha de bens feita pela agora recorrente, tinha sido expressamente determinado que o cônjuge-meeiro, porque escolheu bens em montante superior à sua meação, teria de depositar as tornas, podendo o credor requerer o seu imediato pagamento, despacho esse que não foi objecto de qualquer oposição ou de recurso .
Mas ainda posteriormente, em despacho determinativo da forma à partilha, foi mais uma vez expressamente determinado que “oportunamente será determinado o depósito das tornas a que haja lugar … “ .
E uma vez proferida sentença homologatória da partilha acordada entre cônjuges, logo foi determinado, agora já no processo executivo, que fosse notificada a devedora de tornas, a agora recorrente, para proceder ao seu depósito na C.G.D., à ordem do Tribunal .
Foi então que a agora Recorrente veio juntar o seu requerimento a informar que já teria entregue o valor das tornas a seu marido, pelo que não podia fazer o depósito ordenado, o que deu origem ao despacho recorrido, no qual foi decidido que “a suposta contestação do crédito efectuada pelo cônjuge do executado não é eficaz em relação ao exequente, devendo a mesma ser notificada para proceder ao depósito de tal montante na C.G.D., à ordem do Tribunal, sem prejuízo da quantia em dívida lhe poder vir a ser exigida, nos termos do artº 860º, nº 3, CPC e da eventual condenação como litigante de má fé “.
Ora, do exposto resulta que tendo a presente execução sido movida apenas contra B... e tendo sido penhorados bens comum do casal, nessa sequência foi o seu cônjuge citado nos termos do artº 825º, nº 1, do CPC, face ao que este requereu a separação de bens, processo que correu por apenso à presente execução e cuja propositura deu origem à suspensão dos termos do presente processo executivo até ter sido proferida sentença homologatória da partilha .
Ora, tendo-se verificado que o dito cônjuge procedeu à escolha dos bens para preenchimento da sua meação, do que foi o aqui exequente notificado, conforme dispõe o artº 1406º, nº 1, al. c), do CPC, logo este deu conta de que os valores dos bens escolhidos excediam o valor da meação desse cônjuge e nessa sequência requereu que o cônjuge meeiro devedor de tornas fosse notificado para delas fazer o depósito à ordem dos autos, para imediato pagamento ao credor exequente – ver fls. 181 a 184 destes autos -, isto é, requereu a penhora do valor das tornas a serem pagas ao aqui executado, já que estando suspenso, à data, o processo executivo, apenas era no processo de separação de meações que o exequente poderia acautelar os seus direitos, enquanto credor do cônjuge executado, conforme lhe é permitido pelo citado artº 1406º, nº 1, als. a) e c), do CPC .
Ora, tal requerimento foi deferido pelo Tribunal, no despacho determinativo da forma à partilha, onde expressamente se escreveu : «oportunamente será determinado o depósito das tornas a que haja lugar, uma vez que, em resultado da avaliação, a requerente não desistiu da escolha por si efectuada», do que não reclamou nem recorreu o cônjuge-meeiro e agora recorrente, pelo que ficou desde então ciente de que o referido valor de tornas ficou penhorado pelo Tribunal, por indicação do credor do cônjuge-executado, para ser oportunamente depositado nos autos .
Isto é, foi dado cumprimento ao disposto no artº 856º, nº 1, do CPC, para a penhora de créditos do devedor-executado, que comprovadamente se verificam, ou seja, do crédito de tornas devidas ao executado .
Mas não só, pois embora o processo executivo estivesse suspenso, mesmo assim o aqui exequente apresentou neste processo dois requerimentos a nomear à penhora o direito de crédito de tornas a favor do executado, conforme fls. 81 e 83 destes autos, requerimentos esses que foram atendidos pelo despacho proferido no processo de separação de meações e acima referido e transcrito .


Assim, verifica-se que logo que foi proferida a sentença homologatória das partilhas havidas entre os cônjuges, nela própria foi ordenado que se abrisse conclusão nos autos de execução, uma vez transitada em julgado essa sentença – ver fls. 2000 destes autos – na sequência do que foi proferido um despacho (agora já no processo executivo) a ordenar a notificação da dita devedora de tornas para proceder ao depósito do montante das tornas na C.G.D., à ordem do Tribunal, juntando ao processo documento comprovativo do dito – fls. 86 destes autos .
Ou seja, logo que findou o processo de separação de meações, com o trânsito em julgado da sentença homologatória de partilhas, foi reaberto o processo executivo, tendo sido dado cumprimento ao disposto no artº 860º, nº 1, do CPC, isto é, cuidou-se de dar satisfação ao anteriormente determinado em sede de depósito de tornas, por despacho transitado em julgado, isto é, efectivou-se no processo o que antes fora decidido sobre o necessário depósito de tornas, enquanto crédito do executado sobre o seu cônjuge meeiro e penhorado a favor do aqui exequente, pelo que estava e está o devedor desse crédito obrigado a depositar a respectiva importância na C.G.D., à ordem do Tribunal, e a juntar ao processo o documento do depósito, ou a entregar a coisa devida ao exequente, que funcionará como seu depositário, nos termos do artº 860º, nº1, do CPC .
Donde resulta que é inoponível à execução qualquer acto de disposição ou de extinção desse crédito levado a cabo pelo seu devedor ou pelo respectivo credor-executado, nos termos dos artºs 819º e 820º do C. Civ. – nas respectivas redacções resultantes dos D.L. nº 38/2003, de 8/3, e 199/2003, de 10/09 .
Face ao que não pode ser atendida a declaração apresentada pela Recorrente onde refere que entregou em mão a seu marido as tornas que a este são devidas, apenas lhe cumprindo diligenciar no efectivo depósito das mesmas, conforme lhe foi judicialmente determinado e a que está obrigada, nem que para isso esse depósito seja efectuado pelo executado que, conforme ambos referem, terá recebido tal valor (e, portanto, dispõe do dito), pelo que nada o impede de cumprir a obrigação que diz respeito ao seu cônjuge-meeiro, com quem afinal vive, já que não estão divorciados, continuando a formar uma família, tendo apenas sido requerida a separação de bens na sequência da execução movida pelo Recorrido ao marido da Recorrente e face à penhora em bens comuns do casal .

Donde que se tenha como absolutamente correcto o despacho recorrido, no qual foi decidido não admitir a (suposta) contestação do crédito de tornas apresentada pela agora Recorrente, considerando como ineficaz tal declaração em relação ao exequente e mantendo o anterior despacho, onde se determinou o dever ou obrigação da agora Recorrente proceder ao depósito do montante de tornas devidas ao executado, na C.G.D. e à ordem do Tribunal, devendo juntar ao processo documento comprovativo desse depósito, sem prejuízo de, caso assim não proceda, tal quantia lhe poder vir a ser exigida nos termos do artº 860º, nº 3, do CPC – poder o exequente exigir a prestação, servindo de título executivo o despacho que ordenou esse depósito – e da eventual condenação da recorrente como litigante de má fé .
Pelo que importa confirmar tal despacho, carecendo a Recorrente de qualquer razão na sua oposição ao mesmo, tal é a transparência processual que conduziu a tal obrigação e de que não pode deixar de estar ciente .
VI
Decisão :
Face ao exposto, acorda-se em negar provimento ao presente agravo, confirmando o despacho recorrido .

Custas pela Agravante .