Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
259/08.5TMCBR-D.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: EXECUÇÃO
TÍTULO EXECUTIVO
SENTENÇA HOMOLOGATÓRIA
TRANSACÇÃO
NULIDADE
NOTIFICAÇÃO PESSOAL
EMBARGOS DE EXECUTADO
Data do Acordão: 10/15/2019
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA - COIMBRA - JUÍZO FAM. MENORES - JUIZ 2
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTS.45, 195, 199, 291 Nº3, 729 A) E I) CPC
Sumário: 1.- Uma sentença homologatória de transacção em que interveio mandatário sem poderes especiais é ineficaz em relação ao mandante, se não for pessoalmente notificado, nos termos e para os efeitos do art.291 nº3 CPC.
2.- O art.291 nº3 do CPC configura um regime especial da nulidade com base na falta de poderes do mandatário ou da irregularidade do mandato.

3.- A falta de notificação pessoal não pode ser suprida com a notificação da sentença ao mandatário.

4.- A sentença homologatória só transita em julgado se houver notificação pessoal ao mandante, pelo que inexistindo trânsito em julgado da sentença a mesma não é exequível, constituindo fundamento de oposição à execução.

Decisão Texto Integral:








            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

Por apenso à execução que lhe move C (…), veio o ali executado, A (…) já ambos identificados nos autos, deduzir os presentes embargos de executado, alegando a inexistência de título executivo, com o fundamento em o mesmo consistir numa sentença homologatória de transacção, que é nula, porque foi subscrita pelo, então, seu Mandatário, que não tinha procuração com poderes especiais para o fazer, sem que tal sentença lhe tenha sido pessoalmente notificada, para indicar se a ratificava, pelo que não são exigíveis as peticionadas prestações exequendas.

Depois de liminarmente admitidos os embargos, foi a exequente-embargada notificada para os contestar, o que fez, alegando que a sentença homologou o acordo a que chegaram a exequente e o ora executado, que sempre dele teve conhecimento, “não podendo aceitar que o M.mo Juiz tenha proferido sentença sem ter visto os poderes que os mandatários tinham no caso”, em função do que pugna pela improcedência dos mesmos e com o consequente prosseguimento da execução.

Teve lugar a audiência prévia, no decurso da qual foi proferida a seguinte decisão, que se passa a transcrever (aqui recorrida) – cf. fl.s 114 a 116:

(…)

Da alegada nulidade da transacção e da sentença que a homologa:

O Executado veio invocar a nulidade da transacção e da sentença que a homologou na qual se funda a presente execução, alegando para tanto que a referida transacção foi efectuada por mandatário que não estava munido de procuração com poderes especiais para o efeito.

Encontra-se junta aos autos principais (fls. 161 e 162) uma transacção relativa ao exercício das responsabilidades parentais dos seus filhos menores do ora Executado e Exequente, assinada pelos respectivos mandatários, posteriormente homologada por sentença (fls. 173). Da procuração junta a fls. 15 e do substabelecimento de fls. 164 não consta que o ora Executado tenha conferido poderes especiais ao seu mandatário, para transigir naquela acção.

Nos termos do disposto no artigo 45.º, n.º 2 do Código Processo Civil, os mandatários, para confessar, transigir e desistir do pedido ou da instância têm de estar munidos de procuração com poderes especiais. Assim, caso na transacção não intervenha a parte mas o seu mandatário sem que tenha poderes para isso, ocorre a nulidade, conforme decorre do artigo 291.º, n.º 3 do Código Processo Civil, que, contudo, pode ser suprida se a sentença homologatória for notificada pessoalmente ao mandante.

Acontece que, no caso em apreço, o ora Executado, não foi notificado pessoalmente da sentença.

Verifica-se, pois, que ocorreu uma nulidade processual, com fundamento na omissão de acto ou formalidade prescrito na lei.

Como refere o acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 16/2/2017 (processo n.º 200/13.3TBVRM-B.G1, disponível em www.dgsi.pt) verificando-se uma nulidade processual, que se distingue da nulidade da transacção (já que esta tem por fundamento um do vícios invalidantes de negócios jurídicos da mesma natureza), a sua arguição e conhecimento regem-se pelo regime da nulidade dos actos e omissões emergentes dos artigos 195.º e seguintes do Código Processo Civil.

Assim, a invocação de nulidades, e desta em concreto, estão sujeitas a prazos de arguição que, neste caso, é de 10 dias, por aplicação do artigo 149.º, n.º1 do Código Processo Civil). De acordo com o disposto no artigo 199.º do mesmo diploma, não tendo a parte estado presente no momento em que foi cometida a nulidade, o prazo para a arguição conta-se do dia em que, depois de cometida a nulidade, a parte interveio em algum acto praticado no processo ou foi notificada para acto processual posterior, mas neste último caso só quando deva presumir-se que então tomou conhecimento da nulidade ou quando dela pudesse conhecer, agindo com a devida diligência.

Ora, decorre dos autos, que o Executado, já representado por novo defensor, apresentou, em 25 de Setembro de 2018, alegações de recurso da sentença homologatória em causa (que não foi admitido – fls. 289 dos autos principais – decisão que veio a ser confirmada pelo Tribunal da Relação de Coimbra, de fls. 103), nas quais refere expressamente só ter tido conhecimento da referida sentença em 20/9/2018 (o que é por ele confirmado no presente requerimento de embargos de executado). Assim sendo, não há dúvidas de que, pelo menos, desde essa data, teve conhecimento da transacção e da invocada nulidade, pelo que o prazo para dela reclamar junto do tribunal que a cometeu se a conta a partir de então.

Assim, mesmo que este tribunal, em sede de execução, pudesse conhecer dessas nulidades, a sua arguição neste momento mostra-se extemporânea.

Face ao exposto, julgo improcedente a alegada nulidade da sentença homologatória.

Deste modo, aquela sentença transitou em julgado, pelo que é título suficiente e obedece aos requisitos legalmente exigíveis, na medida em que contém uma condenação de uma prestação certa e determinada.

Não existe, por isso, fundamento para invocar a inexistência do título ou a inexigibilidade da quantia exequenda.”.

Concluindo pelo indeferimento dos embargos e ordenando, em consequência, o prosseguimento da execução.

Inconformado com a mesma, interpôs recurso, o executado-embargante, A (…), recurso, esse, admitido como de apelação, com subida, imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo (cf. despacho de fl.s 140), apresentando as seguintes conclusões:

1. Deve ser revogada a douta sentença sub judicio, e julgada procedente por provada a petição de embargos de executado aqui em apreço.

2. Considerando que o M.mo Juiz a quo reconheceu na sentença recorrida de forma expressa a existência da nulidade invocada pelo aqui embargante na sua petição de embargos, mas julgando extemporânea tal arguição, importa lançar mão da intervenção processual do aqui recorrente nos autos principais.

3. Se é um facto que a primeira intervenção processual do ora recorrente nos autos principais foi através da interposição de recurso, em 25.09.2019, com a ref.ª citius nº...., É indesmentível também que no referido recurso tal arguição foi feita de forma expressa e inequívoca.

4. Desde logo no próprio requerimento de interposição de recurso, onde se escreve, remetendo-se para o corpo das alegações, que:

«Não se conformando com o teor da, aliás douta, decisão, datada de 02.06.2010, com a ref.ª citius nº...., cujo exato teor era desconhecido por si até ao passado dia 20.09.2018, nos termos a seguir explicitados em sede de alegações,(…)».

5. Depois, no próprio corpo das alegações, escreve-se, v.g., que:

Foi o aqui recorrente totalmente surpreendido com a decisão sub judicio, que desconhecia até à intervenção do aqui signatário nestes autos, em 20.09.2018, quando veio juntar substabelecimento, outorgado pelo anterior mandatário em 12.09.2018 (cfr.doc.2).

(…)

Quanto ao valor da pensão alimentícia estabelecido para os menores, estabelecido em tal acordo, o aqui apelante nunca o poderia ter assumido, até porque, à data em que o mesmo foi apresentado em Juízo, estava desempregado (cfr.doc.6).

(…)

Quanto à decisão sub judicio, de 02.06.2010, enfatiza-se que esta homologou uma transação subscrita unicamente pelos então mandatários dos progenitores, requeridos nos autos, dado que estes supostamente se encontrariam ausentes no estrangeiro e cujo teor era desconhecido do aqui apelante.

Tal transação, com a ref.ª citius nº...., foi apresentada via fax simile, acompanhado de substabelecimento a favor do mandatário do aqui apelante, no dia aprazado para a audiência de discussão e julgamento, ou seja, no dia 29.04.2010.

(…)

Por outro lado, o ora recorrente até desconhecia que tal audiência de discussão e julgamento iria ter lugar nesse dia, pois nem sequer estava notificado para a mesma, e por isso não esteve presente.

(…)

Acresce que, o mandatário do aqui apelante na ocasião não estava munido de procuração com poderes especiais para aquele efeito.

Dispõe o art. 45.º (Poderes gerais e especiais dos mandatários judiciais) do NCPC, com negritos e sublinhados nossos, que:

«2 — Os mandatários judiciais só podem confessar a ação, transigir sobre o seu objeto e desistir do pedido ou da instância quando estejam munidos de procuração que os autorize expressamente a praticar qualquer desses atos. (…)».

(…)

E, posteriormente, à apresentação daquela transação em Juízo, antes e após a homologação de tal suposto acordo entre os progenitores para o exercício das responsabilidades parentais, o aqui apelante nunca foi notificado do teor de tal requerimento conjunto dos mandatários de 29.04.2018, nem da consequente decisão judicial homologatória.

Nem da conta final de custas, que não pagou, o ora apelante, chegou a ser notificado, em 14.10.2010 (vide ref.ª citius nº1049364).

(…)

Ora, em matéria de transação, preceitua o N.C.P.C., com negritos e sublinhados nossos, o seguinte:

Artigo 283.º (Liberdade de desistência, confissão e transação)

«(…)2 — É lícito também às partes, em qualquer estado da instância, transigir sobre o objeto da causa».

Artigo 284.º (Efeito da confissão e da transação)

«A confissão e a transação modificam o pedido ou fazem cessar a causa nos precisos termos em que se efetuem».

Artigo 287.º (Desistência, confissão ou transação das pessoas coletivas, sociedades, incapazes ou ausentes)

«Os representantes das pessoas coletivas, sociedades, incapazes ou ausentes só podem desistir, confessar ou transigir nos precisos limites das suas atribuições ou precedendo autorização especial».

Artigo 288.º (Confissão, desistência e transação no caso de litisconsórcio)

“1 — No caso de litisconsórcio voluntário, é livre a confissão, a desistência e a transação individual, limitada ao interesse de cada um na causa.

(…)».

Artigo 290.º (Como se realiza a confissão, desistência ou transação)

«1 — A confissão, a desistência ou a transação podem fazer-se por documento autêntico ou particular, sem prejuízo das exigências de forma da lei substantiva, ou por termo no processo.

2 — O termo é tomado pela secretaria a simples pedido verbal dos interessados.

3 — Lavrado o termo ou junto o documento, examina- -se se, pelo seu objeto e pela qualidade das pessoas que nela intervieram, a confissão, a desistência ou a transacção é válida, e, no caso afirmativo, assim é declarado por sentença, condenando-se ou absolvendo-se nos seus precisos termos.

4 — A transação pode também fazer-se em ata, quando resulte de conciliação obtida pelo juiz; em tal caso, limita--se este a homologá-la por sentença ditada para a ata, condenando nos respetivos termos».

Artigo 291.º (Nulidade e anulabilidade da confissão, desistência ou transação)

«1 — A confissão, a desistência e a transação podem ser declaradas nulas ou anuladas como os outros atos da mesma natureza, sendo aplicável à confissão o disposto no n.º 2 do artigo 359.º do Código Civil.

2 — O trânsito em julgado da sentença proferida sobre a confissão, a desistência ou a transação não obsta a que se intente a ação destinada à declaração de nulidade ou à anulação de qualquer delas, ou se peça a revisão da sentença com esse fundamento, sem prejuízo da caducidade do direito à anulação.

3 — Quando a nulidade provenha unicamente da falta de poderes do mandatário judicial ou da irregularidade do mandato, a sentença homologatória é notificada pessoalmente ao mandante, com a cominação de, nada dizendo, o ato ser havido por ratificado e a nulidade suprida; se declarar que não ratifica o ato do mandatário, este não produz quanto a si qualquer efeito».

(…)

Consequentemente, temos que o douto despacho-sentença sub judicio, homologatório, e a transação que o mesmo sanciona, se apresentam eivados de nulidade, como se deixa invocado para os devidos efeitos legais, designadamente o previsto no art.195º do NCPC.

(…)

Com efeito, a este respeito, estatui o N.C.P.C., com negritos e sublinhados nossos, o seguinte:

Artigo 195.º (Regras gerais sobre a nulidade dos atos)

«1 — Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.

2 — Quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do ato não prejudica as outras partes que dela sejam independentes.

3 — Se o vício de que o ato sofre impedir a produção de determinado efeito, não se têm como necessariamente prejudicados os efeitos para cuja produção o ato se mostre idóneo».

(…)

Devendo, consequentemente, ser proferido novo despacho que ordene a prossecução dos autos, determinando a notificação pessoal do aqui apelante para dizer se ratifica ou não a transação carreada para Juízo, e os ulteriores trâmites legais.

6. Por conseguinte, do que atrás se deixou transcrito, decorre que a nulidade trazida à liça nos presentes autos de embargos foi tempestivamente invocada nos autos principais.

7. Era pois ao M.mo Juiz a quo que incumbia dar cumprimento ao princípio de adequação formal previsto no art.547º do NCPC, e não olhar para o lado, escamoteando a nulidade ali invocada pelo aqui recorrente, por muito incómoda que fosse para o Tribunal a quo como voltou a fazer com a presente decisão recorrida.

8. Isto para já não falar em assegurar, através do exercício do princípio do inquisitório, previsto no art.411º do NCPC, o apuramento da verdade e a justa composição do litígio.

9. Até porque este processo tem na sua génese um processo de jurisdição voluntária em que as partes nem sequer têm de estar obrigatoriamente representadas por advogados, e o aqui recorrente ficou fora de tudo, como bem reconhece na decisão sub judicio.

10. Não se vislumbrando muito bem como é que uma «ação de alteração da regulação das responsabilidades parentais» vai sanar os erros passados do Tribunal a quo dado que o aqui recorrente nunca deu aquiescência ao que ficou «acordado».

Acresce que,

11. E admitindo como mera hipótese de patrocínio e sem conceder, este Tribunal não entendesse que se verificava o fundamento atrás exposto, previsto na alínea i) do art.729º do NCPC,

Sempre teríamos que averiguar o preenchimento dos fundamentos previstos nas alíneas a) e e) do referido preceito legal.

12. Com efeito, como se poderá dizer exequível um título que dá o direito a uma mãe que subtraiu os dois filhos ao pai e demais família paterna por mais de dez anos de agora ainda vir receber um prémio de €.:150,00 euros por mês, para os quais não deu o seu assentimento, por cada um dos doze meses desses dez anos em que o pai esteve e continua a estar privado de os ver ou sequer ouvir!?

13. E verificando-se os fundamentos para a invocada nulidade como é possível conceber estarmos perante uma obrigação sequer exigível!?

JUSTIÇA.

Não foram apresentadas contra-alegações.

Dispensados os vistos legais, há que decidir.         

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, a questão a decidir é a de saber se se verifica a inexistência de título executivo, com fundamento em a sentença homologatória dada em execução, ser nula, por falta de poderes do mandatário do ora embargante-executado e a mesma não lhe ter sido, pessoalmente, notificada, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 291.º, n.º 3, do CPC.

É a seguinte a matéria de facto dada por provada na decisão recorrida:

2.1. Por transacção homologada por sentença proferida em 2/6/2010 foi o Requerido, ora Executado, condenando a pagar a título de alimentos para os dois menores, filhos do casal, a quantia de 150,00 euros/mês, anualmente actualizável de acordo com o índice de inflação.

2.2. Desde essa data, Junho de 2010, nunca o Executado pagou qualquer importância nem a título de alimentos nem a título de despesas para os menores;

2.3. O requerimento de execução de sentença deu entrada em 22 de Agosto de 2016.

A que há a acrescentar o seguinte (cf. certidão de fl.s 145 e seg.s, junta no seguimento do despacho de fl.s 143):

4. Datada 02 de Junho de 2010, foi proferida a sentença homologatória da transacção a que se chegou nos autos de regulação do poder paternal, de que os presentes embargos constituem apenso, tendo por objecto o acordo vertido num requerimento dirigido aqueles autos, ali se referindo que o mesmo “é válido quer pela qualidade das pessoas que nele intervieram, quer pelo seu objecto, o qual teve a concordância do Digno Magistrado do Ministério Público”.

Na mesma não se ordenou a notificação, pessoal, da mesma, a nenhum dos intervenientes, designadamente ao ora embargante, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 291.º, n.º 3, do CPC.

5. Como consta da decisão recorrida (fl.s 115), quer da procuração, quer do substabelecimento de fl.s 15 e 164, respectivamente, dos autos principais, o aqui executado-embargante não conferiu poderes especiais ao seu mandatário para transigir naquela acção.

6. O aqui executado-embargante não foi notificado pessoalmente da sentença homologatória da transacção, referida em 4, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 291.º, n.º 3, do CPC.

7. Conforme requerimento aqui junto a fl.s 147 e seg.s, entrado em juízo no dia 25 de Setembro de 2018 (cf. fl.s 183 v.º), veio o mesmo interpor recurso da sentença que homologou a supra referida transacção, arguindo a respectiva nulidade, por falta de poderes do mandatário subscritor da mesma e que fosse proferido despacho a determinar a sua notificação, pessoal, para dizer se ratificava ou não a transacção sobre a qual a mesma versa, por, ainda, tal não ter sucedido.

8. No mesmo requerimento de interposição do recurso, alegou que só teve conhecimento da mesma sentença, no dia 20 de Setembro de 2018.

9. Resulta da mesma certidão (cf. fl.s 158 e seg.s) que o aqui recorrente foi acusado e constituído arguido, com base no incumprimento das obrigações assumidas na sentença de homologação de transacção, acima já referida, pela prática de um crime de violação da obrigação de alimentos, p. p. pelo artigo 250.º, n.º 3, do Código Penal.

10. O recurso apresentado pelo ora recorrente, nos autos principais, não foi recebido, cf. decisão, aqui junta, por cópia, a fl.s 184, datada de 08 de Outubro de 2018, que se passa a reproduzir:

“Aos presentes autos aplica-se o regime jurídico aprovado pelo RGPTC – cfr. o artigo 5.º da Lei n.º 141/2015 de 8/9.

A sentença de fl.s 173 foi notificada ao mandatário do recorrente através de notificação enviada em 4/6/2010, sendo que se presumia que a notificação ocorria no 3.º dia posterior ao do envio da notificação, ou no primeiro dia útil seguinte a esse, quando o não fosse.

De acordo com o n.º 3 do artigo 32.º do RGPTC, o prazo para a interposição de recurso conta-se desde a notificação da decisão e é de 15 dias. Ou seja, a sentença há vários anos que deixou de ser impugnável.

Sendo assim, o requerimento de interposição de recurso de apelação é claramente extemporâneo, pois foi apresentado em 25/9/2018.

Pelo exposto, ao abrigo do disposto no artigo 641.º, n.º 2, al. a) do CPC, não admito o recurso interposto a fl.s 213 e ss.

Custas pelo recorrente”.

11. Notificado desta decisão, o ora recorrente, cf. fl.s 185 e seg.s, reclamou da mesma para este Tribunal da Relação, arguindo, mais uma vez, a nulidade da sentença homologatória da transacção, por nunca ter sido dado cumprimento ao disposto no artigo 291.º do CPC, na sequência do que foi a reclamação apresentada indeferida, cf. decisão aqui junta, por cópia, a fl.s 189, datada de 08 de Novembro de 2018, nos termos que se passam a reproduzir:

“A (…) reclama da não admissão do seu recurso, interposto contra a sentença homologatória de 02.06.2010.

A decisão de não admissão do recurso tem como fundamento a sua intempestividade.

Diz a mesma que o mandatário do Recorrente/Reclamante foi notificado da sentença homologatória e passaram já anos desde tal notificação.

O Reclamante não contesta o fundamento da não admissão – a notificação do seu mandatário constituído e o decurso do prazo para recorrer.

O Reclamante alega que só teve conhecimento da sentença homologatória em 20.09.2018, invocando a sua falta de notificação no processo; também invoca que a transacção foi realizada sem poderes para o efeito, do mandatário subscritor.

Os vícios alegados constituirão nulidade processual e nulidade ou ineficácia da transacção.

Para a nulidade processual, quando ela não está coberta por uma decisão judicial, que ordenou, autorizou ou sancionou o respectivo acto ou omissão, o meio próprio para a arguir é a reclamação junto do tribunal que a terá cometido (é a doutrina tradicional condensada na máxima: dos despachos recorre-se; contra as nulidades reclama-se).

Para a nulidade da transacção existe o recurso de revisão, mas este tem de ser intentado no tribunal que indeferiu a sentença homologatória (arts. 696.º, d), e 697.º, n.º 1, do CPC).

Nenhum dos vícios referidos, com os seus próprios procedimentos, afeta o facto da sentença ter sido notificada ao mandatário constituído e de ter decorrido o prazo de recurso. Intempestiva, a apelação não pode ser admitida.

Pelo exposto, indefiro a reclamação e mantenho o despacho reclamado.

Taxa de justiça pelo Reclamante, sem prejuízo do apoio judiciário.”.

Se se verifica a inexistência de título executivo, com fundamento em a sentença homologatória dada em execução, ser nula, por falta de poderes do mandatário do ora embargante-executado e a mesma não lhe ter sido, pessoalmente, notificada, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 291.º, n.º 3, do CPC.

Como resulta do relatório que antecede, importa averiguar se, como alega o executado-embargante, a execução não pode prosseguir os seus termos, por inexequibilidade da sentença homologatória da transacção acima referida, dada a falta de poderes especiais do mandatário que, em seu nome, apresentou o acordo a homologar, o que consubstancia os fundamentos de oposição à execução, previstos no artigo 729.º, al.s a) e i), do CPC.

É pacífico que o então mandatário do ora embargante não tinha poderes especiais para transigir, pelo que não o poderia fazer, em conformidade com o disposto no artigo 45.º, n.º 2, do CPC.

Por outro lado, como resulta do disposto no artigo 291.º, n.º 3, do CPC, a falta de poderes para transigir, não acarreta, automaticamente, a nulidade da sentença que homologue uma transacção efectuada por mandatário sem poderes para tal.

Efectivamente, neste caso, como se preceitua na parte final de tal norma, a referida sentença deve ser notificada, pessoalmente, ao mandante, com a cominação de nada dizendo, o ato ser havido por ratificado e a nulidade suprida; se declarar que não ratifica o ato do mandatário, este não produz quanto a si qualquer efeito.

Igualmente, está assente, que foi omitida esta notificação ao mandante, pelo que a sentença homologatória de transacção dada em execução, não produziu, quanto a ele, quaisquer efeitos, do que, consequentemente, decorre que, quanto a ele, não transitou em julgado, como melhor, a seguir, se explicitará.

A decisão recorrida, embora reconhecendo a existência da nulidade da sentença exequenda, dada a falta de poderes do mandatário e a omissão da notificação pessoal ao mandante, o que acarreta a nulidade processual prevista no artigo 195.º do CPC, desatendeu o pedido do embargante, com o fundamento em que, por aplicação do disposto no artigo 199.º, n.º 1, do CPC, este teve conhecimento da sentença em 20 de Setembro de 2018, tendo da mesma interposto recurso, em 25 de Setembro de 2018, o qual, não foi admitido, conforme decisões acima transcritas, pelo que quando, nos presentes embargos, veio arguir a nulidade da sentença homologatória da transacção, pelos já expostos fundamentos, o fez extemporaneamente, em face do que foi julgada improcedente a invocada nulidade e se indeferiram os embargos deduzidos.

Não podemos, salvo o devido respeito pelo expendido nas decisões proferidas nos autos principais, em que se não admitiu o recurso ali interposto em 25 de Setembro de 2018, concordar com o ali decidido.

Desde logo, reconhecendo-se, como se reconheceu, que a sentença exequenda não foi notificada pessoalmente ao mandante, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 291.º, n.º 3, do CPC, a conclusão a extrair era a de que a mesma, nos termos ali previstos, não podia, quanto a ele, produzir qualquer efeito, sem que lhe fosse pessoalmente notificada e sendo-o a sua validade e eficácia, ficaria dependente da atitude do mandante em face de tal notificação, como ali previsto.

Assim, detectada a omissão de tal notificação pessoal, impunha-se, se dúvidas houvesse quanto á data em que o ora embargante teve conhecimento da sentença, produzir prova quanto a tal ou, ordenar de imediato, a sua notificação pessoal, nos termos expostos.

Nada disto foi feito e quando, em 25 de Setembro de 2018, o embargante pretendeu recorrer de tal sentença, o recurso não foi admitido (tanto em 1.ª instância como nesta Relação), com o fundamento em que a decisão de que se pretendia recorrer já “há vários anos” havia transitado, porque tinha sido notificada ao mandatário do recorrente em 04 de Junho de 2010.

O problema é que a sentença tinha que ser notificada pessoalmente ao mandante, como já referido e não foi, pelo que, para este efeito, a notificação que foi efectuada ao seu mandatário é absolutamente ineficaz, o que acarreta que a sentença exequenda não transitou em julgado.

Efectivamente, para que a nulidade decorrente da omissão da notificação desta sentença ao mandante, se pudesse considerar sanada tinha, a mesma notificação, de lhe ser feita pessoalmente e com a cominação a que se alude no artigo 291.º, n.º 3, do que decorre que quando o tribunal recorrido se apercebeu de tal omissão, o que ocorreu, pelo menos, quando o ora recorrente interpôs recurso da sentença, ou se considerava que isso correspondia a um acto de não ratificação ou, de imediato, se ordenava que se procedesse à notificação em falta, mas nunca a mesma se poderia considerar suprida mediante a simples notificação da sentença, nem ao mandante nem ao mandatário.

Como referem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in CPC, Anotado, Vol. 1.º, 4.ª Edição, Almedina, no item 5.º, da anotação ao artigo 291.º do CPC (pág. 590):

“Constitui regime especial o da nulidade proveniente da falta de poderes do mandatário ou da irregularidade do mandato.

O juiz profere a sentença homologatória e manda-a notificar pessoalmente ao mandante. Se este expressamente ratificar o ato ou nada disser, a nulidade fica sanada. Se, porém, declarar que não ratifica o ato do mandatário, este é ineficaz. Enquanto a notificação não for feita, não se dá o trânsito em julgado da decisão, pelo que não é possível dela interpor recurso de revisão.”.

Não é, pois, através do recurso de revisão (como sugerido na decisão que indeferiu a reclamação da decisão que não admitiu o recurso) que se poderia resolver o impasse criado com a falta de notificação pessoal ao mandante da sentença dada em execução, uma vez que a mesma, como referido, não transitou em julgado.

De resto, na óptica de tais decisões – seguida pela decisão aqui recorrida – nem o recurso de revisão seria possível, dado que nelas se considerou que se verifica o respectivo trânsito em julgado, desde Junho de 2010, pelo que já se mostra ultrapassado o prazo para interpor o recurso de revisão fixado no artigo 697.º, n.º 2, do CPC – cinco anos.

Ou seja, na óptica de tais decisões, o embargante nada podia fazer: não podia interpor recurso porque a sentença já havia transitado; não podia a mesma ser objecto de recurso de revisão, porque o alegado trânsito em julgado já se verificava há mais de cinco anos e não podia, agora, arguir a nulidade da sentença exequenda, porque já decorreram mais de 10 dias, contados desde 20 de Setembro de 2018 (data em que teve conhecimento da sentença exequenda); tudo, porque se considerou que o trânsito em julgado se verificou por força da notificação da sentença homologatória da transacção ao seu mandatário, omitindo-se a notificação pessoal ao mandante, nos termos e para os efeitos do artigo 291.º, n.º 3, do CPC.

Ao invés do decidido, somos de opinião, que o remédio está em anular o processado posterior à sentença ora exequenda, acto sem o qual, reitera-se, ainda, não se verificou o respectivo trânsito em julgado e actos subsequentes, cf. artigo 195.º, n.º 1, do CPC – neste sentido, Acórdão da Relação de Lisboa, de 15/12/2011, Processo n.º 286-D/1999.L1-2, disponível no respectivo sítio do itij.

Ora, inexistindo trânsito em julgado da sentença, a mesma não é exequível e está eivada de nulidade, o que constitui fundamento de oposição à execução, cf. artigo 729.º, al.s a) e i), do CPC.

Como refere Lebre de Freitas in A Acção Executiva Depois da Reforma, 4.ª Edição, Coimbra Editora, pág. 40 “Para que a sentença seja exequível, é necessário que tenha transitado em julgado, isto é, que seja já insusceptível de recurso ordinário ou de reclamação”.

O que, repete-se, não se verifica in casu.

De resto, ainda sob outro ponto de vista, não poderia subsistir a decisão recorrida.

Isto porque, como acima já referido, aquando da interposição de recurso nos autos principais, o aqui embargante arguiu a nulidade da sentença e que lhe fosse a mesma notificada pessoalmente.

Não se admitiu o recurso, pelas já referidas razões.

No entanto, mais uma vez, salvo o devido respeito, sempre tal requerimento deveria valer como arguição da invocada nulidade, em conformidade com o disposto no artigo 547.º do CPC.

Efectivamente, ainda que por via de recurso, o embargante pretendia obter a declaração de nulidade da sentença homologatória da transacção e fê-lo em tempo.

Se não era admitido recurso devia, pelo menos, aproveitar-se tal requerimento para análise da questão da invocada nulidade.

Como referem Paulo Ramos de Faria e Ana Luísa Loureiro, in Primeiras Notas ao Novo Código de Processo Civil, 2.ª Edição, Vol. I, Almedina, a pág. 456:

“a norma contida no art. 547.º impõe ao juiz que assuma um outro desempenho processual. Deverá ele, agora, ponderar as diversas respostas para o repto processual e escolher, de entre as eficazes, a mais eficiente. Deverá procurar a solução que, proporcionando o efeito pretendido (eficácia), permite um menor dispêndio de meios ou de tempo (eficiência)”.

Ou seja, devia aproveitar-se o requerimento de interposição de recurso, para conhecer da invocada nulidade que, para isso, mesmo na óptica da decisão recorrida, era atempado.

Ainda uma outra ordem de razões conduziria a idêntica solução, qual seja a da natureza de jurisdição voluntária dos processos tutelares cíveis, cf. artigo 12.º do RGTPC, pelo que, cf. artigo 987.º do Código Civil, no critério de julgamento, não está o tribunal sujeito a critérios de legalidade estrita, devendo antes adoptar em cada caso a solução que julgue mais conveniente e oportuna.

Ora, em face de as decisões anteriormente produzidas terem considerado que a decisão já havia transitado e já nem era possível a arguição da nulidade aqui apreciada e, como acima, também, já referido, nem sequer, possível interpor recurso de revisão, ficaria o embargante sujeito às consequências de uma decisão que, nos termos da lei, não produziu, quanto a si, quaisquer efeitos e, não obstante, estava a ser executada e a servir de base para a dedução de um processo-crime, o que repugna ao sentimento e aos fins da justiça e do direito.

Pelo que, mesmo não havendo outra fundamentação para tal – que há, como acima exposto – esta ordem de razões, conduziria ao mesmo resultado.

Por último, duas breves notas para referir que não obstante as decisões proferidas nos autos principais, não terem admitido o recurso, com o fundamento em que a sentença exequenda, já se mostrava transitada, não constituem caso julgado formal, no âmbito destes autos, nos termos do disposto no artigo 620.º do CPC.

Efectivamente, naquelas, nos termos acima expostos, apenas se apreciou e decidiu da tempestividade do recurso apresentado nos autos principais, mas não se apreciou a questão da exequibilidade da sentença exequenda, pelo que, agora, se pode apreciar tal questão, por inexistir, quanto a esta, caso julgado anterior, cf. artigo 581.º do CPC.

Em consequência, não pode manter-se a decisão recorrida.

Pelo que, procede o recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar procedente o presente recurso de apelação, em função do que se revoga a decisão recorrida, que se substitui por outra que ordena a notificação pessoal da sentença homologatória da transacção, proferida nos autos principais, ao aqui recorrente, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 291.º, n.º 3, do CPC; seguindo-se os ulteriores termos do processo, em conformidade com a atitude/resposta que o mesmo vier a oferecer, na sequência de tal notificação, como previsto no preceito ora citado.

Custas, a fixar a final.

Coimbra, 15 de Outubro de 2019.

Arlindo Oliveira ( Relator )

Emídio Santos

Catarina Gonçalves