Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
60/09.9SAGRD.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: JORGE DIAS
Descritores: RECURSO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
PRINCÍPIO DO IN DUBIO PRO REO
CRIME DE RECEPTAÇÃO
Data do Acordão: 01/06/2010
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: COMARCA DA GUARDA
Texto Integral: S
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: ARTIGOS 32º DA CRP;14º E 231º DO CP; 127º,412º,428º DO CPP
Sumário: 1.No caso, ouvidos os depoimentos gravados, é manifesto que o senhor juiz apenas se poderia convencer no sentido em que formou a sua convicção
2.O julgador tem de saber destrinçar o essencial do acessório, e a prova dos factos essenciais é que deve sobrepor-se à prova dos acessórios ou instrumentais, e não o contrário,
3.O princípio da livre apreciação da prova está intimamente ligado à obrigatoriedade de motivação ou fundamentação fáctica das sentenças criminais, com consagração no art. 374°/2 do Código de Processo Penal.
4.A persistência de dúvida razoável após a produção da prova tem de actuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido
5.O princípio in dubio pro reo só é desrespeitado quando o Tribunal, colocado em situação de dúvida irremovível na apreciação das provas, decidir, em tal situação, contra o arguido.
6.Ressalta, de forma límpida, do texto da sentença ter o Tribunal, após ponderada reflexão e análise crítica sobre a prova recolhida, obtido convicção plena, porque subtraída a qualquer dúvida razoável, sobre a verificação dos factos imputados ao arguido e que motivaram a sua condenação, apreciando prova válida e sem contrariar as regras da experiência comum.
Decisão Texto Integral: pág. 12
Acordam no Tribunal da Relação de Coimbra, Secção Criminal.
No processo supra identificado foi proferida sentença que julgou procedente a acusação deduzida pelo Mº Pº contra o arguido:
JJ, filho de AA e de M, casado, natural de … nascido a 17 de Janeiro de 1955, vendedor, residente na Av. … , Guarda.
Sendo decidido:
a) Condenar o arguido pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de receptação, previsto e punido pelo artigo 231º, n.º 1, do Cód. Penal, na pena de 300 (trezentos) dias de multa à taxa diária de €9,00 (nove euros), num total de €2.700,00 (dois mil e setecentos euros).
b) Condenar o demandado JJ a pagar à demandante MA a quantia de €2.250,00 (dois mil duzentos e cinquenta euros) a título de indemnização por responsabilidade civil por acto ilícito.
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Inconformado interpôs recurso, o arguido.
São do seguinte teor as conclusões, formuladas na motivação do seu recurso, e que delimitam o objecto do mesmo:
1. As contradições encontradas nos depoimentos das testemunhas G e I são de tal modo flagrantes que não podem servir de base à formação do Tribunal, sobretudo quando nem sequer um ano decorreu entre a data do julgamento e a data dos factos;
2. As versões dos acontecimentos oferecidas por essas testemunhas e a explicação para a sua própria intervenção nos factos são contraditórias entre si e vão contra as regras do senso comum e da própria física;
3. Viola a douta sentença recorrida, para além das regras da experiência comum o princípio in dubio pro reo.
Termos em que deverá ser revogada a sentença recorrida, sendo o réu absolvido do crime de que veio acusado.
Foi apresentada resposta, pelo magistrado do Mº Pº que, conclui:
1ª- Face à matéria de facto dada com provada, não merece qualquer reparo a decisão ora em recurso;
2ª- Adere-se, integral e plenamente à decisão ora em recurso, quer no que toca aos argumentos fácticos quer de ius nela explanados, a qual, na nossa opinião, não merece qualquer reparo encontrando-se exemplarmente trabalhada e fundamentada;
3ª- O arguido praticou o crime por que foi condenado pelo que se tem, para nós, isenta de reparos e juridicamente inatacável a sua condenação;
4ª- Inexistem, a nosso olhar, as apontadas contradições testemunhais, nem os factos pelas mesmas testemunhados são contraditórios;
5ª- Não se verifica "in casu" uma situação de aplicabilidade do princípio do "in dubio pro reo";
Deve ser mantida, nos seus precisos termos, a sentença ora em recurso.
Igualmente, nesta Instância, o Ex.mº Procurador Geral Adjunto, em parecer emitido, sustenta a improcedência do recurso, entendendo ainda que não deveria conhecer-se do recurso da matéria de facto, por a impugnação não obedecer ao estatuído no art. 412 do CPP.
Foi cumprido o art. 417 nº 2 do CPP.
Não foi apresentada resposta.
Colhidos os vistos legais e realizada a conferência, cumpre decidir.
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Mostra-se apurada, a seguinte matéria de facto e fundamentação da mesma:
II. FUNDAMENTAÇÃO
A) DOS FACTOS
1. FACTUALIDADE PROVADA
Discutida a causa, resultaram provados, com relevância para a decisão final, os seguintes factos:
A) No dia ….de … de 2008, pelas 20:00, MA, para comemorar o seu aniversário, reuniu na sua residência, sita na Rua…, n.º …desta cidade da Guarda, um grupo de convidados em que se incluía o arguido JJe sua família.
B) No decurso de tal festa, MA, ao retirar uma toalha de uma gaveta de um móvel, deixou cair ao chão, sem que disso se tenha plenamente apercebido, uma pulseira em ouro que lhe pertencia.
C) O menor P, filho do arguido, apanhou a dita pulseira do chão e entregou-a ao arguido.
D) O arguido guardou com ele a dita pulseira e reteve-a em seu poder, apesar de saber que a mesma pertencia a MA.
E) O arguido não devolveu a pulseira a MA e pelo contrário apropriou-se da mesma.
F) Ao actuar da forma descrita, o arguido agiu com intenção de obter uma vantagem patrimonial correspondente ao valor da pulseira, a que sabia não ter direito, não obstante saber perfeitamente que a mesma não lhe pertencia e que actuava contra a vontade e sem o consentimento de MA
G) O arguido agiu de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que a sua conduta era ilícita e punível por lei.
H) O arguido exerce a profissão de vendedor de tabaco, mediante o que aufere um ordenado no valor de €800,00 mensais, acrescido de cerca de €1.200,00 em comissões de três em três meses. Vive com a esposa, que trabalha em pastelaria e aufere o salário mínimo nacional pelo seu trabalho, tendo ambos um filho menor a seu cargo. Suporta ainda o valor de €120,00 por mês para solvimento de empréstimo para aquisição da casa em que habita.
I) Ao arguido não são conhecidos quaisquer antecedentes criminais.
J) MA era à data dos factos proprietária da pulseira referida em B), C), D) e E), a qual era de ouro, grossa, entrançada, com uma libra e seis pendentes, entre os quais um telefone, um dado, um apito, duas pequenas bolas (apresentando uma das quais vários cristais coloridos e encontrando-se a outra trabalhada com desenhos), um coração com a inscrição “amor de mãe” e um trevo, no valor de pelo menos €750,00.
L) MA não recuperou até à data tal pulseira.
M) A pulseira em causa tinha para MA grande valor estimativo, na medida em que os pendentes que nela se encontravam apostos tinham-lhe sido oferecidos ao longo de vários anos pelos seus filhos.
N) A perda de tal pulseira causou a MA angústia e sofrimento psicológico pelo valor afectivo e psicológico que tal objecto para si representava.
O) E assim alterou para pior o seu estado anímico.
P) A partir da data dos factos, MA passou a tomar calmantes e ansiolíticos, o que vem sucedendo até hoje.
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2. FACTUALIDADE NÃO PROVADA
Da audiência de discussão e julgamento resultou como não provado que:
1) O valor estimativo que se refere em M) se deva ao facto de a pulseira em apreço ter outrora pertencido à mãe de MA, que lha tivesse doado há mais de 20 anos a esta parte.
2) O sofrimento e angústia de que passou a padecer MA se tenham traduzido em muita dificuldade em dormir e choro frequente devido à noção de que não mais ou muito dificilmente iria recuperar o objecto em apreço.
3) O filho do arguido não tenha visto nem apanhado do chão qualquer pulseira nem tampouco a tenha entregue ao arguido, não tendo este também visto qualquer pulseira.
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3. MOTIVAÇÃO
O tribunal baseou a sua convicção desde logo na conjugação das declarações prestadas pelo arguido conjugadas com a prova testemunhal produzida, tudo conjugado à luz das regras da experiência comum, conforme em seguida passaremos a demonstrar.
Do depoimento prestado pelo arguido resultou que o mesmo assumiu ter estado presente no dia, hora e local dos factos juntamente com a sua família, embora tendo negado que em momento algum tivesse sequer visto ou tomado contacto com qualquer pulseira que fosse pertença ou não da ofendida MA, assim como não o teria feito o seu filho P, que igualmente por ali se encontrava. Essencialmente no mesmo sentido depôs o próprio P, filho do arguido, que afirmou que em momento algum teria sequer visto ou muito menos pegado em qualquer pulseira no dia dos factos, referindo apenas um guardanapeiro que teria caído ao chão de cima da mesa e que teria sido por si recolhido.
No entanto, o tribunal baseou a sua convicção essencialmente nos depoimentos prestados pelas testemunhas G e I, os quais se nos revelaram como seguros, isentos, peremptórios e com conhecimento directo dos factos. Por tais testemunhas foi afirmado com toda a certeza e sem qualquer dúvida que viram a pulseira em causa a cair ao solo no momento em que MA retirou toalha da gaveta onde tal pulseira se encontrava, que viram PB a recolher tal pulseira do solo, e que viram ainda o mesmo a entregá-la ao arguido, que a recolheu num bolso. É de realçar que não decorreu da prova produzida que tais testemunhas tivessem à data dos factos qualquer razão de inimizade com o arguido, sendo até MA pessoa das suas relações próximas de amizade, embora tais relações se encontrem actualmente cortadas por motivos decorrentes dos factos em causa nestes autos. A testemunha I nunca foi sequer pessoa próxima do arguido, não tendo sequer qualquer relação de especial amizade ou inimizade com o mesmo. Assim sendo, não se vislumbram motivos pelos quais as testemunhas acabadas de referir tenham faltado à verdade de forma tão ostensiva e peremptória como o fizeram.
É claro que não olvidamos que os depoimentos das testemunhas acabadas de referir não foram inteiramente consentâneos em todos os pormenores entre si e com as declarações prestadas pelo arguido, designadamente quanto ao local exacto da mesa em que todos se encontravam e ao facto de o arguido e seu filho se encontrarem sentados ou de pé. No entanto, tais pequenas falhas são compreensíveis face ao lapso de tempo já decorrido, à normal reconstrução mental que se vai efectuando dos acontecimentos muitas vezes deturpada em detalhes por conversas que se vão mantendo com outras pessoas acerca dos factos, e porque não se diverge do essencial, que foi relatado, como se disse, de forma absolutamente segura e peremptória.
Por outro lado, é óbvio que foram ainda relevadas as declarações prestadas pela própria MA ao afirmar o desaparecimento da pulseira em causa, o qual teria sido detectado dois dias depois dos factos, por ter sido alertada para tanto mediante dois telefonemas que teve com a testemunha I ainda que esta não tenha concretizado de imediato no primeiro telefonema que se tratasse da pulseira em causa. Afirmou ainda que a pulseira em sujeito se encontra desaparecida até à presente data, nunca mais a tendo visto.
Assim, perderam credibilidade as declarações puramente negatórias prestadas pelo arguido, o qual se defendeu, como legalmente lhe assiste, negando os factos, e pela testemunha P que, sendo filho do arguido e tendo hoje apenas 12 anos de idade, é (como não poderia deixar de ser) facilmente influenciável e propendeu naturalmente a defender o seu pai. A respeito do depoimento prestado por este último, diremos ainda que o mesmo perdeu de imediato credibilidade ao afirmar que no dia dos factos, ao chegar à residência de MA imediatamente se teria dirigido à casa de banho e que quando teria chegado à cozinha onde os factos ocorreram, a mesa já estaria posta e portanto nem sequer teria visto a toalha a ser retirada de qualquer gaveta. Com efeito, esta declaração foi contrária à do próprio arguido quando afirmou que o seu filho se encontraria ali sempre por perto no momento em que a toalha foi retirada da gaveta, e contrária também às declarações prestadas pela generalidade da restante prova produzida a este respeito.
Aqui chegados, de referir ainda que os depoimentos prestados pelas testemunhas B, N e J não se revelaram de grande utilidade à descoberta da verdade, uma vez que não demonstraram um conhecimento directo, minimamente profundo ou com uma adequada lembrança dos factos, apesar de as duas primeiras terem estado presentes no dia, hora e local. I, como esposa do arguido, apenas afirmou que teria procedido a buscas em casa no sentido de localizar a pulseira dos autos, mas que nada tinha encontrado. Tal declaração, procedendo da esposa do arguido e não sendo por essa causa especialmente isenta ou fidedigna, em nada prejudica sequer os factos que foram dados como provados.
Acerca da proveniência e características da pulseira aqui em apreço, foi relevante o depoimento prestado pela ofendida e demandante, que a descreveu nos termos que se deram como provados, afirmando contudo um valor que se mostrou manifestamente superior ao que foi peticionado, tendo por isso apenas este último sido dado como provado como sendo o mínimo. Não se demonstrou que a pulseira proviesse da mãe da ofendida e que tivesse valor sentimental por esse motivo, na medida em que a própria ofendida afirmou que teria comprado ela própria a pulseira em causa.
Relativamente ao sofrimento causado à demandante, foi relevante o depoimento prestado pela testemunha I, a qual contudo não referenciou crises de sono e choro frequente, que como tal foram dados como não provados.
Finalmente, quanto à condição económica e social do arguido, foram relevantes as suas declarações, não existindo razões para delas duvidar.
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Conhecendo:
O recorrente insurge-se contra a matéria de facto apurada, alegando que existe discrepância nos depoimentos das testemunhas G e I (uma coloca o arguido e o filho em pé e a outra sentados), assim como diverge o motivo de terem silenciado o acontecido e que, instalada a dúvida o arguido beneficiaria da aplicação do princípio in dúbio pró reo.
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Matéria de facto:
A matéria de facto apurada (factos provados e não provados) há-de resultar da prova produzida (depoimentos, pareceres documentos) conjugada com as regras da experiência comum.
Na motivação se diz, como pode constatar-se da transcrição supra da motivação, que os factos provados resultam da conjugação e análise de toda a prova produzida, mas essencialmente “nos depoimentos prestados pelas testemunhas G e I, “os quais se revelaram seguros, isentos, peremptórios e com conhecimento directo dos factos”.
Que apenas bastante tempo mais tarde referiram os factos de que tinham conhecimento, para evitarem suspeitas que poderiam incidir sobre as suas pessoas e por terem estado presentes na altura do desaparecimento da pulseira.
Melhor teria sido que estas testemunhas, logo de imediato tivessem agido, revelassem o acontecido à dona da casa, ou fizessem saber ao arguido que se aperceberam do sucedido e não pactuavam com tal situação. Teria sido a maneira correcta de agirem.
E, ouvidos os depoimentos gravados, é manifesto que o senhor juiz apenas se poderia convencer no sentido em que formou a sua convicção:
- A testemunha G refere que “estavam todos à mesa para irem lanchar”, “a pulseira caiu ao chão”, “o P, ao lado do pai baixou-se, apanhou a pulseira e deu-a ao pai”, “o pai meteu-a ao bolso e o P, sentou-se e não saiu mais dali”. Refere que “ambos estavam em pé um ao lado do outro”.
- A testemunha I, refere que “caiu a pulseira” “e o moço filho deste senhor (referindo-se ao arguido) apanhou-a”, “o rapaz apanhou-a”, “ele entregou a pulseira ao pai”, “fez gesto por baixo da mesa” e o “pai pegou nela”. A testemunha “estava na esquina” da mesa e “tinha visibilidade para o chão”. Refere que quando tal aconteceu estavam sentados.
Há discrepância nos depoimentos quando uma testemunha “coloca” o arguido e filho em pé e a outra refere que estavam sentados. Discrepância essa, verificada pelo julgador e analisada, conforme motivação supra transcrita.
Mas o que releva é que as duas testemunhas referem sem qualquer hesitação que viram a criança apanhar a pulseira e entregá-la ao pai, o arguido.
O julgador tem de saber destrinçar o essencial do acessório, e a prova dos factos essenciais é que deve sobrepor-se à prova dos acessórios ou instrumentais, e não o contrário.
Sem que tal situação seja suficiente para o julgador incorrer em situação de dúvida, como pretende o recorrente deveria ter acontecido.
É essencial saber como se desenvolveu a acção, como refere o recorrente. Mas o essencial da acção é, a pulseira cair ao chão quando a ofendida tirou a toalha da gaveta, sem se aperceber, o filho do arguido apanhar a pulseira e entregá-la a este, que a guardou em seu poder, não a devolvendo, mas antes dela se apropriando.
O princípio da livre apreciação da prova está intimamente ligado à obrigatoriedade de motivação ou fundamentação fáctica das sentenças criminais, com consagração no art. 374°/2 do Código de Processo Penal.
Como refere o Ac. do STJ de 30-01-2002, proc. 3063/01- 3ª, SASTJ, nº 57, 69, “A partir da indicação e exame das provas que serviram para formar a convicção do tribunal, este enuncia as razões de ciência extraídas destas, o porquê da opção por uma e não por outra das versões apresentadas, se as houver, os motivos da credibilidade em depoimentos, documentos ou exames que privilegiou na sua convicção, em ordem a que um leitor atento e minimamente experimentado fique ciente da lógica do raciocínio seguido pelo tribunal e das razões da sua convicção”.
Não dizendo a lei em que consiste o exame crítico das provas, esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo –Ac. do STJ de 12-04-2000.
No caso dos autos e face ao supra exposto, verifica-se que da sentença se entende perfeitamente o motivo de ser dada como provada a matéria de facto que é fundamento do crime.
O próprio arguido a entendeu, não coloca em crise os depoimentos (no sentido de que as testemunhas disseram que viram apanhar a pulseira e entregá-la ao arguido), antes pretende tão somente suscitar a dúvida por os depoimentos não serem coincidentes no local onde estavam o arguido e filho, se sentados ou em pé, e retirar o benefício da pretendida aplicação do princípio in dúbio pró reo.
Violação do princípio in dubio pro reo:
O princípio in dubio pro reo é o correlato processual do princípio da presunção da inocência do arguido.
Gozando o arguido da presunção de inocência (artigo 32, nº 2, da Constituição da República Portuguesa), toda e qualquer dúvida com que o tribunal fique reverterá a favor daquele.
O princípio in dubio pro reo, enunciado por Stubel no século XIX, constitui um princípio probatório segundo o qual a dúvida em relação à prova da matéria de facto deve ser sempre valorada favoravelmente ao arguido.
"O principio in dubio pro reo aplica-se sem qualquer limitação, e portanto não apenas aos elementos fundamentadores e agravantes da incriminação, mas também ás causas de exclusão da ilicitude (v. g. a legitima defesa), de exclusão da culpa. Em todos estes casos, a persistência de dúvida razoável após a produção da prova tem de actuar em sentido favorável ao arguido e, por conseguinte, conduzir à consequência imposta no caso de se ter logrado a prova completa da circunstância favorável ao arguido" - Figueiredo Dias in D.tº Processual Penal, 1974, 211.
"Não adquirindo o tribunal a "certeza" (a convicção positiva ou negativa da verdade prática) sobre os factos (...), a decisão tem de ser, por virtude do princípio in dubio pro reo, a da absolvição. Neste sentido não é o princípio in dubio pro reo uma regra de ónus da prova, mas justamente o correlato processual da exclusão desse ónus" - vd. Castanheira Neves in processo criminal, 1968, 55/60.
No que aos factos desfavoráveis ao arguido tange (situação alegada no recurso), a dúvida insanável deve levar a dar como não provado o facto sobre o qual recai.
O princípio in dubio pro reo só é desrespeitado quando o Tribunal, colocado em situação de dúvida irremovível na apreciação das provas, decidir, em tal situação, contra o arguido - Ac. do mesmo Supremo de 18/3/98 in Proc 1543/97.
Afigura-se-nos que ressalta, de forma límpida, do texto da sentença (fundamentação da convicção sobre a matéria de facto), ter o Tribunal, após ponderada reflexão e análise crítica sobre a prova recolhida, obtido convicção plena, porque subtraída a qualquer dúvida razoável, sobre a verificação dos factos imputados ao arguido e que motivaram a sua condenação, apreciando prova válida e sem contrariar as regras da experiência comum.
Como já se disse, o que, diferentemente se pretende é que o tribunal deveria ter valorado as provas à maneira da recorrente, substituindo-se ele -recorrente- ao julgador, tal incumbência é apenas, porém deste - art. 127° CPP.
Apesar da discrepância referida inclusive na sentença, perante a prova produzida e tendo em conta as regras da experiência, apensa se poderiam dar como provados os factos sem qualquer ponta de dúvida.
De dois depoimentos que “se nos revelaram como seguros, isentos, peremptórios e com conhecimento directo dos factos”, como referido na motivação da matéria de facto na sentença, não resulta qualquer dúvida. Os factos foram dados como provados, com convicção plena.
Assim se julgando improcedentes todas as conclusões do recurso, e consequentemente este.
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Decisão:
Face ao exposto, acordam os Juízes desta Relação e Secção Criminal em:
1- Julgar improcedente o recurso do arguido JJ e, em consequência, mantém-se a sentença recorrida.
Custas pelo arguido com 4 Ucs de taxa de Justiça.
Coimbra,
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