Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
17/08.7TGCTB.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: FERNANDO VENTURA
Descritores: ALCOOLÍMETROS
AUTORIDADE ADMINISTRATIVA COMPETENTE
INTROMISSÃO NA VIDA PRIVADA
NULIDADE DA PROVA
Data do Acordão: 03/25/2009
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE – CASTELO BRANCO
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 14.º, N.º 1 DA LEI N.º 18/2007, DE 17.05 E 126.º DO C.P.P..
Sumário: I. - A norma do nº1 do artº 14º da Lei 18/2007, de 17/05, apenas confere competência ao Presidente da ANSR para a prolação dos novos actos administrativos relativamente aos aparelhos que lhe forem sujeitos a apreciação após a entrada em vigor da lei que criou este organismo de gestão pública administrativa do Estado.
II. - O nº3 do artº 126º do CPP apenas estabelece a nulidade das provas com intromissão da vida privada não previstas na lei.
III. – Não viola os preceitos constitucionais, ínsitos nos artigos 26º, nº1 e 32º, nº8 da Constituição da República Portuguesa, a prova recolhida por meio de alcoolímetro por a sujeição a exame ter sido efectuada de acordo com os requisitos impostos pelo ordenamento estradal.
Decisão Texto Integral: Relatório
Nos presentes autos com o NUIPC 17/08.7GTCTB, foi o arguido E... condenado pela prática de um crime de condução em estado de embriaguez p. e p. pelo artº 292º, nº1 e 69º, nº1, al. a) do CP, na pena de 50 (cinquenta) dias de multa, à razão diária de €6,00 (seis) euros, bem como na pena acessória de proibição de conduzir veículos motorizados pelo período de 4 (quatro) meses e 15 (quinze) dias.
O arguido não se conformou com essa condenação e apresentou recurso, deixando a síntese das razões apresentadas que segue:
1ª O ora recorrente dá por integralmente reproduzida a mui douta sentença proferida, não podendo no entanto, apesar do muito e devido respeito que lhe merece o M.º Juiz a quo, concordar com as conclusões de direito ali vertidas.
2ª Aliás da douta sentença constam vários dos argumentos com base nos quais se deverá considerar a prova resultante do aparelho de medição da quantidade de álcool no sangue ilícita e como tal insusceptível de fundamentar a condenação do arguido, ora recorrente.
3ª Continuando com todo o respeito devido, afigura-se ao ora recorrente que o M.m° Juiz a quo, com mui doutos argumentos jurídicos, como é aliás seu timbre, adaptou ou formatou as suas convicções ou considerações de direito ao preconceito da culpabilidade do arguido, ou seja, a pré-convicção da culpabilidade do arguido terá moldado as doutas considerações jurídicas vertidas na sentença recorrida.
4ª Antes do mais diga-se que a violação do art. 14º n.°1 da Lei n° 18/2007 de 17 de Maio foi dada como provada pela douta sentença recorrida, sendo pois facto assente que o aparelho que procedeu à medição da quantidade de álcool no sangue do arguido é ilegal, do que resulta a nulidade da prova dele decorrente, não podendo ser considerada pelo Tribunal.
5ª Não poderiam ter sido dados como provados na douta sentença recorrida os factos descritos no ponto 2. e na primeira parte do ponto 4. da sua fundamentação de facto, nomeadamente que a quantidade de álcool por litro de sangue do arguido superou os exactos limites legalmente definidos para o tipo legal de crime em questão, pois a concreta taxa de alcoolemia — elemento essencial do tipo do crime — é apenas determinável por exame do aparelho medidor, sendo pois irrelevante ou insuficiente a confissão do arguido de que ingeriu bebidas alcoólicas (facto que não é penalmente punido) — vide Ac. Rel Porto de 02/04/2008, proc. 479/08.
6ª Ao assim ter decidido a sentença recorrida violou os arts. 32° n.° 8 da CRP, 125° e 126°/1/3 do CPP, 153°/1 e 170° do Cód. da Estrada e 14° n.° 1 da Lei n.° 18/2007 de 17 de Maio.
7ª Com efeito, imperativamente, o n.° 1 do art. 14° da referida Lei n.° 18/2008 obriga que só possam ser usados para efeitos da realização de testes quantitativos de álcool os analisadores cuja utilização seja objecto de despacho por parte do Presidente da ANSR.
8ª Repare-se que o referido n.° 1 do art. 14° não distingue entre os aparelhos que já se encontravam em utilização antes da sua entrada em vigor (e que tinham sido objecto de despacho por parte da DGV) e os "futuros" aparelhos, devendo pois tal artigo aplicar-se a qualquer aparelho que efectue medições da quantidade de álcool no sangue.
9ª E é princípio básico da interpretação das leis (mormente das criminais) que onde o legislador não distingue, não deverá distinguir o intérprete ...
10ª Interpretação diferente de tal preceito implica um desrespeito por uma lei da República que é clara e inequívoca: na medição da quantidade de álcool só podem ser usados aparelhos cuja utilização seja aprovada pelo Presidente da ANSR.
11ª Podendo embora admitir-se uma interpretação do referido preceito segundo a qual a regulamentação das características dos analisadores, para obviar ao vazio legal, fosse a que estava em vigor ao tempo da extinta DGV (pois trata-se de uma norma geral e abstracta), certo é que o mesmo raciocínio não pode aplicar-se à aprovação da utilização dos aparelhos pois neste caso a lei é clara e exige imperativamente a prática de um acto administrativo, individual e concreto, da exclusiva responsabilidade do seu autor, (despacho do Presidente da ANSR), que constitui um pressuposto necessário para a legalidade da utilização dos aparelhos.
12ª Acresce que na interpretação das leis pode o intérprete averiguar do espírito do legislador, proceder a uma interpretação extensiva ou restritiva, etc., mas o que não pode, sob pena de violar os princípios da certeza e segurança jurídica, é fugir à letra da lei, que é perfeitamente clara (in claris non fiat interpretatio).
13ª Por outro lado, diga-se que inexistiu qualquer consentimento por parte do arguido na realização do exame policial à quantidade de álcool no sangue (tendo sido feito por imposição das autoridades), sendo certo que tal exame constitui uma prova obtida mediante intromissão na sua vida privada, sendo pois nula por violação dos arts. 32° n.° 8 da CRP, 125º e 126°/1/3 do CPP e 153°/1 e 170° do Cód. da Estrada e 14° n.° 1 da Lei n.° 18/2007 de 17 de Maio - vide, a contrario senso, Ac. Rel. Évora de 15/01/2008 — proc 1454/07-1.
14ª O arguido obviamente não confessou (nem podia ter confessado ...) que no dia 26/01/2008 tinha a TAS constante dos autos, pelo que tal facto constante da acusação não poderá ser dado como provado.
15ª Como se deixou já dito, a concreta taxa de alcoolemia, apenas determinável por exame do aparelho medidor, é elemento essencial do tipo do crime, sendo pois irrelevante a confissão do arguido de que ingeriu bebidas alcoólicas (facto que não é penalmente punido) — vide Ac. Rel Porto de 02/04/2008, proc. 479/08.
Nestes termos e nos demais de Direito que mui doutamente por Vossas Excelências serão supridos, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, com as legais consequências.
Como é de Justiça.
O magistrado do Ministério Público junto do Tribunal recorrido apresentou singela resposta, na qual adere à fundamentação da decisão recorrida e considera que deverá ser mantida.
Neste Tribunal da Relação de Coimbra, a Srª. Procuradora-geral Adjunta tomou posição, considerando que a taxa indicada pelo teste efectuado tem valor probatório nos termos semelhantes ao da prova pericial, não tendo o arguido solicitado outro exame para contraprova. Entende que a decisão não padece de qualquer vício, encontra-se devidamente fundamentada e que constam da matéria de facto provada todos os elementos do crime imputado. Termina no sentido de ser negado provimento ao recurso.
Notificado nos termos do artº 417º, nº2, do CPP, o recorrente apresentou resposta, na qual retoma o argumento de que o aparelho medidor da quantidade de álcool não estava legalmente aprovado e estranha a referência do Ministério Público a instruções da DGV/ANSR e à circunstância de não ter requerido contraprova, o que configura como direito ou faculdade sua.
Foram colhidos os vistos e realizou-se conferência.
Fundamentação
Âmbito do recurso
É pacífica a doutrina e jurisprudência [[i]] no sentido de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respectiva motivação, sem prejuízo, contudo, das questões do conhecimento oficioso[ii]. As questões colocadas no recurso e reflectidas nas conclusões são as seguintes:
 Nulidade da prova resultante da utilização de alcoolímetro não aprovado pelo Presidente da ANSR;
Nulidade da prova resultante da utilização de alcoolímetro por constituir intromissão na vida privada do arguido;
Irrelevância ou insuficiência da confissão do arguido.
Apreciação
Da decisão recorrida
A primeira aproximação às questões elencadas passa pela verificação dos termos da decisão recorrida, mormente dos seus fundamentos de facto. Deixemos então transcrito esse segmento da sentença, em que são afirmados os factos provados e não provados, bem como a motivação da decisão em matéria de facto:
2. Fundamentação:
2.1. De facto:
Da audiência de julgamento, à qual se procedeu com observância do formalismo legal, resultou provada a seguinte factualidade:
1 - No dia 26 de Janeiro de 2008, cerca da 01 hora e 33 minutos, o arguido E... conduzia um veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula 00-00-BT, quando foi fiscalizado pelos militares da G.N.R.-BT na confluência da Avenida do Socorro com a Avenida do Brasil, nesta cidade de Castelo Branco.
2 - Submetido na altura ao teste de pesquisa de Álcool no sangue através do ar expirado, utilizando para o efeito um aparelho "Drager" modelo " 7110 MKIII P", aprovado pela DGV, nos termos constantes de fls. 3, cujo teor aqui damos por integralmente reproduzido, veio aquele a acusar uma TAS de 1,72 gramas/litro.
3 - Informado na altura do resultado obtido, o arguido declarou não desejar contra prova.
4- O arguido havia estado momentos antes numa festa com amigos, onde ingeriu bebidas com teor alcoólico em quantidade e qualidade tais que se revelaram adequados a provar a TAS que lhe veio a ser detectada, coisa que ele sabia e, ainda assim, dispôs-se em seguida a conduzir, actuando de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que essa sua conduta era proibida e punida por lei como crime e lhe estava vedada pelo Cód. da Estrada.
5- O arguido já foi julgado e condenado por este mesmo Tribunal pela prática, em 15.11.2003, do crime de condução de veículo em estado de embriaguez.
6 - O arguido é divorciado, enfermeiro de profissão e exerce as funções de chefe de serviços de enfermagem no Hospital Amato Lusitano de Castelo Branco, auferindo, pelo menos, 1800,00 Euros de vencimento por mês.
7- O arguido suporta a amortização de um empréstimo que contraiu na sequência da partilha que se seguiu ao seu processo de divórcio, à razão de 1000,00 Euros por mês; paga 350,00 Euros de alimentos ao filho; e paga 200,00 Euros por mês à mulher a dias;
8- Vive a 3 ou 4 quilómetros do seu local de trabalho e exerce funções em regime de disponibilidade, havendo situações de urgência em que o mesmo pode ser chamado fora da hora normal de trabalho, servindo-se normalmente da condução de veículo motorizados para se deslocar para o seu local de trabalho.
9- Confessou os factos pelos quais vinha acusado.
Não foram alegados ou provados quaisquer outros factos.
Motivação:
A questão da legalidade da utilizarão do aparelho DRAGER, modelo 7110 MKIII P, com o n.° ARPN — 0079, aprovado pelo Despacho de Aprovação do modelo n.° 211.06.96.3.30 (DR.N. ° 223 III Série, de 25 SET96), Despacho Complementar n.° 211.06.97.3.50 (D.R. n.° 54 III Série de 05 de MAR96) e Autorizarão n.° 001/DGV/ALC/98, DE 06.08.98.:
Alegou o arguido que, nos termos do artigo 14., al. 1)  da Lei n.° 18/2007, de 17 de Maio, no controle da quantidade de álcool por litro de sangue, apenas podem ser utilizados aparelhos que obedeçam às características fixadas em regulamentação e cuja utilização seja aprovada por despacho do Presidente da ANSR.
Mais alegou o arguido que no caso dos autos, à data da fiscalização, não existia tal despacho do Presidente da ANSR, pelo que o aparelho utilizado pelos agentes autuantes foi usado de modo ilegal, de onde se deve retirar todas as consequências, designadamente absolvendo o arguido da prática do crime pelo qual vem acusado.
Cumpre apreciar e decidir:
Em primeiro lugar cumpre desde já dizer que do aparelho DRAGER, modelo 7110 MKIII P, com o n.° ARPN — 0079, aprovado pelo Despacho de Aprovação do modelo n.° 211.06.96.3.30 (DR.N. ° 223 III Série, de 25 SET96), Despacho Complementar n.° 211.06.97.3.50 ( D.R. n.° 54 III Série de 05 de M4R96) e Autorização n.° 001/DGV/ALC/98, DE 06.08.98., está também incluído na lista de aparelhos e instrumentos aprovados, constante do Despacho 12.594 de 16MAR, da Direcção Geral de Viação, emitido ao abrigo do disposto no n°. 5 do artigo 5° do Decreto Lei 44/2005 de 23MAR.
Dito isto, poder-se-á dizer que a questão suscitada pelo arguido em termos sintéticos resumidos e desgarrados, assume toda a sua dimensão e implicações se colocada nos seguintes termos, que salvo melhor opinião reflectem o raciocínio que terá presidido à sua arguição de ilegalidade da utilização do aparelho para controlo de alcoolémia mencionado anterior:
O Decreto Lei 77/2007 de 29MAR, que criou a ANSR, atribuindo-lhe a função de coordenação da acção fiscalizadora das demais entidades intervenientes em matéria rodoviária através, nomeadamente da aprovação dos equipamentos de controlo e fiscalização, bem como a de exercer as demais competências da Lei, designadamente as previstas no Código da Estrada e respectiva legislação complementar, (alínea J) do n° 2 do artigo 2° do Decreto Lei 77/2007), pelo que, no entendimento do arguido, terá existido uma revogação, ainda que não expressa, do Decreto Lei 44/2005, por incompatibilidade entre as novas disposições e as regras precedentes, o que, ainda segundo o arguido, não poderá deixar de abarcar igualmente todos os despachos e deliberações tomadas ao abrigo da legislação revogada, nomeadamente, no caso em apreço, o mencionado Despacho 12.594/2007 de 16MAR, que aprovou o analisador DRAGER, modelo ALCOTEST, com o n°. 7110 MKIIIP, através do qual foi realizado o teste, no caso concreto.
O raciocínio em que o arguido estrutura esta sua afirmação, é o seguinte: devendo o exame de pesquisa de álcool no ar expirado ser realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de um aparelho aprovado para o efeito; no caso, o alcoolímetro DRAGER, modelo ALCOTEST, com o n°. 7110 MKIIIP; através do Decreto-Lei n. ° 77/2007 de 29MAR, foi criada a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária, a qual, nos termos do n.° 1 do seu artigo 10°, sucedeu nas atribuições da DGV, que se extinguiu nos seus domínios das políticas de prevenção e segurança rodoviária e das contra-ordenações de trânsito;
Nos termos do disposto na alínea f) do n °.2 do artigo 20 do referido Decreto-Lei n.° 77/2007, foi atribuído à ANSR os poderes necessários para uniformizar e coordenar a acção fiscalizadora das demais entidades intervenientes em matéria rodoviária, através da emissão de instruções técnicas e da aprovação dos equipamentos de controlo e fiscalização do trânsito, que, por isso, passou a ser autoridade responsável pelas atribuições, anteriormente detidas pela DGV, nomeadamente as que lhe eram conferidas pelo n°5 do artigo S° do Decreto Lei 44/2005, designadamente no que diz respeito às contra-ordenações de trânsito, nas quais se incluem a condução sob a influência do álcool;
Assim, em 17MAI2007 foi publicada a Lei 18/2007, a qual vem aprovar o regulamento de fiscalização da condução sob a influência do álcool ou de substâncias psicotrópicas e que, nos termos do n°. 1 do seu artigo 14°, sob a epígrafe "Aprovação de equipamentos", dispõe que, "nos testes quantitativos de álcool no ar expirado só podem ser utilizados analisadores que obedeçam às características fixadas em regulamentação e cuja utilização seja aprovada por despacho do Presidente da ANSR" donde, para além das atribuições conferidas pela referida alínea J do n °. 2 do artigo 2° do Decreto Lei 77/2007 de 29MAR, esta disposição constante do regulamento, trata-se de uma norma de carácter imperativo, a qual impõe, de forma expressa, que todos os analisadores sejam aprovados por despacho do Presidente da ANSR, reportando-se este normativo quer aos analisadores que se encontrem em utilização, quer aos que venham a ser aprovados e regulamentados e, não apenas, aos analisadores que venham a ser aprovados e regulamentados, isto é, aplica-se a todos os analisadores, presentes e futuros e não apenas aos futuros analisadores;
Ainda segundo aquele raciocínio do arguido, como até ao presente, não foi criada qualquer tipo de regulamentação quanto a estes aparelhos, bem como não existe qualquer despacho do Presidente da ANSR quanto à aprovação da utilização dos mesmos (o único despacho proferido no âmbito do aludido regulamento pelo presidente da ANSR, é o despacho 20.692/2007 de 10SET, o qual se reporta, única e exclusivamente, aos equipamentos a utilizar nos testes de rastreio à saliva) o analisador utilizado pela autoridade autuante, no caso concreto, o referido DRAGER, modelo ALCOTEST, com o n°. 7110 MKIIIP, ao contrário do que é imposto pelos artigos 153°/1 e 170°, ambos do Código da Estrada, não se encontra aprovado pela autoridade competente;
E, em consequência, o teste dessa forma realizado, padece de vício de ilegalidade, que consiste na falta de aprovação do referido analisador por parte do Presidente da ANSR, conforme o disposto no n°. 1 do artigo 14° da Lei 18/2007 de 17MAI, não podendo, a prova assim, recolhida, ser levada em conta, uma vez que, a mesma foi efectuada por um analisador que não se encontra aprovado pela entidade competente, sendo deste modo a mesma ilícita e insusceptível de ser tida em consideração pelo Tribunal, donde terá que ser absolvido do crime por que foi acusado e vem condenado.
Assente o raciocínio do arguido que não chegou a passar ao papel, cumpre apreciar e decidir:
E desde já dizemos, ressalvando o respeito sempre devido, que, no nosso entender, não lhe assiste razão.
Não obstante o aparelho em causa, o alcoolímetro DRAGER, modelo ALCOTEST, com o n.° 7110 MKIIIP, ter sido aprovado pela DGV, a entidade funcionalmente competente para o efeito, ao abrigo da legislação então em vigor, o arguido defende que o facto de em momento posterior ter sido subtraída à DGV aquela competência e ter sido atribuída a uma outra, entretanto criada, a ANSR, então, todos os aparelhos "presentes e futuros" têm que ser aprovados pela nova entidade/autoridade, donde deriva a necessidade de todos os aparelhos que se encontrem em utilização, quer aos que venham a ser aprovados e regulamentados e, não apenas, aos analisadores que venham a ser aprovados e regulamentados, tenham que ser objecto de aprovação, no âmbito da nova lei, sem o que tem que se considerar — no que ao caso interessa — que os presentes e já aprovados pela DGV, não se encontram aprovados pela autoridade competente (hoje a ANSR, sobre os quais não se debruçou).
Ora, no quadro das orientações definidas pelo Programa de Reestruturação da
Administração Central do Estado (PRACE) e os objectivos do programa do Governo, no
tocante à modernização administrativa, à melhoria da qualidade dos serviços públicos com ganhos de eficiência, decidiu o legislador que, importava concretizar o esforço de racionalização estrutural consagrado no Decreto Lei 203/2006 de 27OUT, que aprovou a Lei Orgânica do MAI, avançando na definição dos modelos organizacionais dos serviços que integram a respectiva estrutura", cfr Preâmbulo do Decreto-Lei n.° 77/2007 de 29MAR e nos termos do artigo 10.º/1 de tal diploma, se prevê que a ANSR, por ele criada, sucede nas atribuições da DGV, que se extingue nos seus domínios de prevenção e segurança rodoviária e das contra-ordenações de trânsito.

Nem sequer estamos perante uma situação de revogação de uma por outra lei, a suscitar, porventura um conflito de leis no tempo.
O que se passa é que o legislador, no âmbito de uma reorganização da estrutura funcional de determinado sector governativo, entende, extinguir a DGV, criando uma nova entidade, a ANSR, que sucede àquela no âmbito das suas atribuições (artigo 10.º do DL n.°77/2007, de 29.03).
Obviamente, que os actos praticados pela entidade extinta se mantém válidos, quer os que se esgotam num acto, como a aprovação dos alcoolímetros, quer aqueles que se prolongam no tempo, permanentes e duradouros, como, por definição, os inseridos no âmbito dos processos (enquanto encadeamento de actos vários) de contra-ordenação.
Se a DGV podia aprovar alcoolímetros até à entrada em vigor da nova lei e se esta só com a sua publicação entra em vigor, onde está a razão da dúvida do arguido?
Os actos e seus efeitos, praticados no âmbito da lei velha, no caso a aprovação de determinado tipo de aparelho, mantém-se, repercutem-se, “passam" para o domínio da lei nova, na sua plenitude, sem necessidade de serem renovados, para produzir efeitos na esfera jurídica.
Os efeitos da aprovação do alcoolímetro, ainda que projectados na vigência da lei nova, devem submeter-se à alçada da lei antiga.
A certeza e a segurança jurídicas, imanentes ao próprio conceito de justiça, exigem o princípio da não retroactividade das leis; seja as leis não agem para trás, não retroagem, não olham ao passado, aplicando-se apenas ao futuro.
Na formulação de Enneccerus, "na dúvida, é de pressupor que toda a proposição jurídica quer ordenar unicamente para o futuro e não para o passado'. Isto é toda a lei contém implicitamente em si, a expressão, "doravante, daqui em diante, daqui para o futuro”.
A teoria do facto passado, a que melhor se coaduna com esta ideia, postula, que, todo e qualquer facto tem como lei reguladora a lei vigente ao tempo em que esse realizou, donde a lei nova regula os factos novos — os realizados após a sua entrada em vigor e a lei velha disciplina os factos antigos, ainda que tenham alguma projecção ou reflexos na vigência da nova lei;
A lei antiga aplica-se ainda aos efeitos ou consequências jurídicas dos factos passados, sem exceptuar os que venham a produzir-se inteiramente no domínio dali posterior.
Destes dois postulados, resulta que a lei nova se aplica apenas aos factos futuros, não devendo considerar-se como tais os eventos que, realizados embora no começo da sua vigência, devam considerar-se como efeitos de factos passados, desde que mantenham com estes certa conexão.
Se não há dúvida que facto passado é aquele cujos elementos se localizam no período de vigência da lei antiga, as divergências surgem, então, apenas quando se procura determinar quais os efeitos destes factos que verificados já no período temporal pertinente à nova lei, se devem ainda submeter à lei antiga.
Numa fórmula, deveras impressiva, diz-se que são aquelas consequências jurídicas dos factos passados a que não pode aplicar-se a lei nova sem que semelhante aplicação envolva uma nova apreciação dos mesmos factos — consequências jurídicas que representam, assim, como que uma natural projecção no futuro desses eventos.
Exigir que um aparelho aprovado pela autoridade com competência para o efeito tivesse que ser "novamente", submetido a aprovação, pela nova entidade que passou a deter competência para o efeito, por via de uma reorganização dos serviços do MAI, constituiria uma duplicação de actos administrativos um acto sem sentido e inútil, a sugerir a aplicação retroactiva da lei nova, melhor dito, à não salvaguarda dos actos – à sua destruição, mesmo - praticados na vigência da lei velha, em linguagem própria de aplicação da lei no tempo ou de uma necessidade de ratificação, em sede de transmissão de poderes entre órgãos administrativos ou de sucessão de sociedades, em termos de direito comercial.
Pretender que foi revogada a lei velha e que tal abarca todos os despachos e deliberações tomadas ao abrigo dela, seria o mesmo que defender, que quando o Ministério da Justiça reformulou a sua estrutura e a DGRS sucedeu ao IRS, os relatórios que formalizavam actos de acompanhamento no âmbito da liberdade condicional, teriam que ser renovados, para poder produzir efeitos, no âmbito da lei nova ou mais impressivamente, se ao extinguir o Tribunal de Círculo, com o consequente destino dos processo aí pendentes, no caso, a remessa para o Tribunal de comarca, tal implicasse a necessidade de que aqui fossem renovados os actos que anteriormente ali se tinham validamente praticado, designadamente, os meios de obtenção de prova, que, então, tinham tido lugar.
O absurdo da solução demonstra por si só que os aparelhos que foram aprovados pela DGV mantêm, validamente, essa característica, depois da sua extinção e de lhe ter sucedido a ANSR.
Os que não foram, oportunamente, aprovados pela DGV, têm que ser submetidos ao processo de aprovação, agora inequivocamente, da competência da ANSR.
Cremos ficar assim demonstrada a manifesta falta de fundamento da argumentação desenvolvida pelo arguido nestes autos.
Mas ainda há que referir um outro argumento, ainda que com valor residual.
Confissão que, em julgamento (onde é garantido o direito de defesa, estando o arguido assistido pelo seu advogado), é uma "prova tão válida como qualquer outra", quando obtida licitamente, seja livre e voluntariamente prestada pelo arguido (que se dispôs a prestar declarações sobre o objecto do processo), estando previamente informado e esclarecido dos seus direitos (v.g. do direito ao silêncio e a não auto-incriminar-se, a não contribuir para a sua própria condenação), desde que não se suscitem suspeitas quanto à veracidade dos factos confessados que, como sucede neste caso, apenas a si são imputados.
O mesmo sucede quando, em casos como o destes autos, a confissão em audiência de julgamento ocorre na sequência daquela prévia fiscalização policial (depois de o arguido ter feito o referido exame), ou seja, quando acontece após ter havido o recurso a meios - alcoolímetro em questão utilizado - que não ofendem (deforma desproporcionada ou intolerável) nenhum direito fundamental.
Ora, no caso em apreço, quando o arguido foi confrontado com os termos da acusação, decidiu admiti-los como verdadeiros, apenas alegando factos susceptíveis de mitigar a sua culpa.
Posto isto, em face da confissão integral e sem reservas do arguido, não vemos razões para não dar como provada a matéria constante da acusação.
Quanto às condições pessoais de vida do arguido, louvámo-nos das suas próprias declarações e nos depoimentos das testemunhas por si arroladas.
Acerca dos seus antecedentes criminais, estribámo-nos no seu CRC junto aos autos.
Da nulidade da prova por ausência de aprovação
A primeira questão supra indicada vem colocada pelo recorrente nas conclusões 4ª a 12º, em termos muito afastados da concisão e síntese exigidas no artº 412º, nº2 do CPP, mas ainda assim minimamente compreensíveis[iii]. Considera o recorrente que o alcoolímetro utilizado para a execução do teste ponderado na decisão recorrida não foi aprovado pelo presidente da ANSR e, então, era «ilegal» a sua utilização e nula a prova dele resultante, por efeito do disposto nos artsº 125º e 126º, nº3 do CPP. A referência a esses preceitos significa que o recorrente considera ter sido utilizado meio proibido de prova.
Vejamos em primeiro lugar o enquadramento normativo. Nos termos do artº 152º, nº1, al. a), do Código da Estrada, na redacção introduzida pelo D.L. 44/2005, de 23/02, os condutores encontram-se sujeitos ao dever se submeter-se às provas estabelecidas para a detecção de estados de influenciado pelo álcool. Se recusarem, diz o nº3 do preceito, incorrem na prática de desobediência. E, por seu turno, estabelece o artº 153º, nº1, do mesmo código que o exame de pesquisa de álcool no ar expirado é realizado por autoridade ou agente de autoridade mediante a utilização de aparelho aprovado para o efeito. Esse regime apenas fica completo com a estatuição do artº 5º, nº5, do D.L. 44/2005, de 23/02, no sentido de que «Cabe ainda à Direcção-Geral de Viação aprovar, para uso na fiscalização do trânsito, os aparelhos ou instrumentos que registem os elementos de prova previstos no nº4 do artigo 170º do Código da Estrada, aprovação que deve ser precedida, quando tal for legalmente exigível, pela aprovação de modelo, no âmbito do regime geral do controlo metrológico» e com o diploma que regulamenta o processo de fiscalização, na altura o Decreto Regulamentar nº 24/98, de 30/10. Encontra-se também aí norma dedicada ao processo de aprovação dos alcoolímetros, a saber, o nº1 do artº 12º, onde se refere que «só podem ser utilizados nos testes quantitativos de álcool no ar expirado analisadores que obedeçam às características fixadas em portaria conjunta dos Ministros da Administração Interna, da Justiça e da Saúde e que sejam aprovados por despacho do director-geral de Viação».
A confluência de todos esses normativos significa que o legislador entendeu indispensável garantir a fidedignidade dos resultados da fiscalização neste domínio, tendo em atenção a importância do controlo da influência do álcool na sinistralidade rodoviária - elevada a patamar justificativo da instituição de tipo penal - para as condutas com maior desvalor de perigo. Para o efeito, escolheu regular com pormenor todo o processo de medição da taxa de álcool no sangue e bem assim condicionar os instrumentos utilizados à prolação de acto administrativo de aprovação, cuja competência conferiu ao dirigente máximo da instituição encarregue da segurança rodoviária – então a Direcção Geral de Viação (D.G.V.). E, no exercício dessa competência, foram proferidos diversos despachos, entre os quais o despacho nº 12594/2007, de 16/03[iv], no qual se publicitam, para os efeitos do artº 5º, nº5, do D.L. nº44/2005, de 23/02, todos os aparelhos e instrumentos aprovados pela D.G.V. e pelo Instituto Português de Qualidade (I.P.Q.), incluindo naturalmente os alcoolímetros.
Acontece que esse mesmo ano de 2007 envolveu três alterações relevantes neste panorama. A primeira encontra-se no D.L. 77/2007, de 29/03, o qual criou a Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária. Não se tratou, porém, de uma nova instituição mas sim, como muitas outras, de manifestação do Programa de Reestruturação da Administração Central do Estado (PRACE), no qual é prosseguido o objectivo de racionalizar a Administração Pública através de reformulações estruturais, fusões e extinções de organismos. Como decorre expressamente do preâmbulo do referido D.L., procurou concentrar-se «na ANSR as atribuições da extinta Direcção-Geral de Viação (DGV) respeitantes às políticas de prevenção e segurança rodoviária e de processamento de contra-ordenações, assim como as dos, também extintos, Conselho Nacional de Segurança Rodoviária e Comissões Distritais de Segurança Rodoviária.Por transferência para o Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações (MOPTC), deixam de estar sob alçada do MAI as atribuições anteriormente afectas à DGV respeitantes a veículos, condutores e infra-estruturas rodoviárias». Esse mesmo propósito de racionalização, sem por em crise a continuidade, por oposição ao propósito de ruptura, encontra a sua expressão principal no artº 10º do diploma, na medida em que o nº 1 institui a ANSR como sucessora da DGV nos domínios das políticas de prevenção e segurança rodoviária e das contra-ordenações de trânsito e o nº 3 estabelece o simples trânsito das contra-ordenações pendentes nas delegações da DGV para a competência do presidente da ANSR.
A segunda alteração resulta da aprovação de novo diploma de regulamentação do procedimento de fiscalização da condução sob influência do álcool, através da Lei nº18/2007, de 17/05. É aqui que o recorrente encontra a norma em que se funda toda a argumentação de nulidade da prova. Estatui o artº 14º, nº1 que: «Nos testes quantitativos de álcool no ar expirado só podem ser utilizados analisadores que obedeçam às características fixadas em regulamentação e cuja utilização seja aprovada por despacho do presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária».
A terceira alteração decorre da Portaria nº 1556/2007, de 10/12, a qual institui novo regulamente do controlo metrológico dos alcoolímetros, definindo os parâmetros para a aprovação de modelo e verificações periódicas, a efectuar pelo Instituto Português de Qualidade.
Retomemos agora o caso em apreço. Ficou provado que o arguido foi sujeito a pesquisa de álcool no sangue através do ar expirado, utilizando-se para o efeito um aparelho “Drager” modelo “7110 MKIIIP”, com o nº de série ARPN-0079, modelo esse aprovado por despacho do Director Geral de Viação. O arguido não questiona que assim aconteceu e, de facto, aquele modelo foi aprovado pela DGV em 06/09/98[v] e objecto do despacho de aprovação do modelo nº 211.06.96.3.30. do IPQ[vi] e do despacho complementar nº211.06.97.3.50[vii]. Essa aprovação vem ainda referida no despacho nº 12594/2007, de 16/03, supra referido. Cabe ainda sublinhar que todo esse regime versa a aprovação do modelo e não de cada exemplar.
Porém, para o arguido, nada disso interessa, pois entende que o nº1 do artº 14º da Lei nº 18/2007, de 17/05, obriga a que só possam ser usados os analisadores especificamente aprovados pelo Presidente da ANSR, admitindo que este se limitasse a «ratificar» os despachos pré-existentes da DGV. Este raciocínio é incorrecto, como se passa a explicar.
A ratificação de acto administrativo acontece quando o órgão competente decide sanar um acto anulável, anteriormente praticado, suprindo uma ilegalidade. Ora, os despachos de aprovação de modelo atrás referidos foram praticados pelo órgão administrativo competente no momento da sua prolação e não se vê que enfermem de qualquer vício. A extinção do organismo e, inerentemente, a passagem da competência para o acto não lhe retira validade, a menos que a lei assim o estabeleça, ou seja proferido outro acto administrativo, de conteúdo revogatório. Acontece que, como se referiu, o D.L. 77/2007, de 29/03, comporta expressamente uma linha de continuidade entre a DGV e a sua sucessora ANSR, não deixando a menor latitude interpretativa no sentido proposto pelo recorrente, esse sim, em clara infracção dos princípios da certeza e segurança jurídica. Tem inteira razão a bem elaborada decisão recorrida quando sublinha que qualquer Lei Nova rege unicamente para o futuro, salvo disposição expressa em contrário, pelo que a paralisia ou destruição dos efeitos de actos administrativos antes proferidos sempre careceria de norma expressa que o dissesse.
Assim, a norma do nº1 do artº 14º da Lei 18/2007, de 17/05, apenas confere competência ao Presidente da ANSR para a prolação dos novos actos administrativos de apreciação da conformidade com as exigências metrológicas dos modelos de alcoolímetro, podendo decidir pela aprovação ou não. Tem ainda enquadramento nessa competência a revogação da aprovação, mas mesmo esse acto, que reveste a mesma forma do acto revogado, por regra, apenas produz efeitos para o futuro (artº 145º do Código do Processo Administrativo). Não tem a virtualidade de invalidar a aprovação efectuada pela DGV e pelo IPQ.
Por fim, importa referir o que consta da Portaria nº1556/2007, de 10/12. Embora o seu alcance verse a aprovação metrológica, permite perceber qual foi a intenção do legislador em toda a intervenção no regime da fiscalização da condução sob influência do álcool. O seu artº 10º não podia ser mais claro quanto ao propósito de continuação na utilização daqueles em adequado estado de funcionamento. Diz o preceito: «Os alcoolímetros cujo modelo tenha sido objecto de autorização de uso, determinada ao abrigo da legislação anterior, poderão permanecer em utilização enquanto estiverem em bom estado de conservação e nos ensaios incorrerem em erros que não excedam os erros máximos admissíveis da verificação periódica». Não se vê que existam, nem o recorrente suscita, qualquer dúvida sobre o bom estado de funcionamento do específico alcoolímetro utilizado.
Aqui chegados, estamos em condições de concluir pela validade da prova resultante de utilização de modelo de aparelho devidamente aprovado anteriormente à entrada em vigor do nº1 do artº 14º da Lei nº 18/2007, de 17/05, independentemente de nova aprovação pelo presidente da Autoridade Nacional de Segurança Rodoviária. Este tem sido o entendimento uniforme da jurisprudência sobre a questão[viii].
Da nulidade da prova por intromissão na sua vida privada
Num segundo plano, vem o arguido referir que o exame a que foi submetido constitui prova obtida mediante intromissão na sua vida privada, sem o seu consentimento, repetindo a arguição de nulidade por efeito da norma constitucional do artº 32º, nº8 da CRP, conjugada com os artsº. 125º e 126º, nºs 1 e 3 do CPP, 153º, nº1 e 170º do CE e 14º, nº1, da Lei nº 18/2007, de 17/5. Observa-se que a  circunstância de ter convocado os mesmos preceitos em suporte da questão anterior deixa a dúvida sobre se a intenção do recorrente é a de defender que, mesmo perante a utilização de alcoolímetros devidamente aprovados, existirá prova nula ou, ao invés, se o seu raciocínio toma como premissa maior a tese que sufraga relativamente ao modelo utilizado. A repetida indicação da Lei 18/2007, de 17/5, aponta neste último sentido.
Porém, qualquer que seja a expressão da discordância apresentada pelo recorrente, sempre será de concluir pela ausência de fundamento: Em primeiro lugar porque a exigência de aprovação do modelo de alcoolímetro não encontra conexão com a natureza do facto revelado mas sim com a fidedignidade do resultado; Em segundo lugar, porque a intromissão em facto privado encontra plena justificação material pelo perigo que resulta para bens jurídicos relevantes a condução sob o efeito de álcool bem como pela indispensabilidade que esse apuramento assume para a perseguição criminal de comportamentos danosos. Chamado a pronunciar-se sobre o direito de resistência de condutor relativamente ao teste de detecção de álcool, escreveu o Tribunal Constitucional, a propósito do possível conflito com o direito à reserva da vida privada:
«O direito à reserva da intimidade da vida privada - que é o direito de cada um a ver protegido o espaço interior da pessoa ou do seu lar contra intromissões alheias; o direito a uma esfera própria inviolável, onde ninguém deve poder penetrar sem autorização do respectivo titular (cf., sobre isto, o citado acórdão nº 128/92) - acaba, naturalmente, por ser atingido pelo exame em causa. No entanto, a norma sub iudicio não viola o artigo 26º, nº 1, da Constituição, que o consagra.
De facto, não se trata, com o teste de pesquisa de álcool, de devassar os hábitos da pessoa do condutor no tocante à ingestão de bebidas alcoólicas, sim e tão-só (recorda-se) de recolher prova perecível e de prevenir a eventual violação de bens jurídicos valiosos (entre outros, a vida e a integridade física), que uma condução sob a influência do álcool pode causar - o que, há-de convir-se, tem relevo bastante para justificar, constitucionalmente, esta constrição do direito à intimidade do condutor.»
Assim, porque o nº3 do artº 126º do CPP apenas estabelece a nulidade das provas com intromissão da vida privada não previstas na lei, e foram aqui cumpridos todos os requisitos impostos pelo ordenamento estradal, inteiramente compatíveis com o disposto nos artºs. 26º, nº1 e 32º, nº8 da CRP, cumpre afastar, também neste plano, a utilização de método proibido de prova.
Importa ainda referir que essa conclusão prejudica a apreciação do regime da pretérita nulidade. Diremos, em termos breves, que jurisprudência tem acentuado a dicotomia entre os métodos de prova absolutamente proibidos – utilização de tortura, coacção ou em geral de ofensa à integridade física ou moral – que são vedados em qualquer circunstância, mesmo com o acordo do visado, e aqueles métodos de prova relativamente proibidos, em que é admitido o consentimento do titular. A intromissão na vida privada, especialmente aquela que acontece por preterição de simples formalidades, merece enquadramento neste último plano, como decorre do nº3 do artº 126º do CPP. Então, se o consentimento do titular afasta a nulidade – volenti non fit injuria - esta sempre deveria ter-se como não insanável e, de acordo com o disposto na al. c) do nº3 do artº 120º do CPP, definitivamente sanada porque não suscitada no prazo de cinco dias após o despacho de encerramento do inquérito.
Da confissão
A terceira e última questão colocada pelo recorrente prende-se com a sua confissão. Diz o recorrente que «obviamente» não confessou nem poderia ter confessado que no dia 26/01/2008 tinha a TAS constante dos autos.
A decisão recorrida deixou claro que a confissão do arguido revestiu apenas valor coadjuvante, residual. Mas, por outro lado, indica-nos que o arguido efectuou uma declaração de verdade clara e esclarecida e considera que foi produzida confissão integral e sem reservas. Por isso inscreveu no ponto 9 dos factos provados que o arguido «confessou os factos pelos quais vinha acusado».
O arguido não conformou o recurso de forma a impugnar a decisão em matéria de facto nos termos impostos pelos artºs 412º, nºs 3 e 4 e 431º, al. b) do CPP, o que significa que não podemos conhecer do registo das declarações do arguido e proceder a análise crítica autónoma sobre o que disse. Mantém, assim, inalterável a decisão em matéria de facto nessa parte.
Dito isto, importa constatar a multiplicação de recursos em que o arguido assume em audiência postura inteiramente confessória, por vezes em autênticos actos de contrição, recolhe na medida da pena a devida ponderação da admissão do comportamento desviante e colaboração com a descoberta da verdade, para, em sede de motivação, vir dizer que não confessou coisa alguma pois a parte relevante para a tipificação – a taxa de álcool no sangue – não pode ser apreendida sem recurso a instrumentos e, inerentemente, confessada. Não se ignora que esse entendimento – da impossibilidade de confissão da TAS - é seguido em diversas decisões, com destaque para um conjunto de acórdãos do Tribunal da Relação do Porto[ix], e em que fundamentalmente se aceita a coexistência de confissão integral e sem reservas e a sua ineficácia ou irrelevância para efeitos probatórios. Pensamos que tal não pode acontecer. 
Na obra fundamental sobre a confissão no direito probatório, Lebre de Freitas começa por escrever:
«Confiteri significa em latim «falar em conjunto», no sentido de «concordar», «dizer a mesma coisa», e este significado etimológico da palavra harmoniza-se com o entendimento da confissão como o encontro de duas afirmações coincidentes. Este entendimento é, por alguns autores, feito remontar ao direito romano, onde a confissão exigiria a prévia alegação dum facto ou dum direito favorável ao alegante e reconhecido seguidamente pela parte contrária»[x].
Esse sentido de reconhecimento e de desfavor encontra consagração no artº 352º do CC, nos termos do qual:
«Confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária».
Naturalmente, enquanto afirmação de uma realidade, a declaração confessória envolve a representação intelectual do facto cuja verdade se reconhece. Por isso, a confissão estrutura-se como uma declaração de ciência e de verdade, feita necessariamente a partir da cognição do declarante e não da de terceiros[xi].
Posto isto, será adequado considerar que a presença e quantificação da taxa de álcool no sangue integra matéria inacessível ao espaço cognitivo de qualquer pessoa e, então, insusceptível de ser confessado? Pela nossa parte, a resposta é negativa. Não sofre dúvida que os sentidos não permitem quantificar valores biológicos como a TAS, mas temos igualmente como certo que, existindo reflexos somáticos do consumo de álcool, o ser humano pode formular padrões experimentais de auto-aferição da influência etílica, a partir de um conjunto de índice que não carecem de instrumentos sofisticados. Esses índices coincidem em boa parte com os aspectos enunciados na portaria nº 902-B/2007, de 13/8, para o exame médico do estado de influenciado pelo álcool, como seja, a alteração do equilíbrio e da coordenação de movimentos bem como perturbação das funções cognitivas. Quem não associou o caminhar trôpego e a voz pastosa e entaramelada de outrem à elevada ingestão de álcool, firmando convicção de causalidade?
Pode objectar-se que este raciocínio apenas consente que se admita a confissão da ingestão de álcool e da sua influência mas nunca de uma taxa precisa, em particular quando próxima do limite legal da penalização. Mas, sendo a experiência uma construção diária a partir da partir da multiplicação de eventos, o grau de ingestão de álcool não escapa a esse domínio. Exemplificando, um qualquer indivíduo que num determinado dia e hora consome quatro porções de um tipo de bebida alcoólica e é sujeito a exame com recurso a alcoolímetro, acusando a TAS de 1,24 gr/l, caso repita nos dias imediatos esse exacto comportamento e exame pode consciente e validamente interiorizar que voltará a registar essa mesma taxa. Cabe aqui recordar que o arguido nestes autos havia já sido julgado e condenado exactamente pelo crime de condução de veículo em estado de embriaguez. Nada justifica, nesse quadro de circunstâncias, que se afirme absoluta incapacidade para formular uma declaração de ciência e de verdade relativamente a essa conduta[xii]
Existe também uma outra vertente da questão que, ao que cremos, não é devidamente ponderada na jurisprudência que nega valor à confissão nestas situações. Sendo o arguido em julgamento confrontado com uma acusação alicerçada num teste de alcoolemia, também esse elemento entra no seu espaço cognitivo, completando a recordação volitiva e sensorial. A partir daí, pode o arguido legitimamente tê-lo em conta na reconstituição interior do facto, ao ponto de atingir certeza quanto ao acerto da TAS registada e declará-lo em conformidade através de confissão integral e sem reservas. Não será, por certo, uma certeza absoluta, mas sim a mesma avaliação de probabilidade preponderante para além de qualquer dúvida razoável que incide sobre o julgador. Não se esqueça que a confissão não tem apenas um valor probatório: o seu relevo projecta-se igualmente no domínio da medida da pena, enquanto expressão da atitude do arguido perante o desvalor da conduta e a censura jurídico-penal, em termos de minorar as exigências de prevenção especial. E, ao que nos parece, essas dimensões da confissão penal não podem deixar de estar em sintonia[xiii].
Por último, não sendo proibido ao condutor ingerir quaisquer bebidas alcoólicas, como acontece noutros países, antes censurado no plano contra-ordenacional a ultrapassagem da taxa de álcool no sangue entre 0,5 gr/l e 1,20 gr/l, e punido como crime logo quando atingido ou ultrapassado esse último valor, haverá que reconhecer ao condutor não só a capacidade como também o dever de proceder à auto-avaliação das consequências das bebidas consumidas, o que, salvo melhor opinião, significa que o legislador aceita que qualquer condutor tem condições para percepcionar esses valores, mesmo que por aproximação.
Não se veja nestas considerações a defesa da aceitação acrítica da confissão. Pode ter lugar confissão e a convicção do julgador orientar-se noutro sentido, designadamente porque ficam dúvidas sobre a veracidade dos factos confessados. Isso mesmo resulta do disposto no artº 344º, nº3, al. b) e 4 do CPP e constitui, como bem observa Damião da Cunha, exigência do princípio da investigação e da autonomia do juízo jurisdicional[xiv]. Na averiguação das declarações do arguido, confessórias ou outras, sempre o tribunal deverá exercer a devida apreciação crítica quanto à sua consistência, pertinência e fidedignidade. Mas esse limite não lhe retira o sentido de consenso, ou torna irrelevante a confissão enquanto «afirmação pessoal de transmissão de conhecimentos e de interpretação de um conjunto de factos, que ‘converge’ com aquilo que é descrito na acusação, pelo que, por esta via, se transforma numa concreta forma de contribuição para a realização do Direito»[xv].
Certo é que, na situação em apreço, a confissão transmitiu exactamente esse consenso do arguido, o qual não fundou dúvidas ao tribunal a quo e não vemos porque não deveria ter sido aceite e valorada, como foi.
Falecem, pelo exposto, todas as razões apresentadas pelo recorrente. Acrescente-se que a correcção da operação de subsunção jurídico-penal não suscita dúvidas e o sancionamento não apresenta excesso.
Dispositivo
Pelo exposto, acordam os Juízes da Secção Criminal desta Relação em:
Negar provimento ao recurso;

Condenar o recorrente, pelo decaimento no recurso, na taxa de 7 (sete) Ucs (artºs. 513º, nº1 do CPP e 87º, n

[i] Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal”, II, 2ª ed., Ed. Verbo, pág. 335 e Ac. do STJ de 99/03/24, in CJ (STJ), ano VII, tº 1, pág. 247.
[ii] Cfr., por exemplo, art.ºs 119.º, n.º 1, 123.º, n.º 2, 410.º, n.º 2, alíneas a), b) e c), do CPP e acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória do STJ de 19/10/95, publicado sob o n.º 7/95 em DR, I-A, de 28/12/95.
[iii] Circunstância que justifica a ausência de convite ao aperfeiçoamento, pese embora as conclusões quase repitam  ipsis verbis o corpo da motivação.
[iv] Publicado no DR nº 118, 2ª série, de 21/07/2007.
[v] Autorização nº 001/DGV/ALC/98.
[vi] Publicado no DR, nº223, 3ª série, de 25/09/96.
[vii] Publicado no DR, nº 54, 3ª série, de 05/03/96.
[viii] Cf. Ac. desta Relação de 1/10/2008, Proc. 60/08.6GTGRD.C1, relator Des. Esteves Marques e os Acs. da Relação de Évora de 29/04/2008, Proc. 597/08.1, relator Des. Ribeiro Cardoso e da Relação do Porto de 15/10/2008, Proc. 0844848, relator Ernesto Nascimento.
[ix] Acórdãos da Relação do Porto de 10/09/2007, Pº 0843109, relator Des. Ernesto Nascimento, 26/11/2008, Pº 0812537, relatora Des. Maria Leonor Esteves, de 15/10/2008, Pº 0813607, relator Des. Luís Teixeira e de 26/11/2008, Pº 0812537, relatora Des. Isabel Pais Martins, todos em www.dgsi.pt.
[x] José Lebre de Freitas, A confissão no Direito Probatório, Coimbra Ed., 1991, pág. 19.
[xi] Cfr. Lebre de Freitas, ob. cit., págs. 159 a 165.
[xii] No sentido exposto, admitindo que a confissão de arguido incida também sobre o valor da TAS, cfr. o Acórdão desta Relação de Coimbra de 11/11/2008, Pº 62/08.2, relator Des. Vasques Osório e também os Acs. da Relação do Porto de 28/05/2008, Pº 0811729, relator Des. Manuel Braz, 28/04/2008, Pº 0840644, relator Custódio Abel e de 02/07/2008, Pº 0814166, relatora Des. Maria do Carmo Dias, todos em www.dgsi.pt.
[xiii] Tem razão Carlos Climent Durán, La prueba penal, 2ªed., tomo I, Tirant lo Blanch, 2005, pág. 374, quando refere que a prova por confissão passa pela declaração autoinculpatória; quando assim não acontece estamos perante simples declarações. Por isso mesmo, i.e. pela proximidade da condenação que acarreta, sentiu o legislador necessidade de regular especificadamente a sua produção (artº 344º do CPP).
[xiv] Damião da Cunha, O caso julgado parcial – A questão da culpabilidade e questão da sanção num processo de estrutura acusatória, Universidade Católica, Porto, pág. 388-392.
[xv] Damião da Cunha, ob. cit., pág. 391.