Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra
Processo:
5227/19.9T8CBR.C1
Nº Convencional: JTRC
Relator: PAULA MARIA ROBERTO
Descritores: TRANSPORTES RODOVIÁRIOS INTERNACIONAIS DE MERCADORIAS
PRÉMIO TIR
SUBSÍDIO DE NATAL
USOS LABORAIS
Data do Acordão: 07/10/2020
Votação: UNANIMIDADE
Tribunal Recurso: TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE COIMBRA – JUÍZO DO TRABALHO DE COIMBRA – JUIZ 1
Texto Integral: S
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Legislação Nacional: CLÁUSULA 74ª; CT DE 2003.
Sumário: 1. A partir da entrada em vigor do CT de 2003, os trabalhadores motoristas têm direito a um subsídio de natal composto pela retribuição base e diuturnidades, não consubstanciando uma violação do princípio da irredutibilidade da retribuição a não integração da anterior cláusula 74.ª e do prémio TIR no seu cômputo, logo a partir de dezembro de 2003, uma vez que a garantia de retribuição a que alude o artigo 11º da Lei n.º 99/2003 apenas se aplica à denominada “retribuição modular”.

2. Por força do disposto nos artigos 122.º, d), do CT de 2003, e 129.º, n.º 1, d), do CT, é proibido ao empregador diminuir a retribuição (consagração do princípio da irredutibilidade da retribuição), princípio este que apenas se aplica à retribuição considerada em sentido estrito.

3. Os usos laborais, enquanto fonte de direito, devem traduzir-se numa prática reiterada, geral (ou social), realizada sem a convicção da sua obrigatoriedade e só têm relevância se não contrariarem disposição legal (ou de IRC) imperativa ou supletiva, podendo ser afastados por instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho.

Decisão Texto Integral: Acordam[1] na Secção Social do Tribunal da Relação de Coimbra:

I - Relatório

A..., residente em Coimbra

intentou a presente ação declarativa de processo comum contra

Transportes P..., Ldª, com sede em ...

alegando, em síntese, que no subsídio de natal do ano de 2018 a Ré apenas liquidou ao A. a retribuição mensal base, diuturnidades e Clª 45.ª, não tendo pago nenhuma importância a título de Clª 61ª e 60ª (que substituíram no novo CCT a anterior cláusula 74.ª, n.º 7 e o prémio TIR); a cláusula 53.ª do atual CCTV refere que o subsídio de natal corresponde a um mês de retribuição, contudo, a cláusula 82.ª do mesmo CCT determina que da aplicação da convenção não poderão resultar prejuízos para os trabalhadores, tais como, diminuição da retribuição; não obstante a redação da cl.ª 53.ª, n.º 1, as partes outorgantes quiseram salvaguardar aspetos retributivos anteriores mais favoráveis e vantajosos para os trabalhadores, pelo que aos trabalhadores que vinham auferindo um subsídio de Natal com inclusão da cláusula 74.ª,  n.º 7 e do prémio TIR do anterior CCTV , este subsídio deverá continuar a ser liquidado agora com inclusão da Cl.ª 60.ª e 61.ª do novo CCTV; o não pagamento viola as disposições convencionais, o princípio da irredutibilidade da retribuição, os usos e costumes laborais e a boa fé e é ilícito.

Termina pedindo que a presente ação seja julgada provada e procedente e, consequentemente, deve:

A) Reconhecer-se e declarar-se que o subsidio de Natal devido pela R. ao A. após a entrada em vigor do CCTV publicado no BTE n.º 34 de 15.9.2018 deve incluir a Cl.ª 60.ª e 61.ª do CCTV por força dos usos laborais, do principio da irredutibilidade da retribuição e do CCTV vigente;

B) Reconhecer-se e declarar-se a ilicitude da cessação do pagamento da Cl.ª 60.ª e 61.ª do CCTV publicado no BTE 34 de 15.09.2018 no subsídio de natal e, consequentemente,

C) Condenar-se a R. a pagar ao A. no(s) subsidio(s) de Natal do ano de 2018 e posteriores a Cl.ª 60.ª e 61.ª do CCTV;

D) A ser condenada a pagar ao A., juros à taxa legal sobre as quantias peticionadas, desde a data da citação e até efectivo e integral pagamento.

*

Teve lugar a audiência de partes e na qual não foi obtido acordo.       

*        

A devidamente notificada para contestar, veio fazê-lo alegando que:

Nos termos do novo CCTV e tal como no anterior, o valor do subsídio corresponde a um mês de retribuição; a Antram não aceitou que no subsídio de natal fosse incluído o pagamento de qualquer valor para além da retribuição base e diuturnidades mesmo para os contratos de trabalho já existentes, sendo que, da ata da reunião da comissão paritária de 06/12/2018 nada consta a propósito do subsídio de natal; face ao disposto na cláusula 53.ª do novo CCT, no subsídio de Natal devem ser pagas apenas a retribuição base, componentes salariais e diuturnidades; ficou estabelecido no novo CCT que da aplicação da convenção não pode resultar qualquer prejuízo para os trabalhadores, designadamente diminuição de retribuição, sendo esta a modular e não prestações complementares como o subsídio de Natal e, ainda, que as novas condições plasmadas no novo CCT são globalmente mais favoráveis que a anterior CCT, nomeadamente, quanto ao subsídio de natal que passou a contemplar o pagamento de complementos salariais (Cl. 45-ª).

Termina, dizendo que a ação deve ser julgada improcedente e, por via disso, ser a Ré absolvida do pedido.      

*

Foi proferido despacho saneador

Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento.

Foi, depois, proferida sentença, cujo dispositivo é o seguinte:

Julgo a ação totalmente improcedente e consequentemente, absolvo a Ré, Sociedade ..., Lda., de todos os pedidos formulados pelo Autor, A...”

*

O A., notificado desta sentença, veio interpor o presente recurso que concluiu da forma seguinte:

...

A contra alegou concluindo que:

...

O Exm.º Procurador-Geral Adjunto emitiu o douto parecer de fls. 70 e segs., no sentido de que a apelação deverá ser julgada improcedente.

Colhidos os vistos, cumpre, agora, apreciar e decidir.

II – Fundamentação

a-) Factos Provados:

...

b) - Discussão

Como é sabido, a apreciação e a decisão dos recursos são delimitadas pelas conclusões da alegação do recorrente (art.º 639.º do C.P.C.), com exceção das questões de conhecimento oficioso.

Assim, cumpre apreciar a questão suscitada pelo recorrente, qual seja:

Se a Ré deve continuar a pagar ao A. o subsídio de Natal com inclusão da anterior cláusula 74.ª e do prémio TIR, cláusulas 60.ª e 61.ª do CCTV publicado no BTE n.º 34, de 15/09/2018.

Alega o recorrente que a inclusão no subsídio de natal pago pela Ré ao A., desde 2003 até 2017, da cláusula 74.ª, n.º 7 e do prémio TIR, mostra-se justificada e fundamentada pelo disposto nos artigos 8.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1, da Lei n.º 99/2003, artigo 122.º, d) do CT de 2003, artigo 129.º da Lei n.º 7/2009 e artigo 53.º da CRP, decorrendo do princípio da irredutibilidade da retribuição plasmado nestes normativos; estas normas só podem ser afastadas por IRCT que disponha em sentido mais favorável; não resulta provado que as novas condições contratuais do atual CCTV de 2008 são mais favoráveis que a anterior CCT quanto ao subsídio de natal; tal pagamento consubstancia um uso laboral enquanto fonte de direito prevalecente sobre o novo CCTV; o subsídio de natal como retribuição específica e autónoma deve ser, para efeitos de aplicação do princípio da irredutibilidade, objeto de uma análise singular e autónoma em relação à retribuição diretamente emergente do trabalho; o subsídio de natal pago em 2018 está diminuído o que ocorre em violação do princípio da irredutibilidade da retribuição; resulta do disposto na cláusula 82.º do novo CCTV que da aplicação da mesma não poderá resultar diminuição da retribuição e de outras regalias de carácter regular ou permanente não contempladas na mesma e o facto de o novo CCTV não prever o pagamento no subsídio de natal da cl. 61.ª e 60.ª, não só acarreta diminuição da retribuição e outras regalias de carácter regular ou permanente como acarreta prejuízo para o A. que se vê amputado de mais de €400,00 no subsídio de natal, pelo que, está vedado à Ré fazer cessar o pagamento das citadas cláusulas no subsídio de natal e, por fim, que o novo CCTV será globalmente mais favorável mas com respeito e ressalva de que da sua aplicação não poderá resultar diminuição da retribuição líquida, nesta se incluindo o subsídio de Natal autonomamente encarado. 

A este propósito consta da sentença recorrida, além do mais, o seguinte:

Da matéria dada por provada e dos CCTV(s) a considerar, resulta, para além do mais, que:

- Desde o início da relação laboral, até ao ano de 2017, inclusive, a Ré pagou ao Autor o subsídio de Natal, com inclusão do prémio TIR e da cláusula 74.ª, n.º 7 do CCTV;

- A atual versão do CCTV aplicável às partes, publicado no BTE n.º 34 de 15.9.2018, entrou em vigor em 20 de setembro de 2018;

- A cláusula 74.ª, n.º 7 e o prémio TIR do anterior CCTV, foram substituídos no novo CCTV, pelas cláusulas, 61.ª e 60.ª, respetivamente;

- A cláusula 53ª do CCTV atual e vigente, estabelece que o subsídio de Natal corresponde a um mês de retribuição e para esse efeito, considera que integra o conceito de retribuição, a retribuição base (cláusula 44.ª), os complementos salariais (cláusula 45.ª) e as diuturnidades (cláusula 47.ª) (nºs 1 e 2);

- A cláusula 60.ª, nº 2 do atual CCTV, estabelece que “a ajuda de custo TIR não é devida no subsídio de Natal, sendo por isso devida por 13 meses”;

- No subsídio de Natal do ano 2018 a Ré pagou ao Autor retribuição mensal base, diuturnidades e cláusula 45ª, (não lhe pagando, portanto, qualquer quantia a título de cláusulas 61ª e 60ª, que substituíram no novo CCTV a cláusula 74.ª, n.º 7 e o prémio TIR do anterior CCTV);

- O atual CCTV não prevê a inclusão, no subsídio de Natal, das cláusulas 61ª e 60ª (e bem assim, o anterior CCTV, publicado no BTE nº 16 de 29.04.1982, não previa a inclusão no subsídio de Natal da cláusula 74.ª, n.º 7 e prémio TIR);

Dos autos resulta que desde o início da relação laboral - 1/7/2003 - até dezembro de 2017 a Ré pagou ao Autor o subsídio de Natal, com inclusão do prémio TIR e da cláusula 74ª, n.º 7 do anterior CCTV, sendo embora certo, que naquele CCTV, não existia qualquer disposição que dispusesse neste sentido e bem assim nem nos códigos de trabalho de 2003 e 2009, existia normativo que assim determinasse.

Porém e quanto à integração daquelas prestações, no subsídio de Natal, tal deveu-se, a nosso ver, e com o devido respeito por opinião contrária, porque as mesmas eram então consideradas, como fazendo parte da retribuição e assim sendo, a mesma não poderia ser reduzida, mesmo após a entrada em vigor do CT de 2003, e tal decorre desde logo nos termos do artigo 11º da Lei Preambular do Código de Trabalho de 2003, que estabelecia que, “A retribuição auferida pelo trabalhador não pode ser reduzida por mero efeito da entrada em vigor do Código de trabalho”

Assim, mesmo relativamente aos subsídios de Natal, vencidos posteriormente à entrada em vigor do Código de Trabalho de 2003 (01/12/2003), neles se deve ainda repercutir as prestações que vinham recebendo e que nos termos supra, deviam integrar a retribuição, e o mesmo se diga relativamente aos subsídios de Natal vencidos em data posterior à entrada em vigor do Código de Trabalho de 2009 (17/02/2009), o qual não contém qualquer “norma de salvaguarda” da retribuição, idêntica ao artigo 11º da Lei Preambular ao Código de Trabalho de 2003 - (vd. Ac. RC de 18/12/2013, no Processo nº1631/12.1TTCBR.C1 e ac.RC 1277/10.9T4AVR.C1 e 1330/10.9T4AVR.C1), onde pode ler-se “o problema interpretativo colocar-se-ia em relação ao subsídio de Natal, mas, mesmo no que a este respeita, o artigo 250º, é claro ao impor a sua aplicabilidade apenas na falta de “disposições legais, convencionais ou contratuais…”

No caso dos autos e como consta supra, o contrato de trabalho do Autor, foi celebrado anteriormente à entrada em vigor do Código de trabalho de 2003.

(…)

Já no que concerne ao subsídio de Natal, o Decreto-Lei n.º 88/96, de 03 de julho, preceituava no seu artigo 2.º, n.º 1 que “Os trabalhadores têm direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição, que deve ser pago até 15 de dezembro de cada ano”.

O Código do Trabalho de 2003, por seu turno, estatuía no artigo 254.º, n.º 1 que o trabalhador tem direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição, que deve ser pago até 15 de dezembro de cada ano, atualmente regulado no artigo 263.º do CT de 2009.

(…)

E o mesmo se diga relativamente ao subsídio de Natal, considerando o nº 1 do artigo 2º do D.L. n.º 88/96, ao prever que os trabalhadores têm direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição.

Tendo em conta o teor deste preceito, pretendeu-se assegurar que o subsídio de Natal fosse, em todos os casos, de valor igual a um mês de retribuição, apontando no sentido de que, para efeito do pagamento do subsídio de Natal, devia também atender-se a todas as prestações retributivas que fossem contrapartida da execução do trabalho - vd. a este respeito e entre outros, o Ac. do STJ de 17.01.2007, disponível em www.dgsi.pt.

Ora, conforme jurisprudência uniforme no Tribunal da Relação de Coimbra e no Supremo Tribunal de Justiça, a regularidade e a periodicidade do pagamento das quantias auferidas a título de cláusula 74ª, nº 7 e prémio TIR, levam a que as mesmas sejam consideradas como parte integrante da retribuição e, como tal, na ausência de normas semelhantes à dos citados artigos 250º do CT/2003 e 262º do CT/2009, se considere que o seu valor integra o cálculo do subsídio de férias e de Natal no âmbito da legislação anterior ao Código do Trabalho.

De tudo o supra exposto resulta, que a inclusão no subsídio de Natal pago ao Autor, desde 2003 até dezembro de 2017, da cláusula 74º, nº 7 e do prémio TIR, mostra-se justificada e fundamentada, não por qualquer “uso laboral”, mas pelas normas legais citadas e, até à data de entrada em vigor do atual CCTV, (cujo, que tem norma própria, para o Subsídio de Natal) pelo princípio da irredutibilidade da retribuição, nos termos supra expostos.

É certo que a este respeito, o Autor alega que o pagamento do subsídio de Natal, nele se incluindo a clª. 74, nº7 e o prémio Tir, “de forma livre, voluntária e pacífica, reiterada no tempo – desde 2203 té 2017 – consubstanciou um uso laboral…o que tanto mais se configura, quanto o CT 2003 o não previa”.

Porém, na sequência do que vem de se expor e como supra já referimos, entendemos diversamente, sempre com o devido respeito, por opinião contrária que, a justificação da inclusão no subsídio de Natal, daquelas prestações, se deve, não ao pretenso “uso laboral”, mas à existência de normais legais e convencionais determinantes da inclusão de tais complementos salariais naquele subsídio.

Com o atual CCTV, e a inclusão no mesmo de normas relativas ao subsídio de Natal (o que antes não se verificava), impõe-se a alteração do seu pagamento nos termos ora vigentes, porquanto, e como resulta da matéria dada por provada, não obstante o subsídio de Natal, ora configurado, nos moldes da cláusula 53º do aludido CCTV, poder ser inferior àqueloutro anteriormente pago, (pois que deixou de comportar o Prémio TIR e a clª 74º, nº7, atuais clªs 60ª e 61ª) o certo é que o atual CCTV, é globalmente mais favorável e foi livremente negociado entre representantes do trabalhador e da empregadora – vd. clª 83.

Quanto à questão alegada pelo Autor, de que o pagamento do subsídio de Natal, de 2018, sem nele se terem incluído as clªs, 60ª e 61ª, do atual CCTV, viola o principio da irredutibilidade da retribuição plasmado no artigo 129º do CT, nº1 alínea a), e a cláusula 82ª, nº 1 do CCTV, dir-se-á ainda o seguinte:

Decorre do art.º 127º, nº 1, al. d) do CT que é obrigação do empregador pagar, pontualmente e na forma devida, a retribuição do trabalhador ao seu serviço.

A retribuição concretiza, assim, a obrigação essencial que recai sobre a entidade patronal, como contrapartida dos serviços prestados pelo trabalhador ou da disponibilidade da sua força de trabalho.

Mas, para além da sua natureza de contraprestação, e até de instrumento de política económica, a retribuição está funcionalmente constituída também como meio de satisfação de necessidades pessoais e familiares do trabalhador, o que postula uma especial tutela jurídica.

E esta tutela jurídica está, desde logo, acautelada na Constituição da República – artigo 59º - e bem assim é também aflorada em vários outros segmentos do ordenamento jurídico – artigo 738º, nº 1 do CPC, artigo 737.º, n.º 1, al. e), do Código Civil e artigo 12.º da Lei n.º 17/86, de 14/6.

Além disso, o não pagamento pontual da retribuição na forma devida, para além de fazer constituir em mora a entidade empregadora, o que a obriga a indemnizar (art.º806.º do CC), consubstancia justa causa para o trabalhador resolver o contrato de trabalho (art.º 394º, nº 2, al. a) do CT).

Pode assim dizer-se que o legislador veda à entidade patronal a possibilidade de diminuir a retribuição, mas tal regra não é absoluta, pois e conforme estatui o artigo 129º, nº 1, alínea d), do CT, tal pode ocorrer nos casos previstos no Código do Trabalho ou em instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.

A respeito veja-se, entre outros, o ac.RC de 23.01.2014, disponível em www.dgsi.pt, onde pode ler-se “…. o que se proíbe, em termos absolutos, é apenas que a entidade empregadora, tanto pública como privada, diminua arbitrariamente o quantitativo da retribuição, sem adequado suporte normativo…” e ainda no mesmo aresto, se refere que Direito fundamental, esse sim, é o "direito à retribuição", e direito de natureza análoga aos direitos liberdades e garantias, como é pacífico na doutrina e este Tribunal tem também afirmado (cfr., por exemplo, o Acórdão n.º 620/2007). Mas uma coisa é o direito à retribuição, outra, bem diferente, é o direito a um concreto montante dessa retribuição, irredutível por lei, sejam quais forem as circunstâncias e as variáveis económico-financeiras que concretamente o condicionam. Não pode, assim, entender-se que a intocabilidade salarial é uma dimensão garantística contida no âmbito de proteção do direito à retribuição do trabalho ou que uma redução do quantum remuneratório traduza uma afetação ou restrição desse direito.

Então o legislador proíbe a diminuição apenas da retribuição de base (ou fixa) ou de todo e qualquer componente da retribuição?

Do artigo 258.º, nºs 1, 2 e 3 do CT, decorre que a retribuição integra a remuneração base e certas prestações complementares ou acessórias, sendo que estas prestações complementares, algumas delas, estão ligadas a particularidades da prestação do trabalho, tais como a penosidade, o perigo, a produtividade, etc., que, por regra, apenas são devidas na medida em que o trabalho seja prestado em condicionalismo que justificou o seu estabelecimento.

Na verdade, a retribuição é a contrapartida da prestação de trabalho, definida de harmonia com um certo equilíbrio, fixado no contrato ou noutra fonte juslaboral: lei ou instrumento de regulamentação coletiva de trabalho.

O princípio da irredutibilidade da retribuição tem por finalidade proibir uma alteração desse equilíbrio, em sentido considerado menos favorável para o trabalhador e só vale para a retribuição em sentido próprio, não abrangendo, por exemplo, as ajudas de custo, o pagamento de despesas diversas do trabalhador, etc. (vd. a este respeito, Maria Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, parte II, p. 524).

É também neste sentido que se tem pronunciado a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, considerando que o princípio da irredutibilidade, não incide sobre a globalidade da retribuição, mas apenas sobre a retribuição estrita, ficando afastadas, por regra, as parcelas correspondentes ao maior esforço ou penosidade do trabalho, como é o caso do trabalho por turnos, trabalho noturno ou prestado em dias de descanso ou feriados (vd. entre outros, acórdãos do STJ de 30.10.01, proc. nº 589/01; de 20.2.02, proc. nº1967/01; de 8.5.02, proc. nº 3446/01 e de 16.01.2008, todos disponíveis em www.dgsi.pt).

Registe-se, ainda, que é admissível a modificação da estrutura de uma retribuição complexa, em que há componentes fixas e componentes variáveis, extinguindo, por exemplo, estas últimas, substituindo-as por uma outra remuneração fixa.

Mas para que se não atinja a ofensa do princípio da irredutibilidade da renumeração, o que importa é que a modificação não acarrete uma diminuição do quantitativo da retribuição global.

No Acórdão do STJ de 20 de novembro de 2003, relatado por Ferreira Neto, pode ler-se: o empregador pode alterar unilateralmente a estrutura da retribuição, desde que daí não resulte diminuído o seu valor total, suprimindo, alterando ou criando os seus componentes, salvo se estes derivarem da lei ou da regulamentação coletiva.

Pode assim concluir-se que o que a lei salvaguarda é a impossibilidade de redução do valor global da retribuição, ainda que parcelas dessa retribuição possam ser alteradas ou até suprimidas.

Atente-se ainda e por fim, nas regras gerais de sucessão dos instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho que constam do art.º 503º do CT, das quais resulta que, da mera sucessão de convenções coletivas não pode resultar a diminuição do nível global de proteção dos trabalhadores (nº 2) e que a nova convenção só pode reduzir pontualmente direitos adquiridos ao abrigo do instrumento anterior, na condição de ser globalmente mais favorável (nº 3) e de esses direitos não terem sido expressamente ressalvados pelas partes (nº 4).

No que especificamente se refere à exigência de que o caráter globalmente mais favorável conste expressamente do texto do novo instrumento de regulamentação coletiva do trabalho, a questão que se coloca é a de saber se esta exigência pode ser entendida como meramente formal ou deve corresponder à realidade.

O entendimento clássico nesta matéria vai no sentido da exigência de que a cláusula do instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que declare o seu caráter globalmente mais favorável relativamente ao instrumento anterior corresponda, de facto, à realidade (contra Maria Palma Ramalho, Tratado de Direito do Trabalho, parte I, p. 312).

No caso vertente, verifica-se que a estrutura do subsídio de Natal pago ao Autor foi alterada por convenção coletiva de trabalho, que antes integrava a remuneração base, diuturnidades, cláusula 74º, nº 7 e prémio TIR e a partir de setembro de 2018, com o novo CCTV, passou a integrar remuneração base, diuturnidades e complementos salariais (cláusula 45ª).

E desta alteração, se confrontados os valores pagos ao Autor, a título de subsídio de Natal, em 2017 e 2018, constata-se que, efetivamente se verifica a este título (quanto ao montante do subsídio de Natal) uma diminuição do seu valor.

Contudo, temos por certo, que tal diminuição não resultou de qualquer ato arbitrário ou unilateral da Ré, antes tem suporte normativo, o CCTV atual, que resultou de um processo negocial, entre os representantes dos trabalhadores (entre os quais o aqui Autor) e os das entidades Patronais, (entre as quais, a aqui Ré), que culminou com a outorga do mesmo, cujo, reestruturou o esquema remuneratório dos trabalhadores e como tal, deve ser analisado na sua globalidade e não apenas no que concerne a esta única prestação pecuniária. E da análise dos quantitativos auferidos pelo autor nos anos de 2017 e 2018 e melhor discriminados nos artigos 11º e 12º dos factos provados, verifica-se, sem qualquer sombra de dúvida, que o atual CCTV é globalmente mais favorável, ou, ainda que dito de outra forma, sendo embora certo que o Subsídio de Natal, individualmente considerado, é inferior, o seu rendimento mensal e anual, é consideravelmente mais elevado.

Posto isto, sem necessidade de mais considerando, concluímos que o atual CCTV:

- Respeitou o princípio da irredutibilidade da retribuição relativamente à retribuição estrita ou em sentido próprio;

- Não ressalvou quaisquer direitos adquiridos relativamente à integração das cláusulas 60ª e 61ª no subsídio de Natal, nos termos que seriam exigíveis pelo art.º 503º, nº 4 do CT, tendo até consagrado que a ajuda de custo TIR, não é devida no subsídio de Natal, sendo por isso devida por 13 meses- vd. clª 60ª, nº2;

- e contém uma cláusula que declara o seu caráter globalmente mais favorável relativamente ao instrumento anterior, cláusula 83.ª (carácter mais favorável): as partes consideram que o presente CCTV é globalmente mais favorável do que a regulamentação coletiva anterior, cujas disposições são integralmente revogadas - o que de acordo com entendimento clássico que se perfilha, corresponderá, de facto, à realidade;

E também não se vislumbra a existência de qualquer outra retribuição ou regalia, de caráter regular ou permanente, não contemplada no CCTV, que se imponha salvaguardar nos termos previstos na cláusula 82ª, nº 1 do atual CCTV.

Do que tudo se extrai, que da não inclusão no subsídio de Natal pago ao autor das cláusulas 60ª e 61ª (cláusula 74º, nº 7 e prémio TIR do anterior CCTV) não resulta a violação do princípio da irredutibilidade da retribuição plasmado no art.º 129º, nº 1, al. d) do CT e da cláusula 82ª, nº 1 do CCTV.

Mesmo que assim não se entendesse, afigura-se que a inclusão das cláusulas 60ª e 61.ª no subsídio de Natal, apenas dos trabalhadores admitidos antes da entrada em vigor do atual CCTV, ofenderia o princípio da igualdade.

(…)

Por tudo o exposto, somos a concluir que:

O não pagamento pela Ré, ao Autor, no subsídio de Natal, das cláusulas 60ª e 61ª do CCTV, não viola as disposições convencionais do CCTV (cláusula 82ª), nem o princípio da irredutibilidade da retribuição, plasmado no art.º 129º, nº 1, al. d) do CT, nem mesmo o princípio da boa fé, pelo que, forçoso se torna concluir que a ação improcede na totalidade.” – fim de citação.

                                                           *

Vejamos, então, se assiste razão ao A. recorrente.

Dúvidas não existem de que face ao disposto nas cláusulas 53.ª, 60.ª e 61.ª, todas do CCTV publicado no BTE n.º 34, de 15/09/2018, os trabalhadores abrangidos por este IRCT têm direito a um subsídio de natal correspondente a um mês de retribuição, considerando-se que integra o conceito de retribuição, a retribuição base, os complementos salariais (cláusula 45.ª) e as diuturnidades (n.ºs 1 e 2 da cláusula 53.ª), sendo que a ajuda de custo TIR não é devida no subsídio de natal (n.º 2 da cláusula 60.ª).

Acontece que o recorrente entende que continua a ter direito ao pagamento no subsídio de natal dos montantes a que se referem as cláusulas 60.ª e 61.ª, porque tal deriva da aplicação da LCT, CT de 2003 e CT de 2009, dos usos laborais e da cláusula 82.ª do novo CCTV.

Pois bem, desde já avançamos que não acompanhamos o recorrente.

Na verdade, até 01/12/2003, data da entrada em vigor do CT de 2003, constituía jurisprudência uniforme deste tribunal, bem como do STJ, que as quantias auferidas a título de cláusula 74.ª, n.º 7 e prémio TIR (anterior CCT), devido à sua regularidade e periodicidade, deviam considerar-se como parte integrante da retribuição e, assim, serem levadas em conta no cálculo do subsídio de Natal.

Acontece que, face ao disposto no artigo 250.º do CT de 2003 e, posteriormente, no artigo 262.º do CT de 2009, tal entendimento foi alterado pois a base de cálculo das prestações complementares e acessórias passou a ser constituída apenas pela retribuição base e diuturnidades quando disposição legal, convencional ou contratual não disponha em contrário, sendo certo que da cláusula 44.ª do anterior CCT resultava que os trabalhadores têm direito a um subsídio correspondente a um mês de retribuição.

Na verdade <<I – A regularidade e a periodicidade do pagamento das quantias auferidas a título de “Cl.ª 74ª, nº 7” e “Prémio Tir” do CCTV para o transporte rodoviário, publicado no BTE nº 19 de 22/05/1990, levavam a que as ditas quantias fossem consideradas como parte integrante da retribuição e, como tal, na ausência de normas semelhantes às dos artºs 250º do CT/2003 e 262º do CT/2009, devia considerar-se que o seu valor integrava o cálculo do subsídio de férias e do subsídio de natal, no âmbito da legislação anterior ao dito CT/2003.

II – A partir da entrada em vigor do CT/2003 o valor da Cl.ª 74ª, nº 7 e do Prémio TIR deixou de integrar as prestações complementares e acessórias, salvo se o CCTV aplicável expressamente dispuser de outra maneira.[2]>>

Acresce que o artigo 11.º da Lei n.º 99/2003, de 27/08, estabeleceu uma garantia de retribuição ao consignar que: <<a retribuição auferida pelo trabalhador não pode ser reduzida por mero efeito da entrada em vigor do Código do Trabalho>>, no entanto, esta retribuição corresponde, no nosso entendimento, à chamada “retribuição modular”.

Na verdade, acompanhamos o Ac. do STJ de 12/03/2014, disponível em www.dgsi.pt. e no qual se decidiu:

<<A controvérsia e dúvidas que se colocam são relativas ao período posterior à Codificação do direito substantivo laboral, concretamente após 1 de Dezembro de 2003, início da vigência do Código do Trabalho/2003[4], aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto.

Porque se trata, in casu, da constância de uma relação juslaboral outorgada anteriormente à data da sua entrada em vigor, há que analisar o regime transitório/aplicação no tempo, aí previsto pelo legislador.

Em consonância com as regras relativas ao princípio geral da aplicação das leis no tempo (art. 12.º do Cód. Civil), dispõe-se no art. 8.º/1 da referida Lei, que, [s]em prejuízo do disposto nos artigos seguintes, ficam sujeitos ao regime do Código do Trabalho os contratos e os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho celebrados ou aprovados antes da sua entrada em vigor, salvo quanto às condições de validade e aos efeitos de factos ou situações totalmente passados anteriormente àquele momento.

(Dispondo a lei nova apenas para o futuro, por via de regra, entender-se-á todavia que, quando dispuser directamente sobre o conteúdo de certas relações jurídicas, abstraindo dos factos que lhes deram origem, a lei abrange as próprias relações já constituídas, que subsistam à data da sua entrada em vigor – n.º 2 do citado art. 12.º do Cód. Civil –, ou seja, sempre que se trate, como no caso, de situações jurídicas duradouras, é-lhes aplicável a Lei nova).

Uma das ressalvadas disposições transitórias seguintes, a reter, é a constante do art. 11.º/1 da Lei em análise, que, sob a epígrafe “Garantias de retribuição e trabalho nocturno”, dispõe: ‘[a] retribuição auferida pelo trabalhador não pode ser reduzida por mero efeito da entrada em vigor do Código do Trabalho’).

Como logo se entrevê, a questão axial (sua abordagem contextual, tratamento e solução) pressupõe a compreensão, tão unívoca quanto possível, do conceito de retribuição (e suas componentes).

Tendo o Código do Trabalho inovado, neste campo – como reflecte Joana de Vasconcelos, no texto que constitui anotação ao art. 249.º, in «Código do Trabalho», Pedro Romano Martinez & Outros, 5.ª Edição, Almedina, 2007, pg. 482 –, o sentido essencial desta nova norma há-de buscar-se, para lá da respectiva letra, na articulação com o disposto no artigo seguinte acerca do cálculo das prestações complementares e acessórias.

Da Proposta de Código do Trabalho (exposição de motivos), oportunamente apresentada à Assembleia da República, constava um ponto – o VII, alíneas a) e b) – relativo à revisão do conceito de retribuição-base, bem como ao esclarecimento de algumas dúvidas sobre retribuição, nomeadamente quanto ao âmbito do subsídio de férias e às prestações que integram a noção de contrapartida devida ao trabalhador.

O Capítulo III do repositório legal que, na sequência daquela proposta, veio a ser aprovado – significativamente subordinado à epígrafe «Retribuição e outras atribuições patrimoniais» – consagra, no art. 249.º, os princípios gerais do conceito de retribuição, cuidando, do mesmo passo, de aportar um regime supletivo para o cálculo das chamadas ‘prestações complementares e acessórias’ (art. 250.º), e de estabelecer um conteúdo diferenciado para os subsídios de Natal (art. 254.º/1) e de férias (art. 255.º/2). (Correspondem-lhe, no essencial, as normas homólogas dos arts. 258.º, 262.º, 263.º/1 e 264.º/2 do Código do Trabalho/2009).

O critério legal, genericamente enunciado no n.º 1 do art. 249.º (considera-se retribuição tudo aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho) constitui, como pondera Monteiro Fernandes[5], um instrumento de resposta ao problema da determinação, ‘a posteriori’, da chamada “retribuição modular”, ou em abstracto, (expressão do padrão/módulo do esquema remuneratório de cada trabalhador, que compreende, por reporte a uma unidade de tempo, a diversidade das atribuições patrimoniais devidas[6]).

A retribuição, em termos estruturais[7], tem como ponto de referência a retribuição-base (prestação com carácter certo, correspondente ao exercício da actividade contratada no período normal de trabalho), à qual se contrapõem naturalmente todas as outras…

…E é calculada em função dessa retribuição-base e de prestações complementares e acessórias, estas (também chamadas de ‘aditivos’, por alguns) ligadas a contingências do exercício da actividade e por isso aferidas com recurso a factores aleatórios ou circunstanciais, do tipo percentagens, objectivos alcançados e outros.

Para além delas – ainda nas autorizadas palavras de Bernardo Lobo Xavier, ibidem, pg. 550 –, há certas atribuições patrimoniais em função do tempo, que têm como característica serem pagas anualmente e em determinados períodos: as mais conhecidas são o subsídio de férias e a gratificação de Natal (…).

Na sequência desta breve recensão, podemos aproximar uma primeira conclusão:

Sem deixar de reconhecer a estas prestações complementares carácter retributivo, isso não implica, e menos necessariamente, que todas as atribuições remuneratórias – maxime as que a Lei caracteriza autonomamente, v.g. os subsídios de férias e de Natal – estejam pressupostas no âmbito da ‘retribuição modular’, que é, a nosso ver, a acautelada no falado art. 11.º/1 da Lei que institucionalizou o Código do Trabalho/2003.

A salvaguarda constante da norma reporta-se, como cremos – numa interpretação que, conjugada com a precedente disposição transitória contida no art. 8.º/1, tenha sobretudo em consideração a ratio legis, no contexto unitário do ordenamento jurídico –, à retribuição em abstracto, padronizada ou modular, e não propriamente às variáveis/componentes retributivas (prestações complementares e acessórias) que concretamente a integrem e, menos, ao modo de determinação do respectivo cálculo, do seu ‘quantum’ futuro (…relativamente à nova disciplina).

(O n.º 2 desse art. 11.º reforça, aliás, pela sua inserção sistemática, o entendimento propugnado, ao acautelar precisamente a consideração de um específico suplemento retributivo, por trabalho nocturno prestado nas descritas circunstâncias).

O que acima se expendeu, em termos pouco mais que esquemáticos, consolida o já firmado entendimento – …que, como se consigna e se concederá, foi dificultado pela densificação do conceito da ‘obrigação retributiva’, consagrado, com conteúdo nem sempre coincidente, nas diferentes fontes de Direito Laboral – de que a retribuição salvaguardada no referido art. 11.º/1 do diploma que aprovou o Código do Trabalho é a delineada no seu art. 249.º.

(O que não colide, sem mais, no dilucidado plano de significação, com o falado princípio geral da irredutibilidade da retribuição. Este princípio não se estende, por regra, à globalidade da retribuição auferida, contemplando apenas a retribuição restrita.

Assim se entende, doutrinal e jurisprudencialmente, de modo pacífico, conforme se explana, circunstanciadamente, no Acórdão deste Supremo Tribunal e Secção, prolatado em 17.1.2007, consultável na Base de dados da DGSI.PT, a que nos reportamos).

(…)

O trabalhador tem direito a subsídio de Natal de valor igual a um mês de retribuição, que deve ser pago até 15 de Dezembro de cada ano – n.º 1 do art. 254.º do CT/2003 e n.º 1 do art. 263.º do CT/2009).

Quando as disposições legais, convencionais ou contratuais não disponham em contrário – …e no caso não dispõem –, entende-se que a base de cálculo das prestações complementares e acessórias nelas estabelecidas é constituída apenas pela retribuição base e diuturnidades, sendo retribuição base aquela que corresponde, nos termos do contrato ou irct, ao exercício da actividade desempenhada pelo trabalhador de acordo com o período normal de trabalho que tenha sido definido – arts. 250.º, n.º 1 e alínea a) do n.º 2 do CT/2003 e art. 262.º, n.º 1 e alínea a) do n.º 2 do CT/2009.

A disposição contratual relativa ao subsídio de Natal – constante da cl.ª 14.ª, b), bem como a cl.ª 44.ª/1 do CCTV aplicável, o celebrado entre a Antram e a Festru, publicado originalmente no BTE n.º 9/80, de 8/3, com sucessivas revisões, e PE no BTE n.º 33/82, de 8/9 – não diz o contrário, como já se adiantou, nomeadamente aquela última, ao estabelecer que todos os trabalhadores abrangidos por esta contratação têm direito a um subsídio correspondente a um mês de retribuição, o qual será pago ou posto à sua disposição até 15 de Dezembro de cada ano.

O cálculo do subsídio de Natal reconduz-se, assim – como é Jurisprudência repetida e uniforme deste Supremo Tribunal, podendo conferir-se, inter alia, e além dos Arestos referidos no Acórdão de 11.5.2011, a deliberação desta 4.ª Secção de 12.1.2011, in dgsi.pt – ao somatório da retribuição base e das diuturnidades, pois o ‘mês de retribuição’ a que se reporta o art. 254.º/1 não poderá deixar de ser compaginado com a regra supletiva plasmada no art. 250.º/1. (…)>>.

Assim sendo e, em suma, a partir da entrada em vigor do CT de 2003, os trabalhadores motoristas têm direito a um subsídio de natal composto pela retribuição base e diuturnidades, não consubstanciando uma violação do princípio da irredutibilidade da retribuição a não integração da anterior cláusula 74.ª e do prémio TIR no seu cômputo, logo a partir de dezembro de 2003, uma vez que, como já referimos, a garantia de retribuição a que alude o artigo 11º da Lei n.º 99/2003 apenas se aplica à denominada “retribuição modular”.

Acresce que, por força do disposto nos artigos 122.º, d), do CT de 2003 e 129.º, n.º 1, d), do CT, é proibido ao empregador diminuir a retribuição (consagração do princípio da irredutibilidade da retribuição).

Constitui jurisprudência uniforme, acompanhada pela doutrina, que este princípio apenas se aplica à retribuição considerada em sentido estrito, ou seja, não abrange todas as componentes da retribuição, excluindo-se as parcelas da retribuição habitualmente designadas de complementares ou acessórias, relacionadas com um maior esforço, risco ou penosidade do trabalho (subsídio de risco; subsídio de compensação por penosidade do trabalho), com situações de desempenho específicas (isenção de horário de trabalho), ou situações de maior trabalho (trabalho prestado para além do período normal de trabalho).

Neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 16/1/2008 e o Acórdão da Relação de Lisboa de 18/6/2008, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).

Na verdade, conforme se decidiu no acórdão desta Relação de 26/03/2015, disponível em www.dgsi.pt

<<I – Ocorrem situações de retribuição mista, composta pelo salário base e por determinadas prestações retributivas complementares determinadas por contingências especiais de prestação de trabalho (penosidade, perigo, isolamento, toxicidade, ...), pelo rendimento, mérito, produtividade ou mesmo por certas situações pessoais dos trabalhadores (antiguidade, diuturnidades, ...).

II – No que toca ao princípio da irredutibilidade da retribuição consagrado nos artºs 21º, nº 1, al. c) da LCT e 122º, al. d) do CT/2003, o mesmo só incide sobre a retribuição estrita, não abrangendo as parcelas correspondentes a maior esforço ou penosidade do trabalho ou a situações de desempenho específicas (como é o caso da isenção de horário de trabalho), ou a maior trabalho (como ocorre quando se verifica a prestação de trabalho para além do período normal de trabalho), ou à prestação de trabalho em condições mais onerosas, em quantidade ou esforço (como é o caso do trabalho por turnos), o mesmo sucedendo com as prestações decorrentes de factos relacionados com a assiduidade ou desempenho do trabalhador, cujo pagamento não esteja antecipadamente garantido.

III – Embora integrem o conceito de retribuição, tais prestações complementares não se encontram sujeitas ao princípio da irredutibilidade da retribuição, pelo que só serão devidas enquanto perdurar a situação em que assenta o seu fundamento, podendo a entidade patronal suprimi-las quando cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição.>>[3]

E, por outro lado, <<o princípio da irredutibilidade da retribuição reporta-se ao seu valor global (…). Por isso, não viola aquele princípio a entidade empregadora que, tendo, durante algum tempo, pago suplementos remuneratórios de 200%, por trabalho prestado em Domingos e dias feriados, passa, posteriormente, a remunerar o mesmo trabalho com acréscimos de 100%, desde que o trabalhador não veja diminuído o montante global das importâncias recebidas a título de retribuição>>[4].

Desta forma, ao contrário do alegado pelo recorrente, a inclusão no subsídio de natal pago pela Ré ao A., desde 2003 até 2017, da cláusula 74.ª, n.º 7 e do prémio TIR, não se mostra justificada e fundamentada pelo disposto nos artigos 8.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1, da Lei n.º 99/2003, artigo 122.º, d) do CT de 2003, artigo 129.º da Lei n.º 7/2009 e artigo 53.º da CRP, nem decorre do princípio da irredutibilidade da retribuição, sendo que, inexiste qualquer fundamento legal ou convencional para que seja aplicado tal princípio ao subsídio de natal enquanto prestação autónoma e, consequentemente, a sua diminuição, sem mais, não consubstancia a violação daquele.

Mas o recorrente alega, também, que o pagamento da citada cláusula 74.ª, n.º 7 e do prémio TIR, consubstancia um uso laboral enquanto fonte de direito prevalecente sobre o novo CCTV.

Vejamos:

Conforme resulta do artigo 1.º do CT, o contrato de trabalho está sujeito aos IRCT, assim como aos usos laborais que não contrariem o princípio da boa fé.

Como refere Monteiro Fernandes[5], os usos laborais são <<práticas usuais, normais ou tradicionais, definidoras de soluções comuns ou uniformes para questões práticas que podem suscitar-se nas relações de trabalho>> (...), e <<o que caracteriza as referidas práticas é a repetição, a continuidade, que define uma “solução padronizada”, mas não um imperativo incontornável. É-lhes estranha a <<convicção generalizada de juridicidade>>, elemento subjetivo do costume como fonte de direito>>.

Mais refere o mesmo autor que <<um uso pode ser suprimido em consequência de alteração legislativa ou convencional que o contrarie>>.

Por outro lado, <<a particular relevância dos usos no domínio laboral justifica-se por dois motivos: de uma parte, pela importância que as práticas associadas a determinadas profissões têm na organização do vínculo de trabalho; de outra parte, pelo facto de os usos da empresa e da profissão do trabalhador serem, com frequência, tomados em consideração para integrar aspetos do conteúdo do contrato de trabalho que não tenham sido expressamente definidos pelas parte>>[6].

Na verdade, <<para que determinada prática, a nível de gestão empresarial, possa constituir um uso de empresa é necessário que a mesma se encontre sedimentada durante um considerável lapso de tempo, de forma a permitir que se possa concluir no sentido da existência de uma regra que leve os trabalhadores a adquirir legitimamente a convicção de que, no futuro e definitivamente, a mesma será aplicada>>[7].

<<Os usos correspondem a práticas sociais reiteradas não acompanhadas da convicção de obrigatoriedade, em cuja noção está ínsita ou implícita a ideia de uma reiteração ou repetição dum comportamento ao longo do tempo>>[8].

Pois bem, antes de mais, cumpre dizer que não sabemos em concreto a razão pela qual a Ré, após a entrada em vigor do CT de 2003, continuou a pagar ao A. a cláusula 74.ª, n.º 7 e o prémio TIR no subsídio de Natal, ou seja, não sabemos se o fez porque estava convencida de que continuava a estar obrigada a tal ou sem convicção de obrigatoriedade, no entanto, podemos concluir que o fez na sequência do anterior pagamento imposto por lei. E, também não se apurou se tal prática era generalizada ou apenas respeitava ao trabalhador A., requisitos necessários à consideração dos usos como fonte de direito.

Como se refere no acórdão desta Relação, de 27/10/2016, relatado pelo ora 1º adjunto, <<os usos, nos apertados limites definidos pela jurisprudência e pela doutrina, para além de se relacionarem com uma prática reiterada, realizada sem a convicção da sua obrigatoriedade, devem traduzir-se numa prática geral, isto é (cfr. Júlio Vieira Gomes, Direito do Trabalho, vol. I, pag. 57) “realizada perante todos os trabalhadores ou, pelo menos, perante um grupo ou categoria destes e não perante um ou outro trabalhador individualmente considerado” (sublinhado nosso). Ou, dito de outro modo, numa prática social (cfr. Pedro Romano Martinez, Direito do Trabalho, 4.ª ed., pags. 181 e ss.). No mesmo sentido Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 12.ª ed., pags. 113 e ss.

Por isso, uma prática reiterada que não tenha carácter geral ou social não se constitui como fonte de direito enquanto uso laboral.>>

Por outro lado,  os usos só têm relevância se não contrariarem disposição legal (ou de IRC) imperativa ou supletiva e, como já referimos, podem ser afastados por instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho[9].

Pelo exposto, tendo em conta o que ficou dito e, desde logo, as normas supra citadas do CT de 2003 e de 2009 sobre o cálculo do subsídio de Natal, ao contrário do alegado pelo recorrente, o pagamento pela Ré ao A., desde o início de 2003 até 2017, do subsídio de natal com inclusão do prémio TIR e da cláusula 74.ª, n.º 7, não consubstancia um uso laboral enquanto fonte de direito e, mesmo que o fosse, sempre poderia ser abolido por um novo IRCT.  

Acresce que o novo CCTV de 2018 não afastou o disposto no artigo 11.º da Lei n.º 99/2003 nem o princípio da irredutibilidade, posto que, como já referimos, os mesmos não são aplicáveis, inexistindo, por isso, após a entrada em vigor do CT de 2003, a obrigação de pagar a citada cláusula e o prémio TIR.

Mais alega o recorrente que não resulta provado que as novas condições contratuais do atual CCTV de 2008 são mais favoráveis que a anterior CCT quanto ao subsídio de natal.

Assim é, no entanto, resulta da matéria de facto provada que as novas condições contratuais plasmadas no CCTV publicado no BTE n.º 34, de 15/09/2018, são globalmente mais favoráveis e, como se refere na sentença recorrida e resulta dos pontos 10 a 12, o A., em dezembro de 2018, auferiu mensalmente uma retribuição superior em todas as suas componentes.

Na verdade, o subsídio de natal do A. viu o seu valor diminuído, redução que ocorreu por força das cláusulas 53.ª, 60.ª e 61.ª do CCTV de 2018, no entanto, o valor mensal auferido pelo mesmo foi aumentado em cerca de €200,00 e, por isso, impõe-se concluir que aquele é globalmente mais favorável.

Também não acompanhamos o recorrente quando o mesmo alega que o tribunal de 1ª instância interpretou de forma incorreta o n.º 1 da cláusula 82.ª do CCTV de 2018 que refere: <<da aplicação da presente convenção não poderão resultar quaisquer prejuízos para os trabalhadores, (…), bem como diminuição de retribuição e outras regalias de carácter regular ou permanente não comtempladas neste CCTV>>.

Na verdade, desta cláusula resulta a proibição de diminuição do valor global da retribuição e não de uma qualquer concreta prestação complementar.

Aliás, sendo a própria CCTV a estabelecer a forma de cálculo do subsídio de natal (cláusulas 53.ª e 60.ª), a não ser assim, existiria na mesma uma contradição incompreensível, sendo que, foi discutido entre as partes contratantes, em concreto, o cômputo do subsídio de natal (conforme resulta da atas da comissão paritária) e aquelas não acordaram no sentido de ser incluído naquele subsídio qualquer valor além da retribuição base, diuturnidades e complementos salariais (cláusula 53.ª), como resulta dos pontos 23 a 25 da matéria de facto provada, inexistindo qualquer fundamento legal para que o subsídio de natal seja encarado de forma autónoma.

Em suma, a cessação do pagamento da anterior cláusula 74.ª e do prémio TIR no subsídio de natal não é ilegal nem ilícita, resulta das cláusulas 53.ª, 60.ª e 61.ª, todas do CCTV publicado no BTE n.º 34, de 15/09/2018, não se vislumbrando qualquer violação do princípio da irredutibilidade, da CRP ou da cláusula 82.ª do CCTV de 2018.

Improcedem, por isso, todas as conclusões do recorrente.

Assim, na improcedência do recurso, impõe-se a manutenção da sentença recorrida.

  IV – Sumário[10]

1. A partir da entrada em vigor do CT de 2003, os trabalhadores motoristas têm direito a um subsídio de natal composto pela retribuição base e diuturnidades, não consubstanciando uma violação do princípio da irredutibilidade da retribuição a não integração da anterior cláusula 74.ª e do prémio TIR no seu cômputo, logo a partir de dezembro de 2003, uma vez que, a garantia de retribuição a que alude o artigo 11º da Lei n.º 99/2003 apenas se aplica à denominada “retribuição modular”.

2. Por força do disposto nos artigos 122.º, d), do CT de 2003 e 129.º, n.º 1, d), do CT, é proibido ao empregador diminuir a retribuição (consagração do princípio da irredutibilidade da retribuição), princípio este que apenas se aplica à retribuição considerada em sentido estrito.

3. Os usos laborais, enquanto fonte de direito, devem traduzir-se numa prática reiterada, geral (ou social), realizada sem a convicção da sua obrigatoriedade e só têm relevância se não contrariarem disposição legal (ou de IRC) imperativa ou supletiva, podendo ser afastados por instrumentos de regulamentação coletiva do trabalho.

V – DECISÃO

Nestes termos, sem outras considerações, na improcedência do recurso, acorda-se em manter a sentença recorrida.

Sem custas, por delas estar isento o A. recorrente.

                                                                   Coimbra, 2020/07/10

                                                                          (Paula Maria Roberto)

                                                                                (Ramalho Pinto)

                                                                                 (Felizardo Paiva)

                                                                                                                                                                                                                                                                 


***


[1] Relatora – Paula Maria Roberto
  Adjuntos – Ramalho Pinto
                          Felizardo Paiva
[2] Acórdão desta Relação, de 06/06/2013, disponível em www.dgsi.pt.
[3] No mesmo sentido, cfr. o Acórdão do STJ, de 09/01/2008, disponível em www.dgsi.pt..
[4] Acórdão do STJ, de 26/03/2008, disponível em www.dgsi.pt.
[5] Direito do Trabalho, 13ª edição, Almedina, págs. 114 e segs.
[6] Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho I – Dogmática Geral, 2012, 3ª edição, Almedina. 
[7] Ac. do STJ, de 09/03/2017, processo n.º 401/15.0T8BRG.G1.S1 (Revista) - 4ª Secção. 
[8] Ac. do STJ, de 17/11/2017, processo n.º 1032/15.0T8BRG.G1.S1.
[9] A este propósito, cfr. o Ac. do STJ, de 05/07/2007, disponível em www.dgsi.pt.
[10] O sumário é da responsabilidade exclusiva da relatora.