Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
389/06.8PBTMR-A.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: INÁCIO MONTEIRO
Descritores: CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE
PRAZO
Data do Acordão: 05/14/2008
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DE TOMAR– 1º J
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO CRIMINAL
Decisão: REVOGADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 68º, 3 AL. A) CPP
Sumário: 1. A audiência de julgamento que baliza o prazo do art. 68.º, n.º 3, al. a), do CPP é aquela que se refere apenas ao início da fase de julgamento, entendido o julgamento aqui em sentido restrito, isto é, em que se inicia a produção de prova e na qual deve estar estabilizada a instância e definidas as regras para se iniciar a demanda contra o arguido e na qual o ofendido tem interesse em agir, e em cuja lide os intervenientes processuais devem intervir em pé de igualdade.
2. Deste modo é tempestivo o requerimento para admissão de constituição de assistente, entrado nos autos no mesmo dia para o qual estava designada audiência de julgamento (17/10/2007), na qual foi proferido despacho a admitir o pedido de indemnização cível e ordenada a respectiva notificação, declarando-se depois suspensa, com continuação no dia 23/10/2007, em cuja sessão se iniciou a produção de prova.

3. O facto da audiência se ter iniciado unicamente para aquele fim, em nada difere da situação em que há adiamento da audiência de julgamento

Decisão Texto Integral: Processo comum com intervenção do tribunal singular, do 1.º Juízo, do Tribunal Judicial de Tomar
***

Acordam, em conferência, os juízes da Secção Criminal do Tribunal da Relação de Coimbra
*
No processo supra identificado em que é arguido A... , e ofendido B... , veio este requerer a sua admissão como assistente, entrado nos autos no dia 17/10/2007, data para a qual estava marcada a primeira data da audiência de julgamento, tendo a senhora juíza proferido despacho, em 23/10/2007, sessão em que se iniciou a prova, a indeferir por intempestivo o requerimento para constituição de assistente.
O despacho é do seguinte teor:
«Efectivamente e conforme consta de fls. 82 e seguintes dos autos, no dia 17 de Outubro de 2007 foi iniciada a audiência de julgamento respeitante a este processo, a qual, atendendo ao adiantado da hora foi suspensa designando-se a sua continuação para o dia de hoje.
Dispõe o artigo 68.°, n.º 3, alínea a) do Código de Processo Penal, que os assistentes podem intervir em qualquer altura do processo, aceitando-o no estado em que se encontrar, desde que o requeiram ao Juiz, até cinco dias antes do início do debate instrutório ou da audiência de julgamento.
O pedido de constituição de assistente do ofendido B... , deu entrada no Tribunal precisamente no dia do início da audiência de julgamento, conforme decorre de fls. 87dos autos.
Face ao exposto e por ser intempestivo, indefere-se por falta de fundamento legal tal pedido, nos termos do disposto no artigo 68.º, n.º 4 do Código de Processo Penal».
*
O ofendido B... , não se conformando com o decidido interpõe recurso, no qual formula as seguintes conclusões:
«A- Após o adiamento da audiência de julgamento em 17/10/2007, o recorrente requereu a sua constituição como assistente nos presentes autos nesse mesmo dia 17 de Outubro de 2007, porém, o mesmo foi indeferido porquanto se considerou que aquele requerimento era intempestivo, uma vez que se considerou que a audiência se iniciou no dia 17/10/2007.
B- Ora a audiência não teve início, uma vez que foi adiada para a segunda data, ou seja, a audiência não se iniciou em 17/10/2007, pelo que só se iniciou efectivamente, no dia 23/10/2007.
C- Ora o recorrente deu entrada ao seu requerimento para constituição de assistente no dia 17/10/2007, ou seja, 5 dias antes do início da audiência de julgamento, pelo que o requerimento para constituição de assistente apresentado pelo ora recorrente é tempestivo.
D- Pelo que ao decidir-se como se decidiu foi violado o disposto no citado art. 68.º, n.º 3, al. a) do CPP.
E- Do que fica alegado resulta que a douta decisão em recurso deve ser revogada e o recorrente ser admitido como assistente nos presentes autos».
*
Notificado o Ministério Público e o arguido para os efeitos do art. 413.º, do Cód. Proc. Penal, sustentam que o requerimento para constituição de assistente é intempestivo, por ter dado entrada menos de cinco dias antes do início da audiência de julgamento, pelo que se deve manter o despacho recorrido.
Nesta Relação a Ex.ma Procuradora-geral Adjunta emite douto parecer no sentido de que o recurso merece provimento, uma vez que em seu entender o julgamento designado para o dia 23/10/2007, foi adiado para o dia 23/10/2007, data em que se iniciou a produção de prova e que por isso deve ser esta a considerada para apreciar da tempestividade do requerimento em apreço.
O assistente e o arguido à notificação do art. 417.º, n.º 2, do CPP, nada disseram.
Colhidos os vistos legais, cumpre-nos decidir.
*
O Direito:
São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respectivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar, conforme Prof. Germano Marques da Silva, in “Curso de Processo Penal” III, 2.ª Ed., pág. 335 e Ac. do STJ de 19/6/1996, in BMJ n.º 458, pág. 98, sem prejuízo das de conhecimento oficioso.

Questão a decidir:
Apreciar se é tempestivo o requerimento para admissão de constituição de assistente, entrado nos autos no mesmo dia para o qual estava designada audiência de julgamento (17/10/2007), na qual foi proferido despacho a admitir o pedido de indemnização cível e ordenada a respectiva notificação, declarando-se depois suspensa, com continuação no dia 23/10/2007, em cuja sessão se iniciou a produção de prova.

O ofendido B... , veio este requerer a sua constituição de assistente pelo requerimento de fls. 33, entrado nos autos no dia 17/10/2007, na data para a qual estava marcada a audiência de julgamento.
Nesta data foi declarada aberta formalmente a audiência de julgamento e a mesma decorreu com a presença de todos os intervenientes processuais legalmente admissíveis, e na qual como actos processuais a senhora juíza proferiu despacho a admitir o pedido de indemnização cível que por lapso ainda o não tinha sido feito e ordenou a respectiva notificação.
Após a senhora juíza declarou suspensa a audiência de julgamento, designando para a sua continuação, conforme acta de fls. 30 a 32, o dia 23/10/2007, na qual se iniciou a produção de prova, tendo ainda nesta sessão sido proferido despacho a indeferir o requerimento para constituição de assistente, por intempestivo, seguido de interposição de recurso, o qual foi admitido.
Vejamos o que a lei dispõe quanto à tempestividade de constituição de assistente.
Nos termos do disposto no art. 68.º, n.º 3, al. a), do CPP, os assistentes podem intervir em qualquer altura do processo, aceitando-o no estado em que se encontrar, desde que o requeiram ao juiz até cinco dias antes do início do debate instrutório ou da audiência de julgamento.
Como consta dos autos e acima referimos, não corresponde á verdade a conclusão sob a al. B) da motivação de recurso, quando o recorrente afirma:
«Ora a audiência não teve início, uma vez que foi adiada para a segunda data, ou seja, a audiência não se iniciou em 17/10/2007, pelo que só se iniciou efectivamente, no dia 23/10/2007».
Ora, como consta da respectiva acta, não havendo nenhum motivo dos constantes dos art. 330.º, 331.º e 332.º, do CPP de adiamento a audiência de julgamento iniciou-se em 17/10/2007, estando o tribunal constituído com todos os intervenientes processuais legalmente admissíveis a intervir, e em cuja sessão se praticaram diversos actos processuais.
Uma vez iniciada a audiência de julgamento em 17/10/2007, devido ao “adiantado da hora”, quando eram 12h e 50m, a mesma não foi em rigor adiada, mas sim suspensa, tendo sido designado para continuação o dia 23/10/2007, o dia já agendado.
É certo que só se suspende e designa para continuação aquilo que se iniciou.
Nesta conformidade, tendo o recorrente requerido a sua constituição nos autos como assistente no próprio dia em que se iniciou a audiência de julgamento, o requerimento, em princípio é intempestivo, por não ter sido apresentado até cinco dias antes do início da audiência de julgamento.
A lei adjectiva penal admite a intervenção no processo como assistente a quem para tanto disponha de legitimidade, em qualquer altura do processo (art. 68.º, n.º 3), no entanto, de forma algo contraditória, estabelece limitações temporais à respectiva admissão e constituição, mediante a fixação de prazo para a formulação do pedido de intervenção pelo interessado. A contradição está, obviamente, no facto de a lei declarar admitir a intervenção como assistente em qualquer altura do processo e, em simultâneo, estabelecer limitações temporais, isto é, prazos para a respectiva constituição naquela qualidade. Tais limitações, segundo entende Luís Osório, Comentário ao Código de Processo Penal Português, 1932, 1.º vol., pág. 252, justificam-se pelo facto de o processo e os respectivos prazos procedimentais não poderem ficar a aguardar, por tempo indeterminado, que aqueles que podem constituir-se no processo como assistentes se decidam a requerer a sua intervenção como tal.
Para além daquela razão outra há, qual seja a de que a intervenção a qualquer momento do assistente iria apanhar de surpresa os demais sujeitos processuais, designadamente o arguido, pondo em causa a boa ordem processual e os direitos de defesa, pese embora o facto de a lei impor ao assistente a aceitação do processo no estado em que o mesmo se encontrar - Cfr. José António Barreiros, Sistema e Estrutura do Processo Penal Português (1997), vol. II, pág. 80.
Acresce que o processo penal encontra-se organizado e estruturado em fases procedimentais distintas e autónomas, pelo que achando-se uma delas finda só deverá ser admissível a intervenção como assistente se e quando a seguinte tenha lugar. Daí que os prazos estabelecidos na lei para formulação do pedido de constituição como assistente tenham por referência: o início do procedimento, a dedução de acusação ou o arquivamento do inquérito, o debate instrutório, isto é, o último acto de instrução, e a audiência de julgamento).
Como acima referimos a audiência formalmente iniciou-se e suspendeu-se para continuar na segunda data já designada.
A questão a decidir não residirá tanto na interpretação formal de que o início da audiência marca inevitavelmente o marco a partir do qual se contam os cinco dias, referidos no art. 68.º, n.º 3, al. a), do CPP, mas sim se a fase de julgamento dos autos e com intervenção dos intervenientes processuais já se iniciou, na qual todos devem participar em igualdade de armas.
Este o espírito daquele normativo.
Então aqui chegados, importa saber o que se passou na audiência de 17/10/2007 e o que se passou não foi mais que a admissão do pedido cível, que podia ter sido admitido por despacho e só o não tinha sido feito por mero lapso da senhora juíza.
Ora, o facto da audiência se ter iniciado unicamente para aquele fim, em nada difere da situação em que há adiamento da audiência de julgamento, pois a intervenção do ofendido nos autos como assistente em nada afecta a actividade processual e designadamente os direitos de defesa do arguido.
Por outro lado, há que ter em conta também os interesses do recorrente enquanto ofendido, pois é o titular do interesse que a lei especialmente quis proteger com a incriminação e como tal é-lhe reconhecida a posição de precioso colaborador do Ministério Público, nos termos do art. 68.º, n.º 1, al. a) e 69.º, do CPP.
Este o sentido em que deve ser interpretada a limitação temporal consignada no art. 68.º, n.º 3, al. a), do CPP, e como qualquer norma deve ter sempre interpretada tendo em conta o fim e alcance prático processual que se pretende alcançar.
Concluímos assim que a audiência de julgamento que baliza o prazo do art. 68.º, n.º 3, al. a), do CPP é aquela que se refere apenas ao início da fase de julgamento, entendido o julgamento aqui em sentido restrito, isto é, em que se inicia a produção de prova e na qual deve estar estabilizada a instância e definidas as regras para se iniciar a demanda contra o arguido e na qual o ofendido tem interesse em agir, e em cuja lide os intervenientes processuais devem intervir em pé de igualdade.
“Consequências da estrutura acusatória do processo é o da isonomia ou igualdade de armas. O processo deve estar estruturado em termos que permitam que a acusação e a defesa disponham de idênticas possibilidades para intervir no processo, para demonstrarem perante o tribunal a validade das suas alegações” – Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Ed. Verbo 1994, 2.ª Ed., pág. 60.
A fase de julgamento se iniciou apenas na sessão do dia 23/10/2007, com início da produção de prova, pois que na audiência de julgamento do dia 17/10/2007, com a admissão do pedido cível do ofendido e respectiva notificação praticaram-se apenas actos de instrução dos autos, esta no sentido de actos preparatórios da fase de julgamento.
Nestes termos, forçoso é concluir que sendo sido requerida a intervenção do ofendido como assistente nos autos em 17/10/2007, no dia da primeira audiência de julgamento, na qual o tribunal se limitou a admitir o pedido cível e tendo-se iniciado a fase de julgamento apenas em 23/10/2007, com início de produção de prova, fê-lo tempestivamente, nos termos em que deve ser interpretado o disposto no art. 68.º, n.º 3, al. a), do CPP.
Por estas razões, procederá o recurso interposto pelo ofendido, no sentido de ser admitido como assistente.
*
Decisão:
Nestes termos, decidem os juízes da Secção Criminal, do Tribunal da Relação de Coimbra, conceder provimento ao recurso interposto pelo ofendido B... , e, em consequência se revoga o despacho recorrido, o qual deve ser substituído por outro, que, uma vez cumpridas as formalidades legais, o admita a intervir nos autos como assistente.
Sem custas.
Coimbra, …………………………………………



....................................................................................................
(Inácio Monteiro)



....................................................................................................
(Alice Santos)