Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
17/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: JAIME FERREIRA
Descritores: GRAVAÇÃO DE PROVA
PRAZO DE RECURSO
Data do Acordão: 02/22/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL DE FAMILIA E MENORES DE AVEIRO - 1º JUÍZO
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTºS. 153º, 201º, Nº 1, E 205º, Nº 1, DO CPC; E DL Nº 39/95, DE 15/02 .
Sumário: I – O prazo máximo de 8 dias para a secretaria judicial facultar às partes cópia das fitas gravadas , fixado no artº 7º do DL 39/95, apenas visa determinar o limite máximo para que a secretaria judicial esteja em condições de fornecer cópias da gravação efectuada .
II – Cabe à parte que pretenda impugnar uma qualquer decisão sobre matéria de facto gerir a formulação da sua pretensão para lhe ser facultada cópia da gravação efectuada por forma a que respeite o prazo legal de apresentação da sua respectiva alegação de recurso, com a impugnação da matéria de facto .
III – O prazo de 10 dias para deduzir qualquer incidente ou arguir qualquer nulidade relacionados com a gravação da prova em audiência inicia-se com o conhecimento do vício cometido ou com a entrega de cópia das cassetes gravadas à parte .
IV – Não é de exigir às partes que controlem a gravação efectiva dos depoimentos prestados em audiência logo nesse próprio acto processual, quando tudo aponta para a regularidade desse tipo de procedimento técnico, levado a cabo por funcionário judicial.
Decisão Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção Cível do Tribunal da Relação de Coimbra :
I
No Tribunal de Família e Menores de Aveiro, A..., residente na Rua Cândido dos Reis, nº 50, em Aveiro, instaurou contra B..., residente na Rua S. Tomé, nº 11, Canelas, Estarreja, a presente acção declarativa, com processo especial de divórcio litigioso, pedindo que seja decretado o divórcio entre as partes, com atribuição de culpa exclusiva do mesmo à Ré .
Para tanto e muito em resumo, alegou o autor que tendo casado com a Ré em 9/10/1971, esta, a partir de Abril de 2003, começou a difamá-lo, dizendo publicamente que o autor anda amantizado com outras mulheres .
Que este tipo de atitudes da Ré entristecem e humilham o autor .
Que a Ré se vem recusando a ter relações sexuais com o autor desde há cerca de um ano, e lhe chama de putanheiro, porco, nojento e de cobarde .
Que em fins de Maio de 2003 a Ré trocou as fechaduras às portas da casa do casal e passou a impedir o autor de entrar em casa .
Que por todo o exposto o autor não pretende mais viver com a Ré, pelo que se justifica o seu pedido de divórcio .
II
Já depois da acção ter sido proposta verificou-se que a aqui Ré também instaurara, no mesmo tribunal e contra o aqui autor, uma acção especial de separação de pessoas e bens, processo esse que foi mandado apensar ao presentes autos de divórcio, o que teve lugar .
Nesse referido processo a aí autora pediu o decretamento da separação de pessoas e bens entre os cônjuges .
III
A Ré contestou a acção, alegando, muito em resumo, que foi o autor quem começou a dar mau viver à Ré, em Agosto de 2002, deixando de com ela dialogar e tratando-a com indiferença, além de a injuriar e de a agredir fisicamente .
Que em Outubro de 2002 a Ré descobriu que o autor saía com outras mulheres, com quem é visto a passear em lugares públicos .
Que o Autor deixou de dormir com a Ré, dizendo estar farto dela e que quer o divórcio, até que em 18/06/2003 abandonou a casa de morada de família, sita em Canelas, Estarreja .
Terminou pedindo a improcedência da acção .
IV
O A. ainda replicou, negando as imputações feitas pela Ré e mantendo tudo quanto por si foi alegado .
V
Terminados os articulados foi proferido despacho saneador, no qual foi reconhecida a regularidade adjectiva da acção, com selecção da matéria de facto alegada e tida como relevante para efeito de instrução e de discussão da causa .

Seguiu-se a realização da audiência de discussão e julgamento ( com datas de 11 e 14/06/2004 ), com gravação da prova nela produzida, finda a qual foi proferida decisão sobre a matéria de facto constante da base instrutória, com indicação da respectiva fundamentação .

Proferida a sentença, nela foi decidido julgar improcedente o pedido de separação de pessoas e bens formulado pela aqui Ré , e julgar procedente o pedido de divórcio deduzido pelo aqui autor, decretando o divórcio entre as partes, com culpa exclusiva da aqui Ré .
A sentença foi notificada às partes por ofícios de 16/06/2004 e de 30/06/2004, este relativo à Ré – fls. 79 e 82 .
VI
Dessa sentença recorreu a Ré, por requerimento apresentado em 13/07/2004, recurso que foi admitido como apelação e com efeito suspensivo .
No requerimento de interposição de recurso a Apelante também requereu cópia da gravação dos depoimentos prestados em audiência, para efeito de impugnar a decisão sobre matéria de facto .
Na notificação que lhe foi feita da admissão do recurso foi a Apelante também notificada para entregar no Tribunal as cassetes para reprodução da gravação efectuada . Esta notificação teve lugar por ofício de 14/07/2004 – fls. 87 .
Em 29 de Setembro de 2004 a Apelante fez juntar aos autos o seu requerimento de fls. 92, através do qual dá a saber que “ no passado dia 24 de Setembro de 2004 dirigiu-se à secretaria ( judicial ) a fim de recolher as cassetes ( gravadas ) , tendo então sido informado ... que não tinha havido qualquer registo dos depoimentos prestados, ou seja, que a prova produzida em audiência de julgamento não tinha ficado gravada “ .
E nessa sequência e por esse dito requerimento a Apelante requereu que se desse sem efeito o julgamento havido e se ordenasse a realização de nova audiência – fls. 92 .
Notificado o A. de tal requerimento, pronunciou-se ele no sentido de dever ser considerada extemporânea tal pretensão da Ré , devendo, por isso, ser indeferida .
Em 18/10/2004 foi dada uma informação nos autos, pela secretaria judicial, no sentido de que “ devido a uma anomalia no sistema de gravação não se mostra registado qualquer depoimento nas cassetes de julgamento do dia 11/06/2004 “ – fls. 112 .
Apreciando tal incidente processual, foi proferido o despacho de fls. 112, no qual foi considerada como extemporânea a denúncia da referida irregularidade cometida em sede de audiência de julgamento, indeferindo-se a pretensão da Ré .
Deste despacho interpôs recurso a Ré, recurso este que foi admitido como agravo , a subir com a apelação já antes admitida , e com efeito devolutivo .
VII
Nas alegações respeitantes à apelação admitida e que a Apelante apresentou, foram formuladas as seguintes conclusões :
1ª - Devem os pontos 3, 4, 5 e 6 da matéria de facto ser dados como não provados e, em consequência, deve a Ré ser absolvida do pedido de divórcio contra ela formulado .
2ª - A sentença de que se recorre apreciou erradamente os depoimentos produzidos em audiência de julgamento, violando o artº 653º, nº 2, do CPC .
3ª - A sentença proferida viola o preceituado nos artºs 1º e 7º do RAU e no artº 1023º do C. Civ., ao dar como provado que por causa de uma alegada troca de fechaduras na casa de morada de família, o autor está a dormir num quarto arrendado, sem que, no entanto, qualquer dos meios de prova referidos para os pontos citados conste do processo, nem tão pouco fica identificado o imóvel objecto de tal referenciado arrendamento .
4ª - A sentença em crise viola o princípio do dispositivo, porquanto, apesar de nem o A. ter nunca afirmado que por causa de uma mudança de fechaduras tinha estado a dormir numa garagem, da sentença consta que a Ré chegou a trocar de fechaduras na casa de morada de família, relegando o marido para a garagem, onde este chegou a dormir durante algum tempo .
5ª - Não tendo tal facto sido sequer alegado pelo autor, nem existindo na matéria quesitada, foi violado o artº 264º do CPC .
6ª - A sentença em crise viola também o artº 1779º, nº 1, do C. Civ., uma vez que segundo preceitua tal artigo só a violação reiterada e grave dos deveres conjugais e que comprometa irremediavelmente a vida em comum é que será de molde a permitir ao outro pedir que se decrete o divórcio, o que terá de ser aferido em face do caso concreto do casal . E a verdade é que num casamento que data de 1971, não são duas situações pontuais que podem determinar a dissolução desse casamento .
7ª - Nestes termos, deve corrigir-se a sentença recorrida ou deve ordenar-se a repetição do julgamento, com nova produção de prova .
VIII
Nas alegações apresentadas para o recurso de agravo, a Agravante concluiu do seguinte modo :
1ª - O despacho agravado violou o princípio fundamental da descoberta da verdade material e as disposições conjugadas dos artºs 3º a 9º do DL nº 39/95 ; 698º, nº 6; 690º-A, nºs 2 e 3; e 712º, estes do CPC .
2ª - A falta de registo da prova, nos termos oportunamente requeridos, deveria ter sido conhecida oficiosamente pelo tribunal, impondo-se a repetição do julgamento por forma a que se sanasse tal situação, permitindo que a confiança das partes no sistema não saísse gorada por razões de natureza não judicial, imputáveis ao sistema de gravação da audiência de julgamento, o qual falhou .
3ª - Deveria, pois, ter sido ordenada a repetição da audiência de julgamento, sob pena dos próprios autos serem intrinsecamente contraditórios, isto é, há actas que referem que a prova ficou gravada e há a informação posterior, dada pelo próprio tribunal, de que afinal isso não é verdade, porque as cassetes não registaram coisa alguma .
4ª - Teremos em que deverá ser reparado o agravo, devendo revogar-se o despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro que ordene a repetição da audiência de julgamento .
IX
Contra-alegou o Apelado/Agravado, sustentando, em resumo, que não assiste à Recorrente qualquer razão quanto à arguida questão da irregularidade cometida em julgamento, por ter sido extemporânea essa dita arguição, e que deve ser mantida a sentença recorrida, nos seus exactos e precisos termos .
X
Proferido despacho de sustentação acerca do agravo invocado, nele foram dados como reproduzidas os fundamentos constantes do despacho recorrido .

Nesta Relação foram aceites ambos os recursos interpostos e tal como foram admitidos em 1ª instância, tendo-se procedido à recolha dos necessários “ vistos “ legais, sem qualquer observação, pelo que nada obsta ao conhecimento do objecto dos ditos .
Nos termos do artº 710º, nº 1, do CPC, a apelação e os agravos que com ela tenham subido são julgados pela ordem da sua interposição .
No entanto, considerando que nas alegações relativas à apelação interposta a Apelante impugna a matéria de facto dada como assente, com base em depoimentos prestados em julgamento, cuja gravação foi requerida mas não foi registada por defeito do sistema de gravação do tribunal, reportando-se o recurso de agravo a tal vício processual, afigura-se que, por isso, se impõe o prévio conhecimento do objecto do agravo, já que caso se considere provido tal agravo essa decisão não deixará de ter influência no exame da apelação, como é óbvio .
Assim sendo, o objecto do agravo consiste em apurar-se se ocorreu ou não alguma irregularidade não sanada na realização da audiência de julgamento e que comprometa o processado posterior, designadamente a sentença recorrida e a apreciação do objecto do recurso de apelação interposto .

Apreciando tal questão, resulta dos autos que quer o A. quer a Ré, na sequência da notificação que lhes foi feita do despacho saneador, requereram a gravação da audiência de julgamento – fls. 44, 45, 46, 47 e 52 .
Face a esses requerimentos determinou-se que fossem gravados os depoimentos prestados em audiência, tendo sido tomadas medidas concretas nesse sentido, conforme resulta da acta de julgamento, na qual se refere uma única cassete como gravada e os lados da dita em que ficaram registados os depoimentos então prestados – fls. 71 a 73 .
Proferida decisão sobre a matéria de facto constante da base instrutória e bem assim sentença sobre o mérito da causa, pela Ré foi oportunamente interposto recurso dessa sentença, tendo de imediato e nesse mesmo requerimento referido pretender impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto, de modo a que a apelação tivesse por objecto a reapreciação da prova gravada, tendo, também aí e para o efeito, requerido cópia da gravação efectuada – requerimento de fls. 83, apresentado em 13/07/2004.
Admitido o recurso interposto da sentença e porque a Apelante não entregara logo a cassete necessária à reprodução da gravação tida por efectuada, na notificação respeitante ao despacho de admissão desse recurso foi a parte devidamente advertida para fazer entrega desse tipo de base de registo, conforme fls. 87, notificação essa expedida em 14/07/2004 .
E foi na sequência desta diligência que a parte terá feito entrega de uma cassete na secretaria judicial, para reprodução da gravação efectuada, e na altura em que pretendeu recolher a cassete já gravada terá sido informada, por um funcionário judicial, que não havia qualquer gravação dos depoimentos prestados em julgamento .
A parte refere que tal informação lhe foi prestada a 24/09/2004 e em 29/09/2004 apresentou o seu requerimento de fls. 92 a relatar exactamente isso mesmo e a requerer a anulação do julgamento, já que não dispunha da gravação necessária à impugnação da matéria de facto que antes indicara como fundamento da apelação por si interposta .
Será que a parte suscitou em tempo a irregularidade verificada, ou assim não deve ser entendido, como o defendem quer o Recorrido quer o Tribunal “ a quo “ ?
O Dec. Lei nº 39/95, de 15/02, nos seus artºs 6º e 7º, dispõe, além do mais, que as fitas ( áudio ou vídeo ) gravadas são apensas aos autos ou devidamente guardadas na secretaria judicial, à qual incumbe facultar às partes, que assim o requeiram, cópia dessas fitas, e no prazo máximo de oito dias após a realização da respectiva diligência .
Este prazo apenas determina o limite máximo para a secretaria judicial estar em condições para poder fornecer às partes cópias da gravação efectuada, sendo certo que caberá à parte fornecer ao tribunal as fitas necessárias à reprodução a efectuar .
Já as partes que pretendam impugnar a decisão de facto no recurso de apelação de interponham dispõem do prazo de 40 dias para apresentar as respectivas alegações, prazo esse que se inicia com a notificação do despacho de recebimento do recurso – artº 698º, nºs 2 e 6, do CPC - , sendo certo que têm de apresentar requerimento de interposição de recurso no prazo previsto no artº 685º, nº 1, do CPC .
Donde resulta que caberá à parte que pretenda impugnar uma qualquer decisão sobre matéria de facto gerir a formulação da sua pretensão para lhe ser facultada cópia da gravação efectuada por forma a que respeite aquele prazo para apresentar a sua alegação com a impugnação da matéria de facto, contando que a secretaria judicial deverá poder fornecer-lhe cópia da gravação efectuada decorridos 8 dias da diligência respectiva .
E foi o que terá acontecido no presente caso, já que devendo considerar-se a Ré como notificada em 19/07/2004 do despacho de admissão da apelação por ela interposto, dispunha até 25 de Outubro de 2004 para apresentar as suas respectivas alegações – artº 144º, nº 1, do CPC .
Ora, quando em 29/09/2004 apresentou o seu requerimento de fls. 92, dando a conhecer que no dia 24 desse mesmo mês foi informado, pela secretaria judicial, de que não havia qualquer cassete com a gravação da prova produzida em audiência, é manifesto que agiu em tempo, pois que o prazo para deduzir qualquer incidente ou arguir-se qualquer nulidade é de 10 dias a contar do momento do conhecimento do vício detectado, o que é o caso dos autos .
É o que resulta do disposto nos artºs 153º, nº 1; 201º, nº 1; 202º, 2ª parte ; 203º, nº 1; e 205º, nº 1, 2ª parte, in fine, todos do CPC, onde se prevê que a arguição de nulidades ou de irregularidades processuais pela parte interessada na sua arguição, se conta desde o dia em que essa parte tomou conhecimento do vício, salvo se antes tiver intervenção no processo ou tiver sido notificada para qualquer termo dele e dever presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou dela pudesse conhecer, desde que agisse com a devida diligência .
Embora no presente caso as partes hajam estado presentes na audiência em que se verificou o não registo da gravação requerida, o que é certo é que foram tomadas diligências nesse sentido, conforme consta da respectiva acta de julgamento, sendo certo que todos os intervenientes nessa diligência, inclusive o senhor Juiz que presidiu à mesma, ficaram convencidos da efectiva gravação referida em acta, com expressa indicação dos locais da gravação em cassete .
Não é de exigir às partes, logo nesse acto, que controlem a gravação efectiva dos depoimentos prestados em audiência, quando tudo aponta para a regularidade desse tipo de procedimento técnico, levado a cabo por funcionário judicial e através de equipamento existente em tribunal .
Logo, não foi um vício de “ não gravação” de depoimentos aquele que se verificou, já que as partes assim o haviam requerido e para tal foram tomadas as devidas providências, com toda a aparência da sua efectiva realização, mas o que se verificou foi um vício de “ não registo de gravação “, como se veio a apurar, e cuja razão de ser até se desconhece, sendo até de admitir que possa ter havido um apagamento involuntário da gravação efectuada, já que apenas se sabe, por informação da secretaria judicial prestada a fls. 112, que “ devido a uma anomalia no sistema de gravação não se mostra registado qualquer depoimento nas cassetes de julgamento “ .
Sendo assim, uma vez que a parte requereu a entrega de cópia da gravação da audiência conjuntamente com o seu requerimento de interposição de recurso da sentença proferida, tendo diligenciado na entrega de uma cassete na secretaria judicial para tal efeito, e que foi na sequência dessas diligências que, em prazo para apresentar as suas alegações respectivas, veio a tomar conhecimento da não gravação dos depoimentos, face ao que se apresentou logo ( decorridos 5 dias ) a dar conhecimento ao senhor Juiz do processo de tal irregularidade, é manifesto que arguiu em tempo tal vício.
E uma vez que nas suas alegações de recurso impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto, com base nos depoimentos prestados, depoimentos esses que este Tribunal da Relação não pode ouvir, apesar de a parte ter direito a essa reapreciação, manifesto é que a dita irregularidade pode influir na apreciação do objecto da apelação, e logo na decisão da causa, o que impõe que se tenha de anular o julgamento realizado e bem assim a sentença proferida, com vista à repetição daquele, para que tenha lugar a efectiva e comprovada gravação dos depoimentos a ser prestados, como decorre do disposto no artº 201º, nºs 1 e 2, do CPC .
É que para ser possível à parte impugnar a decisão proferida sobre a matéria de facto e para ser possível a este Tribunal conhecer dessa impugnação era necessário que houvesse registo da gravação dos depoimentos prestados em julgamento, já que a decisão proferida sobre matéria de facto baseou-se apenas em depoimentos testemunhais, os quais careciam de estar registados para efeitos do disposto nos artºs 690º-A, nºs 1, al. b), 2 e 5, e 712º, nº s1, al. a), e 2, do CPC .
Concluindo, impõe-se reconhecer que se encontra verificada uma irregularidade processual cometida em sede de julgamento, com séria influência na apreciação do objecto do recurso de apelação interposto, no qual é impugnada a matéria de facto dada como assente pelo tribunal recorrido, irregularidade esse que foi oportunamente arguida pela parte interessada em tal arguição, o que determina a nulidade do julgamento havido e bem assim da sentença proferida, havendo necessidade de se proceder a novo julgamento com o efectivo registo ( áudio ou vídeo ) dos depoimentos a serem prestados em audiência, como foi oportunamente requerido por ambas as partes, decisão esta que prejudica a apreciação da apelação interposta .
No sentido antes exposto podem ver-se, entre outros , Lopes do Rego, in “ Comentários ao C.P.C., vol. I , 2ª edição“, pgs. 467, onde escreve : « Têm surgido dúvidas acerca do tratamento processual a outorgar aos casos em que ocorre omissão ou deficiência da gravação, por causa imputável em exclusivo aos serviços judiciários que a ela procedem, e não imediatamente detectável ou perceptível pelas partes . Assim, parece-nos evidente que : - a incompletude ou imperceptibilidade da gravação constitui nulidade secundária, susceptível de influir decisivamente no julgamento da causa , sempre que as partes pretendam valorar e, eventualmente, controverter a decisão proferida sobre a matéria de facto ; - não consideramos que seja exigível à parte a suscitação de tal nulidade em momento anterior à elaboração das próprias alegações de recurso em que se controverte a decisão sobre a matéria de facto : a simples entrega das fitas gravadas, nos termos previstos no artº 7º, nº 2, do DL nº 39/95, não deverá fazer presumir que a parte tomou nesse momento ( ou nos 10 dias subsequentes ) conhecimento da deficiência técnica da gravação, a qual só se poderá plausivelmente tornar cognoscível com a respectiva audição e análise, no decurso do prazo de elaboração da alegação ; - deste modo, consideramos que actua com a diligência devida a parte que, tendo providenciado pela obtenção das cópias gravadas pelo tribunal, arguiu, em termos concludentes, a nulidade acima referida nas próprias conclusões da alegação que apresenta, cabendo ao juiz a quo - perante o qual tal alegação é apresentada – actuar o efeito previsto no artº 9º do DL nº 39/95, em ordem a determinar a repetição dos meios de prova afectados » .
Nesse mesmo lugar é citado o Ac. STJ de 9/7/02, proferido no Rec. Rev. nº 2055/02 – 1ª Secção, no qual é defendido que recai sobre a parte o ónus de arguir a nulidade decorrente da omissão ou imperceptibilidade da gravação, perante o tribunal a quo e no prazo de 10 dias, contados da obtenção das cópias . Aí se escreve que “ ... não tendo a parte, durante a audiência, possibilidade de controlar uma questão meramente técnica, como é a das boas ou más condições em que a gravação está a decorrer, não pode exigir-se a arguição imediata da nulidade denunciada, e não tendo depois da audiência sido praticado qualquer acto em que a recorrente haja intervindo, nem ocorrido notificação que, por sua natureza, fosse idónea para por si só lhe dar conhecimento da deficiência da gravação, não sendo a entrega das cópias de gravação suficiente para presumir o conhecimento do seu mau estado, é razoável que a parte só ouça as cópias no período em que elabora as alegações, pelo que no momento em que as alegações são apresentadas ainda não findou o prazo da reclamação da nulidade “ .
Afigura-se que apontam no mesmo sentido, embora em contextos distintos, os Ac.s da Rel. Co. de 9/02/1999, de 8/10/2002, e de 4/11/2003, in, respectivamente, C. J. ano XXIV, tomo I, pg. 30 ; Col. Jur. ano XXVII, tomo IV, pg. 19; e C.J. ano XXVIII, tomo V, pg. 15 ( onde expressamente se escreve que “ a irregularidade consistindo na falta parcial de registo da gravação da prova, deve ser arguida no prazo de 10 dias a contar da entrega das cassetes ao requerente “ ) ; da Rel. de Lx. de 3/5/2001, in C.J. ano XXVI, tomo III, pg. 77 ( onde muito claramente se defende que “ ... não sendo perceptível qualquer anomalia da gravação durante o acto, qualquer das partes ainda poderá, ulteriormente, comprovar se a gravação está incompleta e (ou) imperceptível, bastando que requeira ao tribunal a cópia do registo respectivo, cuja entrega deverá ser efectuada no prazo máximo de 8 dias, e em caso de omissão ou imperceptibilidade da gravação cabe às partes arguir o vício correspondente, perante o próprio tribunal onde ele ocorreu, no prazo de 10 dias subsequente à entrega da cópia . A omissão de gravação ( requerida ) , dado o seu manifesto relevo para a decisão da causa, constitui nulidade processual – artº 201º, nº 1, do CPC “ ) .
XI
Decisão :
Face ao exposto, acorda-se em conceder provimento ao recurso de agravo interposto, reconhecendo-se que se encontra verificada uma irregularidade processual cometida em sede de julgamento, com séria influência na apreciação do objecto do recurso de apelação interposto, no qual é impugnada a matéria de facto dada como assente pelo tribunal recorrido, irregularidade esse que foi oportunamente arguida pela parte interessada em tal arguição, o que determina a nulidade do julgamento da matéria de facto havido e bem assim da sentença proferida, havendo necessidade de se proceder a novo julgamento com o efectivo registo ( áudio ou vídeo ) dos depoimentos a serem prestados em audiência, como foi oportunamente requerido por ambas as partes, decisão esta que prejudica a apreciação da apelação interposta .

Custas de ambos os recursos pelo Agravado/apelado .
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Tribunal da Relação de Coimbra, em / /