Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
1005/22.6T8VIS-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: VÍTOR AMARAL
Descritores: EXECUÇÃO DE SENTENÇA PARA PAGAMENTO DE QUANTIA CERTA
REJEIÇÃO DO RECURSO DE FACTO
PENHORA DE CRÉDITOS
INÍCIO DA CONTABILIZAÇÃO DOS JUROS DE MORA
LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ
Data do Acordão: 05/02/2023
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: JUÍZO DE EXECUÇÃO DE VISEU
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA EM PARTE
Legislação Nacional: ARTIGO 829.º-A, N.º 4, DO CÓDIGO CIVIL
ARTIGOS 562.º, 1 E 2; 640.º, 1, B) E 2 A); 662.º, 1 E 773.º, 1, DO CPC
Sumário: 1. - Visando o recorrente impugnar a decisão da matéria de facto, mas não procedendo à necessária análise crítica da prova convocada, em termos de mostrar o erro de apreciação do tribunal, não rebatendo a justificação da convicção quanto a prova pessoal ali considerada essencial para formação da convicção do julgador, nem indicando as passagens da gravação dessa prova pessoal que devessem ser sindicadas, a impugnação respetiva deve ser rejeitada, como previsto, imperativamente, no art.º 640.º, n.ºs 1, al.ª b), e 2, al.ª a), do NCPCiv..

2. - A penhora de créditos só opera mediante a expressa e perentória notificação do devedor, com as formalidades legais, em termos de deixar inequívoco que o crédito fica à ordem da execução respetiva, com os inerentes deveres do devedor/notificado.

3. - Na ação executiva fundada em sentença condenatória – incluindo no pagamento de juros de mora até efetivo e integral pagamento do capital devido –, com penhora de montantes depositados, a penhora não equivale ao pagamento, para efeitos de contabilização dos juros moratórios e compulsórios, posto apenas com o pagamento, efetivo e integral, ficar satisfeito o crédito, sem o que continuarão a vencer-se tais juros.

4. - Não deve haver condenação por litigância de má-fé se os embargantes, embora com errónea indicação de datas – cujo erro/desconformidade parece resultar de lapso, posto ser facilmente detetável perante os documentos em que os autos se decompõem –, se equivocam de forma tão manifesta e ostensiva que a divergência não poderia passar incólume perante um observador normalmente atento.

5. - Perante manancial de comunicações alusivas a execução tributária e inerente visada penhora de crédito pela Administração Tributária (o crédito aqui exequendo), a diversa natureza dos âmbitos executivos (tributário e cível), com inerentes regimes legais aplicáveis, e a existência de anterior tentativa de penhora por aquela Administração Tributária, com comunicação a respeito, é de admitir a possibilidade de dúvidas dos embargantes quanto aos seus deveres nesse âmbito relativamente ao crédito, entretanto judicialmente definido.

6. - Por isso, não resulta claro, apesar da inexistência de penhora do crédito pela Administração Tributária, que os embargantes tenham deduzido conscientemente ou com grave negligência oposição que bem soubessem totalmente infundada, ao defenderem na execução cível que o crédito ficava cativo a favor da Administração Tributária e, por isso, não seria já devido no âmbito daquela execução cível.

Decisão Texto Integral:                                                   ***

Acordam na 2.ª Secção do Tribunal da Relação de Coimbra:

         

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I – Relatório

Por apenso a autos de execução de sentença, para pagamento de quantia certa, que lhes move o “A... Unipessoal, Ld.ª”, com os sinais dos autos,

vieram os Executados AA e BB, também com os sinais dos autos,

deduzir oposição – mediante embargos de executado ([1]) – a tal execução, alegando, em síntese ([2]):

- terem pago, por força da penhora do crédito da Embargada/Exequente sobre os Embargantes, a quantia total de € 7.638,80, sendo ainda que foram notificados pela Autoridade Tributária (AT) do registo de uma penhora no valor global de € 41.420,54, tendo retido o valor que ainda seria devido à Embargada para cumprir essa notificação, concluindo, por essa razão, estar cumprida a obrigação aqui exequenda, inexistindo fundamento legal para pagamento de juros moratórios ou compulsórios nos moldes peticionados na execução;

- dever a Embargada ser condenada como litigante de má-fé, por lhes imputar uma dívida que sabe não existir, em multa e indemnização, que contemple os prejuízos sofridos pela propositura da execução e penhora dos seus saldos bancários, bem como os honorários do seu mandatário.

Concluíram pela extinção da execução.

Liminarmente admitidos os embargos, a Exequente contestou, pugnando pela improcedência dos argumentos invocados e concluindo pela total improcedência da oposição e do incidente de litigância de má-fé, para o que deixou alegado:

- ter o requerimento executivo dado entrada em juízo anteriormente aos alegados pagamentos efetuados pelos Embargantes, os quais, atenta a frustração com a derrota judicial que sofreram, procuraram os seus putativos credores para renovação de execuções que se encontravam extintas há anos, havendo de concluir-se que, nesse âmbito, os pagamentos efetuados pelos Embargantes são indevidos, por estar já vencida a obrigação exequenda;

- quanto à alegada dívida fiscal, revelarem os autos que a Autoridade Tributária nunca notificou os Executados para penhora de créditos, estando-lhes vedado fazer sua tal quantia até que fosse encontrado um credor a quem pagar, defendendo que, na ineficácia, em relação a si, das prestações efetuadas a terceiro, a obrigação exequenda não se encontra extinta;

- serem os Embargantes quem litiga de má-fé, devendo ser condenados em conformidade – em multa e indemnização, em montante a fixar pelo Tribunal –, para o que aduz que aqueles deturpam a realidade dos factos e faltam à verdade.

Os Embargantes opuseram-se, contraditando-o, ao pedido de condenação como litigantes de má-fé.

Proferido despacho saneador, com enunciação do objeto do litígio e dos temas da prova, foi realizada a audiência final, seguida de sentença, com o seguinte dispositivo (no relevante para o recurso):

«(…) julga-se a matéria dos embargos parcialmente procedente e, em consequência, determina-se o prosseguimento da execução para pagamento da quantia de € 15.955,05, à qual acrescerão os juros de mora vencidos e vincendos, desde a entrada do requerimento executivo em juízo, até integral pagamento, bem como os juros compulsórios calculados desde 10.02.2022, até integral e efectivo pagamento da dívida exequenda, julgando-a extinta na parte restante.

Mais se decide condenar os Embargantes como litigantes de má-fé na multa que se fixa em 4 (quatro) unidades de conta e na indemnização que se vier a liquidar, nos termos do artigo 543.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.».

Inconformados, os Embargantes recorrem do assim decidido, apresentando alegação, onde formulam as seguintes

Conclusões ([3]):

«1.ª Tendo sido os Executados notificados a 07/06/2017, no decurso da acção principal (processo n.º 16/17....), pela Autoridade Tributária, para a penhora do eventual crédito que do mesmo derivasse para a aqui Exequente, no montante de € 3.460,21, a partir do momento em que aquele crédito se constitui era dever dos mesmos informarem a Autoridade Tributária da existência do mesmo, sob pena da sua responsabilização pessoal por aquele.

2.ª Foi junto à petição de embargos, como documento n.º 6, um e-mail remetido pelo mandatário dos Executados para o Serviço de finanças de ..., a 27 de Janeiro de 2022, no qual se informa a existência do crédito da Exequente sobre aqueles e se questiona, precisamente, se o débito desta para com a AT ainda se mantém e qual o valor.

3.ª Para os Executados era absolutamente indiferente pagar à Exequente ou aos diversos credores da mesma. O que os Executados não queriam, e continuam a não querer, é pagar à Exequente e serem posteriormente responsabilizados pelo pagamento a esses credores, nomeadamente à AT.

4.ª Perante a informação aludida nos factos 14. e 15., nos quais consta como valor total da dívida € 41.420,54, sendo indicada uma penhora registada a 10/02/2022, no estado de “despachado”, recaindo sobre o Recorrente AA, com a descrição «Créditos – Factura», outra alternativa não restava aos Executados se não a de reterem o montante (que ainda restava) para pagamento à AT, sob pena da sua própria responsabilização por aquele débito, já que não podiam negar o seu conhecimento.

5.ª Correm os Executados o risco de, mantendo-se a decisão recorrida, serem obrigados pela AT ao pagamento do débito da Exequente, por o crédito se encontrar penhorado, e por aqueles terem conhecimento do mesmo desde Fevereiro de 2022.

6.ª Não se pode afirmar que o anexo junto àquele e-mail de 22/02/2022 era um documento interno, «com mera função informativa», ou que deveria ter sido interpretado como tal pelos Executados, na medida em que, se assim o fosse, o Senhor Chefe de Finanças não escreveria no assunto da comunicação “URGENTE” e não faria referência no texto do e-mail a «toda a informação relativa à penhora de créditos sobre os créditos da entidade, A..., UNIPESSOAL LDA, NIPC ...».

7.ª Nos termos da al. c), do n.º 1, do art. 640.º do CPC, os factos não provados i., ii. e iii. deverão ser todos julgados como provados.

8.ª Para além da factualidade julgada erradamente, mostra-se imperativo aditar factualidade essencial para a boa decisão da causa, sobre a qual recaiu prova e/ou decorre do próprio conhecimento oficioso do Tribunal.

9.ª O primeiro facto a ser aditado prende-se com a ordem de penhora emitida pela AT, recebida pelos Executados a 06 de Maio de 2022 (mas datada de 05 de Maio de 2022), com o n.º ...08, cujo titular vem identificado como sendo a Exequente.

10.ª Este facto não consta, mas deveria constar, da factualidade provada, pela importância que encerra para a boa decisão da causa, colocando por terra a lógica na qual o Tribunal “a quo” se baseou, segundo a qual faltou o impulso do devedor da sociedade de responder informaticamente que existia a dívida, para que a penhora se efectivasse. Se assim fosse, se a realização da penhora dependesse da resposta do Executado via informática, então a mesma nunca poderia ter vindo a ocorrer em Maio de 2022.

11.ª Por outro lado, demonstra o justo receio dos Recorrentes de, após as comunicações aludidas em 4., 14. e 15., pagarem o remanescente à Exequente e serem depois pessoalmente responsabilizados pela satisfação do crédito à AT.

12.ª Tal facto deve ser aditado à factualidade provada, na medida em que, para além da sua importância na boa decisão da causa, vem sustentado no documento n.º 2 junto ao requerimento de 17/05/2022, tendo sido igualmente reconhecido pela testemunha Dr. CC.

13.ª Outros dois factos que não constam da factualidade provada, mas que decorrem dos próprios autos, sendo do conhecimento oficioso do Tribunal, prendem-se com i) a data da citação dos Recorrentes/Executados para a execução e ii) o dia em que foi efectuado o pagamento da devida provisão ao agente de execução por parte da Exequente.

14.ª Quanto ao primeiro, saber em que data é que os Executados foram citados para a execução, é um facto essencial para a boa decisão da causa, nomeadamente no que se prende com a condenação daqueles como litigantes de má fé, e cuja resposta decorre dos próprios autos.

15.ª Relativamente ao segundo, é o mesmo essencial para que se possa aferir também da alegada má fé dos Executados, na medida em que, como os mesmos afirmaram, quando efectuaram a comunicação provada em 13. à mandatária da Exequente, esta podia e devia ter travado o andamento da execução, já que apenas efectuou o pagamento da provisão da fase 1 ao Senhor Agente de Execução, da qual depende o prosseguimento da execução, no dia 11/02/2022.

16.ª Saber em que data foi paga, pela Exequente, a provisão ao Senhor Agente de execução relativa à fase 1 é essencial para a boa decisão da causa, para que se compreenda se foi posterior ou anterior à comunicação aludida em 13., decorrendo dos autos que tal pagamento ocorreu em 11/02/2022, de acordo com a Fatura-Recibo n.º fr. ...46 junta aos autos (referência citius n.º 5147268).

17.ª Deverão ser aditados à factualidade provada os seguintes factos:

18. Foi efectuada uma notificação de penhora de créditos aos Executados, datada de 05 de Maio de 2022, com o n.º ...08, cujo titular vem identificado como sendo a Exequente, com o seguinte conteúdo:

Fica por este meio notificada essa entidade, nos termos dos artigos 224.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 773.º do Código de Processo Civil (CPC), de que deverá considerar penhorado(s), à ordem desta Direção de Finanças, o(s) créditos do executado abaixo identificado, à data da presente notificação, com vista ao pagamento da dívida exequenda e acrescido, exigidos no âmbito do processo de execução fiscal com o número acima referido, que corre termos nesta Direção de Finanças, no montante de € 19.982,42, limitando-se a penhora a este valor. Mais fica notificado, nos termos e para os efeitos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 773.º do CPC, de que deverá declarar, no prazo de 10 dias, através da página da AT na Internet (www.portaldasfinancas.gov.pt) – na opção Consultar > Execuções Fiscais >Penhoras > Direitos e Rendimentos, se o crédito existe , qual o valor penhorado, quais as garantias que o acompanham, em que data se vence e quaisquer outras circunstâncias que possam interessar à execução. Fica ainda notificada para efetuar o depósito do valor penhorado no prazo de 30 dias a contar da penhora ou do vencimento do crédito, caso não se encontre vencido (alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 224.º do CPPT), mediante guia(s) a obter na página da AT na Internet, na opção referida no parágrafo anterior. Poderá efetuar o pagamento junto de qualquer Serviço de Finanças, através da rede Multibanco, ou do Serviço Homebanking, bem como nos CTT. Mais poderá, querendo, obter esclarecimentos adicionais junto de qualquer Serviço de Finanças, Direção de Finanças ou do número 217 206 707. (Centro de Atendimento Telefónico - CAT).

19. Os Executados foram citados para a presente execução a 02 de Março de 2022, datando tal citação de 25 de Fevereiro de 2022.

20. A Exequente efectuou o pagamento da provisão ao Senhor agente de Execução no dia 11/02/2022.

18.ª Relativamente à alegada litigância de má fé dos Executados, os mesmos apenas foram citados para a Execução a 02 de Março de 2022, datando tal citação de 25 de Fevereiro, pelo que quando efectuaram a notificação aludida em 13. os mesmos desconheciam que tinha sido contra si intentada uma execução.

19.ª Apesar de a execução ter sido remetida a 10 de Fevereiro de 2022 via citius, a mesma só teve o seu início com o pagamento da provisão ao Senhor Agente de execução relativa à fase 1, decorrendo do recibo junto pela Executada aos autos que a mesma ocorreu em 11/02/2022. Daí que os Executados não tenham faltado à verdade quando afirmaram que a sua comunicação aludida em 13. ocorreu antes daquela execução se efectivar, podendo a Exequente, se assim pretendesse, ter suspendido a mesma, não efectuando o pagamento da provisão da fase 1.

20.ª Perante a factualidade provada 7, 13, 14 e 15 e toda a documentação junta aos autos não subsiste qualquer fundamento que justifique a conclusão do Tribunal “a quo”, segundo a qual os Embargantes estavam cientes que não tinham qualquer justificação para deduzir embargos no que se prende com o existência do crédito da AT, por alegadamente nunca terem sido formalmente notificados por aquela para a penhora de créditos.

21.ª Mesmo que se aceitasse uma tal perspectiva do Tribunal “a quo”, e se desvalorizasse por completo os efeitos da notificação aludida em 14. e 15., o que só por mero dever de patrocínio se equaciona, perante a factualidade provada nunca se poderia afirmar estar em causa uma imprudência grosseira por parte dos Executados, sem o mínimo de diligência que teria permitido àqueles facilmente darem-se conta da desrazão do seu comportamento.

22.ª Para os Executados/Recorrentes era indiferente pagar à Autoridade Tributária ou à Exequente, pelo que se tivessem consciência que não tinham razão (o que ainda hoje não têm, daí o presente recurso), se não temessem poder ser responsabilizados pelo pagamento da dívida da Exequente à AT, então teriam procedido logo ao pagamento à Recorrida.

23.ª Acresce que a defesa convicta de uma perspetiva jurídica dos factos, diversa daquela que a decisão judicial acolhe, não implica, por si só, litigância censurável a despoletar a aplicação do art. 542.º, n.ºs 1 e 2, do CPC.

24.ª Quanto à condenação em juros de mora e compulsórios, é sabido que na acção executiva o cumprimento da obrigação exequenda é alcançado através da coerção imposta pelos poderes soberanos do tribunal, em que a intervenção deste se repercute directamente quer na esfera do exequente quer na esfera do executado; e nessa medida o pagamento feito na execução não difere do pagamento feito directamente ao credor, pelo contrário é em tudo idêntico ao pagamento feito ao credor.

25.ª Decorre dos Autos que no dia 25/02/2022 foram penhorados aos Executados três depósitos bancários, no valor de € 27.980,01 (vinte sete mil novecentos e oitenta euros e um cêntimo). Tal montante é suficiente para satisfazer a dívida exequenda e as despesas prováveis, tudo estimado em € 25.954,37.

26.ª Por sua vez a dedução de embargos não suspendeu a execução, visto não se ter verificado nenhuma das hipóteses em que tal poderia ser possível, previstas no artigo 733.º, n.º 1 do CPC.

27.ª Significa isto que nada impedia a Exequente de requerer o prosseguimento da execução para obter o pagamento na pendência da oposição.

28.ª Mesmo que se considerasse que havia mora por parte dos Executados, os juros só poderiam ser calculados até às penhoras ocorridas em 25/02/2022.

29.ª O mesmo se diga para os juros compulsórios, uma vez que o efeito coercitivo da condenação nos mesmos apenas se justifica no período que medeia entre o trânsito da decisão e a penhora dos montantes necessários à satisfação da dívida e despesas da execução (25/02/2022), dado que a partir dessa data já ocorreu o “pagamento” devido.

30.ª A sentença recorrida viola, deste modo, o disposto nos artigos 729.º, al. g) do CPC; art. 542.º, n.ºs 1 e 2, do CPC e 805.º, 806.º e 829º-A, n.º 4, ambos do CC.

NESTES TERMOS, e com o douto suprimento deste Venerando Tribunal:

A. Revogando a sentença recorrida e julgando totalmente procedentes, por provados, os embargos de executado,

Ou, se assim não se entender,

B. Absolvendo os Executados da condenação como litigantes de má fé e determinando a contagem de juros de mora e compensatórios apenas até à penhora dos depósitos bancários, num total de € 27.980,01, ocorrida a 25/02/2022,

Vªs. Exªs farão, como sempre, a habitual

J U S T I Ç A!».

A parte Recorrida apresentou contra-alegação de recurso, pugnando:

a) Na falta de cumprimento do ónus de impugnação previsto no art.º 640.º, n.º 1, do NCPCiv., pela rejeição imediata do recurso na parte afetada, quanto à impugnação da decisão de facto;

b) No mais, pela total improcedência dos embargos.

O recurso foi admitido como de apelação, com subida imediata, nos próprios autos (de embargos) e efeito meramente devolutivo, tendo então sido ordenada a remessa dos autos a este Tribunal ad quem, onde foi mantido tal regime recursivo.

Nada obstando, na legal tramitação, ao conhecimento do mérito do recurso, cumpre apreciar e decidir.

II – Âmbito recursivo

Sendo o objeto do recurso delimitado pelas respetivas conclusões, pressuposto o objeto do processo delimitado nos articulados das partes – nos termos do disposto nos art.ºs 608.º, n.º 2, 609.º, 620.º, 635.º, n.ºs 2 a 4, 639.º, n.º 1, todos do NCPCiv. –, cabe conhecer na presente apelação sobre:

a) Admissibilidade e procedência da deduzida impugnação da decisão da matéria de facto;

b) Pagamento liberatório a terceiro;

c) Contagem de juros moratórios e compulsórios;

d) Litigância de má-fé dos Embargantes.

III – Fundamentação

A) Impugnação da decisão da matéria de facto

1. - Da (in)admissibilidade e (im)procedência da impugnação

Como visto, na sua contra-alegação de recurso, a Apelada pugna pela liminar rejeição da impugnação da decisão relativa à matéria de facto, argumentando que:

«III. Os Recorrentes limitam-se a afirmar que os pontos I. II. e III. dos factos dados como não provados deveriam ter sido considerados como provados, não indicando, porém, que meios de prova suportam decisão diferente, nem colocando em causa os meios probatórios em que a Mmª Juíza a quo alicerçou a sua convicção.

IV. A falta de cumprimento do ónus de impugnação previsto no art. 640.º, n.º 1 do CPC implica a rejeição imediata do recurso na parte afectada.».

Aqueles pontos dados como não provados na sentença têm o seguinte teor:

«i. os Executados foram informados, pessoalmente, quando se dirigiram ao serviço de finanças de ..., que o crédito aludido em 15. se encontrava penhorado desde o dia .../.../2022, faltando apenas os serviços centrais enviarem a notificação.

ii. os Executados tivessem o crédito da Exequente cativo, sabendo que o teriam de liquidar à Autoridade Tributária.

iii. os Executados foram notificados pela AT do pedido de penhora do crédito, no valor global de € 41.420,54, que a A... tem para consigo.».

Na fundamentação da convicção da sentença pode ler-se, com relevância:

«A materialidade que consta do item 7 - terem os Executados informado a Autoridade Tributária da existência do crédito da Exequente sobre si – mostra-se provada por não ter sido contestada pela parte contrária, resultando a sua verificação da conjugação do teor dos documentos 6 e 7, juntos com a petição de embargos, com os factos dados como assentes em 14 e 15, de onde se extrai que essa comunicação e troca de mensagens efectivamente aconteceu (embora não se tenha logrado apurar em que data foi feita a primeira comunicação da existência do crédito, dado que se apura que o email datado de 24.01.2022 nunca chegou ao seu destinatário, por haver um erro de escrita na identificação da conta de email do serviço de finanças em questão).

Destes acontecimentos deu-nos conta o Dr. CC, Chefe de Finanças de ..., tendo o mesmo deixado também claro que, para que as finanças penhorassem determinado crédito, esse crédito teria de ser previamente reconhecido pelo visado pela notificação, tendo afirmado que, no vertente caso, esse reconhecimento nunca aconteceu.

Efectivamente, segundo a testemunha, houve uma troca de correspondência via email, entre os ora Executados e a Repartição de Finanças ... todavia, em nenhum momento foi reconhecida, de modo relevante, a existência do crédito, permitindo-se, assim, a respectiva penhora.

Confrontado com os documentos 6 e 7 juntos à petição de embargos e com as informações que resultavam do print anexo, esta testemunha esclareceu que existia um processo de execução fiscal contra a ora Exequente, que se teria iniciado em 2017, e que esse processo prosseguiu com outras penhoras, tendo aguardado por uma resposta positiva ao pedido de penhora do crédito em questão, resposta essa que teria de ser dada informaticamente, o que o Sr. AA nunca fez, nunca tendo reconhecido perante as Finanças ser devedor da A..., tendo faltado sempre o impulso do devedor da sociedade (a tal concretização informática da penhora) para que a penhora se efectivasse.

Mais esclareceu que tiveram conhecimento da existência do crédito da A... através de declarações fiscais/documentação contabilística comprovativa de transacções comerciais estabelecidas entre as partes, elucidando, quando instado, que o email por si subscrito, datado de 22.02.2022 (dado como assente em 14), foi uma resposta a um email anterior do Dr. DD, Ilustre Mandatário dos ora Executados (email esse que não se encontra junto aos autos, dado que, conforme supra se expôs, o de 27.01.2022 não foi recebido), e tinha como objectivo informá-lo do valor em dívida, nessa data, da sociedade A... à Autoridade Tributária, qualificando o print que seguiu em anexo como um documento interno, com mera função informativa, que não se destinava a notificar o destinatário da penhora de créditos, avançando que essa notificação só vem a acontecer, de modo automático, em Maio de 2022, conforme documento 2 junto a 17.05.2022 , sendo o valor penhorável, nessa data, de 19.982,42€, sendo que, mais uma vez, não foi registada no sistema qualquer resposta a essa notificação.

Instado, novamente, sobre a concretização da aludida penhora, o depoente foi peremptório em afirmar que não existe nenhuma penhora activa do aludido crédito e que nada impedia o Sr. AA de pagar o que devia à sociedade A..., justificando-se, assim, com base neste depoimento e na análise dos documentos juntos aos autos emitidos pela Autoridade Tributária, que o tribunal tenha dado como não provada a factualidade discriminada em i. a iii. dos factos não provados.» (itálico aditado).

Os Recorrentes invocam erro na apreciação da prova quanto a tais pontos i. a iii. do quadro julgado como não provado, pelo que lhes caberia, inevitavelmente, observar os ónus a que alude o art.º 640.º do NCPCiv., sob pena de imediata rejeição nessa parte, mormente indicando as provas que consideravam relevantes para formação de convicção contrária à adotada pelo Julgador e indicando as razões pelas quais as provas convocadas pelo Tribunal não eram adequadas a fundar a convicção negativa adotada, o que obrigava à análise crítica de toda a prova implicada, de molde a demonstrar, deixando-o evidenciado, o erro de julgamento ocorrido, sabido que, se houvesse de ser analisada prova pessoal (como a testemunhal), não poderiam os impugnantes demitir-se de indicar com exatidão as passagens de gravação em que fundassem a sua impugnação, sem prejuízo de poderem (facultativamente) oferecer transcrição da gravação áudio [cfr. art.ºs 640.º, n.ºs 1, al.ª b), e 2, al.ª a), e 662.º, n.º 1, ambos do NCPCiv.].

Ora, lidas as conclusões do recurso, constata-se que os Apelantes ali não procedem a essa específica indicação dos concretos meios de prova que impusessem resposta diversa quanto a cada um desses três pontos impugnados, nem rebateram, em análise crítica, os argumentos de cariz probatório que levaram o Tribunal recorrido a formar a sua convicção negativa, tal como exarados na respetiva justificação da convicção, designadamente quanto à prova testemunhal ali considerada essencial (depoimento da testemunha Dr. CC, Chefe de Finanças de ..., que mostrou, de acordo com o exarado, ser conhecedor dos factos em questão), nem sequer aludiram a quaisquer passagens da gravação deste depoimento tido por essencial pelo Julgador a quo.

E, percorrida a motivação da apelação, também se nota que falta aquela necessária análise crítica da prova em que se fundou o Tribunal recorrido, embora se aluda a alguns elementos de prova documental, como a referência a, apesar de a «penhora só vir a ser notificada formalmente aos Executados em Maio de 2022, aqueles já sabiam, desde 2017, que a Exequente tinha um débito para com a AT e que, depois da penhora de créditos que lhes foi notificada, tinham a obrigação de, constituído o crédito, comunicar àquela Autoridade». E se aduza, em complemento, que “nem se diga que o anexo junto àquele e-mail de 22/02/2022 era um documento interno, «com mera função informativa», ou que deveria ter sido interpretado como tal pelos Executados, na medida em que, se assim o fosse, o Senhor Chefe de Finanças não escreveria no assunto da comunicação “URGENTE” e não faria referência no texto do e-mail a «toda a informação relativa à penhora de créditos sobre os créditos da entidade, A..., UNIPESSOAL LDA, NIPC ...»”.

Ora, perante uma tal linha de defesa, não poderiam os impugnantes, em caso algum, passar ao lado da substância do depoimento – convocado expressamente (e de forma muito relevante) na justificação da convicção negativa do Tribunal de 1.ª instância – da testemunha Dr. CC, Chefe de Finanças de ..., que mostrou, de acordo com o exarado, ser conhecedor dos factos em questão, mormente das comunicações e dos contactos entre os Embargantes e a Administração Tributária, e, por isso, mereceu credibilidade ao Julgador.

Porém, os impugnantes fizeram, nesta parte, o que não poderiam fazer: demitiram-se do exercício de análise crítica desse essencial depoimento testemunhal, não mostrando que o mesmo não devesse merecer a credibilidade que lhe foi conferida, nem indicando quaisquer passagens, que devessem ser sopesadas, da gravação do respetivo depoimento, nem sequer oferecendo transcrição a respeito.

Por isso, tem de subsistir de pé essa prova pessoal e a credibilidade que lhe foi conferida na 1.ª instância, pelo que, tendo a testemunha deposto sobre os documentos aludidos pelos Embargantes, contextualizando-os e explicando-os, mostrando, com conhecimento pessoal, toda a evolução dos contactos estabelecidos entre a AT e os embargantes, mormente no concernente à matéria de penhora de crédito, nada há que, justificadamente, possa ser censurado ao decidido, não se mostrando que exista erro de julgamento – o qual competia aos impugnantes demonstrar –, sendo que, desde logo, falta a observância dos ditos ónus a cargo dos Recorrentes/impugnantes, em termos de mostrar que as provas atendíveis impusessem decisão diversa [ditos art.ºs 640.º, n.ºs 1, al.ª b), e 2, al.ª a), e 662.º, n.º 1, ambos do NCPCiv.].

Donde, assim, que seja de manter a decisão da 1.ª instância nesta parte, improcedendo a impugnação a respeito.

2. - Do aditamento/ampliação quanto a nova factualidade

Os Apelantes pugnam pela ampliação da base fáctica, com aditamento dos seguintes factos que consideram provados (não constantes do quadro dado como provado da sentença):

«18. Foi efectuada uma notificação de penhora de créditos aos Executados, datada de 05 de Maio de 2022, com o n.º ...08, cujo titular vem identificado como sendo a Exequente, com o seguinte conteúdo:

Fica por este meio notificada essa entidade, nos termos dos artigos 224.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e 773.º do Código de Processo Civil (CPC), de que deverá considerar penhorado(s), à ordem desta Direção de Finanças, o(s) créditos do executado abaixo identificado, à data da presente notificação, com vista ao pagamento da dívida exequenda e acrescido, exigidos no âmbito do processo de execução fiscal com o número acima referido, que corre termos nesta Direção de Finanças, no montante de €19.982,42, limitando-se a penhora a este valor. Mais fica notificado, nos termos e para os efeitos dos n.ºs 2 e 3 do artigo 773.º do CPC, de que deverá declarar, no prazo de 10 dias, através da página da AT na Internet (www.portaldasfinancas.gov.pt) – na opção Consultar > Execuções Fiscais >Penhoras > Direitos e Rendimentos, se o crédito existe, qual o valor penhorado, quais as garantias que o acompanham, em que data se vence e quaisquer outras circunstâncias que possam interessar à execução. Fica ainda notificada para efetuar o depósito do valor penhorado no prazo de 30 dias a contar da penhora ou do vencimento do crédito, caso não se encontre vencido (alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 224.º do CPPT), mediante guia(s) a obter na página da AT na Internet, na opção referida no parágrafo anterior. Poderá efetuar o pagamento junto de qualquer Serviço de Finanças, através da rede Multibanco, ou do Serviço Homebanking, bem como nos CTT. Mais poderá, querendo, obter esclarecimentos adicionais junto de qualquer Serviço de Finanças, Direção de Finanças ou do número 217 206 707. (Centro de Atendimento Telefónico - CAT).

19. Os Executados foram citados para a presente execução a 02 de Março de 2022, datando tal citação de 25 de Fevereiro de 2022.

20. A Exequente efectuou o pagamento da provisão ao Senhor agente de Execução no dia 11/02/2022.».

Ora, mostra-se já provado – sem impugnação – que (para além do mais):

«4. Em 07.06.2017, no decurso da acção principal (processo n.º 16/17....), o ora Executado AA foi notificado pela Autoridade Tributária, para penhora do eventual crédito que do mesmo derivasse para a aqui Exequente, no montante de €3460,21, devendo declarar, no prazo de 10 dias, através da página na internet, se o crédito existe, o valor penhorado, quais as garantias que o acompanham, em que data se vence e quaisquer outras circunstâncias que possam interessar à execução.

5. Em 21.06.2017, o ora Executado AA dirigiu um requerimento ao processo executivo referido em 4. declarando que a sociedade, ora Exequente, não possuía qualquer crédito sobre si.

6. Por email de 24.01.2022 pelas 09:57 a Exequente remeteu ao Ilustre mandatário dos Executados o IBAN e cálculo do valor em dívida e respectivos juros, solicitando o seu pagamento.

7. Na sequência do email aludido em 6. os Executados informaram a Autoridade Tributária da existência do crédito da A... sobre si.

8. Em 09.02.2022, por e-mail enviado às 12:23, a Ilustre mandatária da Exequente, informou o Ilustre mandatário dos executados que aguardaria até as 17h00 daquele mesmo dia pela recepção do comprovativo de transferência após o que, não sendo a mesma realizada, daria entrada da acção executiva.

9. À falta de resposta, no dia 10 de Fevereiro de 2022, pelas 10:30:53 horas, a Exequente, através da sua mandatária, remeteu via Citius, o requerimento executivo que deu origem aos presentes autos.

10. No dia 03 de Fevereiro de 2022, os Executados foram notificados pelo Senhor Agente de Execução Carlos Almeida, no âmbito do processo n.º 4803/18...., a correr termos no Juízo de Execução ... – Juiz ... (Tribunal Judicial da Comarca ...), cujo exequente é a B..., Lda., que se considerava penhorado o crédito que a executada A..., UNIPESSOAL, LDA detinha em consequência da prestação de serviços/fornecimento de materiais/faturas em atraso ou condenação judicial, ficando à ordem do Sr. Agente até ao montante de € 5.718,28.

11. No dia 10 de Fevereiro de 2022, os Executados foram notificados pela Senhora Agente de Execução EE, no âmbito do processo n.º 14237/15...., a correr termos no Juízo de Execução ... – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., cujos exequentes são FF e outros, que se considerava penhorado, nos termos do artigo 773.º do CPC, o crédito que o executado A..., UNIPESSOAL, LDA detinha em consequência do processo de acção comum n.º 16/17...., a correr termos pela Comarca ... – Juízo de Competência Genérica ..., até ao montante previsional de € 1.921,52.

12. Os Executados efectuaram o pagamento dos valores indicados em 10. e 11., em 10 de Fevereiro de 2022, pelas 15:50 e pelas 15:51 horas, respectivamente, de num total de € 7.639,80 (sete mil seiscentos e trinta e nove euros e oitenta cêntimos).

13. Por e-mail de 10 de Fevereiro de 2022, pelas 20:03 horas os Executados comunicaram à Ilustre Mandatária da Exequente que apenas puderam proceder ao pagamento das custas de parte devidas, face às penhoras de créditos dos quais a Exequente era devedora, no montante global de €7.639,80, tendo anexado os respectivos talões de pagamento multibanco, comunicando ainda que a Autoridade Tributária havia informado os Executados de que iriam ser notificados da penhora do crédito sobre a Exequente, pelo que não pagariam o montante condenatório face as penhoras de crédito efectuadas.

14. No dia 22 de Fevereiro de 2022, o mandatário dos Executados recebeu um e-mail do Chefe de Finanças ..., sendo o assunto: Re: Urgente, com o seguinte teor «em antecipação à notificação envia-se print extraído da base de dados, contendo toda a informação relativa à penhora de créditos sobre os créditos da entidade A..., UNIPESSOAL LDA, NIPC ...».

15. Do print remetido em anexo àquela comunicação, denominado «Lista de Comunicações de Penhora» resultava que o valor total em dívida da Exequente à Autoridade Tributária era de € 42.179,79, sendo o valor total em dívida penhorável de €41.420,54, estando ainda registado como dados do pedido de penhora (n.º ...10), no montante de € 41.420,54, a AA, com a descrição de «créditos – factura», em estado de «activo» e que a comunicação de penhora, estava registada em 2022.02.10, estando o estado da comunicação registada como «despachado», com essa mesma data.

16. No dia 25 de Fevereiro de 2022, os Executados deram conhecimento à Exequente (e ao seu legal representante GG), através de missivas dirigidas a cada um deles, informando-os que, com os pagamentos já efectuados (nos dois processos executivos) e com a penhora das Finanças, ficava cumprida na íntegra a sentença proferida no âmbito do processo n.º 16/17...., através do pagamento de dívidas da A... aos seus credores.

17. As acções executivas aludidas em 10. e 11. encontravam-se extintas por insuficiência de bens.».

Ora, quanto ao pretendido aditamento de um (novo) ponto 18, referente a notificação de penhora, pela AT, de créditos aos Executados, datada de 05/05/2022, com o n.º ...08, cujo titular vem identificado como sendo a Exequente, cabe dizer que não pode olvidar-se a dinâmica factual antes referida, constante dos factos provados e não objeto de qualquer impugnação recursiva ([4]).

É que está, de modo insofismável, provado (facto 4) que a AT havia notificado o mesmo ora Executado/Embargante em 07/06/2017 (quase cinco anos antes), no decurso da ação principal (processo n.º 16/17....), para penhora do eventual crédito que do mesmo derivasse para a aqui Exequente, no montante de € 3460,21 (devendo declarar, no prazo de 10 dias, através da página na internet, se o crédito existe, o valor penhorado, quais as garantias que o acompanham, em que data se vence e quaisquer outras circunstâncias que possam interessar à execução).

Perante isso (facto provado 5), logo em 21/06/2017, o ora Executado AA dirigiu um requerimento ao processo executivo referido em 4 declarando que a sociedade, ora Exequente, não possuía qualquer crédito sobre si.

Quer dizer, à ocorrida notificação para penhora pela AT, o destinatário respondeu negativamente, declarando que o pretendido crédito (a ser objeto de penhora) era inexistente, pelo que a questão ficou encerrada em 2017, já que a AT não pôde avançar com a penhora de crédito e ficou a saber que o mesmo não existia.

Porém, é sabido (facto 6) que, já em 24/01/2022, a Exequente remeteu ao Mandatário dos Executados o IBAN e cálculo do valor em dívida e respetivos juros, solicitando o seu pagamento.

E foi nessa sequência (facto 7) que os Executados, na iminência da execução destes autos (após decisão condenatória, por se tratar de execução de sentença, com demorado iter), entenderam informar, passado todo aquele tempo, a AT da existência do crédito da «A...» sobre si.

Quer dizer, o ciclo da pretendida penhora do crédito ficara fechado, nesta perspetiva, em 2017, com a notificação para penhora e declaração de inexistência do crédito, o que impediu a realização de qualquer penhora.

E somente por provocação dos Executados, uma vez condenados a pagar à aqui exequente e na pressão de instauração de execução por esta, foi reaberta a questão da penhora pela AT, já que estes, passado todo aquele tempo, tomaram a iniciativa de informar da existência do crédito, abrindo a porta a nova notificação para penhora, já em «05 de Maio de 2022», no decurso desta ação executiva (cfr. factos 8 e 9).

A situação não tem, pois, paralelismo com o narrado nos pontos 10 a 12 dos factos provados, em que, na primeira quinzena de fevereiro de 2022, os Executados foram notificados por Agente de Execução, no âmbito de processos a correr termos em Juízo de Execução, que se consideravam penhorados créditos que a executada A..., UNIPESSOAL, LDA detinha, ficando à ordem do Sr. Agente até ao montante de € 5.718,28 e até ao montante previsional de € 1.921,52.

É que, aproveitando essas notificações de penhora de créditos, os Executados, na sequência, comunicaram à Mandatária da Exequente que apenas puderam proceder ao pagamento das custas de parte devidas, face às penhoras de créditos dos quais a Exequente era devedora, no montante global de €7.639,80, tendo anexado os respetivos talões de pagamento multibanco, comunicando ainda que a AT havia informado os Executados de que iriam ser notificados da penhora do crédito sobre a Exequente, pelo que não pagariam o montante condenatório face as penhoras de crédito efetuadas.

Porém, continuava a inexistir, como antes, penhora da AT.

Com efeito (facto 14), no dia 22/02/2022, o mandatário dos Executados, na sequência do descrito contacto anterior (cfr. ponto 7), recebeu um e-mail do Chefe de Finanças ..., “sendo o assunto: Re: Urgente, com o seguinte teor «em antecipação à notificação envia-se print extraído da base de dados, contendo toda a informação relativa à penhora de créditos sobre os créditos da entidade A..., UNIPESSOAL LDA, NIPC ...»”.

Continuava, pois, a inexistir penhora da AT a que os Embargantes se encontrassem sujeitos, pelo que não tinha ainda substância a informação de 25/02/2022 (facto 16), no sentido de os Executados darem conhecimento à Exequente de que «com a penhora das Finanças, ficava cumprida na íntegra a sentença proferida no âmbito do processo n.º 16/17...., através do pagamento de dívidas da A... aos seus credores», penhora essa da AT que os mesmos Embargantes/Apelantes vêm dizer ter ocorrido apenas mediante «notificação (…) datada de 05 de Maio de 2022».

Em suma, bem se compreende que a 1.ª instância não tenha acolhido este pretendido enunciado fáctico, por destituído, para além do mais, de interesse para a decisão do caso – inexistindo penhora, não poderia haver o invocado «justo receio dos Recorrentes» –, termos em que, desde logo, improcede nesta parte a pretensão de aditamento.

Quanto aos demais pretendidos aditamentos – no sentido de os Executados terem sido citados para a presente execução a 02/03/2022, datando tal citação de 25/02/2022, e a Exequente ter efetuado o pagamento da provisão ao Agente de Execução no dia 11/02/2022 –, referem os Apelantes serem os mesmos relevantes no âmbito do incidente de litigância de má-fé, em que foram condenados e cujo juízo pretendem ver invertido.

Com efeito, esgrimem que, «quando efectuaram a comunicação provada em 13. à mandatária da Exequente, esta podia e devia ter travado o andamento da execução, já que apenas efectuou o pagamento da provisão da fase 1 ao Senhor Agente de Execução, da qual depende o prosseguimento da execução, no dia 11/02/2022», e, bem assim que «Saber em que data foi paga, pela Exequente, a provisão ao Senhor Agente de execução relativa à fase 1 é essencial para a boa decisão da causa, para que se compreenda se foi posterior ou anterior à comunicação aludida em 13., decorrendo dos autos que tal pagamento ocorreu em 11/02/2022, de acordo com a Fatura-Recibo n.º fr. ...46 junta aos autos (referência citius n.º 5147268)».

Nada mais invocam no sentido de demonstrarem a relevância desta factualidade, só agora suscitada, que a 1.ª instância não considerou, por a ter perspetivado, por certo, como irrelevante.

Ora, na sua descrita argumentação, os Apelantes partem do pressuposto de que a «mandatária da Exequente (…) podia e devia ter travado o andamento da execução», à vista da «comunicação provada em 13» (a de 10/02/2022), argumento que, diga-se, não pode colher, por ao tempo inexistir penhora de crédito por parte da AT, como visto.

Donde que também esta factualidade seja destituída de interesse, quer para a decisão da matéria dos embargos, quer do incidente de litigância de má-fé.

Permanece, pois, inalterada a decisão da matéria de facto – seja quanto a factos provados, seja quanto aos não provados –, sendo a esta, e somente a esta (ao respetivo quadro factual provado), que a Relação haverá de atender para decisão das questões recursivas de direito colocadas.

B) Matéria de facto

1. - É, pois, a seguinte a factualidade provada a atender:

«1. Por sentença proferida na Acção de Processo Comum n.º 16/17...., do Juízo de Competência Genérica ..., em 05.01.2021, foram os Réus, ora Executados, condenados a pagar à Autora, ora Exequente, a quantia de 17.400€ (dezassete mil e quatrocentos euros) acrescida de juros de mora comerciais, calculados desde a citação até efectivo e integral pagamento.

2. Por acórdão proferido em 11.01.2022, no âmbito do Proc. nº 16/17.... pelo Tribunal da Relação de Coimbra – ... Secção, decidiu-se julgar improcedente a reclamação apresentada pelos Réus, ora Executados, mantendo-se inalterado o acórdão proferido pelo mesmo Tribunal no dia 27.10.2021, o qual julgou totalmente improcedente o recurso apresentado, confirmando a sentença proferida em 05.01.2021, aludida em 1.

3. A citação dos Réus na acção aludida em 1. ocorreu através de carta registada com aviso de recepção recebida em 22.01.2017.

4. Em 07.06.2017, no decurso da acção principal (processo n.º 16/17....), o ora Executado AA foi notificado pela Autoridade Tributária, para penhora do eventual crédito que do mesmo derivasse para a aqui Exequente, no montante de €3460,21, devendo declarar, no prazo de 10 dias, através da página na internet, se o crédito existe, o valor penhorado, quais as garantias que o acompanham, em que data se vence e quaisquer outras circunstâncias que possam interessar à execução.

5. Em 21.06.2017, o ora Executado AA dirigiu um requerimento ao processo executivo referido em 4. declarando que a sociedade, ora Exequente, não possuía qualquer crédito sobre si.

6. Por email de 24.01.2022 pelas 09:57 a Exequente remeteu ao Ilustre mandatário dos Executados o IBAN e cálculo do valor em dívida e respectivos juros, solicitando o seu pagamento.

7. Na sequência do email aludido em 6. os Executados informaram a Autoridade Tributária da existência do crédito da A... sobre si.

8. Em 09.02.2022, por e-mail enviado às 12:23, a Ilustre mandatária da Exequente, informou o Ilustre mandatário dos executados que aguardaria até as 17h00 daquele mesmo dia pela recepção do comprovativo de transferência após o que, não sendo a mesma realizada, daria entrada da acção executiva.

9. À falta de resposta, no dia 10 de Fevereiro de 2022, pelas 10:30:53 horas, a Exequente, através da sua mandatária, remeteu via Citius, o requerimento executivo que deu origem aos presentes autos.

10. No dia 03 de Fevereiro de 2022, os Executados foram notificados pelo Senhor Agente de Execução Carlos Almeida, no âmbito do processo n.º 4803/18...., a correr termos no Juízo de Execução ... – Juiz ... (Tribunal Judicial da Comarca ...), cujo exequente é a B..., Lda., que se considerava penhorado o crédito que a executada A..., UNIPESSOAL, LDA detinha em consequência da prestação de serviços/fornecimento de materiais/faturas em atraso ou condenação judicial, ficando à ordem do Sr. Agente até ao montante de € 5.718,28.

11. No dia 10 de Fevereiro de 2022, os Executados foram notificados pela Senhora Agente de Execução EE, no âmbito do processo n.º 14237/15...., a correr termos no Juízo de Execução ... – Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., cujos exequentes são FF e outros, que se considerava penhorado, nos termos do artigo 773.º do CPC, o crédito que o executado A..., UNIPESSOAL, LDA detinha em consequência do processo de acção comum n.º 16/17...., a correr termos pela Comarca ... – Juízo de Competência Genérica ..., até ao montante previsional de € 1.921,52.

12. Os Executados efectuaram o pagamento dos valores indicados em 10. e 11., em 10 de Fevereiro de 2022, pelas 15:50 e pelas 15:51 horas, respectivamente, de num total de € 7.639,80 (sete mil seiscentos e trinta e nove euros e oitenta cêntimos).

13. Por e-mail de 10 de Fevereiro de 2022, pelas 20:03 horas os Executados comunicaram à Ilustre Mandatária da Exequente que apenas puderam proceder ao pagamento das custas de parte devidas, face às penhoras de créditos dos quais a Exequente era devedora, no montante global de €7.639,80, tendo anexado os respectivos talões de pagamento multibanco, comunicando ainda que a Autoridade Tributária havia informado os Executados de que iriam ser notificados da penhora do crédito sobre a Exequente, pelo que não pagariam o montante condenatório face as penhoras de crédito efectuadas.

14. No dia 22 de Fevereiro de 2022, o mandatário dos Executados recebeu um e-mail do Chefe de Finanças ..., sendo o assunto: Re: Urgente, com o seguinte teor «em antecipação à notificação envia-se print extraído da base de dados, contendo toda a informação relativa à penhora de créditos sobre os créditos da entidade A..., UNIPESSOAL LDA, NIPC ...».

15. Do print remetido em anexo àquela comunicação, denominado «Lista de Comunicações de Penhora» resultava que o valor total em dívida da Exequente à Autoridade Tributária era de € 42.179,79, sendo o valor total em dívida penhorável de €41.420,54, estando ainda registado como dados do pedido de penhora (n.º ...10), no montante de € 41.420,54, a AA, com a descrição de «créditos – factura», em estado de «activo» e que a comunicação de penhora, estava registada em 2022.02.10, estando o estado da comunicação registada como «despachado», com essa mesma data.

16. No dia 25 de Fevereiro de 2022, os Executados deram conhecimento à Exequente (e ao seu legal representante GG), através de missivas dirigidas a cada um deles, informando-os que, com os pagamentos já efectuados (nos dois processos executivos) e com a penhora das Finanças, ficava cumprida na íntegra a sentença proferida no âmbito do processo n.º 16/17...., através do pagamento de dívidas da A... aos seus credores.

17. As acções executivas aludidas em 10. e 11. encontravam-se extintas por insuficiência de bens.».

2. - E foi julgado não provado:

«i. os Executados foram informados, pessoalmente, quando se dirigiram ao serviço de finanças de ..., que o crédito aludido em 15. se encontrava penhorado desde o dia .../.../2022, faltando apenas os serviços centrais enviarem a notificação.

ii. os Executados tivessem o crédito da Exequente cativo, sabendo que o teriam de liquidar à Autoridade Tributária.

iii. os Executados foram notificados pela AT do pedido de penhora do crédito, no valor global de € 41.420,54, que a A... tem para consigo.

iv. a Exequente tenha imputado aos Executados uma dívida que sabia já não existir.

v. a presente execução teve como única e exclusiva intenção prejudicar os Executados, que se veem sem forma de pagar as suas despesas correntes e de sobreviverem, visando ainda impossibilitar os Executados de liquidar a quantia remanescente penhorada à Autoridade Tributária.

vi. os Executados procuraram os credores da Exequente aludidos em 10 e 11, a quem deram conta que eram devedores perante a A..., o que determinou que os credores fizessem requerimentos aos respectivos processos para renovação de execuções.».  

C) O Direito

1. - Do pagamento liberatório a terceiro

O Tribunal a quo expressou-se assim em sede de fundamentação de direito:

«No vertente caso, o fundamento de oposição à execução subsume-se ao disposto no artigo 729.º, alínea h) do CPC, ou seja, à ocorrência de um facto extintivo da obrigação, desde que seja posterior ao encerramento da discussão no processo de declaração e se prove por documento.

Os Embargantes alegaram que pagaram, por força da penhora do crédito da Embargada/Exequente, a quantia total de €7.638,80 e que foram notificados pela Autoridade Tributária e Aduaneira do registo de uma penhora no valor global de €41.420,54, tendo retido o valor que ainda seria devido à Embargada para cumprir essa notificação.

A este propósito provou-se, em 10, 11 e 12, que, na sequência da notificação dos Embargantes, para penhora de créditos, no âmbito dos processos executivos n.º 4803/18.... e 14237/15...., efectuaram estes pagamentos no valor total de €7.639,80, no dia 10 de Fevereiro de 2022.

Perante as aludidas ordens de penhora, os Embargantes reconheceram a obrigação que tinham perante a ora Exequente/Embargante e, estando a dívida vencida, deram cumprimento ao disposto no artigo 777.º, n.º 1, a) do CPC.

Resulta do artigo 769.º do Código Civil que a prestação deve ser feita ao credor ou ao seu representante sendo que, de acordo com o artigo 770.º, alínea f) da mesma codificação, a prestação feita a terceiro, em princípio, não extingue a obrigação, excepto nos casos em que a lei o determinar.

João de Matos Antunes Varela afirma, por referência às anteriores normas processuais cíveis, que sendo o crédito penhorado ou arrestado e tendo a diligência sido notificada ao devedor (art.856.º, 1, Cod.Proc.Civ.), fica este obrigado a efectuar a prestação à ordem do tribunal (arts. 402.º e 860.º, 1, do mesmo diploma) [[5]].

Ora, é essa a situação dos autos, tratando-se de uma ordem judicial, a lei considera eficaz a prestação feita a terceiro, extinguindo total ou parcialmente a obrigação perante o credor, sem impor ao devedor outras cautelas, nomeadamente, a consignação em depósito do valor pago.

Esse pagamento, no entanto, imputar-se-á nos termos previstos nos artigos 783.º a 785.º do Código Civil, ou seja, a prestação que não chegue para cobrir toda a dívida, presume-se feita por conta, sucessivamente das despesas, da indemnização, dos juros e do capital.

Por outro lado, de acordo com o artigo 805.º, n.º 1 do CPC, dúvidas não poderão restar que, sendo a obrigação certa e exigível, os Embargantes se encontravam em mora desde a data da sua citação, concretizada na acção declarativa, citação essa que, de acordo com o facto dado como provado em 3. aconteceu em 22.01.2017.

Os embargos terão, pois, de proceder nesta parte, considerando-se eficaz o pagamento dos aludidos €7.639,80, com imputação desse valor, em primeiro lugar, ao pagamento dos juros de mora vencidos desde a citação e, na parte remanescente, ao capital devido (ou seja: €6.156,74 de juros + €38,14 de juros compulsórios + €1.444,92 de capital), ficando em dívida, de capital, à data da entrada em juízo do Requerimento Executivo, a quantia de € 15.955,05, à qual acrescerão os juros de mora vencidos e vincendos, desde aquela data, até integral pagamento, e os juros compulsórios calculados desde 10.02.2022, até integral e efectivo pagamento da totalidade da dívida.

Já relativamente à alegada penhora da Autoridade Tributária, a matéria de facto é cristalina quanto à falta de fundamento dos embargos.

À única notificação para penhora dada pela Autoridade Tributária (naturalmente, tendo por referência a data em que foram propostos os presentes embargos de executado), os Embargantes responderam que a ora Exequente não possuía qualquer crédito sobre si (cfr. factos 4 e 5).

Transitada em julgado a sentença dada à execução, os Embargantes informaram a Autoridade Tributária da existência do crédito, tal como provado em 7., mas nunca foram notificados para efectuarem qualquer pagamento relativo a essa eventual penhora, não tendo provado, como lhes competia, terem sido informados, pessoalmente, quando se dirigiram ao serviço de finanças de ..., que o crédito aludido em 15. se encontrava penhorado desde o dia .../.../2022, faltando apenas os serviços centrais enviarem a notificação; que tivessem o crédito da Exequente cativo, sabendo que o teriam de liquidar à Autoridade Tributária e que foram notificados pela AT do pedido de penhora do crédito, no valor global de € 41.420,54, que a A... tem para consigo.

Sem que a aludida ordem de apreensão (penhora) tivesse sido concretizada, não tinham os Embargantes qualquer fundamento legal para reter esses valores, sendo absolutamente ineficaz em relação à ora Exequente o invocado «cumprimento na integra da sentença proferida no âmbito do processo n.º 16/17...., através do pagamento de dívidas da A... aos seus credores».

Neste conspecto, dúvidas não restam que os Embargantes não extinguiram o remanescente da sua obrigação para com a Exequente, devendo a execução prosseguir para pagamento da quantia de € 15.955,05, à qual acrescerão os juros de mora vencidos e vincendos, desde aquela data, até integral pagamento, e os juros compulsórios calculados desde 10.02.2022, até integral e efectivo pagamento da totalidade da dívida.» (destaques aditados).

Inalterada a factologia julgada provada – tal como a não provada –, não restam dúvidas, à luz do quadro provado da causa, de inexistir penhora da AT ao tempo da interposição dos embargos de executado ([6]), deduzidos estes em 07/03/2022.

Com efeito, frustrada a tentativa de penhora do ano de 2017, o (muito posterior) e-mail do Chefe de Finanças ... (facto 14) em nada se configura como consubstanciador de uma qualquer penhora de crédito.

Note-se que, nos termos do disposto no art.º 773.º, n.º 1, do NCPCiv., referente à «Penhora de créditos», a penhora de créditos consiste na notificação ao devedor, feita com as formalidades da citação pessoal e sujeita ao regime desta, de que o crédito fica à ordem do agente de execução.

Aquele dito e-mail não constitui, pois, obviamente (seja pela forma, seja pelo conteúdo), uma penhora de crédito a favor da AT, aludindo mesmo a uma «antecipação à notificação» (num horizonte, pois, meramente antecipatório, eventual ou preliminar, sem, assim, o caráter perentório e definitivo de uma penhora).

E o print então remetido em anexo (facto 15) também não tem o condão de transformar aquela comunicação por e-mail numa notificação de penhora de crédito.

Assim, quando, em 25/02/2022, os Executados deram conhecimento à Exequente, por carta, que, com os pagamentos já efetuados (nos dois processos executivos) e com a penhora das Finanças, ficava cumprida na íntegra a sentença proferida no âmbito do processo n.º 16/17...., através do pagamento de dívidas da A... aos seus credores (facto 16), inexistia, na realidade, tal «penhora das Finanças».

Em suma, ao tempo da dedução dos embargos de executado – onde deviam ser concentrados todos os meios de defesa/oposição (com base em factos já existentes) – não havia a invocada «penhora das Finanças» ([7]), pelo que, nessa parte, inexistia impedimento que pudesse ser dirigido contra o crédito da aqui Exequente/Recorrida, nem, logicamente, poderia falar-se em pagamento liberatório a terceiro, faltando, portanto, o pretendido fundamento para os embargos à execução de sentença condenatória.

Correto, pois, salvo o devido respeito, o entendimento da sentença, que, por isso, não merece censura.

2. - Da errada contagem de juros moratórios e compulsórios

Invocam os Apelantes, em matéria de juros (condenação em juros de mora e compulsórios), que na ação executiva o cumprimento da obrigação exequenda é alcançado através da coerção imposta pelos poderes soberanos do tribunal, em que a intervenção deste se repercute diretamente quer na esfera do Exequente quer na esfera do Executado, pelo que «o pagamento feito na execução não difere do pagamento feito directamente ao credor» (conclusão 24.ª).

Acrescentam, na sequência, decorrer dos autos que no dia 25/02/2022 foram penhorados aos Executados três depósitos bancários, no valor de € 27.980,01, montante que consideram suficiente para satisfazer a dívida exequenda e as despesas prováveis (tudo estimado em € 25.954,37).

E aduzem ainda que, não tendo a dedução de embargos suspendido a execução, nada impedia a Exequente de requerer o prosseguimento da ação executiva para obter o pagamento na pendência da oposição.

Assim, mesmo que se considerasse que havia mora por parte dos Executados, os juros só poderiam ser calculados até às penhoras ocorridas em 25/02/2022, o mesmo valendo para os juros compulsórios, uma vez que o efeito coercitivo da condenação nos mesmos apenas se justifica no período que medeia entre o trânsito da decisão e a penhora dos montantes necessários à satisfação da dívida e despesas da execução (25/02/2022), dado que a partir dessa data já ocorreu o “pagamento” devido.

Ora, cabe dizer, desde logo, que não pode confundir-se, obviamente, «penhora» com «pagamento», mormente para o efeito de vencimento de juros de mora (e, do mesmo modo, compulsórios), posto a penhora constituir, como é sabido, uma apreensão de bens na execução, para posterior satisfação do credor/exequente através, designadamente, da venda dos bens penhorados. Mas entre a penhora e a venda executiva decorre um necessário lapso de tempo, que pode ser alargado, vistas as diligências intermédias – que podem ser mais ou menos morosas, devido a diversas vicissitudes possíveis, no campo processual – entre penhora/apreensão e venda, havendo fases e trâmites processuais que não podem deixar de ser cumpridos (por imposição legal da tramitação da ação executiva).

Portanto, não pode, logicamente, equiparar-se – ou fazer-se coincidir no tempo – penhora e venda executiva, só o pagamento (não a apreensão dos bens/valores), no caso forçado/coativo, constituindo extinção da obrigação/dívida (a penhora e a venda judicial são meios para se atingir o pagamento, a satisfação do credor/exequente, escopo da execução).

E, enquanto não houver pagamento integral, haverá juros moratórios a vencer-se, com referência ao devido. Não se esqueça que nos encontramos no âmbito de execução de sentença condenatória, sendo esse o título executivo, em que «foram os Réus, ora Executados, condenados a pagar à Autora, ora Exequente, a quantia de 17.400€ (…) acrescida de juros de mora comerciais, calculados desde a citação até efectivo e integral pagamento» (facto 1, com destaques aditados).

De notar ainda que, mesmo que não haja lugar a venda executiva, por terem sido penhorados valores/depósitos que logrem cobrir/satisfazer integralmente o crédito exequendo e legais acréscimos, mesmo aí a penhora não coincide com a disponibilização dos valores/depósitos ao credor/exequente, o qual tem direito aos juros de mora, como visto, até ao seu efetivo e integral pagamento (de acordo com a sentença condenatória/título executivo).

E o mesmo se diga quanto aos juros compulsórios, por se tratar de execução de sentença condenatória em montante pecuniário (líquido e exigível), à luz do disposto no art.º 829.º-A, n.º 4, do CCiv..

Donde que, também nesta parte, não possam colher as críticas da parte apelante.

3. - Da litigância de má-fé dos Embargantes

Os Recorrentes também não se conformam com a sua ocorrida condenação como litigantes de má-fé, considerando que existe erro de julgamento a este respeito, devendo, nessa perspetiva, ser absolvidos do âmbito incidental em que foram condenados.

Na sentença, após criterioso enquadramento teórico (que aqui nos dispensamos de desenvolver, por desnecessário), exarou-se assim:

«(…) ajuizamos que, na parte relativa à alegada penhora da Autoridade Tributária e Aduaneira, os Embargantes deduziram oposição, cuja falta de fundamento não poderiam ignorar, e pretenderam alterar a verdade dos factos para consubstanciar um fundamento de extinção que sabiam não se verificar, tentando fazer crer que a execução não era fundada.

Os Embargantes, cientes que não tinham qualquer justificação para declararem à Embargada que a dívida estava integralmente paga (dado que, reitera-se, depois de em 2017 negarem a existência do crédito, até à data em que deduziram os presentes embargos de executado, nunca mais foram notificados pela Autoridade Tributária para esse efeito), tentaram fazer crer em juízo (criaram a aparência) de que «nunca poderiam liquidar à Exequente o remanescente do valor (…) sob pena da Autoridade Tributária exigir aos mesmos, nos próprios autos de execução fiscal, a prestação», consequência que sabiam não poder estar em causa, nem poder verificar-se, sem que lhes fosse dirigida a competente notificação formal para penhora, tanto mais porque se encontram representados por Ilustre e experiente Advogado.

Por outro lado, os Embargantes alteram a verdade dos factos quando declaram falsamente, que a execução tinha sido intentada cinco dias depois da notificação aludida em 13., com o único intuito de os prejudicar, o que manifestamente não acontece, dado que a execução foi proposta antes do reconhecimento/pagamento dos créditos descritos em 10 e 11, e não se coibiram de, em duas folhas de alegações, virem pedir a condenação da Exequente como litigante de má-fé, defendendo a extinção integral de uma dívida que, afinal, está por pagar desde 2017.

Neste conspecto, julga-se que aos Embargantes devem ser condenados como litigantes de má-fé, em multa e numa indemnização a favor da parte contrária.».

E o que argumentam em contrário os Recorrentes?

Quanto à invocação de dedução de oposição cuja falta de fundamento não poderiam ignorar, referem que, da factualidade provada em 7, 13, 14 e 15 e toda a documentação junta aos autos, tem de retirar-se que os Embargantes não estavam cientes de não terem qualquer justificação para deduzir embargos no que se prende com a existência do crédito da AT e, em qualquer caso, perante a factualidade provada, nunca se poderia afirmar estar em causa uma imprudência grosseira, sem o mínimo de diligência quanto à avaliação da desrazão do seu comportamento.

Revisitemos, então, os factos invocados, na sua essencialidade.

É certo que os Embargantes sabiam da existência, desde há anos, do crédito da AT, mas também não poderiam ignorar, ao tempo da dedução dos embargos (07/03/2022), que o mesmo não estava penhorado.

Estando patrocinados por profissional forense, não poderiam ignorar que o dito e-mail/comunicação de 22 de fevereiro de 2022, recebido do Chefe de Finanças ..., não constituía, na realidade, qualquer penhora de crédito, ainda que em anexo, denominado «Lista de Comunicações de Penhora», resultasse que o valor total em dívida da Exequente à Autoridade Tributária era de € 42.179,79, sendo o valor total em dívida penhorável de €41.420,54, estando ainda registado como dados do pedido de penhora (n.º ...10), no montante de € 41.420,54, a AA, com a descrição de «créditos – factura», em estado de «activo» e que a comunicação de penhora, estava registada em 2022.02.10, estando o estado da comunicação registada como «despachado», com essa mesma data.

Juridicamente, é líquido que não havia penhora do crédito.

Sabe-se ainda que, no dia 25 de fevereiro de 2022, os Executados deram conhecimento à Exequente que, com os pagamentos já efetuados (nos dois processos executivos) e com a penhora das Finanças, ficava cumprida na íntegra a sentença proferida no âmbito do processo n.º 16/17...., através do pagamento de dívidas da A... aos seus credores.

Esta referência à «penhora das Finanças» não a dão aqueles, se bem se interpreta, como já realizada, mas apenas como um dado seguro, sabido que a própria AT se reportava, neste contexto, em termos de «antecipação à notificação», bem como «dívida penhorável» e «comunicação de penhora, (…) registada em 2022.02.10».

O que tudo inculcava a ideia, conhecida a existência do crédito, de penhora em vias de realização, sendo dúbia aquela alusão a (comunicação de) penhora já «registada», num plano em que se cruzam execuções de natureza diversa (tributária e cível).

Na sua petição de embargos, no plano da sua defesa contra a execução, os Embargantes aludiram, quanto à «EXCEPÇÃO PEREMPTÓRIA DE PAGAMENTO DA DÍVIDA EXEQUENDA», a que:

«29.º

Nomeadamente quanto ao crédito da Autoridade Tributária, após terem sido informados, por escrito, que a penhora já tinha sido registada, num valor até superior ao que ainda faltaria pagar do crédito da Exequente.

30.º

O que significa que os Executados têm este crédito da Exequente cativo, sabendo que o terão de liquidar à Autoridade Tributária, quando forem notificados directamente para isso.».

Perante todo este manancial de comunicações (e terminologia usada), a diversa natureza dos âmbitos executivos (tributário e cível), com inerentes diversificados regimes legais aplicáveis, e a existência de anterior tentativa de penhora pela AT, com comunicação a respeito, parece-nos de admitir, de algum modo, a possibilidade de dúvidas dos Embargantes quanto aos seus deveres relativamente à AT.

Por isso, não temos por claro, apesar da inexistência de penhora do crédito, que os ditos Embargantes tenham deduzido consciente e deliberadamente, ou com grave negligência, oposição que bem soubessem totalmente infundada, cuja falta de fundamento, de forma marcadamente censurável, não pudessem ignorar ([8]).

Quanto a pleitear contra a verdade de factos que fossem do seu conhecimento pessoal, pode ler-se na petição de embargos:

«52.º

Mesmo após a Ilustre Mandatária da Exequente ter sido informada pelo Mandatário dos Executados, a 10 de Fevereiro de 2022, de que haviam sido penhorados e pagos dois créditos dos quais a Exequente era devedora, nos processos executivos n.º 14237/15.... e n.º 4803/18...., o que totalizava o montante de € 7.639,80, tendo anexado os comprovativos de pagamento,

53.º

E após ter sido explicado na mesma comunicação que a Autoridade Tributária já havia informado os Executados de que iriam ser notificados da penhora do crédito sobre a Exequente,

54.º

Esta, sem pedir qualquer outro esclarecimento, vem dar entrada, 5 dias após aquela notificação, à presente execução, exigindo na mesma a totalidade do montante condenatório,

55.º

Quando sabia que nunca o poderia fazer.

56.º

Aliás, a Exequente, melhor que ninguém, é conhecedora dos seus débitos, quer nos processos executivos supra referidos, quer perante a Autoridade Tributária,

57.º

Tendo sido, necessariamente, notificada nos processos executivos em causa da penhora do crédito relativamente aos Executados,

58.º

Sendo que sempre poderia confirmar junto da Autoridade Tributária a existência ou não da penhora do crédito sobre os Executados, que se encontra registada desde 10 de Fevereiro de 2022, ou seja, antes da propositura da presente execução.

59.º

Aliás, estão os Executados certos que a presente execução teve como única e exclusiva intenção prejudicar os mesmos, que se veem agora com as suas contas penhoradas e sem forma de pagar as suas despesas correntes e de sobreviverem.

60.º

Visou ainda a presente execução impossibilitar os Executados de liquidar a quantia remanescente penhorada à Autoridade Tributária.».

Ora, é verdade (cfr. facto 9) que se prova que foi no dia 10 de fevereiro de 2022 que a Exequente, através da sua mandatária, remeteu via Citius, o requerimento executivo que deu origem aos presentes autos – facto de si objetivo, constatável por qualquer interessado, perante a simples compulsa do processo executivo. Por isso, quem quisesse mentir a respeito, rápida e facilmente seria desmascarado.

E foi nesse mesmo dia (10/02/2022) que os Embargantes, segundo alegaram (e resultou apurado), informaram a Mandatária da Exequente de terem sido penhorados e pagos dois créditos de que a Exequente era devedora, bem como explicaram que a Autoridade Tributária havia informado os Executados de que iriam ser notificados da penhora do crédito sobre a Exequente.

Assim sendo, a desconforme alusão, quanto a datas, constante do art.º 54.º da petição de embargos só pode – parece – resultar de lapso (descuido, falta de atenção), na parte em que se afirma que foi dada «entrada, 5 dias após aquela notificação, à presente execução».

Doutro modo, tratar-se-ia de uma inverdade que saltaria aos olhos de quem consultasse o processo, por evidenciada na documentação do mesmo.

Termos em que, embora se trate de referência errónea, evidentemente desconforme com os dados documentais dos autos – e, por isso, facilmente detetável –, não parece ter origem em malévola intenção de litigância de má-fé, mas em mera/simples negligência de consulta dos autos e decorrente lapso quanto a datas, pelo que não será de concluir, a nosso ver, e salvo sempre o devido respeito, por um litigar ostensivo – e deliberado ou gravemente negligente – contra a verdade de factos do conhecimento da parte.

É que – reitera-se –, se a parte queria mentir, enganando o Tribunal, quanto a tal factualidade, rapidamente seria desmascarada, como não poderia deixar de saber, por essa factualidade estar expressa na documentação dos autos.

Assim sendo, mesmo negligência havendo, a mesma não seria de grau suficiente – de gravidade – para uma condenação por litigância de má-fé, termos em que não se tem por verificados os pressupostos a que alude o art.º 542.º, n.ºs 1 e 2, do NCPCiv..

Em suma, o recurso procede nesta parte, com decorrente absolvição dos Embargantes/Recorrentes no âmbito incidental de litigância de má-fé, subsistindo em tudo o mais a decisão em crise.

***

(…)

                                                            ***    

V – Decisão

Pelo exposto, julga-se apenas parcialmente procedente a apelação, com revogação em parte da decisão recorrida, termos em que:

a) Se julga improcedente o incidente de condenação dos Embargantes/Recorrentes como litigantes de má-fé, com a sua consequente absolvição total nesse âmbito incidental;

b) Mantendo-se em tudo o mais o decidido em 1.ª instância.

Custas da apelação a cargo dos Embargantes/Apelantes e da Embargada/Apelada, na proporção do respetivo decaimento, que se fixa em ¾ por aqueles e ¼ por esta (art.ºs 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º, n.ºs 1 e 4, e 533.º, todos do NCPCiv.).

Escrito e revisto pelo relator – texto redigido com aplicação da grafia do (novo) Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (ressalvadas citações de textos redigidos segundo a grafia anterior).

Assinaturas eletrónicas.

Coimbra, 02/05/2023

Vítor Amaral (relator)

Luís Cravo

Fernando Monteiro





([1]) Dedução em 07/03/2022.
([2]) Segue-se, no essencial, por economia de meios, o teor do relatório da decisão recorrida.
([3]) Que se deixam transcritas.
([4]) De notar que sempre se trataria de um facto superveniente (os embargos foram deduzidos em 07/03/2022), como tal, sujeito às regras processuais atinentes à factualidade superveniente, em 1.ª instância.
([5]) Citou-se «In Das Obrigações em Geral, vol. II, 2.ª Edição, Almedina, Coimbra, pág. 31 nota (3) e pág. 35.».
([6]) A notificação para penhora de 07/06/2017 perdera relevância, ante a resposta negativa dos destinatários, que negaram a existência do crédito, sem que se conheçam outros desenvolvimentos ao tempo – que não foram alegados –, na linha do disposto no art.º 775.º do NCPCiv., pelo que a questão da pretendida penhora ficou então prejudicada, perdendo, como tem de concluir-se, a importância que os Embargantes/Recorrentes agora parecem querer atribuir-lhe, não tendo podido ser consumada/realizada. Não colhe, pois, o argumento no sentido da «responsabilização pessoal» dos Embargantes por efeito da notificação de 2017 (cfr. conclusão 1.ª dos Apelantes).
([7]) Referem os próprios Executados/Embargantes/Recorrentes, nas suas conclusões de recurso, que penhora da AT só viria a ocorrer em maio de 2022.
([8]) Note-se que também a pretensão creditória da parte exequente não triunfou totalmente, sendo que esta, ainda na contestação aos embargos, pugnava pela total improcedência destes, em termos de dever a invocada exceção perentória de pagamento da quantia exequenda ser julgada improcedente, por não provada e dever a oposição à execução ser julgada improcedente, por não provada.