Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
3533/05
Nº Convencional: JTRC
Relator: TÁVORA VITOR
Descritores: NULIDADE DE SENTENÇA
QUESITOS
Data do Acordão: 12/14/2005
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DE FERREIRA DO ZÊZERE
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 668.º, N.º 1, B) DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL
Sumário: 1. A sentença só é nula por falta de fundamentação quando aquela é total e não apenas escassa.
2. Em matéria de simulação no negócio jurídico é lícito e necessário quesitar intenções como única forma de poder alcançar uma solução jurídica através de conceitos que não são de puro facto.
Decisão Texto Integral: Acordam nesta secção cível do Tribunal da Relação de Coimbra.
A..., doméstica e marido, B..., bancário, residentes em Avª. S. João de Deus, 21, 2º Esqº, em Lisboa;
C..., porteira, residente em Avª. De Roma, 34, cave, em Lisboa, e marido, D..., entretanto falecido, residente que foi na mesma morada, (tendo sido habilitados C..., E... e F..., devidamente identificados nos autos, por serem, respectivamente viúva e filhas do mesmo), intentaram a presente acção declarativa de condenação contra:
G... e mulher, H..., entretanto falecidos, residentes que foram em Arrantela, Lote 4, em Benavente (tendo sido habilitados os herdeiros destes, I..., casada com J..., residentes em Arrantela, Lote 4, em Benavente, e K..., casada com L..., residentes em Rua Cidade Vila Cabral, Lote 29-A., 6º, Porta 3, Olivais Sul, em Lisboa),
M... e mulher, N..., residentes em Rua Luís de Camões, 91, em Benavente e
O... e mulher, P..., residentes em Rua Cidade de Vila Cabral, Lote 29- B, 6º, Porta 1, Olivais Sul, em Lisboa, pedindo que sejam julgados nulos e de nenhum efeito os contratos celebrados e as respectivas escrituras de 18.09.98 e de 18.11.98, outorgadas no Cartório Notarial de Ferreira do Zêzere, com as legais consequências e sejam mandados cancelar, na respectiva Conservatória, os registos das referidas e simuladas compras e, em consequência, todos e quaisquer registos que porventura hajam sido feitos sobre o mencionado bem.
Alegam em síntese, que os RR. H... e marido, G..., apesar de já terem doado e posteriormente renunciado ao usufruto do prédio - descrito no artº 2º da petição inicial (metade de um prédio composto de casa de habitação de rés-do-chão e 1º andar com 40 m2 e logradouro com 5 m2 e casa de habitação de rés-do-chão e 1º andar com 42 m2 e logradouro com 5 m2, sito no lugar e freguesia de Dornes, concelho de Ferreira do Zêzere), que confronta do Norte com caminho público, Sul com Joaquim Nunes Cotrim, Nascente com a Rua e Poente com a Albufeira do Castelo do Bode, inscrito na matriz respectiva com os números 747 e 748 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ferreira do Zêzere sob o número 301 - em 18 de Agosto de 1998, outorgaram a escritura de compra e venda exarada a fls. 102 a 103 do livro de escrituras diversas nº 8 – C, do Cartório Notarial de Ferreira do Zêzere, em que figuram como compradores os ora RR. M... e mulher desse mesmo prédio; nessa mesma escritura foi o prédio submetido ao regime de propriedade horizontal, passando a ser composto pelas fracções autónomas seguintes: fracção “A.” constituída por cave com adega e arrumos, rés-do-chão com sala comum, cozinha, despensa, arrumos, quarto, casa de banho, varanda, e logradouro, inscrito na matriz sob o artigo 99-A.; Fracção “B” constituída por primeiro andar, com sala comum, cozinha, arrumos, quarto, casa de banho e varanda, inscrito na matriz sob o artigo 992-B.
Mais alegam que, por sua vez, os RR. M... e mulher, em 18.11.98, outorgaram a escritura de compra e venda exarada a fls. 52 a 53 do livro de notas de escrituras diversas número 10 –C do Cartório Notarial de Ferreira do Zêzere, na qualidade de vendedores em que figuraram como compradores os RR. O... e mulher, P..., da fracção autónoma designada por letra “A.”.
Concluem que, com a doação, os RR. H... e G... pretenderam prejudicar as AA., excluindo-as, da sua parte na herança que ficaria por óbito daqueles e aquelas supostas vendas (os RR. M... e mulher e O... e mulher foram meros compradores fictícios do bem em causa, pois nem eles quiseram comprar nem aqueles quiseram vender). Tiveram como único objectivo defraudar e prejudicar as AA. excluindo-as da parte que em tal bem lhes caberia por herança.
G... e mulher contestaram, confirmando a ficção das vendas, embora não quisessem prejudicar as filhas A... e C..., mas apenas preservá-la para as filhas I... e K....
Pedem que a acção seja julgada de acordo com a prova a produzir.
M... e mulher contestaram confirmando a ficção da compra, pedindo que a acção seja julgada de acordo com a prova a produzir.
O... e mulher contestaram, dizendo que adquiriram validamente a fracção e pedem a improcedência da acção.
As AA. replicaram, terminando como na petição inicial e pedindo a condenação dos RR. como litigantes de má-fé em multa e indemnização a favor das AA. não inferior a Esc. 200.000$00, devendo o ilustre mandatário dos RR. M... e mulher, ser responsabilizado nos termos do artº 459º do C. Processo Civil.
O... e mulher, P... treplicaram, dizendo que as AA. "litigam em partido de enriquecimento sem causa", desconhecendo qualquer simulação a que são alheios.
Concluíram pela improcedência da acção.
A. fls. 157 foi este articulado considerado inadmissível e, portanto, dado por não escrito.
No saneador conheceu-se da validade e regularidade da instância, tendo sido elencados os factos provados e elaborada a BI que não foi alvo de reclamação.
Procedeu-se a julgamento acabando por ser proferida sentença que julgou procedente por provada a presente a acção e em consequência, julgou nulos e de nenhum efeito os contratos celebrados e as respectivas escrituras públicas de compra e venda de 18.08.98 e 18.11.98, outorgadas no Cartório Notarial de Ferreira do Zêzere, com as inerentes consequências legais, ordenando o cancelamento, na respectiva Conservatória do Registo Predial, dos registos das referidas e simuladas compras e, em consequência, de todos e quaisquer registos que porventura hajam sido feitos sobre o mencionado bem (metade de um prédio composto de casa de habitação de rés-do-chão e 1º andar com 40 m2 e logradouro com 5 m2 e casa de habitação de rés-do-chão e 1º andar com 42 m2 e logradouro com 5 m2, sito no lugar de Dornes, Freguesia de Dornes, Concelho de Ferreira do Zêzere, que confronta do norte com caminho público, sul com Joaquim Nunes Cotrim, nascente com a Rua e poente com a Albufeira do Castelo do Bode, inscrito na matriz com os números 747 e 748 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Ferreira do Zêzere sob o número 301).
Mais condenou os RR. O... e mulher, P..., em 10 (Dez) UC de multa e € 2.500,00 (Esc. 501.205$00) de indemnização a favor dos AA., a título de litigância de má fé.
Ordenou ainda o cumprimento do disposto no artº 459º do C. P. Civil, enviando cópia certificada da decisão à Ordem dos Advogados, relativamente ao ilustre mandatário dos RR. O... e mulher.
Daí o presente recurso de apelação interposto pelos RR. O... e mulher, os quais no termo da sua alegação pediram que fosse declarada nula a decisão recorrida, ou caso assim se não entenda, deverá a mesma ser revogada e a presente acção proceder nos termos formulados pelos apelantes.
Apresentaram para tanto as seguintes,

Conclusões.

1) Os Apelantes não vêem razão na sentença, proferida, não se conformando com a qualificação jurídica dos factos face às questões a decidir, nem com a base factual considerada como ponto de partida para a decisão, tanto do ponto de vista formal, como do ponto de vista material;
2) Em primeiro lugar, o Mto. Juiz a quo não indicou a razão de ciência das testemunhas, que basearam a convicção, nem fez a análise crítica das provas e a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador, fazendo a análise crítica de tudo, argumentando de facto e de direito, em manifesto desrespeito pelo disposto no artigo 653º, nº 2, do Código de Processo Civil.
3) A falta de fundamentação da decisão de facto, nos termos do artigo 653º, nº 2 do CPC, determina a baixa do processo à 1ª Instância, como prevê o n. 5 do artigo 712º do mesmo Código.
4) Sucede que, a falta de fundamentação da sentença assume carácter absoluto pelo que, nos termos do artigo 659, nsº 2 e 3 do CPC, determina a nulidade da sentença prevista na alínea b) do nº1 do artigo 668 do mesmo Código.
5) A sentença recorrida não assegura o cumprimento do dever constitucional de fundamentação das decisões judiciais, pelo que não oferece a garantia da susceptibilidade de revista a correcção das operações de determinação ou do procedimento, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, a falta de indicação de factores relevantes, o desconhecimento pelo tribunal ou a errada aplicação dos princípios gerais de determinação do regime legal aplicável, inviabilizando a possibilidade do seu controle jurisdicional efectivo, previsto no artº 20º da Lei Fundamental.
6) Os quesitos 1º, 3º, 7º, 9º e 10º não deveriam ter sido formulados, por conterem matéria conclusiva, neles se perguntando directamente o que através de factos - que, em parte, nem sequer foram alegados - se deveria demonstrar estarem redigidos de forma vaga e imprecisa, contendo generalidades, sem especificarem pontos de facto concretos que importava que fossem provados para permitir chegar à conclusão que invocam, qual a intencionalidade específica de cada um dos intervenientes das escrituras impugnadas.
7) Assim, por aplicação analógica do nº 4 do artigo 646º do Código Processo Civil, devem ser consideradas não escritas as respostas aos referidos quesitos, aliás indevidamente formulados na 1ª instância, com matéria conclusiva e não factual.
8) Afigura-se patente a existência de uma contradição na apreciação da matéria de facto, uma vez que se considera provado que os apelantes tiveram intenção de prejudicar os AA (resposta ao quesito 1º), mas, simultaneamente, se provou que o apelante O... tinha intenção de comprar o prédio identificado no facto assente F) (na sequência da resposta negativa ao quesito 9) – não se descortina então, qual a intencionalidade especifica dos apelantes, subjacente à celebração dos negócios jurídicos impugnados nos presentes autos.
9) Aliás, não resulta da matéria da factualidade dada como provada a existência de uma divergência entre a vontade e a declaração de O... uma vez que este declarou comprar o prédio melhor identificado nos autos, como resulta da análise do facto assente F), e não se logrou provar que O... não tivesse intenção de comprar o prédio referido em F), conforme aí declarou tal como decorre da resposta negativa ao quesito 9º.
10) Aliás, entende-se que não foi feita qualquer prova nesse sentido, pois os quesitos que se referem a esta parte têm, como se disse, carácter conclusivo e, como tal, para todos os efeitos, consideram-se não escritos. Todavia, à cautela, sempre se dirá que o facto de não ter sido feita prova no sentido dos apelantes não terem habitado o prédio preferido em F já indicia uma confirmação da vontade de comprar o aludido prédio (vide resposta negativa ao quesito 9).
11) Paralelamente, a invocação da simulação por interessado em juízo, implica que o mesmo invoque a existência de um acordo simulatório entre "declarante" e "declaratário” do negócio pretendido se declare simulado, o que os recorridos não fizeram, saindo violados no acórdão posto em crise, os artsº 264º e 664º do C.P.C. e na decisão recorrida não se depreende a natureza do negócio simulatório uma vez que essa a factualidade dada como provada de que se parte para chegar à conclusão de que estamos perante um negócio simulado, já é em si mesma uma conclusão.
12) De facto, a decisão assenta na consideração como provados dos quesitos (generalistas e conclusivos) que referem que todos os intervenientes das escrituras impugnadas têm a intenção de prejudicar os AA, mas não esclarece qual a base factual que sustenta a apoia a consideração de que todos os RR, incluído os apelantes, tiveram intenção de prejudicar os AA quando celebraram as escrituras impugnadas, o que não pode deixar de ser considerado absolutamente ilegal por violação do disposto no artº 653º, nº2 do CPC.
13) Por outro lado, na hipótese vertente, mesmo que admitíssemos que o negócio jurídico mais bem descrito no facto assente E) se encontra ferido de nulidade por se tratar de um negócio simulado, nos termos expostos, tal vício acarretaria, por seu turno, a "nulidade dos negócios jurídicos celebrados a jusante", ou seja, o negócio jurídico referido no facto assente F), em que interveio O... (artº 291º nº 1 "a contrario" e nº 3 do C. Civil).
14) Sucede que, a sentença recorrida é omissa no que concerne à posição dos apelantes, na qualidade de terceiros que assumem a partir do momento em que não foi feita prova no sentido de que participaram num acordo simulatório, nem sequer da existência de uma divergência entre a sua vontade e a declaração no negócio jurídico de compra e venda formalizado na Escritura Pública melhor identificada no facto assente F).
15) Efectivamente, o regime específico de inoponibilidade da simulação a terceiros de boa-fé, ao abrigo do qual os apelantes defendem, na sua contestação, estar inseridos, previsto no artº 243º do Código Civil não foi sequer considerado a partir do momento em que se diz que todos os intervenientes das Escrituras Públicas consagradas em E e F tiveram intenção de prejudicar os AA aquando da sua celebração, o que, mais uma vez se insiste, atenta a sua extrema relevância, não pode deixar de ser desconsiderado por não se basear em quaisquer factos alegados que integrem essa conclusão para depois se poderes subsumir na previsão do artº 240º do Código Civil.
16) O artigo 456, nº1 do CPC apenas impõe a responsabilidade subjectiva no caso de dolo, não bastando a simples culpa, ainda que muito grave, conforme é amplamente sustentado na doutrina e na jurisprudência, pois só uma lide essencialmente dolosa justifica a condenação como litigante de má-fé.
17) O contraditório entre os factos relatados e a posição assumida na defesa não preenche o tipo legal previsto e sancionado pelo artº 456, 1 e 2 a) 2ª parte e b) 1ª parte, do CPC, indicado (deduzindo oposição cuja falta de fundamentação não deviam ignorar; alterando a verdade dos factos; e impedindo a descoberta da verdade), o que, em tais termos, não constitui fundamento bastante e suficiente, de facto e de direito, justificativo de tal condenação.
18) Em suma, a decisão recorrida não apresenta os fundamentos quer de direito, quer de facto que sustentam a mesma e os apelantes mais não fizeram que alegar factos tendentes a contrariar a tese do recorrido; evidentemente que, como é comum em qualquer articulado contestatório, apresentaram uma versão dos factos destinada a contrariar a tese do recorrido.
19) Além de que, uma vez mais, a decisão não apresenta os fundamentos quer de direito, quer de facto que sustentam a mesma, pelo que será nula nos termos do artigo 668, n. 1, al, b) do CPC.
Não houve contra-alegações.
Corridos os vistos legais, cumpre decidir.
*
2. FUNDAMENTOS.


O Tribunal deu como provados os seguintes,


2.1. Factos.

2.1.1. Os RR. G... e H... são pais de quatro filhas, a saber: das RR. I..., K... e das AA. C... e A... – Al. A.);
2.1.2. O prédio urbano sito em Dornes, composto de uma casa de rés-do-chão e primeiro andar, com a área de 40 m2, e logradouro, com a área de 5 m2, e, ainda de uma outra casa de habitação, com rés-do-chão e primeiro andar, com a área de 422 m2 e logradouro com a área de 5 m2, que confronta a Norte com caminho público, a Sul com Joaquim Nunes Cotrim, Nascente com a Rua, e a Poente com a Albufeira do Castelo de Bode, inscrito na matriz sob os nsº 747 e 748, e descrito na C.R.P. de Ferreira do Zêzere sob o nº 00301/040989, encontrava-se registado, até 14 de Setembro de 1998, em nome dos RR. H... e G... – Al. B);
2.1.3. Por instrumento notarial datado de 25 de Junho de 1981, em que foram intervenientes G... e mulher H..., K... e marido L..., e I... e marido Feliz Duarte Pavia, declararam os primeiros: "Que pela presente escritura fazem doação aos segundos outorgantes suas filhas K... e marido, I... e marido, e em partes iguais a cada casal, de metade do prédio composto de casa de habitação e logradouro, no lugar e freguesia de Dornes, deste concelho, que no todo parte do Norte com Daniel Nunes Cotrim, Nascente com a rua pública, Sul com Joaquim Nunes Cotrim e poente com a Albufeira do Castelo de Bode, inscrito na matriz urbana sob o artº 294, metade (…) e a que atribuem o valor patrimonial de Esc. 15.000$00; e não descrito na Conservatória do Registo Predial de Tomar (…). Que reservam para si o usufruto da fracção doada, tomando os donatários posse de metade à morte do doador que primeiro falecer e da restante metade à morte do último; que a fracção doada deverá entrar em legítima aos donatários seus filhos, e o valor que respectivamente lhe atribuem, metade à morte de cada doador, e se posteriormente em qualquer avaliação de inventário lhes for dado maior valor, os excessos os doam àqueles que o tiverem, pelas forças das quotas disponíveis dos seus bens; Que não dispensam as colações; Que os donatários ficam obrigados a fazer todas as despesas com as suas doenças, incluindo médico, farmácia, serviço de enfermagem e alimentos, na proporção de um quarto cada casal; Que reservam o direito de pedir a resolução das doações pelo não cumprimento dos encargos (…). Os segundos outorgantes declararam: Que aceitam a presente doação nos termos exarados". – Al. C);
2.1.4. Por instrumento notarial intitulado “Renúncia a usufruto e dispensa de colação”, datado de 07 de Janeiro de 1986, e em que foram intervenientes G... e esposa, H..., declararam estes: "Que pela presente escritura renunciam ao usufruto que lhes pertence a metade indivisa de um prédio urbano", o qual se encontra identificado na alínea que antecede. Mais disseram "… que por esta mesma escritura declaram dispensar as referidas donatárias suas filhas, da referida colação". – Al. D);
2.1.5. Por instrumento notarial datado de 18 de Agosto de 1998, intitulado "Constituição de propriedade horizontal e compra e venda", em que foram intervenientes H... e marido G..., e M..., declaram os primeiros: “ Que são donos e legítimos possuidores do seguinte prédio: urbano, sito no lugar e freguesia de Dornes, concelho de Ferreira do Zêzere, composto de casa de habitação e rés-do-chão, cave e primeiro andar, com a área de 82,40 m2, logradouro com a área de 23 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ferreira do Zêzere sob o nº 301, da dita freguesia, onde se encontra registada a aquisição a seu favor, pela inscrição G-2, da dita descrição, omisso na matriz, com o valor atribuído de quatrocentos mil escudos. Que por esta escritura, submete o referido prédio ao regime de propriedade horizontal, com as seguintes fracções autónomas: Fracção A.: É constituída pela cave, com adega e arrumos, rés-do-chão com sala comum, cozinha, despensa, arrumos, quarto, casa de banho e varanda, e logradouro, para a qual fixam a permilagem de seiscentos e oitenta e um, do valor total do prédio, (…) Fracção B: É constituída pelo primeiro andar, com sala comum, cozinha, arrumos, quarto, casa de banho e varanda, para a qual fixam a permilagem de trezentos e nove, do valor total do prédio (…). (…). “. Pelos primeiros outorgantes foi mais dito: “Que, por esta mesma escritura, vendem ao segundo outorgante, pelo preço total de dez milhões de escudos, que já receberam, as duas fracções autónomas já identificadas, (…)”. Pelo segundo outorgante foi dito: “Que aceita esta venda nos termos exarados e que as fracções se destinam a habitação.” – Al. E);
2.1.6. Por instrumento notarial datado de 18 de Novembro de 1998, intitulado "Compra e venda", em que intervieram o Dr. Alberto Rosário Pereira na qualidade de procurador de M... e esposa N..., e O..., declarou o primeiro: "Que, em nome dos seus representados e pelo preço de sete milhões de escudos, já recebido, vende ao segundo outorgante, o seguinte prédio: Fracção autónoma designada pela letra "A.", correspondente a cave com adega e arrumos e rés-do-chão com sala comum. Cozinha, despensa, arrumos, quarto. Casa de banho, varanda e logradouro, destinado a habitação, do prédio urbano sito na referida freguesia de Dornes, descrito na Conservatória do Registo Predial de Ferreira do Zêzere sob o nº 301, da dita freguesia, afecto ao regime de propriedade horizontal pela inscrição F-um, onde se encontra registada a aquisição da referida fracção a favor dos vendedores pela inscrição G-um, actualmente omisso na matriz, em virtude de ampliação tendo sido feita a sua participação na Repartição de Finanças de Ferreira do Zêzere em 18 de Maio de 1998 (…).”. Declarou o segundo outorgante: "Que aceita esta venda, nos termos exarados e que a aquisição da referida fracção se destina exclusivamente a habitação" – Al. F).
2.1.7. Os intervenientes dos acordos referidos em A) a F) tiveram a intenção de com eles prejudicar as AA. – resposta ao quesito 1º;
2.1.8. H... e marido, entretanto falecidos, declararam, conforme E), vender o prédio identificado em B) – resposta ao quesito 2º;
2.1.9. Os RR. H... e marido nunca tiveram a intenção de vender o prédio identificado em B), intenção essa declarada em E) – resposta ao quesito 3º, 2.1.10. Pois o prédio identificado em B) foi a sua casa de morada de família até 1999 – resposta ao quesito 4º;
2.1.11. Os RR. H... e marido não receberam o preço da venda referida em E) – resposta ao quesito 5º;
2.1.12. O R. M... nunca habitou as fracções referidas em E) – resposta ao quesito 6º;
2.1.13. M... não tinha a intenção de comprar os prédios referidos em E), conforme aí declarou – resposta ao quesito 7º;
2.1.14. M... não tinha a intenção de vender o prédio identificado em F), conforme aí declarou – resposta ao quesito 11º;
2.1.15. Depois dos acordos referidos em E) e F), foram as RR. Alzira e Fernanda que passaram a usufruir dois prédios objecto dos mesmos – resposta ao quesito 12º;
2.1.16. As RR. Alzira e Fernanda passam os seus fins-de-semana e férias nas fracções identificadas em E) – resposta ao quesito 13º;
2.1.17. O... é muito amigo da I... e da K..., sendo que ambas têm habitação na Rua Cidade Vila Cabral, Lote 29-A e Lote 29-B, 6º, Porta 3 e Porta 1, em Olivais Sul (Lisboa) respectivamente, e M... era muito amigo dos pais das litigantes C..., A..., I... e K..., sendo que tem habitação na Rua Luís de Camões, nº 91, em Benavente, e a I... tem habitação em Rua da Arrantela, Lote 4, em Benavente – resposta ao quesito 14º.
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2.2. O Direito.

Nos termos do precei-tuado nos artsº 660º nº 2, 684º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Pro-cesso Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso deli-mitam os poderes de cognição deste Tribunal. Nesta conformi-dade e conside-rando também a natureza jurídica da maté-ria versada, cumpre focar os seguintes pontos:
- Da requerida baixa do processo – artigo 659º nsº 2 e 3 do Código de Processo Civil.
- Da nulidade da sentença.
- Do preenchimento dos fundamentos da acção simulatória.
- Da condenação dos Apelantes como litigantes de má-fé.
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2.2.1. Da requerida baixa do processo – artigo 659º nsº 2 e 3 do Código de Processo Civil.

Referem os apelantes que o Sr. Juiz a quo não indicou a razão de ciência das testemunhas que basearam a sua convicção, nem fez a análise crítica das provas e a especificação dos fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador, argumentando de facto e de direito, em manifesto desrespeito pelo disposto no artigo 653º nº 2 do Código de Processo Civil.
Requerem assim que se determine a baixa do processo à 1ª instância ao abrigo do disposto nos artigos 712º nº 5 e 653º nº 2 do Código de Processo Civil.
Estatui o artigo 712º nº 5 do Código de Processo Civil que "se a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa não estiver devidamente fundamentada, pode a Relação, a requerimento da parte, determinar que o tribunal de 1ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados ou repetindo a produção da prova, quando necessário; sendo impossível obter a fundamentação com os mesmos juízes ou repetir a produção da prova, o juiz da causa limitar-se-á a justificar a razão da impossibilidade".
Analisando a fundamentação das respostas à Base Instrutória, verifica-se que na mesma se encontra plasmada a razão de ciência das testemunhas que intervieram de uma forma minimamente aceitável, mau grado se pudesse ter ido um pouco mais longe. De qualquer forma mencionam-se as relações de parentesco e proximidade entre as testemunhas e as partes, o seu conhecimento directo dos factos e o modo claro, preciso e imparcial como depuseram. Aliás a prova testemunhal não é a única que esteve à disposição do Juiz para decisão da causa, havendo ainda a considerar os depoimentos pessoais de O... e de M... cuja assentada consta da audiência de discussão e julgamento e ainda os documentos mencionados a fls. 87 e v., 88 a 91 dos autos.
Nesta conformidade não se ordenará a baixa do processo à primeira instância para os fins requeridos.
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2.2.2. Da nulidade da sentença.

Os apelantes invocam a nulidade da sentença por falta de fundamentação que pretendem ser absoluta, o que cai sob a alçada do artigo 668º nº 1 alínea b) do Código de Processo Civil “A sentença é nula quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”. É porém entendimento unânime na Jurisprudência, que não é qualquer deficiência na fundamentação que constitui nulidade (Cfr. Ac. do S.T.J. de 21-11-2000 (A. 2518/2000) in Bol. do Min. da Just., 501, 226; da Rel. do Porto de 11-3-2003 (R. 547/02) in Col. de Jur., 2003, II, 173.) . Desta só se pode falar, quando a falta de fundamentação é absoluta. Ora como deixámos acima dito, existe fundamentação, desde logo nos termos expostos; aquela, se bem que não seja exaustiva, é suficiente a fim de que seja feito o controlo do raciocínio do Juiz. E não se argumente que a fundamentação da sentença não permite que se faça um controle efectivo do que foi decidido; toda e qualquer fundamentação nunca permite um controlo total (ou antes tendencialmente total) sobre o raciocínio de quem decidiu, mas apenas o esboço de um raciocínio lógico. Se era na realidade o controlo total do decidido que estava em causa, por que razão não foi pedida pelos apelantes a gravação da prova como lhe era permitido fazer nos termos do artigo 690º-A do Código de Processo Civil?
No que toca à falta de fundamentação dos factos não provados a que se referem os apelantes, diremos que aqueles se encontram fundamentados, como se vê a fls. 406, referindo o Sr. Juiz que "as respostas negativas e parcialmente negativas resultaram da ausência de qualquer prova convincente e segura quer documental (constante dos autos) testemunhal (ouvida nos autos) pericial ou outra e/ou prova do contrário. Tal é suficiente a nosso ver, já que a fundamentação da falta de prova consiste a maior parte das vezes e de forma necessária, precisamente na ausência dessa prova.
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Entendem ainda os Apelantes que os quesitos 1º, 3º, 7º, 9º e 10º não deveriam ter sido formulados, por conterem matéria conclusiva, neles se perguntando directamente o que através de factos - que, em parte, nem sequer foram alegados - se deveria demonstrar e estarem redigidos de forma vaga e imprecisa, contendo generalidades, sem especificarem pontos de facto concretos que importava que fossem provados para permitir chegar à conclusão que invocam, qual a intencionalidade específica de cada um dos intervenientes das escrituras impugnadas. Assim, por aplicação analógica do nº 4 do artigo 646º do Código Processo Civil, devem ser consideradas não escritas as respostas aos referidos quesitos, aliás indevidamente formulados na 1ª instância, com matéria conclusiva e não factual.
Perguntava-se nos aludidos quesitos respectivamente o seguinte:
Quesito 1º: Os intervenientes dos acordos referidos em A) a F) tiveram a intenção de com eles prejudicar as AA.?
Quesito 3º: Os RR. H... e marido nunca tiveram a intenção de vender o prédio id. em B), intenção essa declarada em E)?
Quesito 7º: M... não tinha a intenção de comprar o prédio referido em F), conforme aí declarou?
Quesito 9º: O... não tinha a intenção de comprar os prédios referidos em E) conforme aí declarou?
Quesito 10º: M... não tinha a intenção de vender o prédio id. em F) conforme aí declarou?
Todos estes quesitos receberam resposta positiva.
Começaremos por dizer que os ora Apelantes não reclamaram contra a inclusão da Base instrutória quando estes quesitos foram formulados e nem tão pouco o fizeram quando lhes foi dada resposta, só agora questionando esta e a respectiva formulação. Fazem-no porém e salvo o devido respeito, extremando desde logo à partida, a posição tradicional acerca da dicotomia questão de facto/questão de direito, hoje ultrapassada e que nunca foi aliás levada às máximas consequências no que toca à matéria conclusiva. O próprio ordenamento jurídico sempre deu conta da dificuldade na destrinça por vezes dos factos da conclusão, atenta a ligação incindível que apresentam (Dificuldade de que já Alberto dos Reis, embora dentro da doutrina tradicional, fala in “Código de Processo Civil Anotado" III, pags. 205 ss). Lembremos o que sucedia no julgamento em matéria de homicídio onde na vigência antigo Código de Processo Penal sempre se quesitou a "intenção de matar" do agente nas diversas modalidades do dolo ou negligência de que poderia revestir-se. A orientação que aponta para a incindibilidade em certos casos do facto/conclusão, saiu aliás reforçada pelo enriquecimento que o pensamento jurídico tem registado nomeadamente pelo contributo das modernas "ciências da linguagem" e em particular pela investigação e progresso no domínio da "hermenêutica" que acentuadamente se tem feito sentir na metodologia e ciência do Direito. São precisamente os casos em que o facto e a conclusão estão tão próximos que é muito difícil indagar desses factos e conclusões sem os relacionar entre si atenta a complementaridade recíproca que apresentam. Não é pois de estranhar, que no início do processo cognitivo de uma expressão, se surpreenda pois já "uma pré-compreensão, reportando-se à coisa de que o texto fala e à linguagem em que se fala dela". Essa pré-compreensão, que é um fenómeno de natureza cultural, não impede todavia o Juiz de apreender a especificidade do caso; só que na sua análise e tratamento, a questão de facto é inseparável da respectiva sequência lógica. Estamos assim em face daquilo a que é usual chamar "o círculo hermenêutico", patente nomeadamente na obra de Heidegger e Gadamer, no primeiro todavia versado como "estrutura circular da compreensão". Esta figura tem como subjacente a ideia de que uma parte da realidade, nomeadamente jurídica, só pode ser compreendida a partir do significado de outros elementos; contudo a compreensão destes pressupõe, por seu turno, o conhecimento do elemento original. Poderá hoje entender-se assim com Heiddeger que a compreensão pertence à constituição ôntica essencial do ser-aí o Dasein da existência. É para o que noutras palavras alerta Antunes Varela quando, aludindo à viabilidade de quesitos contendo juízos de valor e matéria de facto, refere que "nesse aspecto há incontestável semelhança entre as questões de direito (a que o julgador só pode as mais das vezes responder com segurança depois de conhecer toda a matéria de facto que interessa à sua resolução e as apreciações e juízos de valor relativos à matéria de facto que só é possível emitir com o necessário conhecimento de causa, após o conhecimento das ocorrências reais, concretas, que lhes respeitam" (Cfr. A. citado e Outros "Manual de Processo Civil").
Orientada por estes princípios, tem vindo a Jurisprudência mais recente a aperceber-se destas interrelações e a pressupor como um dado adquirido a incindibilidade de certas situações complexas no seu plurisignificado e simultaneamente também divulgação ao nível extra-jurídico (Desta realidade nos dá conta entre nós o recente estudo do Cons. Simões Freire "Matéria de Facto Matéria de Direito" in CJ Ano XI Tomo III /2003 pags. 6 ss. E abordando especificamente o tema que ora tratamos, escreve-se no Ac. do S.T.J. de 03-05-2000 (P. 315/2000) "Constitui matéria de facto a afirmação de que «todos os réus tinham consciência do prejuízo que as vendas» causavam ao autor, já que não é necessário formular qualquer raciocínio de ordem jurídica ou apelar essencialmente para a formação especializada do julgador".) .
Significa tudo isto que em casos como o vertente é lícito e necessário quesitar as intenções como única forma de poder alcançar uma solução jurídica através de conceitos que não são de puro facto. Refere também a este propósito Karl Larenz que “por factos no sentido da contraposição face à questão de direito, devemos ainda entender processos psíquicos e acções com abrangência do seu lado interior” (Cfr. A. citado “Metodologia da Ciência do Direito” 3ª Edição Gulbenkian, pags. 433.).
Improcedem pois as conclusões dos Apelantes nesta matéria.
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Sustentam ainda os apelantes que existe patente contradição na apreciação da matéria de facto, uma vez que se considera provado que os apelantes tiveram intenção de prejudicar os AA. (resposta ao quesito 1), mas, simultaneamente, se provou que o apelante O... tinha intenção de comprar o prédio identificado no facto assente F) (na sequência da resposta negativa ao quesito 9) – não se descortina então, qual a intencionalidade especifica dos apelantes, subjacente à celebração dos negócios jurídicos impugnados nos presentes autos.
É manifesto o carácter artificioso desta argumentação. A alínea F) dos factos assentes limita-se a reproduzir os dizeres da escritura segundo a qual o Apelante O... declarou vender o prédio. No quesito 1º indaga-se da verdadeira intenção do apelante. Trata-se ao fim e ao cabo da factualidade subjacente à acção simulatória.
Improcedem as considerações dos Apelantes sob este item.
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2.2.3. Do preenchimento dos fundamentos da acção simulatória.

Por último negam os apelantes que se encontrem preenchidos os requisitos do negócio simulado a que alude o artigo 240º ss do Código Civil – Diploma ao qual pertencerão doravante as restantes disposições citadas sem menção de origem - "1. Se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante, o negócio diz-se simulado.
2. O negócio simulado é nulo".
São assim elementos constitutivos do vício simulatório a divergência intencional entre a vontade e a declaração procedente de acordo entre o declarante e o declaratário determinada pelo intuito de enganar terceiros.
A presente acção dá-nos conta de um leque de sucessivos contratos de doação e compra e venda em que vão intervindo sucessivos doadores, donatários, vendedores e adquirentes de um prédio identificado nas alíneas B), E) e F) dos factos provados.
Em traços gerais sabe-se que:
- Os RR. G... e H..., são pais de quatro filhas, a saber as Rés I..., K... e das AA. C....
- O prédio urbano sito em Dornes, descrito na Conservatória de Registo Predial de Ferreira do Zêzere sob o nº 00301/040989 encontrava-se registado até 14 de Setembro de 1998 em nome dos RR. H... e G....
- Por instrumento notarial datado de 25 de Junho de 1981, os RR. G... e mulher H... declararam doar às filhas K... e I... e respectivos maridos na proporção de metade para cada casal, do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 294, não descrito na Conservatória do Registo Predial.
- Por instrumento notarial datado de 18 de Agosto de 1998, intitulado "Constituição de Propriedade Horizontal e compra e venda" os referidos H... e marido, submeteram ao regime da propriedade horizontal o prédio descrito na Conservatória de Registo Predial de Ferreira do Zêzere sob o nº 301, com duas fracções autónomas A e B. Por esta mesma escritura declararam vender ao segundo outorgante M... essas duas fracções.
- Por último e também por instrumento notarial datado de 18 de Novembro de 1998, em que intervieram o Dr. Alberto Rosário Pereira na qualidade de procurador de M... e mulher bem como O..., pelo primeiro foi dito que vendia ao segundo a Fracção A do prédio em análise.
Sabe-se ainda que todos os intervenientes nos aludidos acordos tiveram a intenção de prejudicar os AA.. Aliás os RR. H... e marido, entretanto falecidos, nunca tiveram intenção de vender o prédio, ao contrário do que declararam, nem tão pouco receberam qualquer importância pela "venda" do mesmo.
O... e mulher não intervieram no primitivo negócio simulado, sendo assim terceiros em relação ao mesmo. O artigo 243º visa proteger a situação jurídica do terceiro adquirente do prédio que está de boa-fé, vedando que o simulador possa arguir contra ele a simulação. Todavia e apesar de a acção não ter sido intentada pelos simuladores, também em relação aos apelantes se provou que tal como os restantes intervenientes processuais, tiveram a intenção de prejudicar as AA.. Nesta conformidade não têm qualquer fundamento os Apelantes quando afirmam que a sua posição de terceiros não foi considerada. A simulação sempre lhes seria oponível não só porque os AA. não figuram na escritura, mas também porque a isto acresce o facto de os apelantes estarem de má-fé.
Verificam-se assim todos os requisitos da simulação, sendo certo que bem se andou ao decidir-se em tal sentido.
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2.2.4. Da condenação dos Apelantes como litigantes de má-fé.

Insurge-se finalmente a Ré apelante contra a sen-tença, na parte em que a condenou como litigante de má-fé na multa de 5 UC e em indemnização a favor da Autora consistente no reembolso das despesas incluindo honorá-rios de advogado a que a má-fé daquele litigante a tenha obrigado.
Nos termos do preceituado no artigo 456º nº 2 alí-nea a) do Código de Processo Civil "diz-se litigante de má-fé o que:
a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objectivo ilegal, impedir a des-coberta da verdade, entorpecer a acção da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão".
Da análise do citado preceito legal constata-se o alargamento das situações a que poderá caber a litigân-cia de má-fé aos casos de negligência grave. Trata-se de um postulado do "princípio da cooperação" previsto no-meadamente no artº 266º-A do Código de Processo Civil onde se lê que "as partes devem agir de boa-fé e obser-var os deveres de cooperação resultantes do preceituado no artigo ante-rior". É que o direito de acção, consti-tucionalmente consagrado no artº 20º da CRP, tem como contrapolo o dever de as partes no respectivo exercí-cio, se respon-sabilizarem, nomeadamente pelas suas de-clarações, acau-telando-se não apenas contra factos ex-pendidos que sabem não ser verdadeiros, como ainda abs-terem-se de emitir declarações comprometedoras sem minimamente se assegurarem da sua veracidade. Este úl-timo comporta-mento, que integra o conceito de negli-gên-cia grosseira, não era sancionado antes da reforma do processo civil e passou a sê-lo após o Dec-Lei nº 329-A/95 de 12 de Dezembro.
É manifestamente contra lei expressa o afirmar-se como fazem os Apelantes que o artigo 456º do Código de Processo Civil não prevê a condenação por litigância de má-fé negligente. Todavia, a litigância de má-fé, supõe a alegação de de-terminados factos reconhecidamente inverídicos e que tal seja feito com dolo ou negligência grave. Assim não integra uma coisa nem outra a mera improcedência das razões expendidas pela parte devido unicamente ao facto de a mesma não ter logrado prova daquelas. Revertendo ao caso em análise e como facto palpável, temos da parte dos apelantes, o dado concreto de negarem ter agido para prejudicar os AA.; no entanto os factos provados são bem expressos no sentido de que houve intenção por parte de todos os intervenientes nos acordos referidos em A) a F) no sentido de prejudicar os AA…. Haverá assim que manter o decidido no aresto em matéria de litigância de má-fé. Nada há a alterar à sentença na parte em que condenou O... e mulher como litigantes de má-fé em multa e indemnização a favor dos AA., o que vinha questionado pelos Apelantes.
A apelação improcede assim in toto.

Poderá assim concluir-se o seguinte:

1) A sentença só é nula por falta de fundamentação quando aquela é total e não apenas escassa.
2) Em matéria de simulação no negócio jurídico é lícito e necessário quesitar intenções como única forma de poder alcançar uma solução jurídica através de conceitos que não são de puro facto.
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3. DECISÃO.

Pelo exposto, acorda-se em julgar a apelação improcedente, confirmando-se totalmente a sentença apelada.
Custas pelos Apelantes.