Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5517/18.8T8VIS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: ARLINDO OLIVEIRA
Descritores: EMBARGOS DE EXECUTADO
IMPLEMENTAÇÃO DO PERSI
COMUNICAÇÕES AO DEVEDOR
NOTIFICAÇÃO POR CARTA
MORADA INDICADA PELO DEVEDOR
Data do Acordão: 01/10/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE VISEU DO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 14.º, N.º 4, E 17.º, N.º 3, DO DLEI 227/12, DE 25-10, 224.º, N.ºS 1 E 2, E 406.º, N.º 1, DO CÓDIGO CIVIL
Sumário:
I –  Exigindo o art. 14.º, n.º 4, do DLei 227/12, de 25-10, que as comunicações sejam feitas, no âmbito do PERSI, em suporte duradouro, a demonstração do envio de tais comunicações pode ser efetuada através de prova testemunhal, visto ser admissível a prova da remessa e entrega ao destinatário das respetivas cartas através de qualquer meio de prova.

II – Se o executado foi mudando, sucessivamente, de residência, não informando o exequente e inviabilizando a sua citação para os autos de execução, não obstante as diversas diligências e tentativas para o fazer, não se pode imputar ao exequente a inviabilização de contactos com vista ao PERSI.

III – Devendo as obrigações acessórias dos contratos ser pontualmente cumpridas, cabia ao exequente enviar as cartas relativas ao PERSI para a morada constante do contrato e ao destinatário/executado adotar a diligência devida de molde a que fosse efetivamente assegurada a receção e o conhecimento das comunicações relevantes, que lhe fossem enviadas pelo credor.

IV – Demonstrando-se que as referidas cartas foram enviadas pelo banco para a morada que o executado havia indicado como sendo a sua, aquando da celebração do contrato de mútuo, sem que este tenha dado qualquer resposta ou contactado tal banco, é de concluir que as devia ter rececionado e tomado conhecimento do respetivo conteúdo, o que não fez por culpa sua, pelo que tais comunicações se tornaram eficazes.

Decisão Texto Integral:

            Processo n.º 5517/18.8T8VIS-A.C1 – Apelação

            Comarca de Viseu, Viseu, Juízo de Execução

            Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra

AA, já identificado nos autos, ausente, representado pelo Digno Magistrado do Ministério Público, por apenso à execução ordinária para pagamento de quantia certa que lhe move o Banco 1... SA, veio deduzir embargos de executado.

Para tanto, o Embargante arguiu a excepção dilatória inominada decorrente da falta de integração do mutuário, ora Executado, em PERSI, tendo impugnado, ainda, a factualidade articulada pelo Exequente no Requerimento Executivo, designadamente quanto ao envio e recepção das cartas alegadamente enviadas, com vista às negociações decorrentes do PERSI.

O Exequente contestou os embargos, conforme melhor se colhe do teor do respectivo articulado, que aqui se reproduz por brevidade de exposição, pugnando pela improcedência das pretensões do Executado/Embargante.

Para tal, alega que, em 26 de Setembro de 2017, enviou ao executado uma carta simples dando conta da sua integração no PERSI, que foi enviada para a morada indicada como sendo a sua aquando da celebração do contrato de mútuo que subjaz à livrança exequenda.

Não obstante, o executado nada disse e/ou informou, nem pagou a quantia em dívida, razão pela qual, em 26 de Dezembro de 2017, lhe foi remetida nova carta, para a mesma morada, comunicando a extinção do PERSI.

Mais refere que o executado nunca lhe comunicou qualquer alteração da morada ou contacto, apesar de esta carta ter sido devolvida com a menção “mudou-se” e que entre Janeiro e Fevereiro de 2018 tentou estabelecer contacto com o executado, mas sem sucesso, continuando sem estar ressarcido do valor mutuado, não obstante os esforços para tal envidados, em função do que pugna pela improcedência dos embargos.

 

Dispensada a Audiência prévia, foi proferido despacho saneador, com fixação do objecto do litígio e dos temas da prova.

Realizou-se a audiência de discussão e julgamento, com recurso à gravação da prova nela produzida, e finda a mesma foi proferida a sentença de fl.s 52 a 57 v.º, na qual se fixou a matéria de facto considerada como provada e não provada e respectiva fundamentação e, a final, se julgaram os embargos totalmente improcedentes e se determinou o prosseguimento da execução nos termos peticionados no requerimento executivo, isentando-se do pagamento das custas o embargante, nos termos do disposto no artigo 4.º, n.º 1, al. l), do RCP.

Inconformado com a mesma, interpôs recurso o Ministério Público, em representação do ausente, recurso, esse, admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo – (cf. despacho de fl.s 111), rematando as respectivas motivações, com as seguintes conclusões:

1. O Recorrente não se conforma com a matéria de facto dada como provada e com a ausência de factualidade dada como não provada, razão pela qual recorre, também, da matéria de facto.

2. O Recorrente considera que os seguintes pontos constantes de “II. Fundamentação de Facto:” foram incorrectamente julgados ao serem considerados provados, pois deviam ter sido considerados como não provados:

G) Em 26 de Setembro de 2017, o Exequente remeteu ao Executado uma carta simples a comunicar-lhe a sua integração no PERSI, referente às prestações n.ºs 2 e 3, conforme Documento nº ... junto à contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

H) A referida missiva foi remetida para a morada indicada como sendo do Executado aquando da celebração do contrato.

I) O Executado não deu resposta à missiva aludida em H) e permaneceu em situação de incumprimento.

J) Em 26 de dezembro de 2017 foi remetida ao Executado, para a morada do contrato, carta de comunicação de extinção do PERSI, conforme Documento nº ... junto à contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido”.

3. Com efeito, ao Recorrido não juntou qualquer elemento probatório que atestasse que procedeu ao efectivo envio ao Embargante/Executado das comunicações referentes à sua integração no PERSI e/ou à extinção deste procedimento e, muito menos, da recepção dessas comunicações por aquele; sendo que as supostas cartas que o Embargado/Exequente junta apresentam uma morada que não coincide integralmente com a que constava do contrato de crédito que estará na base da livrança dada à execução; com a que consta neste documento e com a que consta da carta de resolução daquele contrato e que, naturalmente, teria de ser posterior a um PERSI. Além disso, a única testemunha inquirida afirmou não ter conhecimento directo dos factos, pelo que a conjugação de todos estes elementos impunham uma decisão diferente quanto à matéria de facto.

Concretizando,

4. No artº 14º nº4 do D.L. 227/2012 de 25 de Outubro exige-se que a instituição de crédito informe o cliente bancário da sua integração no PERSI, através de comunicação em suporte duradouro, sendo que sendo necessária a prova do envio e recepção dessas comunicações, pois que estão em causa declarações receptícias, é necessário demonstrar o efectivo envio e recepção das comunicações, não bastando, assim, a mera junção de umas cópias de umas supostas cartas desacompanhadas de qualquer registo do seu envio, de prova de depósito das mesmas, do seu aviso de recepção ou de qualquer correspondência posterior do destinatário em que faça alusão a essas comunicações que lhe foram expedidas, sendo que tal falta de prova não pode ser colmatada por prova testemunhal, como o Recorrido fez e teve acolhimento em sede de decisão judicial (o mesmo valendo para a carta de extinção do PERSI, nos termos do artº. 17º nºs. 3 e 4 do referido diploma legal);

5. No presente caso, não foi junto qualquer prova que atestasse o envio de cartas de integração do Embargante/Executado no PERSI e/ou da extinção deste procedimento, bem assim como da recepção por aquele de tais comunicações, ao contrário do que terá sucedido com a carta de resolução do contrato de crédito em que a mesma já terá sido enviado com aviso de recepção, não se percebendo porque é que o Embargado/Exequente não adoptou os mesmos cuidados com as comunicações a que aludem os artºs. 14º e 17º do D.L. nº. 272/2012, – caso tenha procedido ao seu envio;

6. Entre a morada que figura nas supostas cartas referentes ao PERSI (a de integração e de extinção – Docs. nºs. ... e ... da Contestação aos embargos) e a que consta no contrato de financiamento que estará na sua base, bem como na carta de resolução, respectivo aviso de recepção e livrança que seriam posteriores àquelas cartas existem diferenças, não só a nível da indicação do código postal, como na apresentação do número da porta, pois que não é igual indicar-se 31 3 ou 31, 3, não se percebendo a razão de ser dessa indicação distinta naquelas supostas cartas, sendo que a única testemunha inquirida BB adianto como possível explicação para essa desconformidade que “… os serviços ao devolverem, podem ter verificado que havia algo de anómalo na carta e ter feito a correcção da própria morada na alteração de morada e terem feito alguma correcção à própria morada (13:58 – 14:10 mns. do seu depoimento).

7. Ora, se houve, de facto, algo de anómalo, na suposta carta de extinção, que até levou à correcção da carta de resolução, isso é o reconhecimento de que aquela, a ter sido realmente enviada, não foi para a morada correcta (o mesmo sucedendo com a de integração no PERSI), pelo que também por aqui se vê que não há elementos que permitam garantir o envio daquelas cartas, ou pelo menos o seu envio para as moradas correctas e, muito menos, a sua recepção pelo destinatário, o aqui Executado/Embargante.

8. A MMa. Juiz “ a quo” sustenta, no que concerne, à errada indicação do código postal nas pretensas cartas referentes ao PERSI não seria impeditiva da sua efectiva distribuição postal ““tendo em conta a dimensão da rua e da cidade em questão”, mas o certo é que não foi feita qualquer diligência probatória relativamente à extensão da morada e quanto ao

número da porta indicado.

9. Além de não ter sido feita prova do envio e recepção da comunicação referente à extinção do PERSI, também não foi feita prova de que esta tenha sido devolvida, pois que a mesma não foi junta, pelo que não se pode considerar tal facto como demonstrado e se, de facto, foi devolvida não se percebe porque é que o Recorrido não a juntou.

10. As supostas cartas referentes ao PERSI juntas pelo Recorrido foram impugnadas.

11. A única testemunha inquirida, BB, funcionário do Recorrido, revelou que não tinha conhecimento directo dos factos, pois que a sua intervenção apenas ocorre depois do PERSI, pelo que o seu depoimento não permitiria esclarecer e demonstrar o cumprimento das formalidades de tal procedimento, todavia, aquela testemunha acabou por invocar o sistema informático da Exequente; o registo interno deste e que a carta de extinção do PERSI foi devolvida, porém nenhum destes elementos foi junto ou sequer exibido, pelo que se desconhece se existem e existindo o que deles consta;

12. Ora, a MMa. Juiz “ a quo” valorou tais elementos em prejuízo do Recorrente, conforme se retira da fundamentação de facto quando se afirma que: Instada esta testemunha, disse, ainda, que depois do alerta no sistema informático para cumprimento dos prazos de PERSI, um dos departamentos do Banco faz a remessa postal dessas cartas (havendo registo interno desse envio), e que a sua intervenção neste processo bancário só ocorrerá se o cliente manifestar intenção de aderir ao PERSI, o que não aconteceu porque o cliente nunca deu qualquer resposta, nem contactou o Banco.

Efectivamente, BB, pronunciando-se expressamente quanto ao recebimento das cartas afirmou que o que pode assegurar, dado que está em causa o envio de cartas sem registo, é que, relativamente à primeira carta (de entrada no PERSI), não têm nos ficheiros do Banco qualquer registo de retorno da mesma, mas já quanto à segunda carta, que identificou como a de saída de PERSI, há registo de que não terá sido entregue por ter ocorrido mudança na morada do destinatário, nunca comunicada ao Banco)”.

13. A valoração efectuada pela MMa. Juiz “a quo” do relato desta testemunha na parte em que remete para todos esses elementos que não foram juntos viola o principio do contraditório e viola o que se pretendeu garantir com o PERSI que é o de que todas as comunicações existentes com o cliente bancário constem de suporte duradouro, de modo a que estejam asseguradas as garantias de defesa deste.

14. Acresce que a MMa. Juiz “a quo” admitindo que as cartas relativas ao PERSI foram enviadas presume que as mesmas foram ou podiam ter sido recebidas pelo seu destinatário, o aqui Recorrente, todavia não existe no Código Civil qualquer norma que consagre a presunção de que uma carta enviada seja efectivamente entregue1, sendo que a MMa. Julgadora também acaba por afirmar na fundamentação de facto que desconhece se a carta de integração no PERSI foi entregue e que a carta de extinção não foi entregue por culpa do

Embargado.

15. A lei exige que a integração dos clientes bancários no PERSI e a extinção do mesmo lhes sejam devidamente comunicadas em suporte duradouro (cf. artigos 14.º, n.º 4, e 17.º, n.º 3, do referido diploma legal), tratando-se, sem dúvida, de declarações receptícias, o que significa que tinha que ser feita a prova da existência dessas comunicações, do seu envio e da sua receção pelos executados, cabendo o ónus da prova desses factos à instituição de crédito, já que se trata de condição indispensável para o exercício do direito que pretende fazer valer, pelo que competia ao Recorrido fazer prova do envio e recepção daquelas comunicação ao/pelo Recorrente, o que aquele não conseguiu fazer.

16. Da leitura da sentença recorrida, mais concretamente dos factos dados como provados, não consta como facto provado que a suposta carta de extinção do PERSI tenha sido recepcionada pelo Executado/Embargado ou que o podia ser nem sequer que a mesma tenha sido devolvida (como alegado pelo Exequente), pelo que estando em causa uma declaração receptícia, não se pode, por consequência, dar como cumpridas todas as formalidades do PERSI, pelo que ter-se-ia de concluir pela verificação desta excepção dilatória inominada e extinguir a instância executiva.

17. Ora, tratando-se, como se disse, de declaração receptícia e que, como tal, só produz efeitos após a sua recepção pelo destinatário, nos termos do nº. 4, do artº. 17º do D.L. nº.: 227/2012, de 25/10, o facto de não se ter dado como provado que a carta de extinção foi recebida pelo devedor (ou que, quando muito, o podia ter sido) e cabendo a prova da sua 1 Neste sentido Acórdão da Relação de Lisboa, de 3/2/2022, proferido no Processo nº.: 11810/17.0T8SNT.L.2, ainda não publicado até à presente data, mas que o respectivo sumário é citado no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 17/2/2022, proferido no Processo nº.: 29942/20.5YIPRT.L1-6.

recepção à Exequente/Embargada, tal teria de conduzir, obrigatoriamente, por si só, à

procedência dos embargos e à consequente extinção da instância executiva por não ter

sido respeitado o PERSI, o que constitui uma excepção dilatória inominada, de

conhecimento oficioso.

18. Face ao atrás exposto, a matéria constantes dos itens G), H), I) e J) da Fundamentação de facto mostra-se incorrectamente dada como provada, pois que não o deveria ter sido dado como tal, impondo-se que tivesse sido dada como não provada a seguinte matéria:

- que a Exequente tenha comunicado, nos termos legais, ao Executado a sua integração no PERSI, bem assim como a extinção deste e/ou que o Executado não recebeu qualquer comunicação referente à sua integração no PERSI ou sobre a extinção deste,

o que implicaria, necessariamente, que se desse como demonstrado que o Recorrido não cumpriu as regras imperativas previstas no D.L. nº. 227/2012, de 25/10, faltando, assim, uma condição de procedibilidade, pelo que tratando-se de uma excepção dilatória terá de determinar a extinção da presente execução;

SEM PRESCINDIR,

QUANTO À MATÉRIA DE DIREITO:

19. O cumprimento do PERSI tem de ser real e efectivo, cabendo “à entidade de crédito dar oportunidade ao contacto e negociação com a contraparte (devedor/cliente/consumidor), sem o que seria ilusória a esfera de proteção estabelecida” em prol “do  cliente/devedor/consumidor em situação de mora no cumprimento, visto como parte frágil na relação e, por isso, carecido de especial proteção.

20. Ora, dos autos não resulta que a Exequente tenha cumprido com todas aquelas formalidades previstas no D.L. nº. 272/2012, já que não resulta que a Exequente tenha encetado contactos preliminares com o Executado; que o Exequente tenha validamente integrado o Executado/Embargante no PERSI e que lhe tenha comunicado tal integração e assegurado que tal comunicação chegou ao seu conhecimento, o mesmo sucedendo com a sua extinção e, muito menos, que o Exequente tenha cumprido a fase de avaliação e proposta, o mesmo sucedendo relativamente à fase de negociação. Não tendo cumprido, na íntegra, as obrigações que sobre si impendiam no âmbito deste procedimento (PERSI) verifica-se a excepção dilatória inominada, que acarreta a extinção da presente execução.

21. Ao contrário do que a MMa. Juiz “ a quo” afirma não resulta, salvo o devido respeito, dos autos qualquer elemento donde resulte que o Recorrente não colaborou com o Exequente, já que não está demonstrado que aquele recebeu qualquer comunicação a solicitar essa colaboração (tal como a MMa. Julgadora reconhece quando afirma que se desconhece se o mesmo recebeu a suposta carta de integração no PERSI) e o Exequente, ora Recorrido, também não juntou qualquer comunicação de que considerva extinto um eventual PERSI já iniciado nos termos do artº. 17º, nº2, al. d), do D.L. nº. 227/2012, ou seja, por falta de colaboração.

22. Pese embora tenha sido suscitada a questão da falta de cumprimento pelo Embargado/Exequente das formalidades estabelecidas no D.L. nº. 272/2012, de 25/10, quanto aos contactos preliminares e a fase de avaliação e proposta, referidas nos artºs. 13º e 14º daquele diploma legal, matéria relacionada com a excepção dilatória inominada suscitada e de conhecimento oficioso, o certo é que a MMa. Juiz “a quo” não se pronunciou sobre tais formalidades, no sentido de as considerar ou não verificadas, pelo que a sentença é nula, nos termos dos artºs. 608, nº2 e 615º, nº1, al. d), ambos do C.P.Civil;

23. Da leitura dos factos dados como provados sob as alíneas G), H) e I)2 pode deduzir-se que a MMa. Juiz “ a quo” considerou que a carta de integração no PERSI foi recebida pelo Embargante/Executado e que o mesmo, tendo conhecimento dela, optou por não responder à mesma, todavia na fundamentação de Direito, a MMa. Juiz “a quo” afirma o seguinte “No caso dos autos, em face da factualidade dada como provada e o que dispõe o artigo 224.º, n.º1 do Código Civil, quanto à eficácia da declaração, julgamos que o Banco exequente cumpriu o dever de integrar o Executado em PERSI, remetendo-lhe uma comunicação formal que contém os elementos previstos no artigo 7.º do Aviso 17/2012 do Banco de Portugal e que está acompanhada do respectivo modelo constante do Anexo II a esse diploma, para a morada que consta do contrato de

2 “G) Em 26 de Setembro de 2017, o Exequente remeteu ao Executado uma carta simples a comunicar-lhe a sua integração no PERSI, referente às prestações n.ºs 2 e 3, conforme Documento nº ... junto à contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

H) A referida missiva foi remetida para a morada indicada como sendo do Executado aquando da celebração do contrato.

I) O Executado não deu resposta à missiva aludida em H) e permaneceu em situação de incumprimento”.

crédito (a única conhecida do mutuário), sendo que, a não ter sido recebida tal missiva (o que se

desconhece por se tratar de uma carta simples), trata-se de um comportamento que só ao Executado pode ser imputado” (destacado nosso). Assim, se se afirma que se desconhece se a carta foi recebida não se pode dar como provado que aquele a quem se dirigia a carta não respondeu à mesma, pois que para responder era preciso que o destinatário a tivesse recebido e soubesse o seu conteúdo.

24. Há, assim, uma clara oposição entre o que consta da fundamentação de Direito, concretamente no excerto atrás citado e o item I) dos factos dados como provados, o que implica a nulidade da sentença nos termos do artº. 615º, nº1, alínea c), do C.P.Civil.

25. Quanto à suposta carta de extinção, a MMa. Juiz apenas dá como provado o seu envio – item J) dos factos dados como provados, não tendo dado como provada a sua recepção ou devolução, mas na fundamentação de Direito a MMa. Julgadora considera que a mesma não foi recebida por culpa do Executado, porém não refere em que factos concretos se extrai essa culpa do Executado, pelo que ao não indicar (os fundamentos de facto e de direito) porque razão considera que a carta de extinção não foi recebida por culpa do Executado, a sentença é nula, nos termos do artº. 615º, nº 1, alínea b), do C.P.Civil ou, quando muito, por envolver tal conclusão obscuridade que a tornam, nessa parte, ininteligível (cfr. alínea c. daquele preceito legal).

26. Ao afirmar que se desconhece se a carta de integração no PERSI foi recebida e ao não dar

como provado que a carta de extinção foi efectivamente recebida pelo Executado, não poderia a MMa. Juiz “ a quo” concluir pelo cumprimento do PERSI, pois que a recepção daquelas comunicações é requisito para a validade de tais comunicações, pelo que ao considerar respeitados os pressupostos daquele procedimento com a fundamentação de facto e de direito que o fez a sentença apresenta contradição, ou pelo menos ambiguidade, na respectiva motivação, o que implica, igualmente, a sua nulidade, nos termos do artº. 615º, nº1, al. d), do C.P.Civil.

27. A suposta carta relativa à extinção do PERSI apenas indica que este se extinguiu por terem decorrido 91 dias sobre o seu início, não indicando o respectivo dispositivo legal ( como também exige o artº. 8º al. a. do Aviso do Banco de Portugal nº. 17/2012); as razões pelas quais se considera inviável a manutenção daquele procedimento nem se indicam as consequências da extinção do PERSI, designadamente a possibilidade de resolução do contrato e de execução judicial dos créditos, tal como exigido na al. b) do artº. 8º do Aviso do Banco de Portugal nº. 17/2012.

28. A extinção do PERSI pelo decurso do prazo de 91 dias é aplicável a qualquer das situações previstas no nº 2 do artigo 17º do DL 227/2012, desde que a instituição bancária não tenha lançado mão da faculdade de extinção antecipada, pelo que a eficácia da extinção do PERSI depende da sua comunicação ao devedor, declaração receptícia essa que deve conter, na parte que agora nos interessa considerar, quer as razões de facto, quer a norma jurídica que fundamentam tal extinção (artigo 17º nºs 3, 4 e 5 e Aviso do Banco de Portugal nº 17/2012), a fim de que este se possa defender (em termos de suporte factual e legal).

29. Assim, mesmo que se admitisse que a carta de extinção do PERSI tivesse sido enviada e recebida pelo Embargante sempre a mesma seria ineficaz, por não respeitar as formalidades imperativas previstas na lei. Neste sentido, o recente Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 7/4/2022, proferido no Processo nº.: 451/21.7T8ENT.E1, com o seguinte sumário: “Uma carta em que a instituição bancária comunica ao cliente que o PERSI em que o mesmo havia sido integrado se extinguiu por terem decorrido 91 dias, sem qualquer outra menção, não tem eficácia extintiva desse procedimento”.

30. Apesar da não observância das formalidades da suposta carta de extinção ter sido suscitada pelo Embargante, quer em sede de pronúncia sobre a junção da mesma, quer em sede de alegações, a MMa. Juiz “ a quo” não se pronunciou sobre tal matéria, sendo que a mesma se reporta à verificação de condições de procedibilidade da presente execução, que é matéria de conhecimento oficioso, pelo que a sentença é nula nos termos do artº. 615º, nº1, al. d), do C.P.Civil.

31. Face a tudo o atrás exposto deve a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que considere verificada a excepção dilatória nominada suscitada, com a consequente procedência dos embargos e extinção da presente execução.

32. A sentença recorrida violou, além do mais, os seguintes artigos: artºs. 3º, alínea h); 13º; 14º; 15º, 16º e 17º do D.L. nº.: 227/2012, de 25/10; artºs. 224º, nº1; 342º, nº1; 364º e 393º, nº1, do C.C. e arts. 3º, nº 3; 608º, nº2 e 615º, nº1, als. b), c) e d), do Código de Processo Civil.

ASSIM, farão V. Exas., como sempre, JUSTIÇA

Contra-alegando, o exequente-embargado, pugna pela manutenção da decisão recorrida, aderindo à fundamentação na mesma exposta, designadamente, que não se exige prova específica do envio e recepção das cartas relativas ao PERSI, que podem ser remetidas através de correio simples; cujo envio pode ser provado por prova testemunhal; que a prova produzida foi bem apreciada, verificando-se cumpridas todas as formalidades e  exigências legalmente exigidas para que pudesse intentar a execução de que os presentes embargos constituem apenso, bem como que a sentença recorrida não padece das nulidades que lhe assaca o recorrente.

Colhidos os vistos legais, há que decidir.   

Tendo em linha de conta que nos termos do preceituado nos artigos 635, n.º 4 e 639.º, n.º 1, ambos do CPC, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal e considerando a natureza jurídica da matéria versada, são as seguintes as questões a decidir:

A. Incorrecta análise e apreciação da prova, relativamente aos factos constantes das alíneas G) a J), dos factos provados, que devem passar a considerar-se como não provados e devendo dar-se como não provado:

“que a exequente tenha comunicado, nos termos legais, ao executado a sua integração no PERSI, bem assim como a extinção deste e/ou que o executado não recebeu qualquer comunicação referente à sua integração no PERSI ou sobre a extinção deste”;

B. Se a sentença recorrida padece das nulidades previstas no artigo 615.º, n.º 1, al.s b), c) e d), do CPC;

C. Se a carta, alegadamente, enviada a comunicar a extinção do PERSI, ainda que recebida, é ineficaz, por não respeitar as formalidades previstas na lei, por se limitar a referir o decurso do prazo previsto para tal procedimento e;

D. Se, em face da pretendida alteração da matéria de facto dada como provada e não provada, se deve ter como verificada a invocada excepção dilatória inominada, com o fundamento em o exequente/embargado não ter procedido às comunicações legalmente exigíveis.

É a seguinte a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida:

A) No exercício da sua atividade bancária e a pedido de AA, o Exequente celebrou, em 09 de Junho de 2017, um Contrato de Crédito Pessoal, identificado com o nº ...04, mediante o qual lhe emprestou o montante de €10.665,27 (dez mil, seiscentos e sessenta e cinco euros e vinte e sete cêntimos), conforme Documento n.º ... junto à contestação cujo teor se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais.

B) O referido empréstimo foi concedido para a finalidade de renegociação de dívida para fins familiares, após contacto do Executado junto do Embargado, para renegociação do contrato de empréstimo n.º ...01, que se encontrava em incumprimento.

C) Nos termos do referido contrato, o subscritor AA obrigou-se ao pagamento de 120 prestações, mensais e sucessivas, vencendo-se a primeira no dia 26 de Junho de 2017, com aplicação de uma taxa Nominal de 8,879% e uma T.A.E.G. de 10,881%.

D) Os pagamentos seriam efetuados por débito em conta de depósitos à ordem identificada com o nº ...01.

E) Para garantia do integral cumprimento de todas e quaisquer obrigações e responsabilidades emergentes do referido contrato, AA subscreveu uma livrança em branco, devidamente assinada no lugar reservado aos subscritores e com os demais elementos em branco, tendo o mesmo autorizado o seu preenchimento, nos termos da cláusula 5.ª das condições gerais do aludido contrato.

F) Das 120 prestações acordadas no contrato garantido pela livrança dada à execução foram pagas as primeiras duas, vencida esta última a 26 de julho de 2017.

G) Em 26 de Setembro de 2017, o Exequente remeteu ao Executado uma carta simples a comunicar-lhe a sua integração no PERSI, referente às prestações n.ºs 2 e 3, conforme Documento nº ... junto à contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

H) A referida missiva foi remetida para a morada indicada como sendo do Executado aquando da celebração do contrato.

I) O Executado não deu resposta à missiva aludida em H) e permaneceu em situação de incumprimento.

J) Em 26 de dezembro de 2017 foi remetida ao Executado, para a morada do contrato, carta de comunicação de extinção do PERSI, conforme Documento nº ... junto à contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

K) Face ao incumprimento do Executado, o Exequente procedeu à resolução do contrato e preencheu a respetiva livrança, com data de vencimento para 21/05/2018, tendo interpelando o Executado, por carta registada com aviso de recepção, datada de 11 de Maio de 2018, para proceder ao pagamento do montante pelo qual a livrança foi preenchida, concedendo-lhe o prazo de dez dias para o efeito, montante esse que naquela data ascendia a € 11.370,70 (onze mil, trezentos e setenta euros e setenta cêntimos), em conformidade com o doc. ..., junto à contestação cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

L) A missiva aludida em K) foi enviada para a morada indicada pelo Executado no contrato de crédito, tendo sido devolvida, com a indicação – Objeto não reclamado.

M) A livrança não foi paga ao Exequente na data marcada para o vencimento, nem posteriormente.

*

Dos Factos Não Provados

Com relevância para a decisão a proferir não ficaram por provar quaisquer factos.

A. Incorrecta análise e apreciação da prova, relativamente aos factos constantes das alíneas G) a J), dos factos provados, que devem passar a considerar-se como não provados e devendo dar-se como não provado:

“que a exequente tenha comunicado, nos termos legais, ao executado a sua integração no PERSI, bem assim como a extinção deste e/ou que o executado não recebeu qualquer comunicação referente à sua integração no PERSI ou sobre a extinção deste”

No que a esta questão respeita, entende o ora recorrente, que o Tribunal devia dar como não provada a factualidade constante dos itens em referência, em conformidade com o que antecede, com o fundamento, desde logo, em ser inadmissível prova testemunhal sobre a matéria em causa e; mesmo considerando o depoimento prestado pela testemunha BB, o mesmo é insuficiente para dar tal factualidade como provada, do que resulta a não demonstração do envio das cartas referidas nos autos.

Antes da análise do depoimento prestado pela testemunha ora identificada, importa decidir se o mesmo é válido; isto é, se é admissível a produção de prova testemunhal acerca da matéria de facto em apreço.

Efectivamente, o recorrente alega que em virtude de no artigo 14.º, n.º 4 do DL 227/12, de 25 de Outubro se exigir que a comunicação seja feita em suporte duradouro, a demonstração do envio de tais comunicações não poderá ser feita através de prova testemunhal.

Como resulta do disposto no artigo 3.º, al. h), deste DL, por suporte duradouro entende-se “qualquer instrumento que permita armazenar informações durante um período de tempo adequado aos fins a que as informações se destinam e que possibilite a reprodução integral e inalterada das informações armazenadas”.

Assim sendo, nada resulta da lei no sentido de que o envio de tais comunicações tenha de ser feito através de carta registada, com ou sem aviso de recepção, pelo que o podem ser através de carta simples, relevando a existência/inexistência de registo apenas para efeitos da prova da entrega das cartas ao destinatário e não à existência da declaração em si mesma, do que se impõe concluir que a prova da remessa e entrega ao destinatário de tais cartas, pode ser feita através de qualquer meio de prova, incluindo a testemunhal.

Assim o decidiu o STJ, cf. Acórdão de 13/04/2021, Processo n.º 1311/19.7T8ENT-B.E1.S1, disponível no respectivo sítio do Itij, em que se valora o envio da carta como indício da sua recepção, passível de demonstração através do recurso à prova testemunhal.

No mesmo sentido, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Évora, de 26/5/22, Processo n.º 2342/18.0T8ENT-A.E1, e no qual, se citam outros em idêntico sentido e de 15/9/2022, Processo n.º 193/22.6T8ELV-A.E1 e da Relação do Porto, de 7/2/22, Processo n.º 1091/20.3T8OVR-A.P1, disponíveis no mesmo sítio do anterior.

Consequentemente (e alterando a posição assumida no Acórdão desta Relação, de 8/3/22, Processo n.º 824/20.2T8ANS.C1, que subscrevi como adjunto), entendemos que é passível de demonstração através de prova testemunhal a remessa e recepção das cartas a que se alude nos artigos 14.º, n.º 4 e 17.º, n.º 3, do supra citado DL 227/2012.

Concluindo, como se concluiu, pela admissibilidade da prova testemunhal para prova da factualidade em apreço, passamos a analisar o depoimento prestado pela testemunha BB.

Posto isto, e em tese geral, convém, desde já, deixar algumas notas acerca da produção da prova e definir os contornos em que a mesma deve ser apreciada em 2.ª instância.

Toda e qualquer decisão judicial em matéria de facto, como operação de reconstituição de factos ou acontecimento delituoso imputado a uma pessoa ou entidade, esta através dos seus representantes, dependente está da prova que, em audiência pública, sob os princípios da investigação oficiosa (nos limites e termos em que esta é permitida ao julgador) e da verdade material, se processa e produz, bem como do juízo apreciativo que sobre a mesma recai por parte do julgador, nos moldes definidos nos artigos 653, n.º 2 e 655, n.º 1, CPC – as já supra mencionadas regras da experiência e o princípio da livre convicção.

Submetidas ao crivo do contraditório, as provas são, pois, elemento determinante da decisão de facto.

Ora, o valor da prova, isto é, a sua relevância enquanto elemento reconstituinte dos factos em apreço, depende fundamentalmente da sua credibilidade, ou seja, da sua idoneidade e autenticidade.

Por outro lado, certo é que o juízo de credibilidade da prova por declarações, depende essencialmente do carácter e probidade moral de quem as presta, sendo que tais atributos e qualidades, como regra, não são apreensíveis mediante o exame e análise das peças ou textos processuais onde as mesmas se encontram documentadas, mas sim através do contacto directo com as pessoas, razão pela qual o tribunal de recurso, salvo casos de excepção, deve adoptar o juízo valorativo formulado pelo tribunal recorrido.

Quanto à apreciação da prova, actividade que se processa segundo as regras da experiência comum e o princípio da livre convicção, certo é que em matéria de prova testemunhal (em sentido amplo) quer directa quer indirecta, tendo em vista a carga subjectiva inerente, a mesma não dispensa um tratamento a nível cognitivo por parte do julgador, mediante operações de cotejo com os restantes meios de prova, sendo que a mesma, tal como a prova indiciária de qualquer outra natureza, pode e deve ser objecto de formulação de deduções e induções, as quais partindo da inteligência, hão-de basear-se na correcção de raciocínio, mediante a utilização das regras de experiência e conhecimentos científicos, tudo se englobando na expressão legal “regras de experiência”.

Estando em discussão a matéria de facto nas duas instâncias, nada impede que o tribunal superior, fundado no mesmo princípio da livre apreciação da prova, conclua de forma diversa do tribunal recorrido, mas para o fazer terá de ter bases sólidas e objectivas.

Não se pode olvidar que existe uma incomensurável diferença entre a apreciação da prova em primeira instância e a efectuada em tribunal de recurso, ainda que com base nas transcrições dos depoimentos prestados, a qual, como é óbvio, decorre de que só quem o observa se pode aperceber da forma como o testemunho é produzido, cuja sensibilidade se fundamenta no conhecimento das reacções humanas e observação directa dos comportamentos objectivados no momento em que tal depoimento é prestado, o que tudo só se logra obter através do princípio da imediação considerado este como a relação de proximidade comunicante entre o tribunal e os participantes de modo a que aquele possa obter uma percepção própria do material que haverá de ter como base da decisão.

As consequências concretas da aceitação de tal princípio definem o núcleo essencial do acto de julgar em que emerge o senso; a maturidade e a própria cultura daquele sobre quem recai tal responsabilidade. Estamos em crer que quando a opção do julgador se centre em elementos directamente interligados com o princípio da imediação (v. g. quando o julgador refere não foram (ou foram) convincentes num determinado sentido) o tribunal de recurso não tem grandes possibilidades de sindicar a aplicação concreta de tal princípio.

Na verdade, o depoimento oral de uma testemunha é formado por um complexo de situações e factos em que sobressai o seu porte, reacções imediatas, o contexto em que é prestado o depoimento e o ambiente gerado em torno de quem o presta, não sendo, ainda, despiciendo, o próprio modo como é feito o interrogatório e surge a resposta, tudo isso contribuindo para a convicção do julgador.

A comunicação vai muito para além das palavras e mesmo estas devem ser valoradas no contexto da mensagem em que se inserem, pois como informa Lair Ribeiro, as pesquisas neurolinguísticas numa situação de comunicação apenas 7% da capacidade de influência é exercida através da palavra sendo que o tom de voz e a fisiologia, que é a postura corporal dos interlocutores, representam, respectivamente, 38% e 55% desse poder - “Comunicação Global, Lisboa, 1998, pág. 14.

Já Enriço Altavilla, in Psicologia Judiciaria, vol. II, Coimbra, 3.ª edição, pág. 12, refere que “o interrogatório como qualquer testemunho, está sujeito à crítica do juiz, que poderá considerá-lo todo verdadeiro ou todo falso, mas poderá também aceitar como verdadeiras certas partes e negar crédito a outras”.

Então, perguntar-se-á, qual o papel do tribunal de recurso no controle da prova testemunhal produzida em audiência de julgamento?

Este tribunal poderá sempre controlar a convicção do julgador na primeira instância quando se mostre ser contrária às regras da experiência, da lógica e dos conhecimentos científicos. Para além disso, admitido que é o duplo grau de jurisdição em termos de matéria de facto, o tribunal de recurso poderá sempre sindicar a formação da convicção do juiz ou seja o processo lógico. Porém, o tribunal de recurso encontra-se impedido de controlar tal processo lógico no segmento em que a prova produzida na primeira instância escapa ao seu controle porquanto foi relevante o funcionamento do princípio da imediação.

Tudo isto, sem prejuízo, como acima já referido, de o Tribunal de recurso, adquirir diferente (e própria) convicção (sendo este o papel do Tribunal da Relação, ao reapreciar a matéria de facto e não apenas o de um mero controle formal da motivação efectuada em 1.ª instância – cf. Acórdão do STJ, de 22 de Fevereiro de 2011, in CJ, STJ, ano XIX, tomo I/2011, a pág. 76 e seg.s e de 30/05/2013, Processo 253/05.7.TBBRG.G1.S1, in http://www.dgsi.pt/jstj.

Tendo por base tais asserções, dado que se procedeu à gravação da prova produzida, passemos, então, à reapreciação da matéria de facto em causa, a fim de averiguar se a mesma é de manter ou de alterar, em conformidade com o disposto no artigo 662.º, do CPC., pelo que, nos termos expostos, nos compete apurar da razoabilidade da convicção probatória do tribunal de 1.ª instância, face aos elementos de prova considerados (sem prejuízo, como acima referido de, com base neles, formarmos a nossa própria convicção).

Vejamos, então, a factualidade posta em causa pelo ora recorrente, nas respectivas alegações de recurso.

A. Incorrecta análise e apreciação da prova, relativamente aos factos constantes das alíneas G) a J), dos factos provados, que devem passar a considerar-se como não provados e devendo dar-se como não provado:

“que a exequente tenha comunicado, nos termos legais, ao executado a sua integração no PERSI, bem assim como a extinção deste e/ou que o executado não recebeu qualquer comunicação referente à sua integração no PERSI ou sobre a extinção deste”

Para facilitar a decisão desta questão, passa-se a transcrever o teor de tal factualidade:

“G) Em 26 de Setembro de 2017, o Exequente remeteu ao Executado uma carta simples a comunicar-lhe a sua integração no PERSI, referente às prestações n.ºs 2 e 3, conforme Documento nº ... junto à contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.

H) A referida missiva foi remetida para a morada indicada como sendo do Executado aquando da celebração do contrato.

I) O Executado não deu resposta à missiva aludida em H) e permaneceu em situação de incumprimento.

J) Em 26 de dezembro de 2017 foi remetida ao Executado, para a morada do contrato, carta de comunicação de extinção do PERSI, conforme Documento nº ... junto à contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.”.

Como acima já referido e consta da sentença recorrida, a matéria de facto em causa foi considerada como provada, com base na seguinte fundamentação (cf. fl.s 53 e 54):

“A convicção do Tribunal assenta, em geral, no teor dos documentos juntos pelo Banco Embargado (sobretudo, no original do contrato de crédito pessoal, na livrança nas cartas emitidas no âmbito do PERSI e na carta de resolução contratual), conjugados com o depoimento da testemunha BB, conforme avaliação crítica que se passará a expor.

Assim, em concreto,

(…)

Já quanto à demonstração da factualidade que se prende com a integração do Executado em PERSI, tal como se deu provado em G) a J), acolhemos o teor dos documentos a que ali se faz alusão, em concreto, as cartas datadas de 26 de Setembro de 2017 e de 26 de Dezembro de 2017, juntas pelo Exequente, devidamente contextualizadas pela testemunha BB, nas quais resulta inscrita uma morada que tem correspondência com aquela que foi indicada pelo mutuário no contrato, sendo certo que, no nosso juízo, os componentes dessa morada em que se verifica discrepância (nos três últimos dígitos do código postal, inscritos pelo Banco como três zeros ao invés de 132), não seriam impeditivos da sua efectiva distribuição postal, tendo em conta a dimensão da rua e da cidade em questão.

Segundo nos relatou BB, de forma fiável e, por essa razão, convincente, as comunicações enviadas no âmbito do PERSI são geradas de modo automático pelo sistema informático do Banco, quando o contrato entra em incumprimento, e são remetidas para a morada do cliente que consta do contrato, a não ser que, entretanto essa morada seja alterada pelo mesmo, avançando ainda que a área de contencioso e o balcão, onde foi formalizado o contrato, também tentam entrar em contacto com o cliente para regularizar a situação, o que no caso não foi possível.

Instada esta testemunha, disse, ainda, que depois do alerta no sistema informático para cumprimento dos prazos de PERSI, um dos departamentos do Banco faz a remessa postal dessas cartas (havendo registo interno desse envio), e que a sua intervenção neste processo bancário só ocorrerá se o cliente manifestar intenção de aderir ao PERSI, o que não aconteceu porque o cliente nunca deu qualquer resposta, nem contactou o Banco.

Efectivamente, BB, pronunciando-se expressamente quanto ao recebimento das cartas afirmou que o que pode assegurar, dado que está em causa o envio de cartas sem registo, é que, relativamente à primeira carta (de entrada no PERSI), não têm nos ficheiros do Banco qualquer registo de retorno da mesma, mas já quanto à segunda carta, que identificou como a de saída de PERSI, há registo de que não terá sido entregue por ter ocorrido mudança na morada do destinatário, nunca comunicada ao Banco).”.

Vejamos, então, se do depoimento e documentos invocados pelo recorrente, e sem olvidar as considerações prévias, quanto a tal, já acima explanadas, existem motivos para que a supra mencionada matéria de facto seja modificada ou alterada.

Esta, no essencial, resume-se a saber, se o exequente remeteu ao executado as cartas referidas nas alíneas G) e J) e se as mesmas foram recebidas por este último.

Foi ouvido, na íntegra, o depoimento prestado pela testemunha BB, que referiu ser bancário e trabalha para o exequente, há cerca de 30 anos, desempenhando funções de gestor de processos na área de contencioso.

Não conhece pessoalmente o executado, “só o conheço no âmbito do processo. Tentei telefonar, mas nunca consegui”.

Relativamente à emissão das cartas, referiu que “as comunicações têm cariz automático” e que as cartas “são enviadas para a morada que temos no contrato, a não ser que tenha sido alterada a morada do contrato”.

“Fizemos tentativas de contacto (com o executado) tanto no balcão da área como no contencioso” e que é usual, comunicarem com o cliente, telefonicamente “ou comunicações electrónicas, caso o cliente tenha”. Acrescentou que “o cliente nunca deu resposta aos contactos, quer da minha área quer do balcão. Não tiveram resultados”. E que já se tratava da renegociação de um contrato anterior, incumprido.

Ainda, relativamente à emissão das cartas, referiu que “o sistema dá alerta e há um departamento que faz a envelopagem e a remessa aos clientes”.

Mais disse que “a recolha de elementos fornecidos pelo cliente é feita no balcão e posteriormente remetida para análise ao contencioso e recuperação de crédito”.

Referiu, ainda, que só teve conhecimento deste caso “depois de integrar o PERSI”.

Ainda, relativamente ao envio das cartas, referiu que “as moradas saem do automatismo do sistema e o comprovativo de envio é o registo interno e cópia da mesma”. Instado acerca de saber se as cartas tinham sido recebidas disse “conhecimento não tenho. Uma, veio devolvida por alteração de morada, a carta de saída do PERSI, a segunda”.

Acerca do teor da carta de saída do PERSI e eventual “falta de explicação/razão” para a saída, referiu que “o banco envia sempre a carta de extinção, se não houver nenhuma iniciativa e o incumprimento se mantiver”.

Concluiu, afirmando que “não tem conhecimento de nova morada do cliente. O cliente nunca fez chegar nova documentação sobre a alteração de morada”.

Ora, compulsado este depoimento, bem como os demais elementos probatórios referidos na fundamentação da matéria de facto constante da sentença recorrida (acima, parcialmente, transcrita), esta (fundamentação) mostra-se fiel e espelha o que de tal depoimento e demais elementos de prova se pode retirar e, por conseguinte, não contêm virtualidades para se alterar a factualidade em causa, no sentido propugnado pelo recorrente.

Como já se referiu, o recorrente, pretende que não se dê como provado que o exequente remeteu ao executado as cartas referidas nas alíneas G) e J) nem que este as recebeu.

Ao invés, na sentença recorrida, deu-se como provada veracidade de tais factos.

Efectivamente, somos de opinião que, em face da prova produzida se deve concluir que o exequente emitiu e enviou ao executado as referidas cartas, para a morada que constava no contrato como sendo a sua, não dispondo das sucessivas moradas que foram referenciadas nos autos como nelas residindo o executado e em que, todas elas, se frustrou a sua citação para os autos de execução, como do mesmo consta.

Como resulta do depoimento em causa, a testemunha BB, de forma lógica, plausível e coerente, explicou os passos dados pelo exequente nos casos de incumprimento dos contratos e negociações tendentes a aferir das razões para tal e que, no caso em apreço, não houve qualquer resposta por parte do devedor, não obstante as tentativas para tal feitas quer pelo balcão da área da residência que o banco conhecia quer, posteriormente, pelo contencioso.

O mesmo explicou que o sistema informático do banco, sinaliza os incumprimentos e, de forma automática, gera a emissão das cartas a enviar, com as finalidades do PERSI, aos clientes.

Mais informou que decorrido o prazo do PERSI, se gerou e enviou a carta a informar da extinção.

Tal como considerado na decisão recorrida, entendemos que a factualidade em causa se deve dar por demonstrada.

É plausível que, dada a dimensão e quantidade de contratos firmados pelo exequente, exista um programa informático que dê origem à emissão das cartas e que, as mesmas sejam enviadas para as moradas que constam dos respectivos ficheiros.

Como, igualmente, é de dar como assente que o executado nada tenha feito em consequência da remessa de tais cartas, uma vez que, tudo aponta para que o mesmo já não residisse na morada que constava como sendo a sua aquando da celebração do contrato. Igualmente, está assente que se mantém a situação de incumprimento contratual por parte do executado.

Se não vejamos!

Como consta dos autos principais, em 24 de Janeiro de 2019, frustrou-se a citação do executado, numa morada indicada em M..., após consulta efectuada na base de dados da Segurança Social, com a menção “Não atendeu/Objecto não reclamado”.

Após nova consulta às bases de dados, em 22/1/19, frustrou-se nova citação, desta vez, em A..., por ali já não residir e tendo sido prestada a informação de que residiria em F....

Em 4/2/19, foi feita nova consulta à base de dados, constando a morada em M....

Em 19/2/19, tentativa falhada de citação em F....

Em 28/3/19, tentou-se, sem êxito, a citação em M..., através de citação prévia por intermédio do A.E..

Em 10/5/19 e 14/6/19, nova consulta às bases de dados, constando a morada de M....

Em 3/7/19, foi proferido despacho a ordenar nova pesquisa nas bases de dados, bem como a solicitação de informação à autoridade policial, para averiguar do paradeiro do executado.

Respondendo, a PSP de L..., em 1/8/19, informou que se desconhecia o seu paradeiro e a PSP de M..., em 10/10/19, informou que o executado não residia na morada indicada.

Em 5/11/19, foi ordenada a sua citação edital.

Em 9/11/19, houve nova tentativa de citação pessoal em L..., na morada constante do contrato de mútuo, que se frustrou, com a indicação de que “o executado não reside no local há dois anos”.

Como daqui decorre, o executado foi mudando, sucessivamente, de residência, não informando o exequente e inviabilizando a sua citação para os autos de execução, não obstante as relatadas diligências e tentativas para o fazer, pelo que não se pode imputar ao exequente a inviabilização de contactos com vista ao PERSI.

Assim, tudo se reconduz em averiguar da eficácia das cartas em apreço, ou seja, se as mesmas se devem ou não, considerar como não recebidas por culpa exclusiva do destinatário.

Efectivamente, de acordo com o disposto no artigo 224.º, n.º 1 do CC:

“A declaração negocial que tem um destinatário torna-se eficaz logo que chega ao seu poder ou dele é conhecida; as outras, logo que a vontade do declarante se manifesta na forma adequada”.

Acrescentando-se, todavia, no seu n.º 2 que:

“É também considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida.”.

Estabelece-se no n.º 1 deste preceito a distinção entre declarações “receptícias e não receptícias”, considerando-se como receptícias as que se dirigem a um destinatário ou declaratário e como não receptícias as que não se dirigem a um destinatário.

Como refere Heinrich Ewald Horster, in Sobre a formação do contrato Segundo os arts. 217.º e 218.º, 224.º a 226.º e 228.º a 235.º do Código Civil, na Revista de Direito e Economia, Ano IX, N.os 1-2, 1983, a pág.s 135 e 136, “é necessário e suficiente que se verifique um dos dois pressupostos enunciados – ou a chegada ao poder ou o conhecimento – para que a declaração se torne eficaz. Consequentemente, esta solução legal dá relevância jurídica, no sentido de originar a perfeição da declaração negocial, àquele pressuposto que se verifica primeiro, combinando nesta medida a teoria da recepção («… logo que chega ao poder …») com a teoria do conhecimento («… logo que … é dele conhecida»).”.

Ali acrescentando que, no caso da verificação da chegada ao poder não se exige conhecimento efectivo por parte do destinatário, partindo a lei da situação regular e normal de que, com a chegada ao poder, o destinatário está em condições de tomar conhecimento e que ele toma este conhecimento e bastando para tal o depósito no local indicado para o efeito em condições normais ou a entrega a pessoa autorizada para tal.

E adiantando, ainda, que a previsão do n.º 2 do artigo 224.º do CC, tem em vista a protecção do declarante, em caso de não recebimento de uma declaração que só por culpa do destinatário, não foi por este recebida, no sentido de «chegada ao poder», esclarecendo que “a declaração é tida como eficaz apesar de não ter chegado ao poder, quando isso foi culposamente impedido pelo destinatário. P. ex., o destinatário recusa-se a receber a carta do carteiro ou não vai levantá-la à posta restante, como costumava fazer.” – ob. cit., a pág.s 137 e 138.

No mesmo sentido, se pronunciam P. de Lima e A. Varela, in Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª Edição Revista E Actualizada, a pág. 214.

E também Menezes Cordeiro, in Tratado de Direito Civil Português, I, Parte Geral, Tomo I, Almedina, 1999, a pág. 291.

Como se refere no Acórdão do STJ, de 14 de Novembro de 2006, in CJ, STJ, Ano XIV, tomo 3, pág.s 109 a 111, o regime legal previsto no n.º 2 do art.º 224.º do CC visa “contrariar práticas como as dos que se esquivam a receber declarações, de que constituirão a maior parte cartas registadas, que são devolvidas aos respectivos remetentes.

Por isso se compreende que a não recepção se fique a dever exclusivamente ou apenas a culpa do destinatário a declaração seja havida como eficaz.”.

Ali se acrescentando que se houver culpa do declarante ou de terceiro, caso fortuito ou de força maior, afastada fica a aplicabilidade desta norma, pelo que se impõe demonstrar em cada caso que sem a acção ou a abstenção culposas do destinatário, a declaração teria sido recebida, não dispensando a concretização do regime “um juízo cuidadoso sobre a culpa, por parte do declaratário, no atraso ou na não recepção da declaração”, citando-se, em abono deste entendimento, Pais de Vasconcelos, Teoria Geral do Direito Civil, 2.ª edição, a pág. 296.

Igualmente no Acórdão do STJ, de 09 de Fevereiro de 2012, Processo n.º 3792/08.5TBMAI-A.P1.S1, disponível no respectivo sítio da dgsi, se refere que no juízo de culpabilidade do destinatário deve ponderar-se a situação de as partes terem estabelecido endereços para onde deveriam remeter as comunicações relevantes em termos contratuais e na ausência de outro critério delimitador do conceito de culpa para efeitos do n.º 2 do artigo 224.º do CC, teremos de nos socorrer do disposto nos artigos 799.º, n.º 2 e 487.º, n.º 2, do CC, nos termos do qual esse elemento subjectivo deve ser concretamente aferido através do critério de um devedor criterioso e diligente.

Como se refere neste último Aresto, “a apreciação deve ser feita casuisticamente, ponderando designadamente o específico contexto contratual”, acrescentando-se que um de tais elementos a considerar é o de as partes terem “estabelecido endereços para onde deveriam remeter as comunicações relevantes em termos contratuais”.

Reforçando que “o critério de um devedor criterioso e diligente”, tem em vista contrariar as práticas vulgares, por parte dos destinatários de declarações negociais e não negociais, de se furtarem à recepção das comunicações que lhes são dirigidas, devendo demonstrar-se que sem a acção ou a abstenção culposas do destinatário, a declaração teria sido recebida.

Mais ali se mencionando o seguinte:

“a diversidade de respostas não se funda tanto numa diversa interpretação do preceituado no artigo 224.º, n.º 2, do CC, antes na diversidade das circunstâncias relevantes em cada um dos casos e da necessidade de preencher conceitos indeterminados.

Neste contexto, parece evidente que deve estabelecer-se uma distinção entre uma situação em que as partes nada previram acerca da efectivação das comunicações, de outra, como a dos autos, em que, por razões de certeza e de segurança jurídica, deixaram expresso um certo endereço postal.

Também deve ponderar-se o facto de os devedores estarem cientes de que se encontravam em situação de incumprimento capaz de despoletar da parte do credor reacções tendentes à defesa dos seus direitos, designadamente a emissão de uma declaração resolutiva que no contrato ficou prevista

(…)

Assim, ponderando o clausulado contratual a respeito da eventual resolução (…) era legítimo imputar aos devedores e potenciais destinatários de uma tal comunicação um especial dever de diligência no sentido de assegurarem que a correspondência respeitante a tal contrato e que seria dirigida para os endereços indicados seria recebida sem mais impedimentos.

Não seria, com efeito, compreensível que, em tal contexto, os devedores se alheassem do local para onde as comunicações deveriam ser dirigidas, invocando, posteriormente, o desconhecimento do seu teor.”.

Sem esquecer que também as obrigações acessórias dos contratos devem ser pontualmente cumpridas (cf. artigo 406.º, n.º 1, CC), o que implicava que o exequente enviasse as cartas relativas ao PERSI para a morada constante do contrato e, igualmente, faz impender sobre o executado a diligência devida de molde a que fosse efectivamente assegurada a recepção e conhecimento das comunicações relevantes e atinentes, que lhe fossem enviadas pelo credor.

Por outro lado, como resulta das alíneas H) e J) da matéria de facto provada, demonstrou-se que as referidas cartas foram enviadas para a morada que o executado havia indicado como sendo a sua, quando da celebração do contrato de mútuo, a que não deu resposta.

Ora, como ensinou Vaz Serra, in Provas, BMJ n.º 103, a pág. 32, não é quem envia uma carta para o domicílio de uma pessoa, que tem o ónus de saber se a mesma chegou ou não ao seu conhecimento, bastando que pratique todos os actos para que a mesma chegue ao seu destinatário, que leve a cabo a prática de actos necessários e suficientes que coloque o destinatário em condições de a receber e ter acesso ao respectivo conteúdo – neste sentido, veja-se o Acórdão da Relação de Lisboa, de 20 de Abril de 2006, Processo n.º 1827/2006-6, disponível no respectivo sítio do itij.

Ora, reitera-se, no caso em apreço, o exequente enviou para a morada do executado, identificadas no próprio contrato de mútuo, as cartas em apreço, tendentes à integração e extinção do PERSI, sem que o executado tenha dado qualquer resposta ou contactado o banco.

O regime do PERSI impunha que as cartas fossem enviadas para o endereço do respectivo destinatário, para mais quando o mesmo consta do próprio contrato de mútuo celebrado entre as partes.

O executado bem sabia que estava em dívida para com o credor, pelo que bem deveria saber que seria contactado por tal razão.

Assim, nos termos expostos, impunha-se-lhe que, tendo sido as mesmas enviadas, nos moldes já expostos, as recepcionasse e tomasse conhecimento do respectivo conteúdo, o que não fez por culpa sua ou incúria, pelo que tais comunicações se tornaram eficazes, nos termos do disposto no artigo 224.º, n.º 2, do Código Civil, sufragando-se a solução a que se chegou na decisão recorrida.

O recorrente não alegou qualquer facto que inculque a ideia de que tal não recebimento se ficou a dever a acto de terceiro, fortuito ou de força maior que isso justificasse.

Efectivamente, contrariamente ao alegado, para tal não basta que numa das cartas se escreva “N 31 3” e noutra “N 31, 3”. É evidente que de ambas resulta que era o n.º 31, 3.º andar, dado o espaço e a vírgula, ali inseridas.

Como irreleva a diferenciação dos últimos três números do código postal.

O nome da rua e número de polícia estão correctos. Com toda a certeza (como o demonstram as diligências acima referidas para tentar a citação do executado), não foi isso que obstou ao recebimento. O distribuidor postal, com toda a certeza conhecia a localização da rua. Nem consta que a mesma tenha sido devolvida com este fundamento ou motivo

Consequentemente, quanto a esta questão, improcede o recurso, mantendo-se inalterada a matéria de facto dada como provada e não provada na sentença recorrida.

B. Se a sentença recorrida padece das nulidades previstas no artigo 615.º, n.º 1, al.s b), c) e d), do CPC.

O recorrente imputa à decisão recorrida as ora referidas nulidades, com o fundamento em que a M.ma Juiz não se pronunciou quanto à questão da ausência de contactos preliminares por parte do exequente para com o executado; que se afirma desconhecer se a carta foi recebida e por isso não se pode afirmar que existe falta de resposta à mesma, bem como não se referem os factos de que se extrai a culpa do executado no não recebimento das cartas  e ausência de pronúncia sobre a inobservância das formalidades da carta de extinção do PERSI.

O artigo 615, n.º 1, al.s b), c) e d), sanciona com a nulidade a sentença que não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão (al. b), quando os fundamentos estejam em oposição com a decisão (al. c) ou quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento (al. d).

Para que a sentença sofra de nulidade de falta de fundamentação, é necessário que haja falta absoluta, quer relativamente aos fundamentos de facto quer aos de direito e não já uma justificação deficiente, incompleta ou não convincente – cf. A. Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora, in Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 1984, a pág. 669 e, de acordo com os mesmos autores, in ob. e loc. cit, a oposição entre a decisão e os respectivos fundamentos, respeita à contradição real entre os fundamentos e a decisão, em que a fundamentação aponta num sentido e a decisão segue caminho oposto.

Na decisão, descrevem-se as razões de facto e de direito que acarretaram a improcedência dos embargos, bem como lhes foram aplicadas as normas legais atinentes e que ao longo da mesma se foram, uns e outros referindo, pelo que não se verifica a nulidade com fundamento com base na falta da fundamentação quer de direito quer de facto.

Sendo, ainda, de realçar que a nulidade por omissão de pronúncia, apenas se verifica quando o Tribunal se deixe de pronunciar quanto a questões, em que não se incluem os elementos, argumentos ou raciocínios utilizados, quer pelas partes, quer pelo tribunal, para a resolução das questões que efectivamente cumpre apreciar/decidir.

O que se fez. A questão a decidir era a de decidir se estão ou não verificados os procedimentos a adoptar pelo exequente, no âmbito do PERSI, o que foi apreciado e decidido.

E igualmente não padece a sentença recorrida da nulidade com base na oposição entre os seus fundamentos e a decisão que nela foi proferida.

Isto porque na mesma se considerou que o exequente respeitou os procedimentos legais que se lhe impunham, tendo os embargos, nessa medida, de improceder, como improcederam.

De resto, diga-se, não se compreende como pode, simultaneamente, a sentença ser nula por falta de fundamentação (al. b) e por contradição entre a fundamentação e a decisão (al. c).

A nulidade a que se refere a al. d), do artigo 615, CPC, radica na omissão de pronúncia (não aprecia questões de que devia conhecer – 1.ª parte) ou no seu inverso, isto é, do conhecimento de questões de que não podia tomar conhecimento, por não terem sido postas em causa (2.ª parte).

Como decorre da análise da decisão recorrida, esta debruçou-se sobre todas as questões que lhe impunha conhecer e só destas, nos assinalados termos, não indicando, igualmente, o recorrente, em concreto, qual a questão que ficou por conhecer, dado que, em virtude da improcedência dos embargos, se conheceu do pedido, como o determinam/ impõem, os preceitos legais invocados na mesma.

Ou seja, conheceu a decisão recorrida de todas as questões que havia que conhecer, no âmbito das respectivas alegações das partes processuais, sem que se tenha ultrapassado tal condicionalismo.

Consequentemente, não padece a decisão recorrida das apontadas nulidades.

Pelo que, nesta parte, igualmente, o presente recurso tem de improceder.

C. Se a carta, alegadamente, enviada a comunicar a extinção do PERSI, ainda que recebida, é ineficaz, por não respeitar as formalidades previstas na lei, por se limitar a referir o decurso do prazo previsto para tal procedimento.

No que a esta questão respeita, apoiando-se no Acórdão da Relação de Évora, de 7/4/2022, Processo n.º 451/21.7T8ENT.E1, disponível no mesmo sítio dos anteriores, alega o recorrente que a carta de extinção do PERSI, não se pode limitar a referir que o PERSI se extinguiu pelo decurso do prazo de 90 dias, sem qualquer outra menção, pelo que é ineficaz.

A carta em questão é a referida na al. J) dos factos provados e encontra-se junta a fl.s 17 v.º e 18.

Analisando a mesma, verifica-se que da mesma consta que o PERSI se extinguiu por terem decorrido 91 dias após o seu início.

Mais se indica que qualquer outro esclarecimento poderia ser obtido junto do balcão onde estava sedeada a sua conta ou no departamento ali identificado e é indicado um número de contacto, bem como se prestam outras informações, para o caso de se tratar de crédito à habitação e venda executiva do imóvel.

Em conformidade com o disposto no artigo 17.º, n.º 3, do DL 227/12, deve constar da comunicação de extinção do PERSI a descrição do “fundamento legal para essa extinção e as razões pelas quais considera inviável a manutenção deste procedimento”.

Como se refere no Acórdão da Relação de Évora, para tal citado pelo recorrente, a obrigação legal decorrente do ora referido preceito “Pressupõe que a instituição bancária desenvolva os esforços que lhe cabiam, com diligência, celeridade e lealdade ou dito de outro modo, pressupõe que não lhe possa ser imputado o insucesso do procedimento”.

Ora, da factualidade dada como assente, tem de se extrair a conclusão de que o exequente levou a cabo todas as diligências que lhe incumbia realizar, inexistindo por parte do executado qualquer contacto, esforço ou diligência no sentido de corresponder ao que lhe era solicitado.

Efectivamente, como acima já referido, as cartas foram enviadas para a morada que constava do contrato como sendo a do executado, que ali já não residia – como resulta das diligências acima descritas com vista à sua citação e que, todas, resultaram infrutíferas – e sem que disso tenha dado conhecimento ao exequente.

Assim, impõe-se a conclusão de que quem inviabilizou o normal procedimento do PERSI foi o executado, que agiu de forma a impedir que o exequente lhe pudesse comunicar fosse o que fosse, com vista à regularização da dívida.

O exequente nada mais poderia fazer do que aquilo que fez. Só pode haver negociações com, pelo menos, duas partes e in casu só houve uma, pelo que o PERSI se extinguiu, de forma válida e eficaz.

Pelo que, também, quanto a esta questão, improcede o recurso.

D. Se, em face da pretendida alteração da matéria de facto dada como provada e não provada, se deve ter como verificada a invocada excepção dilatória inominada, com o fundamento em o exequente/embargado não ter procedido às comunicações legalmente exigíveis.

Como é óbvio, a procedência desta questão do recurso estava na total dependência do sucesso do recurso na sua vertente de facto, o que não sucedeu.

Trata-se de factos impeditivos do direito invocado, pelo que a sua não demonstração, a nível da decisão, tem de ser desfavorável ao recorrente, cf. artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil, o que, sem necessidade de mais considerações, acarreta a improcedência do aqui pedido, dando-se aqui por reproduzidos os termos para tal consignados na decisão recorrida, nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 6, do CPC.

Assim, igualmente, improcede esta questão do recurso.

Nestes termos se decide:      

Julgar improcedente o presente recurso de apelação, em função do que se mantém a decisão recorrida.

Sem custas, por delas estar isento o ausente – cf. artigo 4.º, n.º 1, al. l), do Reg das Custas Processuais.

Coimbra, 10 de Janeiro de 2023.